#19
Gatilho: menção a suicídio!
Seus olhos estavam inchados e sua boca seca, sentia-se inútil e burra por ter achado que aquela era a hora certa para se declarar para o seu antigo melhor amigo.
Era horrível denominar as pessoas assim, Suna sempre foi mais que isso, era um companheiro, um amigo óbvio, um amante e um ouvinte, era a pessoa que por mais que estivesse vivendo em sua própria tormenta sempre esteve disposto a lutar para salva-la da própria desgraça. Em noites escuras em que nem mesmo seus próprios pensamentos podiam servir como claridade para seu caminho, Suna a estendia a mão, a guiava no escuro para o conforto de seus braços e lá ela encontrava tudo o que precisava.
Mas o tempo não foi a seu favor, nem sua cabeça confusa e perturbada pôde ajudar Mayumi. Ela causou aquilo, seu fracasso o fez enxergar que independente de tudo o que eles passaram, ele sim merecia alguém melhor e não importava quem fosse e o que essa pessoa a faria sentir, Mayumi não interferiria, não iria dar uma de "ex" maluca e enciumada, poderia sentir inveja e achar-se insuficiente perto da outra garota mas ainda sim era uma adulta, irresponsável em muitos aspectos talvez mas ainda continuava tendo o mínimo de senso e respeito, por mais que não fizesse jus a isso na maioria das vezes.
Destrancou a porta do dormitório dando de cara com a escuridão, a única luz presente era o leve amarelado da luminária estrelada de Hana. Mayumi sempre desconfiou que ela tinha medo do escuro, mas nunca ousou perguntar e ferir o ego da tão temida, deixaria ela em paz nesse assunto.
Ela estava dormindo com o edredom caindo, só cobrindo uma das pernas dela, Mayu sorriu ao ver a cena aquilo já se repetiu dezenas de vezes porque Hana tinha um sono pesado e violento, nunca ficava parada, dormia de um jeito e acordava de outro completamente diferente.
Caminhou dentro do quarto, tentando fazer o mínimo de barulho possível, indo até a cama de Hana pegando o cobertor caído e endireitando-o na amiga, cobrindo-a por completo. Tirou os cabelos bagunçados da frente do rosto dela, abaixando-se deixando um selar leve na têmpora da garota.
Tinha perguntas para amiga como o que foi aquilo que aconteceu na festa por conta do Tooru Oikawa e o porque dela ter ficado tão assustada. Mas não perguntaria o motivo de não querer ficar perto de Suna naquela noite, tudo que envolvia o garoto era demais para ela e não queria meter Hana nisso também.
Foi até a janela do dormitório abrindo-a sentando-se no parapeito, tinha apoio o suficiente para se segurar e mesmo se caísse, era o segundo andar, poderia leva-la a ter um braço quebrado e uma torção em alguns membros mas nada que uma semana no hospital não resolveria.
Mayumi gostava de se sentar ali, o ar a preenchia e acariciava seu rosto, a sensação de liberdade e de estar no topo trazia-na um conforto que os braços de ninguém poderia trazer, ela queria ser livre, poder tomar as decisões sem ter que pensar em ninguém, viajar pelo mundo sem o remorso de abandonar as pessoas.
Mayumi era escrava da própria mente e do medo. Se prendia a momentos e sentimentos, a obrigações passageiras e condenava-se por isso constantemente, sempre pensando no que causaria se ela simplesmente sumisse. Tinha motivos para isso mas não conseguia se desprender de seus amigos, de sua avó, de seu curso, do trabalho...
Eram tantas coisas, tanto amor envolvido e mesmo assim ela continuava vazia.
Tirou do bolso da calça jeans um maço de cigarros antigo, não costumava fumar mas aquela noite estava só por Deus, o efeito da nicotina apaziguaria as turbulências da mente, por um curto momento mas ainda sim era um conforto. Prendeu o cigarro entre os lábios, o acendendo com um isqueiro personalizado com a capa do álbum Hybrid Theory, do Linkin Park. Foi um presente de Suna.
O garoto era feito de fases, vivia tendo curtas obsessões e uma delas foi imprimir fotos adesivadas, tudo virava adesivo e ele personalizava o próprio quarto e fazia presentes para todos.
Ela sentia falta de recebê-los.
Tragou uma, duas, três vezes e continuaria até se acalmar, a fumaça era inebriante entre seus olhos, ofuscando a paisagem com sua turva forma fantasmagórica e preenchendo sua garganta, caminhando lentamente até os seus pulmões, serpenteando de volta até soltar ao vento.
Sua curta paz foi tirada de si ao escutar Hana levantando sobressaltada, ofegante, suada e nervosa, Mayumi apenas a olhou por cima dos ombros franzindo o cenho.
— Ei, o que aconteceu?
Hana se assustou novamente ao escutá-la, parecendo mais transtornada ao vê-la na janela do que quando acordou, a garota foi até o interruptor acendendo a luz encarando a amiga com os olhos cheios de lágrimas.
— Por favor... Saí daí - a voz era embargada e carregada de medo, a loira não compreendeu o medo de primeira então só se balançou um pouco mostrando que estava segura.
— O batente é largo, não vou cair-
— Saí já daí! Que inferno, me escuta! - Ela gritava e chorava, encostando-se na porta deslizando até o chão abraçando as próprias pernas enquanto abafava o choro lamentável e desesperado.
Em um pulo Mayumi desceu, correndo até a amiga se abaixando para olhá-la nos olhos e dizer que estava tudo bem, que nada tinha acontecido mas se deparou com algo que nunca tinha visto.
Hana chorando de verdade, não por raiva e sim por medo, tristeza genuína cobria os olhos da garota, ela estava hiperventilando, as palmas de suas mãos estavam frias iguais a pedras de gelo e sua boca branca como um papel.
Mayumi não disse nada, apenas a abraçou, sabia que palavras não iriam ajudar alguém em choque e prestes a ter uma crise de pânico, Hana precisava de calor, toque humano, saber que tinha alguém com ela senso seu apoio. Sentindo cada extremidade de seu corpo tremer e o ar se perdendo a cada lufada que soltava do fundo do pulmão.
Aquela foi a primeira vez que Hana retribuiu um abraço.
Forte e simbólico, a morena não queria soltá-la, segurava tão firme, como se o simples ato de largar significasse que Mayumi iria ir embora, se desintegrar e flutuar para fora.
Ficaria o tempo que precisasse ao lado dela, até Hana dizer que não quer mais.
— Vamos deitar... - A loira ajudou a levantar, guiando até a cama colocando-a sentada encostada na cabeceira vendo que agora não estava mais desesperada e sim apática.
Foi até sua mochila tirando de lá uma cartela de remédio e uma garrafa da água, destacou um dos comprimidos entregando para Hana.
— São calmantes, nada muito pesado mas ajuda a dormir... - Mayu se juntou a ela na cama, cobrindo as duas, passando o braço pelos ombros dela.
O silêncio que se estendeu fora torturante mas necessário, Hana estava em prantos, tão insana e desamparada quanto jamais viu. Qualquer emoção contrária a frieza vindo de Hana era uma surpresa mas o excesso delas era assustador.
— Eu sonhei com a minha mãe...
Doce timbre triste e perdido, ela estava ali, sua voz ressoava pelo quarto mas sua mente vagava por tempos distantes, em um lugar sombrio do passado.
Hana nunca mencionou a mãe, nem uma vez sequer ousou comentar sobre a mulher e também não era como se Mayumi perguntasse, se já tinha um relação conturbada com o pai e com o irmão imagine só a mãe, deveria ser difícil a relação deles e Mayu mais do que ninguém entendia como era ter problemas familiares.
— E o que aconteceu nesse sonho? - a loira ousou perguntar e recebeu um olhar triste e o tremeluzir dos lábios da amiga.
— Eu a vi morrer dezenas de vezes e toda vez que eu escutava o corpo dela se partindo tudo repetia, de novo e de novo... - as lágrimas voltaram a escorrer e a voz afinava junto com o desespero amargo.
— Foi só um sonho - ela tentou acalma-la, amenizando o tom acarinhando seu braço — Tenho certeza que ela está bem...
— Ela está morta! - Hana fechou os olhos com força tentando esquecer de tudo, queria que os últimos dez minutos não existissem e que realmente tudo não passava de um maldito sonho — Há três anos atrás ela se jogou do décimo primeiro andar...
— Eu sinto muito... - Mayumi não imaginava que algo do gênero havia acontecido a ela e porra, se sentia uma imbecil, engatilhou Hana em um dos maiores traumas dela e ainda insistiu em ficar — Não fazia ideia...
— Quando eu vi você no batente tive um vislumbre dela e pensei que iria perder alguém importante de novo... - Hana afagou seu rosto nas próprias mãos, fungando para evitar que o nariz escorresse — Eu não quero sentir isso... Nunca mais faça isso! Eu te imploro...
— Me perdoa - Mayumi abraçou a amiga ainda mais forte, enterrando o rosto no pescoço dela, memorizando aquele momento e cheiro dela, já que quase nunca se aproximava.
Doía demais vê-la assim, um exemplo de força e frieza vacilando, se perdendo em meio a uma turbilhão de pensamento e sensações era assustador de ver.
Mas não conseguia parar de pensar no que realmente aconteceu com Hana.
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