05. Jealous

Corremos como loucos para fora do shopping, os passos ecoando pelos corredores quase vazios até finalmente alcançarmos a saída lateral. O ar fresco da noite bateu no meu rosto, ajudando a acalmar a irritação que fervia dentro de mim. Mikan estava rindo enquanto tentava recuperar o fôlego, como se a situação toda tivesse sido apenas uma grande diversão. Lauren parecia um pouco mais contida, mas ainda assim dava risadinhas abafadas, como se não conseguisse evitar.

Eu parei, colocando as mãos nos joelhos e tentando normalizar minha respiração. Olhei para Mikan, que agora cruzava os braços com um sorriso satisfeito no rosto.

— E aí, Yelena, satisfeita? — Ele perguntou, aquele tom sarcástico de sempre. — Parece que finalmente encontrou um ponto fraco nele.

Revirei os olhos, ainda irritada, e me aproximei para dar um empurrão no ombro dele. Não tão forte quanto eu podia, mas o suficiente para fazê-lo dar um passo para trás.

— Você é mesmo muito burro, Mikan. Um dia você ainda vai nos matar com essas brigas idiotas! — Exclamei, meu tom mais sério do que eu pretendia.

Ele deu de ombros, como se não fosse nada, mas não deixou de responder.

— Ah, qual é? Você mesma estava se divertindo lá dentro. Não tenta esconder.

Abri a boca para retrucar, mas fechei de imediato. Não era exatamente mentira, mas eu não ia dar esse gostinho para ele.

— Isso não responde a minha pergunta. — Cruzei os braços, o encarando. — Por que diabos você está implicando tanto com o tal Keene?

Lauren, que até então estava quieta, resolveu intervir, a voz dela com aquele tom casual que me irritava e me fazia rir ao mesmo tempo.

— Porque ele tá com ciúmes. — Ela disse como quem afirma o óbvio, colocando as mãos nos bolsos e sorrindo de canto.

Mikan virou a cabeça para ela tão rápido que parecia que ia torcer o pescoço.

— Tá maluca? Eu? Ciúmes? Da Yelena ainda? Que piada... — Ele exclamou, a voz subindo uma oitava, o que me fez quase rir.

Eu franzi os lábios, tentando parecer séria, mas a expressão no rosto dele era tão ridícula que não consegui evitar o desgosto teatral.

— Lauren, cala a boca. — Eu disse simples, balançando a cabeça, mas o canto da minha boca tremeu com o início de uma risada.

Ela riu de verdade, um som leve e contagiante.

— Ah, não mente pra mim, Lena. Você sabe que ele fica assim toda vez que alguém olha pra você por mais de dois segundos. — Lauren continuou, ignorando completamente a indignação de Mikan.

— Eu estou bem aqui, sabia? — Ele resmungou, o rosto começando a ficar vermelho, o que só piorava a situação para ele.

Finalmente, deixei escapar uma risadinha curta, balançando a cabeça enquanto voltava a caminhar na direção do estacionamento. Eles me seguiram, e o som das risadas de Lauren ainda ecoava. A situação toda era irritante, mas também tinha algo reconfortante naquilo.

Enquanto caminhávamos, o ar noturno parecia mais leve agora. Minha irritação inicial começava a se dissipar, substituída pelo alívio de estar fora daquela confusão. Mas, no fundo, ainda havia algo que me incomodava.

Eu não sabia exatamente o que era, mas toda vez que eu pensava no tal Robby Keene, havia uma mistura estranha de emoções. Não era só irritação. Era algo mais, algo que eu não queria nomear.

Mikan abriu a porta do carro e se jogou no banco do motorista como se nada tivesse acontecido, enquanto Lauren ocupava o lugar ao lado dele, ainda rindo sozinha. Suspirei, entrando no banco de trás e fechando a porta com força, como se isso fosse encerrar a conversa.

— Só pra constar, eu não tenho ciúmes de ninguém. — Mikan disse, ligando o motor, mas a frase soou mais para ele mesmo do que para nós.

Lauren olhou para mim pelo retrovisor com aquele sorriso que dizia tudo sem precisar de palavras. Eu apenas revirei os olhos e me afundei no banco, tentando esquecer o olhar de Robby Keene, tão hesitante e talvez vulnerável, que ainda pairava na minha mente.

A viagem de volta foi quase toda preenchida pelo som da voz de Mikan, que parecia incapaz de manter a boca fechada por mais de alguns segundos. Ele estava contando alguma história sobre um "carro clássico que ele viu na semana passada" e como "um dia ainda vai dirigir uma máquina dessas". Lauren, como sempre, respondia com o ocasional "aham" ou um sutil aceno de cabeça, claramente mais interessada em absorver a conversa do que realmente interagir.

Eu, por outro lado, permaneci em silêncio, olhando pela janela enquanto as luzes da cidade passavam rapidamente. Minha mente ainda estava presa nas palavras de Lauren. Ciúmes? Mikan? Não fazia sentido.

Eu e ele sempre tivemos uma dinâmica clara. Éramos melhores amigos, quase irmãos. Sempre implicávamos um com o outro, mas era tudo brincadeira. Nunca passou disso. Pelo menos, era o que eu sempre achei. Talvez Lauren estivesse errada, como sempre estava quando tentava dar pitacos sobre qualquer coisa emocional. Talvez fosse só "ciúmes de amigo", aquele tipo de possessividade boba que algumas pessoas têm.

Sim, era isso. Só podia ser isso.

Mas por que, então, a ideia me incomodava tanto?

Mikan fez uma curva um pouco mais brusca do que o necessário, me tirando dos meus pensamentos. Eu olhei pelo retrovisor e vi o rosto dele, descontraído, confiante como sempre. Não parecia alguém carregando um segredo ou qualquer coisa que ele estivesse tentando esconder. Talvez fosse coisa da minha cabeça mesmo.

— Tá tão quieta aí atrás. — Ele disse de repente, me tirando dos meus devaneios. — Pensando em como vai me agradecer por te proporcionar mais uma briga hoje? Sei que você adora.

Revirei os olhos, sem nem me dar ao trabalho de responder. Ele não precisava de mais incentivo.

Lauren lançou um olhar para mim pelo retrovisor, o sorriso zombeteiro ainda em seus lábios, mas felizmente não disse nada. Eu sabia que, se ela quisesse, podia transformar qualquer situação em uma piada, e eu não estava com paciência para isso no momento.

Minhas mãos estavam fechadas em punho no meu colo, como se ainda quisessem socar alguma coisa. Não sabia exatamente o que estava sentindo, mas era uma mistura de irritação, confusão e... Raiva. Não apenas por Mikan ou Lauren, mas também por Robby Keene.

Aquele garoto tinha um talento especial para me irritar. Desde o momento em que nossos olhares se cruzaram pela primeira vez, havia algo nele que me deixava fora de mim. Talvez fosse o jeito arrogante, o jeito que ele parecia carregar o peso do mundo nos ombros, como se fosse o único lutador com algo a provar. Ou talvez fosse algo mais, algo que eu não queria admitir nem para mim mesma, uma insegurança de que ele realmente poderia ser um oponente à altura.

Mas de toda forma, eu sabia que tudo o que sentia por ele era rancor. Ele era meu oponente, meu inimigo no tatame. Não havia espaço para qualquer outra coisa. E ele sentia o mesmo por mim. Isso era óbvio.

A imagem dele no chão, a respiração pesada enquanto eu o imobilizava, passou pela minha mente novamente. A raiva nos olhos dele, a tensão no corpo, mas também aquele pequeno lampejo de algo mais. Algo que eu preferia ignorar.

Sacudi a cabeça, tentando afastar esses pensamentos.

— E aí, Lena? Terra chamando Yelena. — A voz de Mikan me chamou, e eu percebi que ele estava olhando para mim pelo retrovisor agora, esperando alguma resposta.

— O quê? — Perguntei, meio perdida.

— Perguntei se você quer parar para comer algo ou se tá ansiosa para voltar pra casa e continuar planejando sua vingança contra o Keene. — Ele disse, com aquele tom sarcástico que parecia nunca desligar.

Lauren riu, e eu respirei fundo, cruzando os braços.

— Cala a boca, Mikan. — Respondi, a voz mais baixa do que eu pretendia.

Ele riu, claramente satisfeito por ter conseguido me provocar, e voltou a focar na estrada. Lauren apenas balançou a cabeça, ainda sorrindo.

Fechei os olhos por um momento, tentando organizar meus pensamentos. Talvez Lauren estivesse errada. Talvez fosse coisa da minha cabeça. Mas, por mais que eu tentasse me convencer disso, uma parte de mim ainda se sentia incomodada.

E o pior era que eu não sabia se era por causa de Mikan, de Lauren, ou de Robby.

Em questão de minutos, o cheiro de hambúrguer quente e batatas fritas recém-saídas da fritadeira impregnava o interior do carro, misturando-se com o som animado de uma música pop americana que tocava no rádio. Eu estava com um hambúrguer em uma mão e uma batata frita na outra, enquanto Mikan dirigia com uma única mão no volante, o outro braço apoiado casualmente na porta. Lauren estava no banco de trás agora, comendo tranquilamente e olhando a vista noturna pela janela, como sempre, perdida em seus próprios pensamentos.

Mikan, como de costume, não parava de falar. Ele engatou um novo tópico de conversa, agora criticando a música que tocava.

— Música americana é muito brega. — Ele comentou, dando uma mordida exagerada no hambúrguer, como se para enfatizar sua opinião. — Essa aqui, por exemplo. Quem coloca uma batida dessas em uma música de verão? Parece coisa de filme ruim.

Eu levantei os olhos para ele, semicerrando-os em provocação.

— Certo, senhor crítico musical. — Disse, com um tom carregado de sarcasmo. — Porque sua playlist de rock dos anos 80 e músicas de karaokê russas é um exemplo de sofisticação.

Ele olhou rapidamente para mim, surpreso, e então riu, como se eu tivesse acabado de confirmar um segredo.

— Primeiro, minhas músicas não têm nada de karaokê. Segundo, pelo menos as minhas têm alma, Lena. Não esse lixo comercial que vocês acham "divertido".

— Aham, claro. — Retruquei, gesticulando com uma batata frita. — Porque "Total Eclipse of the Heart" e "Eye of the Tiger" são o auge da autenticidade, né? Todo mundo ouve isso. Você não me engana, Mikan. Aposto que sua playlist tem mais músicas americanas do que você quer admitir.

— Quer saber? — Ele deu uma risada curta, balançando a cabeça. — Você fala demais pra quem tá comendo um hambúrguer barato em um carro velho enquanto ouve essa porcaria.

Revirei os olhos, mas não consegui evitar o pequeno sorriso que surgiu nos meus lábios. Era fácil esquecer qualquer coisa pesada quando ele começava com essas provocações.

Lauren, lá atrás, finalmente deu um sinal de vida.

— Ele tem um ponto, Lena. — Ela disse, a voz calma mas com um tom ligeiramente zombeteiro. — Sua playlist também tem umas coisas questionáveis.

Olhei pelo retrovisor, fingindo indignação.

— Não se atreva, Lauren.

Ela levantou as mãos em defesa, mas havia um sorriso em seus lábios.

O carro seguiu pela estrada, o ritmo da música no rádio mudando para uma balada pop que eu conhecia bem. Apesar das críticas de Mikan, ele não trocou a estação. Aparentemente, reclamar era mais divertido do que realmente mudar algo.

Por um momento, senti o clima realmente mais leve. Não havia brigas, nem provocações excessivas sobre Keene ou qualquer outro adversário. Era só a gente, conversando e comendo porcarias enquanto o rádio fazia seu trabalho de nos entreter.

Suspirei, inclinando-me contra a janela e olhando para as luzes que passavam rapidamente do lado de fora. Era raro ter momentos assim ultimamente, em que as responsabilidades e tensões não me esmagavam.

Mikan cantou um trecho exagerado da música que tocava, e Lauren finalmente riu de verdade. Eu olhei para ele, balançando a cabeça, mas sorrindo.

— Você reclama, mas sabe todas as letras, né? — Provoquei, mordendo minha última batata frita.

— Eu só sou uma vítima desse bombardeio cultural. — Ele respondeu, fingindo estar ofendido. — Além disso, o que mais eu posso fazer enquanto carrego vocês duas pra todos os lados como um chofer?

— Ser menos dramático. — Lauren respondeu, casualmente, enquanto limpava as mãos com um guardanapo.

A noite parecia mais simples, mais normal. Por um breve momento, consegui me esquecer das brigas, das discussões, do ciúme de Mikan e até mesmo de Robby Keene. Eu não queria pensar sobre o torneio, sobre as expectativas de Yama, ou sobre os olhares que aquele garoto me lançava, que pareciam ficar gravados na minha mente contra a minha vontade.

Só por aquele instante, com um hambúrguer barato na mão e música brega no rádio, o mundo parecia mais leve.

Quando o carro desacelerou e começou a virar na esquina para a farmácia, eu senti uma leveza momentânea, como se finalmente fosse poder aliviar um pouco a pressão que vinha sentindo. O dia havia sido longo, a tensão com o Cobra Kai ainda borbulhando na minha mente, e as provocações de Keene me atormentavam, mas agora, o único foco era a dor que eu sentia e o pequeno problema que eu estava passando em questões hormonais, digamos. Eu precisava de alívio, e sabia exatamente onde encontrar.

Eu pedi para Mikan parar na farmácia e me deixar ali, eu poderia voltar andando, ja que o prédio era praticamente na mesma rua. No entanto, ele olhou para mim com uma expressão preocupada, como sempre.

— Você está bem, Yelena? — Perguntou ele, e eu revirava os olhos involuntariamente, cansada de ter que responder a perguntas assim. Não era que eu não gostasse do fato dele se preocupar comigo, mas era como se a minha dor fosse sempre a última coisa que ele entendesse de verdade. E era desconcertante falar disso com ele.

— São problemas femininos — Lauren disse, respondendo por mim enquanto eu apenas franzia as sobrancelhas, irritada. Eu ainda não conseguia me acostumar com esse tipo de piada que sempre surgia quando o assunto era algo tão normal para mim, mas que os caras pareciam sempre tratar com tanto constrangimento.

Mikan ficou corado, e eu não pude evitar uma leve risada interna, vendo-o tentar se esconder por trás da mão que esfregava o rosto.

— Ok, ok, nós vamos esperar você lá em casa então... — Ele disse rapidamente, tentando mudar de assunto.

Eu desci do carro sem pressa, dando uma risadinha e batendo na porta de Lauren de leve.

— Tenta não matar o espertalhão aí até eu subir, ok? — Brinquei, a irritação do dia já começando a se dissipar por um segundo. Lauren olhou para mim com um sorriso sarcástico, como se estivesse se divertindo com a situação.

— Vou tentar, mas não prometo nada — Ela respondeu, e a risadinha que se seguiu deixou o ambiente um pouco mais leve.

Mikan, claro, fez um comentário dramático, algo sobre ser tratado como um monstro ou algo assim, mas eu não estava mais prestando atenção. O que importava era que eu estava finalmente sozinha por alguns minutos.

Depois de dar um último sorriso, fechei a porta e caminhei até a farmácia. O frio da noite era um alívio na pele, o vento fazia o meu cabelo esvoaçar um pouco, mas eu não me importava. Eu estava tentando me concentrar naquilo que realmente precisava, na única coisa que poderia me fazer me sentir um pouco melhor naquele momento, já que a cólica parecia quase infernal, me atormentando mesmo quando eu finalmente estava me esquecendo dos problemas externos.

A farmácia estava vazia, exceto por um atendente que olhou para mim de forma indiferente enquanto eu pegava a caixa de analgésico para cólica. O remédio que eu tomava já tinha acabado, e eu sabia que ia precisar de algo forte para conseguir dormir um pouco mais tranquila, sem as dores incessantes. Meu corpo estava cansado de tantas tensões acumuladas ao longo do dia, de todas as discussões, da pressão sobre meus ombros, mas essa dor, essa dor física, ao menos podia ser tratada, ao contrário daquilo que me consumia internamente.

Olhei a prateleira e selecionei o remédio que costumava usar, aquele que já estava tão familiarizado em minha vida. O único que realmente fazia efeito. A dor era implacável, mas com ele, tudo ficava mais suportável, como se eu pudesse relaxar por uma noite e esquecer de tudo, mesmo que fosse por apenas algumas horas.

Fui até o caixa, paguei sem dizer uma palavra, e, como sempre, não me importei com os olhares curiosos ou a falta de interação com o caixa, que parecia ser um verdadeiro enxerido. Eu queria apenas terminar logo o que estava fazendo e voltar para casa.

Quando saí da farmácia, o ar fresco me atingiu de novo, mas dessa vez, não parecia tão reconfortante. Eu ainda tinha o peso do dia sobre mim, e as preocupações com o que viria no dia seguinte estavam me consumindo. Mas por um momento, caminhei tranquila, os passos ressoando na calçada enquanto olhava para o céu, pensando no que o futuro me reservava. Eu sabia que tinha que continuar lutando, mas o que eu realmente queria, no fundo, era apenas poder relaxar e esquecer de tudo.

A portaria do meu prédio estava a poucos metros de distância, e eu sabia que logo estaria em casa. Não queria pensar em nada por agora. Só queria estar longe de tudo aquilo e me focar em cuidar de mim mesma, por um tempo.

E eu enfim estava chegando na portaria do meu prédio, já com as chaves em mãos, quando um grito atravessou o silêncio da noite, fazendo meu corpo se congelar instantaneamente. Aquele som era puro desespero, e, por algum motivo, não pude ignorá-lo. Meu instinto se acionou, e, sem pensar duas vezes, guardei as chaves no bolso e comecei a caminhar na direção do barulho, com o coração acelerando no peito.

A rua estava mais vazia do que o normal, as luzes das lojas já apagadas, exceto pela fraqueza do neon vindo de um estúdio de tatuagem ao fundo. O lugar não parecia estar aberto para clientes, as janelas estavam encobertas, mas o barulho... O barulho estava vindo dali. Eu franzi o cenho, sentindo a raiva começar a borbulhar no fundo da minha garganta enquanto me aproximava da porta. Abaixei a cabeça, tentando manter o máximo de discrição possível. Então, ao chegar mais perto, eu vi, e, honestamente, a cena me fez perder qualquer traço de paciência que eu ainda tentava manter.

O que eu vi dentro daquele estúdio não era nada que eu esperava. O garoto, alguém que eu não reconheci de imediato, mas que talvez já tivesse visto na escola, estava preso contra a cadeira, lutando com todas as forças que tinha. Não tinha muito o que fazer, no entanto, porque ele estava cercado pelo pessoal do Cobra Kai. Mas o que me fez apertar as mãos com raiva foi o fato de que o garoto estava sendo forçado a raspar o cabelo, um moicano sendo cortado com a lâmina de uma máquina de barbear, enquanto o pessoal do Cobra Kai se divertia com aquilo.

O moicano estava sendo arrancado contra a sua vontade. Ele tentava se debater, mas não tinha força suficiente para enfrentar os três caras. Cada movimento dele era uma tentativa fútil de se livrar daquilo. O som da lâmina cortando o cabelo e o desespero nos olhos dele fez uma raiva insuportável crescer dentro de mim.

Eu já não gostava de Keene, mas ver ele de perto novamente, dessa forma, me fez ter certeza, eu o odiava e desprezava. Ele estava rindo, como se aquilo fosse apenas mais uma brincadeira idiota. Eu podia sentir meu corpo se aquecer de raiva. Como ele ousava fazer isso com outra pessoa? Como ele poderia ser tão... Tão desprezível?

Eu estava tão furiosa que nem pensei duas vezes antes de agir. Dei um passo à frente e, com um chute firme, abri a porta. A madeira da porta estremeceu e os olhares, que estavam todos concentrados no garoto, se viraram para mim. Keene riu, achando graça da minha presença. Não demorou muito para ele soltar uma frase sarcástica.

— Ah, que ótimo, a bonequinha russa também entrou na brincadeira. Quer se juntar à ele, boneca?

Ele parecia se divertir, mas não tinha ideia do quanto aquilo estava prestes a dar errado para ele. Eu não ia mais tolerar esse tipo de coisa. Eu não ia mais permitir que ele continuasse sendo aquele estúpido arrogante, e que muito menos ousasse me chamar de "boneca" outra vez.

Mantive a compostura, mas a voz saiu cortante.

— Afasta-se dele, Keene. Agora.

Eu não me importava com o que ele pudesse fazer ou dizer. O que estava em jogo era a dignidade do garoto na cadeira, e aquilo, naquele momento, era mais importante do que qualquer outra coisa.

Antes que Keene pudesse responder, Tory se meteu na conversa. Ela avançou para me encarar, uma expressão desafiadora estampada no rosto.

— Vai querer levar uma surra, russa? — Ela disse, os olhos estreitos, como se estivesse tentando intimidar.

Eu ri, sem nenhum sinal de medo. O que ela dizia realmente parecia uma piada, dado ao fato de que em nosso último encontro, ela foi a única a sair machucada, tanto que seu rosto ainda tem o hematoma.

— A única piranha que apanhou das últimas vezes foi você, Tory.

A frase saiu da minha boca sem hesitação, e pude ver o ódio crescer nos olhos dela. Ela avançou na minha direção, sem pensar duas vezes, como se achasse que poderia me derrotar da mesma forma que antes.

Mas agora, a situação era diferente. Eu não estava mais naquela postura de vítima. E a raiva que eu sentia por Keene, por tudo que ele e seu bando estavam fazendo, só aumentava à medida que Tory se aproximava.

Quando ela se lançou em mim, eu não recuei. Ao contrário, me preparei para o impacto. Tory vinha com o braço esticado, tentando me atingir, e eu a vi no último segundo. Era o momento certo para agir. Desviei para o lado, sentindo o peso do seu corpo passar ao meu lado, mas não dei espaço para ela respirar. A puxei para perto, usando o movimento de seu próprio impulso contra ela. Era rápido e eficaz. Coloquei o meu ombro no seu peito, fazendo-a perder o equilíbrio enquanto eu a jogava para o lado, fazendo-a cair no chão.

Ela gritou, irritada, mas isso não me impediu de continuar. Agora que Tory estava no chão, eu me virei para os outros. Keene estava lá, observando, e isso me irritava ainda mais. Ele era o verdadeiro responsável por aquilo tudo, e ver ele apenas como um espectador me fez querer ir até ele. Só que, antes que eu pudesse avançar, ele levantou uma das mãos, pedindo calma, mas seu sorriso zombeteiro não me engana. Ele ainda se sentia no controle.

Eu sabia que não ia terminar tão facilmente, e isso era o que mais me incomodava.

A tensão no ar estava carregada, e eu sentia a raiva pulsando dentro de mim, tornando cada segundo mais insuportável. A cena era patética, cinco contra uma, era uma covardia tão óbvia que mal parecia real. O que mais me irritava era que eu sabia que eles estavam tentando me intimidar, esperando que eu recuasse ou ficasse paralisada pela pressão. Mas eu não era como os outros. Não era mais uma garota frágil ou que se deixava intimidar.

Eu encarei Keene e sua turma, os olhos fixos em todos eles. Eles queriam assim? Então que se preparassem. Porque, se queriam me fazer pagar por algum motivo insano, eu devolveria com cada grama de raiva que eu tinha. Eu não estava com medo deles. Sabia que poderia os destruir, ou pelo menos deixá-los com marcas suficientes para que soubessem que nem sempre venceriam. Eu só queria que eles entendessem que, mesmo sozinha, eu não seria uma oponente fácil.

Antes que eu pudesse dar mais um passo, outro do Cobra Kai, um garoto que eu não conhecia muito bem, avançou em minha direção, tentando me acertar com um soco. Eu desvio para o lado com facilidade, sentindo o peso do meu corpo sendo mais ágil que o dele. E nesse momento, como se uma chave tivesse sido virada, o garoto que estava preso na cadeira se libertou. Ele estava aparentemente abatido, mas determinado. Seus olhos estavam incendiados de raiva. Eu podia sentir a tensão no ar crescer, e a raiva dele parecia ser uma válvula de escape para o que estava acontecendo. Ele se levantou, sem hesitar, e entrou na luta.

Eu o observei por um momento, tentando avaliar a situação, e foi ali que a irritação explodiu dentro de mim. Keene estava agindo como se tivesse algo a provar, como se sua raiva fosse suficiente para derrotar a mim. Ele não sabia o que estava fazendo. E se havia algo que eu sabia, era que ele estava longe de ser uma ameaça real para mim.

O golpe veio rápido, mas eu estava mais rápido. Tory foi a primeira a tentar reagir novamente, se levantando com ódio nos olhos, e, num movimento calculado, eu lancei um chute certeiro. O som de contato foi nítido, e a expressão de Tory mudou imediatamente quando ela sentiu a dor. O chute atingiu o canto de sua boca, fazendo-a cuspir sangue. A risada escapou dos meus lábios sem que eu conseguisse evitar, como se a cena fosse finalmente virar a meu favor.

Tory gritou, seu rosto vermelho de frustração.

— Robby! — Ela gritou, chamando seu querido número um, como se ele fosse a resposta para tudo.

Eu olhei para ela, com um sorriso frio, e então me virei para Robby, que estava observando tudo de longe. Ele parecia irritado com a situação, e sua expressão endureceu quando os olhos dele se fixaram em mim.

Ele se aproximou, e, sem perder tempo, disse.

— Não vou pegar leve com você só porque é garota.

Eu soltei uma risada, uma risada baixa e cheia de desdém.

— Nem em sonho eu pediria por isso, Keene. Não sou desse tipo. Mostre logo o que tem.

E então ele avançou, sem mais palavras, e a briga começou para valer. Ele veio em minha direção com um soco, rápido, mas eu já estava pronta. Eu desviei com a agilidade que eu tinha treinado por anos, sentindo a adrenalina correr pelas minhas veias. O movimento de desviar foi fácil, mas o verdadeiro teste era o próximo passo, o contra-ataque.

Com a raiva como combustível, fui direta. Lançei um golpe de pernas rápidas, tentando atingi-lo no torso. Ele bloqueou, mas a força do impacto o fez dar um passo para trás. Eu não ia ceder, não ia dar espaço para ele. Ele era bom, mas eu também era.

Eu usei o espaço que consegui para me aproximar, e, com um movimento de rotação, dei um golpe de cotovelo no lado do rosto dele. Robby parecia desorientado por um momento, e eu usei isso a meu favor. Não hesitei, e dei outro soco, agora no peito dele, tentando quebrar sua defesa. Ele tentou reagir, mas o meu tempo de reação era melhor. Eu sentia o golpe pesado, e vi o suor escorrer da testa dele, mas não havia como voltar atrás. A raiva me consumia, e eu sabia que não iria parar até ver que ele estava finalmente recuando.

Mas Robby não era qualquer adversário, e eu sabia que ele tinha experiência. Ele tentou uma manobra que eu não esperava, forçando-me para trás com um empurrão no ombro. O golpe foi forte o suficiente para me desequilibrar momentaneamente, mas eu não ia cair. Eu me mantive firme e reagi rápido, fazendo um movimento de joelho, tentando acertar a região do estômago dele.

A luta estava intensa, e parecia que o tempo tinha desacelerado. Cada movimento, cada impacto era dado com uma intensidade esmagadora, e a sensação de estar no controle da situação me dava uma confiança renovada. Eu não estava mais tão sozinha quanto parecia. Mesmo com Robby me atacando, havia uma parte de mim que sentia que a vitória ainda poderia ser minha.

Porém, de repente, a dor no meu estômago foi tão aguda que senti a respiração falhar por um momento. Tory, com sua raiva e força, tinha me acertado com um golpe certeiro, e a sensação metálica do sangue na minha boca só fez a frustração crescer. Eu cambaleei para trás, os pés tropeçando, mas rapidamente tentei me recompor. Respirei fundo e fixei o olhar na direção dela. A raiva que queimava dentro de mim era quase incontrolável, e eu sabia que não podia me dar ao luxo de vacilar agora.

Mas ao levantar o olhar, vi algo que me desconcertou ainda mais. Robby estava se aproximando, os olhos fixos em mim. Por algum motivo, ele parecia... Disposto a me ajudar. Como se estivesse... Preocupado? A ideia de que ele poderia, por um segundo, querer intervir e me proteger me deixou confusa, como se tudo o que eu soubesse sobre ele fosse uma mentira. Por um instante, ele parecia mais um aliado, e isso me irritou ainda mais. Eu não precisava de ajuda, e com certeza não de alguém como ele.

Ele veio com uma expressão séria, mas no momento em que ele deu mais um passo em minha direção, a raiva tomou conta de mim. Eu não ia permitir que ele fizesse o que quisesse, nem deixar que esse tipo de confusão se instalasse. Sem pensar duas vezes, ativei os reflexos que a raiva me proporcionava, e com um movimento rápido, dei uma rasteira em Robby. Ele caiu no chão com um barulho surdo, e eu nem olhei para ele depois disso. Não tinha mais tempo para perder com o garoto. Ele não era minha prioridade.

Antes que eu pudesse focar totalmente em Tory, que vinha de novo com fúria nos olhos, gritei. Minha voz foi firme, cortando o ar, como um comando.

— Ei, garoto!

Fui clara, apontando com um gesto para o moicano roxo que ainda restava no cabelo do outro garoto. Ele olhou para mim, entendendo o que eu queria, e imediatamente começou a caminhar na minha direção.

Tory parecia furiosa, os olhos lançando um olhar mortal para mim, mas o movimento do outro garoto foi rápido o suficiente para distraí-la, forçando-a a dar um passo para trás. Isso foi o que eu precisava. Sem hesitar, comecei a me afastar, levando o garoto comigo. Ele estava a apenas alguns passos de mim, e eu sabia que precisava sair dali rapidamente. Não iria olhar para trás.

— Vamos, rápido — Eu disse, apontando na direção do prédio onde morava.

As ruas estavam silenciosas, mas eu podia sentir o peso da tensão nos meus ombros, enquanto caminhávamos em direção ao prédio. O garoto me seguiu de perto, sem questionar, sem fazer barulho. Ele já sabia o que fazer, e eu não precisava de mais explicações. Apenas o som de nossos passos ecoava pelas ruas, mas nem isso me incomodava agora.

Eu ainda estava furiosa. Minha respiração estava pesada, e cada movimento meu parecia ser movido pela raiva ainda pulsando dentro de mim. Eu não queria parar para pensar, porque sabia que minha mente estava uma bagunça, tentando lidar com tantas emoções conflitantes.

Chegamos ao prédio, e eu finalmente parei na entrada, dando uma olhada de canto para o garoto. Ele me olhou de volta, claramente surpreso com tudo o que havia acontecido, mas ele parecia entender que tudo isso tinha um propósito. Eu sabia que a situação não tinha acabado, mas ao menos por aquele momento, eu tinha conseguido escapar. E isso, no fundo, me fez sentir um pouco mais em controle da situação.

A voz do garoto, baixa e quase tímida, cortou o silêncio entre nós.

— Obrigado, de verdade. — Ele disse, olhando para o chão por um momento antes de levantar os olhos para mim.

Seu agradecimento foi genuíno, mas havia algo nos seus olhos, uma mistura de gratidão e talvez até uma leve insegurança. Eu podia perceber que ele não estava acostumado a esse tipo de situação.

Eu respirei fundo, a raiva que ainda queimava dentro de mim começando a se dissipar. Eu não sabia por que, mas algo sobre o garoto me fazia querer garantir que ele estivesse bem. Eu nunca me importei com os outros, mas havia algo nele que, de alguma forma, me tocava. Talvez fosse a maneira como ele parecia perdido, como alguém que estava tentando se encontrar em um mundo que não fazia sentido. Certamente aquilo feriu seu ego, e fragilizou de uma maneira que eu consigo sentir.

— Eu luto pelo que é justo. — Respondi, a voz saindo mais firme do que eu esperava. — E o Cobra Kai... Eu os odeio mais do que tudo.

Eu dei um passo na direção dele, minhas palavras ainda flutuando no ar, e me senti um pouco mais calma, mais em controle da situação.

— Mas, e você? Qual é o seu nome?

Ele hesitou por um segundo, talvez pela primeira vez desde que a briga começou, mas logo olhou para mim e disse.

— Eli.

Ele me deu um sorriso tímido, o tipo de sorriso que você não vê muitas vezes, mas que parecia genuíno, como se ele estivesse tentando se convencer de que estava tudo bem.

Estendi a mão para ele, e ele olhou para minha mão antes de apertá-la. A sensação do toque foi rápida, mas firme. Ele parecia hesitante, mas ao mesmo tempo, eu percebi que esse era o momento de quebrar qualquer barreira entre nós.

— Yelena — Eu disse, meu tom leve, quase brincalhão, como se estivéssemos apenas trocando cumprimentos após uma situação comum, e não depois de uma briga de rua.

— Eu conheço você — Eli disse então, ainda com aquele sorriso discreto no rosto. — Conheço a sua reputação e o seu dojô... Só esperava que você fosse mais fria, durona.

Ele estava tentando ser engraçado, talvez, mas havia algo de vulnerável em sua voz, como se ele estivesse tentando se proteger, criar uma imagem de algo mais que não era.

Eu ri, mas a risada foi curta, sem muito humor.

— Eu posso ser os dois. — Eu disse, sem pensar muito. — Mas depende das circunstâncias, do que está em jogo.

Eu dei um passo para o lado, mais relaxada, mas ainda sentindo o peso do que havia acontecido.

— Agora... A única coisa que importa é fazer a justiça a quem merece.

Ele parecia absorver tudo o que eu estava dizendo, mas havia uma sensação de inquietação no ar.

— Você mora por aqui? — Perguntei, quebrando o silêncio mais uma vez.

Ele olhou para o prédio onde estávamos, depois para as ruas vazias, e respondeu com um aceno de cabeça.

— Minha casa não é muito longe. Acho que consigo ir sozinho.

Eu o observei por um momento, e algo na maneira como ele falava me fez sentir que ele não queria ser visto como vulnerável, que estava tentando mostrar mais força do que talvez tivesse naquele momento. Mas o olhar dele, aquela mistura de dor e frustração, não passou despercebido. Eu sabia o que ele sentia, mesmo sem que ele dissesse uma palavra. Eu entendi aquela sensação de estar perdido, de ser um alvo fácil para os outros. Não era o mesmo que eu sentia, mas a dor era reconhecível. Eu sabia o que isso significava.

Sem dizer nada, apenas colocando a mão no ombro dele com suavidade, eu tentei transmitir uma mensagem sem palavras.

— Vai ficar tudo bem — Disse com a voz baixa, tentando acalmá-lo. — Cabelo cresce rápido, e se você tentasse um buzzcut, acho que ficaria gato do mesmo jeito.

Eu tentei manter o tom leve, como uma brincadeira, mas era mais para passar um pouco de confiança para ele. Vi as bochechas de Eli corarem, um toque de cor contrastando com a palidez do seu rosto, e eu não pude deixar de sorrir levemente.

— Obrigado, Yelena. — Ele disse, a voz ainda um pouco hesitante, mas agora mais confiante. — Sério. Vou tentar...

Ele hesitou, olhando para a calçada como se se preparasse para sair, mas antes de dar o primeiro passo, ele olhou para trás, me dando um aceno com a cabeça. Eu apenas fiz um movimento curto com a mão, sem dizer nada, mas algo me dizia que, de alguma forma, eu tinha ajudado mais do que eu poderia imaginava.

Então ele se afastou, caminhando pela calçada em direção à sua casa, ainda com a cabeça baixa, mas com mais firmeza nos passos. Eu fiquei ali por um momento, observando-o desaparecer na esquina, antes de virar e finalmente entrar no prédio. O peso do que aconteceu ainda estava em mim, mas algo dentro de mim também estava mais leve agora.

Eu tinha ajudado alguém, mas isso, jamais poderia apagar aquela memória. E Robby Keene terá de se preparar para os dias de dor que estão por vir, porque não vou hesitar em fazer ele sentir o peso das próprias ações, não depois de hoje.

Obra autoral ©

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