06. Different ways

Eu ainda estava parado ali, no mesmo lugar, como se minhas pernas tivessem perdido a capacidade de se mover. A adrenalina da briga ainda corria pelo meu corpo, mas minha mente estava em outro lugar, tentando processar tudo o que tinha acabado de acontecer. A raiva ainda queimava dentro de mim, intensa, mas havia algo mais... Algo que eu não conseguia explicar.

Eu estava com raiva, muita raiva. Não só da briga, do garoto que tentava resistir enquanto nós raspávamos o moicano dele, mas também... Dela. Yelena. Eu não sabia por que, mas provocar aquela garota tinha se tornado quase instintivo. Havia algo na maneira como ela me encarava, como ela falava comigo, que me fazia querer testá-la, ver até onde ela aguentava. E, sim, eu gostei disso. Eu gostei de provocá-la, de mexer com ela.

Mas, por outro lado... Quando Tory acertou aquele chute direto no estômago dela, e ela cambaleou para trás, algo dentro de mim parou. Foi rápido, mas parecia que o tempo tinha desacelerado. Eu não estava acostumado a ver Yelena demonstrar qualquer fraqueza. Ela sempre parecia tão... Inabalável. Intocável. E, naquele momento, vê-la machucada me atingiu de uma forma que eu não esperava.

Por um segundo, foi como se um peso enorme tivesse caído sobre mim. Antes mesmo de perceber, eu estava me movendo na direção dela. Eu nem sei o que estava pensando. Talvez fosse instinto, ou talvez algo mais, algo que eu não queria admitir nem para mim mesmo. Eu só sabia que senti a necessidade de fazer alguma coisa. De ajudar.

E o que eu recebi em troca? Um golpe. Um golpe preciso, certeiro, como se ela estivesse me lembrando de quem ela era, ou de quem eu era. E agora, pensando nisso, a confusão só crescia dentro de mim. Eu estava irritado comigo mesmo. Por que eu tentei ajudá-la? Por que eu me importei? Ela é minha adversária. Sempre foi. Isso devia ser simples. Preto no branco. Então por que parecia tão complicado?

— Robby! Aa A voz de Tory me tirou dos pensamentos. Ela estava ao meu lado, claramente irritada. — Vamos logo. Antes que aqueles idiotas chamem a polícia.

Eu balancei a cabeça, tentando focar na situação. Olhei em volta, vendo os outros já se movendo em direção à saída. Dei um último olhar para o estúdio de tatuagem, tentando apagar da minha mente a imagem de Yelena e o garoto correndo para longe.

Saímos do estúdio apressados, mas a confusão dentro de mim não foi embora. Por um momento, quase esqueci do evento em si, o fato de termos raspado o moicano do Falcão. Naquele momento, parecia irrelevante. Tudo que minha mente fazia era voltar àquela cena. Yelena. O golpe. A confusão nos meus próprios pensamentos.

Era como se cada detalhe estivesse gravado na minha cabeça. A forma como ela caiu, como levantou com aquele olhar feroz, como se estivesse pronta para enfrentar o mundo inteiro sozinha. E, ao mesmo tempo, o pequeno instante em que parecia vulnerável. Era isso que me irritava mais. Eu não devia estar pensando nisso. Não devia me importar. Mas eu estava.

Eu cerrei os punhos, tentando conter a raiva. Não contra ela, mas contra mim mesmo. Contra essa confusão. Esses pensamentos que não faziam sentido.

Enquanto caminhávamos em silêncio, Tory olhou para mim, mas não disse nada. Talvez tivesse notado algo no meu rosto, mas decidiu não comentar. Melhor assim. Eu não saberia o que responder. Tudo que eu sabia era que essa situação estava começando a mexer comigo de uma forma que eu não entendia. E isso... Isso me irritava mais do que qualquer coisa.

Tory logo quebrou o silêncio, falando enquanto caminhávamos pelo estacionamento mal iluminado.

— Foi divertido ver aquela idiota russa correndo pela primeira vez, parecendo assustada com o que poderíamos fazer com ela. — Ela disse, um sorriso cheio de malícia no rosto.

Deixei uma risada escapar antes mesmo de perceber. Uma risada baixa, quase instintiva, que eu não conseguia segurar. Não era por concordar com Tory, longe disso. Era mais pela ironia da situação e, talvez, pelo fato de que Yelena assustada era uma ideia completamente absurda para mim.

Tory parou de andar e me olhou de lado, claramente intrigada.

— Qual é a graça, Robby?

Dei de ombros, tentando não parecer afetado.

— Yelena não fugiu porque estava assustada. — Respondi sem pensar muito. — Ela só evitou mais problemas. Todo mundo sabe que ela é bem capaz de resolver as próprias lutas. Provavelmente só não estava com paciência pra isso hoje.

As palavras saíram no automático, antes que eu pudesse filtrá-las. E então, quando levantei o olhar, vi Tory me encarando com um misto de confusão e irritação. Kyler, que até então estava apenas ouvindo, arqueou uma sobrancelha, como se tentasse entender se aquilo era um elogio à Yelena ou algum tipo de aviso sobre ela.

Senti o peso dos olhares e, por um momento, pensei em corrigir o que tinha dito. Mas, ao invés disso, apenas enfiei as mãos nos bolsos do moletom, estalando a língua antes de completar.

— Só disse isso porque sei o tipo de gente que ela é.

Tory estreitou os olhos, cruzando os braços com firmeza, seu tom ficando mais afiado.

— Ah, é? E qual é o tipo dela, então? Já que aparentemente você parece saber tanto sobre a bonequinha russa.

A maneira como ela enfatizou "bonequinha russa" me irritou. Não sei por quê, mas irritou. Respirei fundo e respondi, tentando parecer indiferente.

— Do tipo que só termina uma briga quando um dos lados estiver completamente destruído.

Não esperei pela reação de Tory ou de Kyler. Apenas virei as costas e comecei a andar na frente deles, tentando afastar os pensamentos que insistiam em bagunçar minha mente. Eu sabia que minhas palavras tinham deixado algo no ar, algo que eles provavelmente interpretariam da maneira errada. Mas o que mais eu podia fazer?

Porque, para alguém que dizia odiar Yelena, eu sabia que estava prestando mais atenção nela do que deveria. Lembrava das vezes que ela me encarou com aquele olhar desafiador, como se estivesse sempre pronta para me enfrentar. Lembrava de cada palavra ácida que ela soltava, cada provocação que parecia atingir um ponto específico dentro de mim.

E agora, depois de hoje, minha mente insistia em repetir a cena de quando ela entrou no estúdio, com aquele ar confiante, enfrentando todos nós sozinha. Eu odiava admitir, mas tinha algo nela que me intrigava, algo que me fazia reparar mais do que eu gostaria.

Balancei a cabeça, tentando afastar esses pensamentos. Não fazia sentido. Ela era minha adversária, minha rival. Era só isso. Nada mais.

Tory e Kyler ficaram para trás, provavelmente cochichando sobre minha atitude. Não me importei. Precisava me afastar. Desses pensamentos. Dessa confusão. Porque, no fundo, algo me dizia que isso só estava começando. E isso... Me irritava mais do que qualquer coisa.

⋆౨˚ ˖

No dia seguinte, entrei no dojô do Cobra Kai com um único pensamento, mostrar que eu era capaz de ser o próximo campeão. Kreese e Silver estavam apostando todas as fichas em mim, e a pressão era palpável. Mas eu não me importava com isso. Não podia me importar. Meu objetivo era simples, vencer, a qualquer custo.

O ar do dojô era pesado, como sempre. Sons de golpes, gritos de esforço e a voz autoritária de Kreese preenchiam o espaço. Coloquei minhas coisas no canto, ajustei meu quimono e fui direto para o treino. Era como se cada soco que eu desferia no saco de pancadas precisasse descarregar toda a frustração acumulada no meu peito. Mas, por mais que eu tentasse me concentrar, minha mente insistia em me sabotar.

Yelena.

A lembrança dela me irritava. Ela, com aquele jeito insolente, aquele sorriso presunçoso como se soubesse exatamente como me desestabilizar. E o pior? Funcionava.

Dois momentos específicos não saíam da minha cabeça. Primeiro, no shopping, quando eu estava encima dela, o punho erguido, pronto para finalizar o golpe. Mas então... Hesitei. Por quê? Ela me desafiava com o olhar, como se não tivesse medo algum, mesmo com o peso do meu corpo a imobilizando. Era como se ela quisesse que eu continuasse a briga, e, ainda assim, algo me fez parar.

E depois, no estúdio de tatuagem. Quando Tory a acertou com um chute tão forte que a fez cambalear, eu senti... Algo. Não era pena. Talvez fosse um tipo de empatia mal colocada, ou raiva por vê-la mostrar uma fraqueza que não combinava com ela. Antes que percebesse, estava indo em sua direção, como se pudesse ajudar. Ela, é claro, reagiu me derrubando no chão com uma rasteira, deixando claro que não precisava de ajuda.

Essas lembranças estavam me tirando do sério.

— Keene!

A voz de Kreese rapidamente me tirou dos pensamentos. Ele e Silver estavam observando meu treino, com aquela expressão severa de sempre. Kreese deu um passo à frente, seus braços cruzados atrás das costas.

— Você está treinando ou sonhando acordado? Porque, se está sonhando, garoto, não vai chegar a lugar nenhum.

Balancei a cabeça, tentando me focar.

— Estou aqui, sensei. Só estava me aquecendo.

— Ótimo. — Ele disse, com aquele sorriso frio que sempre carregava um desafio. — Porque agora você vai lutar com Kyler.

Olhei para Kyler, que já estava em posição no tatame, um sorriso convencido no rosto. Ele sempre se achava superior, mas eu sabia que, na prática, ele era mais força bruta do que técnica. Mesmo assim, minha mente ainda estava distante, e eu sabia que precisava me recompor. Não podia deixar aquelas distrações me afetarem.

Subi no tatame, ajustando minha postura. Kreese e Silver nos observavam de perto, e eu sabia que não aceitariam nada menos do que perfeição.

— Prontos? — Kreese perguntou, olhando para nós dois.

— Sim, sensei. — Respondemos em uníssono.

— Comecem!

Kyler foi o primeiro a avançar, como sempre, direto e agressivo. Ele tentou um soco rápido no meu rosto, mas eu bloqueei com facilidade, girando o corpo e preparando um chute lateral que o acertou no abdômen. Ele cambaleou para trás, mas logo se recuperou, vindo com mais força.

Minha mente estava dividida. Uma parte de mim queria se concentrar inteiramente na luta, mas outra parte, irritantemente persistente, ainda se agarrava às imagens de Yelena. Cada golpe que eu desferia em Kyler parecia carregado de uma frustração que eu não conseguia identificar completamente.

Kyler tentou uma rasteira, mas saltei para evitá-la, aproveitando a abertura para acertar um soco no seu ombro. Ele grunhiu de dor, recuando, mas continuou a avançar, como o brutamontes teimoso que era.

— Você está perdendo o foco, Keene... — Ouvi a voz de Silver dizer, calma, mas cortante.

Isso me irritou ainda mais. Eu sabia que estava fora do meu jogo, e não queria que eles percebessem.

Avancei em Kyler, meus movimentos mais precisos agora. Desviei de seus golpes com facilidade, bloqueei seu chute e, finalmente, consegui derrubá-lo com um golpe bem colocado na perna. Ele caiu no tatame com força, mas antes que eu pudesse finalizar, Kreese interrompeu.

— Chega! — Ele gritou. — Não é assim que um campeão luta. Se quer ser o próximo líder, Keene, precisa estar com a mente 100% no jogo. Não há espaço para distrações.

Eu assenti, ofegante, tentando esconder a irritação que queimava em meu peito. Ele estava certo. Mas como, exatamente, eu poderia me concentrar quando minha mente insistia em revisitar aqueles momentos com Yelena?

Saí do tatame, pegando minha toalha e passando-a pelo rosto. Minha respiração estava pesada, e o suor escorria pelo meu rosto. Kyler murmurou algo sobre "pegar leve," mas eu ignorei. Porque, por mais que eu quisesse focar, aquela maldita russa ainda ocupava espaço demais na minha cabeça. E isso me irritava mais do que qualquer golpe que Kyler pudesse me dar.

Sentei no banco no canto do dojô, passando a toalha pelo rosto enquanto tentava clarear a mente. Meu coração ainda batia rápido, não pelo treino, mas pela irritação que parecia ter grudado em mim desde o dia anterior. Eu não entendia por que aquelas memórias insistiam em voltar, nem por que minha cabeça parecia tão cheia dela, Yelena.

Eu estava tentando focar no que importava, no título, no Cobra Kai, mas era como se um canto da minha mente fosse tomado por imagens dela, o olhar frio e desafiador, o jeito como ela se movia com confiança, mesmo quando estava em desvantagem. Era irritante, para dizer o mínimo.

— Qual é o problema com você hoje?

Levantei o olhar e vi Tory parada à minha frente, os braços cruzados e uma expressão que beirava à irritação. Ela sempre foi direta, e hoje não parecia estar disposta a me poupar de suas observações.

— Desde ontem, você tá agindo como se não estivesse aqui. Tá distraído, aéreo. É por causa daquela cena com a russa e o moicano, não é?

Revirei os olhos, tentando manter a calma. Passei a mão pelo rosto e suspirei, mas ela continuou.

— Você se arrependeu, por acaso?

— Não é isso — Respondi, minha voz mais baixa do que eu esperava. Eu não queria falar sobre isso, e sabia que ela não deixaria tão fácil. — Olha, é melhor voltarmos ao treino.

Me levantei, tentando encerrar o assunto, mas antes que pudesse dar um passo, senti a mão de Tory pousar firmemente no meu ombro. Olhei para a mão dela e depois para o rosto, com o cenho franzido.

— O que você tá fazendo? — Perguntei, irritado.

Ela inclinou o rosto para mim, o olhar sério e a voz baixa, quase vociferando.

— Eu sei que você tá assim por causa da maldita russa.

Fiquei em silêncio, mas meu maxilar travou.

— Escuta — Ela continuou —, é melhor você esquecer logo essa piranha, porque com certeza o jogo dela é exatamente esse, mexer com a cabeça dos oponentes. Te desestabilizar antes mesmo de pisar no tatame. E sabe o que é pior? Parece que tá funcionando com você.

Ela soltou meu ombro, cruzando os braços novamente antes de sair em direção ao tatame. Eu fiquei parado por um momento, processando as palavras dela.

Talvez Tory estivesse certa. Talvez fosse mesmo isso que Yelena estava fazendo. Ela era inteligente o suficiente para usar estratégias assim, e aquele jeito provocador dela? Claro que fazia parte do plano. Faz sentido.

Passei a mão pelos cabelos, tentando organizar os pensamentos. Se isso fosse verdade, significava que Yelena nos via como uma ameaça. E se ela achava que precisava desestabilizar o Cobra Kai para vencer, então ela estava admitindo, de alguma forma, que o nosso dojô era superior.

Esse pensamento me deu um pouco mais de confiança.

Se ela realmente estava jogando comigo, eu não ia cair tão fácil assim. Na verdade, eu ia virar o jogo contra ela. Eu ia ser o primeiro a derrubá-la.

Senti meu corpo enrijecer com determinação. Agora eu sabia o que precisava fazer. Se Yelena queria me provocar, eu ia responder. E da próxima vez que nos encontrássemos no tatame — ou em qualquer outro lugar —, ela ia descobrir que mexer comigo foi um erro.

Com isso em mente, respirei fundo e voltei para o treino. Se eu queria vencer, precisava estar no meu melhor. Não por Kreese, não por Silver, mas por mim. Eu ia provar que nada, nem ninguém, poderia me tirar do meu caminho. Principalmente ela.

O treino finalmente chegou ao fim, e o dojô começou a esvaziar. A maioria dos alunos já estava saindo, conversando entre si, mas Kreese me chamou de canto antes que eu pudesse ir embora. Ele tinha aquele olhar sério de sempre, o que já me dizia que não era para algo leve.

— Keene, o que está acontecendo com você hoje? — Ele perguntou, a voz baixa, mas carregada de autoridade. — Você anda distraído, e distração leva à derrota. Se isso continuar, você não vai vencer o regional, e sabemos que você não vai querer isso, né?

Engoli em seco, tentando parecer firme. Não era hora de demonstrar qualquer tipo de fraqueza, não para Kreese.

— Foi só a ansiedade pela competição. — Menti. — Mas não vai acontecer de novo. Eu vou me focar.

Ele ficou me encarando por mais alguns segundos, como se estivesse tentando ler minha mente, mas por fim assentiu.

— Ótimo. Porque eu estou apostando alto em você, Robby. Não me decepcione.

Com isso, ele se afastou, me deixando sozinho. Suspirei fundo, passando a mão pelos cabelos enquanto pegava minha mochila e saía do dojô. A caminhada até meu prédio foi silenciosa, interrompida apenas pelo som da mensagem de voz da minha mãe.

— Deixei pizza da noite passada na geladeira. Se cuida.

A voz dela parecia tão casual, mas eu já sabia o que isso significava. Ela provavelmente estava passando a noite com algum cara novo, como de costume. Outro rosto desconhecido que eu provavelmente veria pela manhã. Suspirei, desligando o celular e guardando no bolso.

Quando cheguei ao apartamento, estava tudo escuro, como esperado. Acendi a luz, e meu coração quase saltou do peito.

— Que merda...

Yelena estava sentada no sofá, brincando com um canivete nas mãos, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.

— O que você pensa que tá fazendo aqui?b— Perguntei, já assumindo uma posição defensiva.

Ela fechou o canivete com um clique, ergueu as mãos devagar e suspirou, como se estivesse entediada.

— Encontrei seus amiguinhos drogados mais cedo — Disse ela, o tom calmo, quase casual. — Eles me deixaram entrar.

Cerrei os punhos, sentindo a raiva subir.

— Você os machucou?

Ela apenas deu de ombros, como se a ideia fosse ridícula.

— Só machuco quem realmente merece. — Então, ela me lançou um olhar direto, cheio de intenção. — E você, Keene, faz parte dessa lista.

Revirei os olhos, tentando não perder a paciência. Me aproximei do sofá, mas mantive uma distância segura.

— O que você quer aqui, Yelena? Se vingar pelo Eli? Por aquelas provocações idiotas? Porque invadir minha casa é coisa de gente maluca.

Ela deu de ombros novamente, um gesto quase irritante, e cruzou as pernas com a mesma calma.

— Eu só queria ter uma conversa amigável — Respondeu, o tom calmo me irritando ainda mais.

— Amigável? — Minha voz saiu incrédula. — Você acha que aparecer do nada, na minha casa, é o jeito de começar uma conversa amigável?

Ela me encarou, os olhos castanhos cheios de algo que eu não conseguia decifrar, e sorriu de leve, aquele sorriso irônico que parecia ser marca registrada dela.

— Com você, Keene, acho que não existe outro jeito.

Eu a encarei, ainda em posição defensiva, mas ao mesmo tempo tentando entender o que exatamente ela estava fazendo ali. Nada fazia sentido, e isso só me deixava mais desconfortável. Uma parte de mim queria simplesmente expulsá-la, mas outra parte... Queria ouvir o que ela tinha a dizer. Porque, de alguma forma, eu sabia que essa conversa estava longe de ser só sobre Eli ou sobre nossas brigas. Tinha algo mais. Algo que, para o meu próprio desgosto, eu não conseguia ignorar.

Assim que Yelena se levantou, eu recuei sem nem perceber. Foi instintivo, e por um breve momento, me senti idiota por isso. Eu não deveria estar recuando dela, era só Yelena, não uma ameaça real, certo? Rapidamente tentei me recompor, mantendo os pés firmes no chão, mas a pouca distância entre nós agora era desconfortável de um jeito que eu não queria admitir.

Ela estreitou os olhos, a voz baixa e carregada de irritação.

— Recebi uma visitinha dupla hoje de dois amiguinhos seus do Cobra Kai.

Franzi o cenho, confuso.

— Do que é que você tá falando?

Ela soltou uma risada curta, mais de indignação do que de humor.

— Você sabe exatamente do que eu tô falando, Keene. O japonês com cabelo de calopsita e a loira descontrolada.

Respirei fundo, tentando manter a calma. Eu já tinha uma boa ideia de quem ela estava falando.

— Eu não tive nada a ver com isso.

Ela deu um passo em minha direção, e, droga, meu corpo reagiu automaticamente de novo. Recuar. Odiava que ela tivesse esse efeito sobre mim.

— Ah, não? — Ela arqueou uma sobrancelha, o tom sarcástico o suficiente para me irritar. — Pois eles foram até minha casa e disseram que eu devia parar de arrumar problemas pra você. E sabe o que fizeram depois? Destruíram minhas plantas. Plantas que eu trouxe da Rússia. Que eu demorei anos pra cultivar.

Fiquei parado por um momento, tentando processar o que ela disse. Kyler e Tory realmente fizeram isso? Claro que Tory faria algo assim, ela era explosiva e vingativa, mas... Plantas? Isso parecia um nível baixo até para ela. Era tão ridículo que soava cômico.

— Olha só... — Eu disse, dando um passo para trás, tentando criar mais espaço entre nós. — Eu sinto muito pelas suas plantas, de verdade. Mas eu já disse que não tive nada a ver com isso. Agora será que dá pra ir embora da minha casa?

Yelena riu, mas não foi uma risada leve ou de verdade. Foi amarga, cheia de frustração. Ela apontou um dedo na minha direção, e por algum motivo, parecia mais afiada do que qualquer golpe que ela poderia me dar.

— Tudo relacionado a você é sinônimo de problema na minha vida, Keene. E, sinceramente, se isso continuar, vai chegar um ponto em que eu não vou ser justa. Vou quebrar um dos seus braços, e você pode ter certeza disso.

Eu a encarei, tentando decifrar se ela estava falando sério ou se era só mais uma provocação. Mas antes que eu pudesse responder, ela desviou o olhar para a mesa de centro, onde havia um buquê de flores. Provavelmente de um dos vários caras que minha mãe traz pra casa.

Sem cerimônias, Yelena pegou o buquê e ergueu um pouco, avaliando-o como se fosse um prêmio.

— Vou levar isso como compensação pelos vasos quebrados e as plantas destruídas.

— Você só pode estar brincando... — Murmurei, mas ela já estava caminhando em direção à porta.

Antes de sair, ela se virou por um instante, o olhar frio.

— Se isso continuar, Keene, pode se preparar pra ter a vida transformada em um verdadeiro inferno.

E então ela se foi, fechando a porta atrás dela com um baque.

Fiquei parado ali, por alguns segundos que pareceram horas, tentando processar o que acabara de acontecer. Eu estava em choque, e, ao mesmo tempo, sentia a raiva começando a crescer dentro de mim.

Não com Yelena. Não completamente, pelo menos. Eu estava com raiva de Tory e Kyler. Por que eles precisavam fazer isso? Invadir a casa dela, destruir as coisas dela? Sim, eu odiava Yelena, mas até eu sabia que isso era baixo. Ela não tinha feito nada, ou quase nada, levando em conta que ela deu uma surra na Tory. Claro que isso provavelmente foi motivo suficiente para Tory fazer o que fez.

Mas, mesmo assim, eu não precisava que ninguém tomasse as dores por mim. Especialmente desse jeito, sujo.

Passei a mão pelos cabelos, tentando afastar os pensamentos. Porque, por mais que eu odiasse admitir, uma parte de mim entendia a raiva de Yelena. E isso era irritante demais pra suportar.

Depois que Yelena saiu, fiquei parado por mais algum tempo, tentando organizar os pensamentos. Tudo parecia confuso. A raiva estava ali, claro, mas tinha algo mais. Algo que eu não conseguia identificar e que me deixava ainda mais irritado.

Por fim, me joguei no sofá, soltando um suspiro pesado. O apartamento estava em completo silêncio, como de costume. Peguei o celular da mesinha ao lado e comecei a rolar a tela sem muito objetivo. Era uma forma de distrair a mente, de não pensar no que tinha acabado de acontecer.

Mas, inevitavelmente, meus dedos acabaram digitando o nome dela na barra de pesquisa do Instagram.

"Yelena Ivanov."

Fiquei encarando o perfil dela por alguns segundos, ponderando se devia abrir ou não. O ícone era uma foto dela, claro, o rosto sério, o olhar firme, como se ela estivesse julgando o mundo inteiro. Com um suspiro de rendição, cliquei.

O que me surpreendeu de imediato foi o quanto ela parecia ativa nas redes sociais, algo que eu não esperava. Pra alguém tão durona, fria e fechada na maior parte do tempo, ela tinha muitas postagens. Eram fotos de todos os tipos, algumas do rosto dela, selfies no espelho, outras com amigos que eu não reconhecia, e várias de paisagens incríveis, provavelmente da Rússia.

Havia também fotos do dojô dela, as armas brancas expostas, como katanas e tchacos, a disciplina evidente. Era claro que aquele lugar significava muito pra ela.

Meus dedos continuaram deslizando pela tela, e então eu parei. Uma foto dela sorrindo.

Era na praia, o sol brilhando sobre ela, o cabelo levemente bagunçado pelo vento. Ela segurava usava um biquíni brilhante e ria abertamente, um sorriso genuíno, que parecia iluminar a imagem inteira. Por um momento, fiquei só olhando. Era tão diferente da Yelena que eu conhecia. Parecia... Angelical. Fofa, até. Como se fosse um lado dela que ela nunca mostrava. Pelo menos, não pra mim.

Senti algo estranho, como uma pontada no peito, mas rapidamente sacudi a cabeça e passei a mão pelos cabelos, tentando afastar a sensação.

— Que droga, Robby. O que você tá fazendo? — Murmurei para mim mesmo.

Fechei a foto e fui direto para o botão de mensagem. Eu sabia exatamente por que tinha aberto o perfil dela.

Depois de hesitar por alguns segundos, comecei a digitar.

"Olha, eu não tive nada a ver com o que aconteceu na sua casa. Mas se quiser, eu compro um vaso novo com alguma flor, ou pago pelo conserto. Foi um mal-entendido."

Relia a mensagem várias vezes, ponderando se devia ou não enviar. Parecia tão fora do meu normal, tão... Gentil. Principalmente com ela. Mas antes que eu pudesse pensar demais, apertei "enviar" e bloqueei o celular, jogando-o ao meu lado no sofá.

Me peguei encarando o teto, a mente ainda correndo em círculos. Eu não sabia por que queria fazer isso por ela. Não fazia sentido. Ela me odiava, e o sentimento era, ou pelo menos deveria ser, recíproco.

Então por que eu estava agindo assim?

Suspirei novamente, fechando os olhos. Talvez, só talvez, eu estivesse tentando me convencer de algo que nem eu entendia direito.


Obra autoral ©

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