SIX
Você acordou com a luz suave do sol se infiltrando por entre as cortinas de seu quarto, suas pálpebras tremiam de maneira leve, um resmungo baixo escapando de seus lábios, quase como se não quisesse acordar. Era tudo tão tranquilo, tão calmo, tão fácil quando os pesadelos não estavam tomando conta de seu ser por completo.
Abriu os olhos devagar por fim, seu corpo ainda estava dolorido, a cabeça latejando devido à pancada contra a lata de lixo na noite anterior. Você suspirou, querendo desesperadamente ficar na cama, evitar o mundo por mais um dia. Mas então aqueles mesmos olhos azuis voltaram a sua mente, quase como um furacão bagunçando seus pensamentos cada vez mais.
Toji.
Ele havia dito que marcaria uma consulta e bem você não entendia ao certo o porquê daquilo, não havia sido algo tão grave no fim das contas; você se rastejou para fora da cama de maneira cuidadosa cada pequena partícula de seu corpo implorando por misericórdia. Não estava tão ruim ao ponto que precisasse que alguém marcasse uma consulta por você, não...
— Oh...
Interrompeu os próprios pensamentos com a sua voz falhada que praticamente arranhava sua garganta ao ver seu reflexo no espelho do quarto. Uma mancha roxa enorme que descia de sua têmpora direita por toda a lateral de seu rosto. Você engoliu em seco, era a primeira vez que via o próprio reflexo depois do incidente da balada. Você suspirou tremula tocando o hematoma levemente inchado com a ponta dos dedos.
Antes que pudesse tomar qualquer decisão sobre o que fazer, a campainha soou de um modo tão alto que fazia com que sua cabeça inteira doesse; você piscou quase que apavorada e correu para a cômoda ligando o celular que havia desligado na noite passada, vendo uma mensagem do homem de cabelos escuros ali.
Toji: "Estou aqui na frente".
Você bufou irritadiça, odiava se atrasar, simplesmente odiava, correu para o banheiro escovou os dentes e lavou o rosto da maneira mais rápida que conseguia antes de enfiar uma camisa colada preta de gola alta e mangas longas no seu corpo junto com um jeans azul, prendeu os cabelos de qualquer modo com a piranha e calçou o crocs rosa antes de praticamente correr escada abaixo abrindo a porta principal da sala se detendo com o mesmo homem da noite passada. Ele vestia roupas ainda casuais, dessa vez era um moletom branco e longo e uma calça sarja preta. Você piscou devagar o encarando ali encostado contra o batente da sua porta. Ele coçou a garganta arrumando a postura, os olhos azuis escuros e levemente cansados fixados em você.
— Bom dia, Sophie — ele disse com a voz baixa, levemente rouca, quase como se estivesse sem falar a muito tempo, você respirou fundo. Ele tinha um feição sem expressão, quase como se não se importasse com nada —, como você está se sentindo hoje?
— Eu... Eu estou bem — você respondeu, cruzando os braços, tentando se proteger da intensidade do olhar dele. — Não preciso de consulta, e, além disso, não tenho dinheiro pra pagar algo assim agora. Estou sem emprego e...
Antes que você pudesse continuar, Toji deu um passo à frente, quebrando a distância entre vocês de uma maneira quase natural, mas que te deixou desconfortável. O ar ao redor dele parecia mais pesado, quase como se com apenas a presença dele ele fosse capaz de lhe sufocar a qualquer segundo.
— Não se preocupe com isso — ele interrompeu, a voz grave e imponente. — Eu já resolvi tudo. O que importa é que você fique bem. O resto não tem importância.
Sua boca se abriu para protestar, mas as palavras não saíram. Ele já tinha decidido por você. E, de certa forma, era impossível argumentar com alguém como ele. A segurança com a qual ele falava te desarmava, te fazia questionar até mesmo sua própria necessidade de resistência... Seu coração batia de um modo tão rápido que tinha medo que ele escutasse, você assentiu devagar.
— Tudo bem... Mas eu vou pagar você de volta assim que eu arrumar outro emprego.
Você murmurou, tentando recuperar algum controle da situação e o homem de cabelos escuros ergueu uma sobrancelha, um sorriso quase imperceptível nos lábios.
— Entendido.
Ele murmurou com a voz baixa, levemente grave fazendo com que um arrepio percorresse sua espinha, Toji deu um passo para o lado, abrindo espaço para que você saísse. O carro dele estava estacionado na frente da sua casa, reluzindo sob o sol da manhã. Havia algo na maneira como ele agia que te fazia sentir que ele sempre estaria no comando, mesmo quando te dava a ilusão de escolha; vocês entraram no carro em silêncio, e durante o caminho para a clínica, Toji manteve os olhos na estrada, mas você sentia o peso da presença dele ao seu lado. Sua mente trabalhava rápido, tentando decifrar o que exatamente ele queria.
Nunca achou que sua pior inimiga no fim das contas fosse virar a sua própria mente.
Por que tanto interesse?
Por que ele estava por perto?
E, mais importante, por que eu me sinto tão atraída e apavorada ao mesmo tempo?
— Cale a boca.
Você murmurou para si mesma se arrependendo imediatamente ao sentir os olhos azuis e frios do homem sob você ao o que pararam em um farol. Você choramingou de vergonha deslizando o corpo no banco até onde o cinto de segurança permitia querendo sumir.
— Perdão?
Ele murmurou com a voz baixa e confusa, você suspirou sentindo suas bochechas quase febris.
— Estava falando sozinha.
Murmurou não sabendo ao certo o que soaria pior naquela situação. Ele arqueou uma das sobrancelhas antes de dar de ombros de maneira indiferente voltando a atenção para à estrada ao o que o farol se abriu.
— Também faço isso.
Ele balbuciou e você pôde jurar ver um sorriso curto crescendo no canto de seus lábios. Quando chegaram à clínica, ele abriu a porta para você, como se fosse um cavalheiro. Mas, em vez de te tranquilizar, o gesto te deixou ainda mais confusa. Toji não era apenas um estranho que apareceu na sua vida, ele era literalmente enigmático, algo que você não sabia se queria entender.
Dentro da clínica, o atendimento foi rápido. O médico confirmou que você teria uma recuperação tranquila, mas recomendou que ficasse em repouso por alguns dias. Toji escutou tudo com uma expressão impassível, quase como se não se importasse.
Se não se importa por que diabos está fazendo tudo isso?
Seus pensamentos lhe martirizavam quase lhe enlouquecendo por completo. Ao sair da consulta, ele pagou a recepcionista sem dizer uma palavra sobre o assunto, como se fosse algo que ele fazia todos os dias. Você quis protestar, mas, novamente, ficou em silêncio.
No caminho de volta para casa, você olhou de canto de olho para ele, tentando entender quem era esse homem que parecia tão decidido a se envolver na sua vida, mesmo que você não tivesse pedido.
— Por que está fazendo isso? — você finalmente perguntou, sua voz quebrando o silêncio. — Você nem me conhece.
Você permaneceu em silêncio depois da sua pergunta, esperando uma resposta que não veio. Toji manteve os olhos azuis fixos na estrada, uma expressão neutra que não entregava nada. O carro seguia seu caminho em um silêncio quase que tortuoso. Quando finalmente chegaram à sua casa, ele parou o carro e, sem dizer nada, saiu para abrir a porta para você.
— Sophie.
Ele murmurou com a voz baixa lhe encarando sentada no banco do passageiro, você piscou devagar olhando para cima fitando cuidadosamente o rosto do homem de cabelos escuros. Os olhos azuis fixos em você.
— Sim?
Você perguntou, sua voz falha, quase não saindo por sua garganta.
— Eu apenas fiz o que pareceu ser o certo no momento.
Ele disse por fim, a voz calma, contida, grave, ao que ele dava um passo para o lado deixando o caminho livre para você que desceu do carro lentamente, os pensamentos correndo pela sua mente. Tudo parecia tão surreal — a noite anterior, as mensagens, a clínica, Toji. Você queria uma explicação, mas não sabia como pedir por isso sem parecer ainda mais perdida do que já estava.
No fundo parecia apenas que você tentava preencher a todo o custo aquele vazio desesperador que se instaurava com o medo. Apenas queria encontrar um culpado. Qualquer um.
Quando você parou na porta da sua casa, ele te observou, os braços cruzados, como se esperasse alguma reação da sua parte. Mas você não tinha mais forças para confrontá-lo, não naquele momento. Estava cansada, dolorida e com uma cabeça cheia de confusão.
— Obrigada — você disse, a voz baixa, quase engolida por sua própria ansiedade —, de verdade.
Toji acenou com a cabeça, o rosto impenetrável. Ele não ofereceu mais explicações, não fez perguntas. Apenas te olhou por um instante mais longo do que o necessário, como se estivesse te estudando, tentando entender algo que nem você mesma sabia.
— Se precisar de qualquer coisa, me avise.
Ele disse, o tom firme, mas sem emoção.
Você apenas acenou de volta, sentindo o coração bater rápido no peito, como se houvesse algo mais acontecendo, algo que você não podia ver. Quando entrou em casa e fechou a porta atrás de si, soltou um suspiro que nem sabia que estava segurando.
Ao se jogar no sofá, suas mãos tremiam levemente. A dor de cabeça latejava, mas agora havia uma outra sensação misturada a ela: uma crescente inquietação. Como se tudo ao seu redor estivesse mudando e você não tivesse controle sobre isso.
O telefone vibrou em cima da mesa, quebrando o silêncio. Você pegou o aparelho, esperando que fosse uma mensagem de Megumi ou Nobara, mas, em vez disso, era um número desconhecido.
Desconhecido: "Descanse, minha luz. Vou cuidar de tudo."
Você franziu a testa, o coração disparando. Você apertou o celular com mais força, tentando conter o pânico que começava a se formar em seu peito. Tudo isso era demais. Você queria apenas um pouco de paz, um pouco de normalidade. Mas a sensação de que algo — ou alguém — estava sempre observando você não desaparecia.
Sem pensar muito, você bloqueou o número como sempre fazia a meses e jogou o celular para o outro lado do sofá, como se aquilo fosse o suficiente para se afastar do que quer que estivesse acontecendo.
Você se encolheu no sofá, abraçando os próprios joelhos. O silêncio voltou a preencher a sala, mas dessa vez parecia mais pesado, mais denso. A mente rodava em torno dos últimos eventos, buscando algum tipo de explicação que você não conseguia encontrar. No fundo, uma parte de você sabia que algo estava prestes a mudar.
Você só não sabia se estava pronta para enfrentar aquilo.
Enfrentar ele.
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