4. dois fodidos.

AUDREY

AS NOTAS SAIAM DO VIOLÃO COM agressividade, quase como um grito de socorro que fazia a ponta dos meus dedos doerem. Eu estava trabalhando nessa música desde o show no Casanostra, como um relato desesperado de uma adolescente perdida e provavelmente precisando de tratamento psiquiátrico. Eu me sentia assim, como se de repente fosse transportada ao passado onde os sentimentos eram confusos e as noites mal dormidas.

   Eu ainda não consigo entender
   Como um único segundo teve tanto poder

   Gemo de frustração e coloco meu violão de lado. As palavras pareciam muito superficiais, como se não fizessem jus ao que realmente queria transmitir. Porra...

   A porta da sala se abre e as garotas entram, parecendo animadas. Relentless era toda minha vida, essas garotas eram toda minha vida. Me animo ao vê-las entrarem com seus sorrisos de orelha a orelha, e é claro que elas sorriam. Não tinham contas a pagar, aluguel pra se preocupar ou o mínimo de responsabilidade com o mundo real. Elas podiam apenas viver as coisas boas da nossa vida, papai e mamãe cuidariam do resto.

   — Então Audrey... — Peyton diz, se aproximando de mim.

   Ela se senta no sofá a minha frente e imediatamente faz o seu tique em seu cabelo loiro. Desde a reabilitação ela havia adquirido essa mania e eu sinceramente preferia isso do que toda a cocaína.

   — Peyton — digo seu nome, me inclinando e cerrando os olhos pra ela.

   — Qual é o lance com o gostosão do Casanostra? — pergunta, a curiosidade faiscava em seus olhos verdes.

   As garotas se aproximam e também se sentam, Jane bem no lugar ao meu lado com seu usual cheiro de nicotina.

   — Não tem nenhum lance — respondo sem esconder minha decepção.

   — Fala sério, não vai me dizer que só ficaram de conversinha na festa da Gui? — Bella pergunta.

   Bem, quisera eu não ter ficado de papo a noite toda. Eu não ia me importar de um pouco mais de ação. Paul e eu conversamos até tarde da noite e então ele foi embora, sem nem me oferecer uma carona. Não que eu fosse aceitar, eu já ia dormir na Guinevere mas mesmo assim...

   — Foi exatamente o que aconteceu.

   As garotas fazem expressões incrédulas e isso me diverte.

   — Audrey Dupret sem uma noite de sexo? — Guinevere pergunta. — Isso não é possível.

   Eu bem queria que não fosse.

   — Ele nem ao menos tentou me beijar — admito, futucando o esmalte em minhas unhas. Talvez ele nem tenha gostado de mim, na verdade nem ao menos sabia porque ele apareceu lá pra começo de conversa, se não quisesse nada comigo era só não ir. Eu ia conseguir entender o recado desse jeito mas Paul prefere mandar sinais confusos.

   — Sério? — Peyton inclina seu corpo pra frente.

   Assinto, claramente amuada. Eu não precisava fingir estar minimamente satisfeita com isso, esse era o meu lugar seguro.

  — Do que adianta aquele corpo perfeito se não tem atitude?! — Jane exclama, nos arrancando risadas.

   — Talvez ele não quisesse me beijar.

   — Não acredito nisso — ela rebate, cruzando os braços.

   — Por que chamou ele afinal? — Gui pergunta.

   Meu rosto esquenta na mesma hora como se tivesse sido pega fazendo algo muito errado.

   — Ah... — tento dizer mas sai meio engasgado. — Vou soar piegas se falar isso.

   — Não nos importamos — Peyton garante e levanta os dedos, as meninas a acompanham. — Promessa de dedinho.

   — É que... Quando o vi, foi como se nos conhecêssemos — faço uma pausa, tentando ler as expressões impassíveis em seus rostos. — E quando percebi que não o conhecia eu quis mudar isso. Olha, eu não sou de paixões platônicas ou amor a primeira vista...

   — Claro, essa é a Peyton — Guinevere diz e ganha uma tapa no ombro.

   — Principalmente depois do Brian mas... É como se estivéssemos ligados. Eu não consigo passar um dia sem pensar nele e tenho tido sonhos estranhos.

   Meu rosto esquenta de novo. Pra mim, era vergonhoso admitir isso, ridículo. Após meu ultimo relacionamento mal fadado não fazia sentido ter uma paixão platônica, principalmente porque nunca havia acontecido antes. Quando vi o Paul... Eu fiquei sem voz, surda, praticamente cega... Eu só vi ele. E então passou mas aquela sensação esquisita ficou, deveria ter um motivo pra isso ter acontecido.

   — Que tipo de estranheza? — Jane pergunta, me tirando de meus devaneios.

   Pigarreio.

   — Um animal correndo numa floresta, parece estar perseguindo alguma coisa.

   Não era eu, acho que se eu estivesse em perigo acordaria mais alarmada mas isso não acontece. É como se fosse um filme.

   — Isso é um pouco sinistro — Peyton diz, o sorriso em seu rosto diminuindo gradativamente.

   — Total — Jane concorda, colocando seu longo e escuro cabelo atrás da orelha. — Mas eu acredito em destino, deviamos ver no tarot.

   Nós damos risada. Jane estava tirando tudo no tarot ultimamente, até o melhor dia para sair de casa.

   — E você tem o número dele? — pergunta Guinevere.

   — Tenho — assinto.

   — Então porque não liga?

   Demoro alguns segundos para pensar em uma boa resposta.

   — Porque já dei o primeiro passo e não quero ficar rondando como se estivesse desesperada. Eu não estou.

   Jane inclina a sobrancelha em minha direção.

   — Você disse que sente como se estivessem ligados...

   — Bem... sim — insisto, sem receio de parecer inconstante. — Porém eu posso estar passando muito tempo com a Peyton e acabei infectada por suas obsessões momentâneas.

   Peyton dá a língua pra mim.

   — Certo — continua Jane. — Mas o que achou dele?

   — Paul — murmuro, levemente irritada por ele não ter um nome pra elas. — Ele é um gato, com certeza, e apesar de ser muito sério até que tem um pouco de senso de humor. Parecia prestar atenção em tudo o que eu disse e fez bastante perguntas mas com certeza não gostou da festa, parecia meio avesso a lugares cheios o que é estranho porque ele trabalha numa casa de show. E bem, ele também não me elogiou.

   — Você estava linda, Audrey — Guinevere me elogia.

   — Obrigada Gui.

   Peyton faz careta e se levanta.

   — Simplesmente o primeiro cara de LA a não querer dormir com você — ela pragueja.

   Bem, ele não era o primeiro mas foi um dos poucos. Parece que os caras não curtem muito meu visual lotado de tatuagens e lápis preto, pra isso eles preferem a Peyton que preferia apostar somente no couro.

    — Ele é indígena, morava numa reserva.

   Elas murmuram um "ah" em uníssono, como se agora tudo fizesse sentido. Pra mim parecia maluquice pensar no que um cara que cresceu numa reserva iria querer comigo, não dá nem pra me apresentar pra família, pra me livrar de tantas tatuagens só trocando de pele...

   — Um indígena misterioso então? Parece perfeito pra você... — Guinevere comenta, um sorriso malicioso em seus lábios.

   Peyton assente, concordando.

   — É, o completo oposto do Brian. Está com sorte.

   Bem, eu não me sentia muito sortuda agora. Preferia dormir sem sonhar com coisas esquisitas...

   A porta se abre em um baque surdo e Joe aparece com seu cabelo platinado mais bagunçado que o comum. As garotas amam esse maquiador e insistem em chama-lo sempre que ele está disponível para nos arrumar, obviamente que eu não pagava por isso e também não fazia questão mas elas faziam... Eu não me importava em deixa-las felizes por mais que me magoasse saber que eu não tinha condições de arcar com esses pequenos luxos.

   — Garotas, prontas pra começar? — Joe pergunta.

   Nos colocamos de pé.

   — Claro.


   O show da noite é calmo. O ambiente é menor, são menos pessoas e menos gritaria, nos permite fazer alguns covers e aceitar alguns pedidos da platéia. O público é formado em maioria por pessoas mais velhas do que nós, pouco acima dos 40. Eles dançam por toda a pista e cantam em plenos pulmões todas as músicas que conheciam. Eu gostava de vê-los e de tocar pra esse público, gostava de ver o estilo das roupas, os cabelos coloridos e de como eram desprendidos de rótulos. Eram livres.

   Nosso repertório os agrada o que me deixa mais do que satisfeita, assim como as garotas que pulavam e davam o máximo de si. Todo o suor, as luzes quentes, as mãos erguidas e o barulho do baixo... Era a única coisa que fazia com que eu me sentisse viva e plenamente feliz. A energia está no auge e já estou na última música quando um rosto conhecido aparece no meio da platéia. Paul. Meu coração quase sai da boca mas me policio para não parar a música em nenhum minuto. Observo enquanto ele se aproxima do palco, a jaqueta de couro marrom reluzia no ambiente escuro e combinava perfeitamente com sua pele e seu corpo. Ele é sexy. Sua altura, seus músculos, a maneira com que se mexia. Sexy e tremendamente imponente, e estava aqui pra me ver.

   Paul sorri pra mim e acompanha a plateia que batia palma no ritmo da música. O som da guitarra corta minha voz no ar e o público vibra, grita. Inclino meu corpo pra frente em agradecimento e as garotas fazem o mesmo.

   — Obrigada galera! — eu grito no microfone.

   A platéia grita ainda mais e sorrio com todo o carinho. O DJ começa a tocar, nos dando a deixa de que é hora de ir. Quando posiciono o microfone de volta no suporte vejo que Paul já está bem ao lado das escadas.

   — Olha só quem está por aqui — digo, cruzando os braços.

   Paul abre um sorriso que exibe todos os seus dentes tão claros que faziam contraste com sua pele. Sinto um arrepio percorrer meu corpo quando o cheiro de seu perfume atinge meu nariz, era amadeirado e delicioso.

   — Oi — Paul diz e estende a mão pra me ajudar a descer do palco.

   A agarro de bom grado, prestando atenção em seus movimentos conforme eu descia as escadas. Seus sinais confusos ainda me perturbavam, não podia fingir que não o vi percorrer meu corpo com o olhar e se demorar no meu decote.

   — Está me seguindo? — pergunto assim que paro ao seu lado.

   Paul pigarreia e levanta seu olhar até o meu.

   — Mais ou menos — admite, apertando as mãos como se estivesse nervoso. — Vi na internet que vocês iam fazer um show aqui e... Bem eu...

   — Ótimo. Agora está com vergonha — provoco, um sorriso malicioso surgindo em meus lábios.

   Ele franze as sobrancelhas e sua expressão ganha um tom de irritação.

   — Não, eu só...

   — Não combina mesmo com você — continuo.

   Seus olhos me encaram por alguns segundos até que ele entende minha maneira deturpada de fazer comédia. Ele sorri de novo, colocando suas mãos nervosas no bolso de sua jaqueta.

   — Posso falar? — pergunta.

   Não consigo evitar o sorriso.

   — Claro.

   — Eu queria te ver e hoje é minha folga então...

   Paul queria me ver. Essa simples frase significava algo pra mim, mais do que já havia significado quando outras pessoas falaram. Talvez eu me sinta feliz por estar sendo validada...

   — Que bom que veio — sou sincera.

   Paul me observa por alguns segundos enquanto o DJ muda as músicas para sons mais animados. Seus lábios se abrem como se algo fosse sair de sua boca mas ele desiste. Penso em beija-lo, eu queria beija-lo mas mais do que isso, eu queria que ele quisesse me beijar.

   — Posso te pagar uma bebida? — pergunta apontando pro bar há alguns metros de distância.

   — Uma coca cairia bem.

   Ele concorda e dessa vez é ele quem me puxa pela mão mas não mantém muita distância entre nós, mantendo-me perto e evitando que outras pessoas esbarrassem em mim. A maioria saia de perto com muita facilidade o que me deixou intrigada sobre a possível expressão em seu rosto.

   — Duas cocas por favor — Paul pede assim que nos encostamos no balcão.

   Ele puxa o banco pra mim e se coloca ao meu lado de uma forma protetora, quase como se formasse uma barreira contra as outras pessoas. Esse gesto me traz certo conforto então me sento, mesmo não estando com vontade de fazer isso.

   — Então você não bebe? — pergunto aumentando meu tom de voz para poder ser compreendida. Perto do bar haviam mais pessoas o que tornava difícil escutar.

   Paul inclina seu rosto em minha direção mantendo-se perto mas numa distância respeitosa.

   — Ficar bêbado não me ajuda muito, prefiro evitar.

   — Tem um motivo?

   — Arrumo muita confusão.

   Dou risada. Nossos copos são colocados na bancada e Paul se apressa em entregar o dinheiro para o bartender. A expressão em seu rosto é divertida e ele arrasta meu copo em minha direção.

   — Você tem cara mesmo — admito.

   Seu sorriso fica grande.

   — Ah é?

   — É. Cara de quem bate em todo mundo que te irrita.

   — Bem, isso não é verdade, tem algumas pessoas que eu não posso bater — Paul diz, exalando bom humor. — E você?

   — Acabo dormindo com desconhecidos e esqueço o rosto deles — sou sincera e então beberico um gole do meu refrigerante.

   O som da sua risada me surpreende e fico extasiada por te-lo ouvido gargalhar, acabo dando risada também. Nos observamos enquanto o som de nossos risos diminuía, quase como se estivéssemos interessados em se lembrar de cada detalhe desse momento. Eu estava interessada. Paul engole em seco e desvia o olhar, me frustrando totalmente.

   — Posso te fazer uma pergunta?

   Ele assente e me surpreendo por ele ter ouvido o que falei.

   — Por que não me beijou na festa?

   Com certeza não era essa pergunta que ele estava esperando, muito menos com o tom acusativo que eu não consegui controlar.

   — Eu... hm — Paul reflete por alguns segundos. — Não sabia se deveria ou se você queria.

   Eu chamei ele pra sair, pelo amor de Deus! O que mais uma garota teria que fazer pra demonstrar interesse? Como se alguém não fosse querer beijar um cara como ele...

   — Por que não deveria? Não vai me dizer que nunca beijou ninguém... — ironizo, inclinando a sobrancelha em sua direção.

   Esperava uma risada mas ele nem ao menos abre um sorriso.

   — Não... Eu... Só estou meio enferrujado com essa coisa de flertes.

   Fecho minha cara.

   — É sério? Ninguém interessante em nenhuma das noites? Você é gato, tenho certeza que caem matando.

   Ele trabalha pro Dave! Porra...

   — É, as vezes — assume, dando de ombros. — Mas não tenho tempo pra isso.

   — E tem tempo pra mim?

   Paul pragueja alguma coisa que mais parece um xingamento e arrasta um banco pra perto do meu, se sentando ao meu lado.

   — É diferente. Eu gostei de você.

   — Esquisito, as pessoas costumam me odiar.

   — Parece difícil imaginar alguém odiando você — responde e fica rígido no exato momento em que meu joelho encosta no seu.

   — Diga isso pra minha mãe — murmuro em resposta, virando o rosto.

   — Ah, isso eu entendo muito bem.

   Franzo as sobrancelhas, novamente ficando surpresa por ele ter me escutado. Na verdade todo esse tempo em boates deve ter fragilizado um pouco minha audição... Resolvo ignorar e agarro a oportunidade de tentar arrancar qualquer informação dele.

   — Também tem problemas com a sua? — pergunto, jogando o cabelo pra trás.

   Percebo que ele observa meu pescoço e a tatuagem de serpente em minha clavícula com atenção antes de me responder.

   — Um monte deles, já tem anos que ela gosta de me punir — seu tom de voz é rancoroso. — Algumas pessoas não nasceram pra ser mães.

   Algumas não nasceram pra ser minha mãe, apenas.

   — Eu queria ser — admito. — Um dia.

   Paul vira sua cabeça pra mim e me observa, analisando minha expressão. Algo em seu rosto dizia que ele estava surpreso mas o pequeno sorriso que surge em seus lábios gera em mim uma confusão de sentimentos.

   — Eu também. No caso um pai, claro.

   Sorrio.

   — Claro.

   Damos um gole sincronizado em nossas respectivas bebidas.

   — A sua mãe...? — ele tenta formular uma pergunta mas acaba apenas deixando a deixa no ar.

   — Ela queria que eu fosse alguém que não sou — completo, sentindo necessidade de compartilhar isso com ele. — Veio de família rica assim como meu pai, ridiculamente tradicionais. Meus irmãos mais velhos são respectivamente engenheiro e advogada. O único mais novo faz medicina. Imagine quando eu disse que queria viver da música, eles surtaram.

   — Como uma pessoa com privilégios, acho que você tinha o direito de escolher o que fazer.

   — É o que eu achava também. Mas meus pais não permitiram então fui pra faculdade de música enquanto fingi cursar medicina. Só que as tatuagens aumentaram, os piercings ficaram difíceis de esconder e eles descobriram toda a mentira. Pra fazer parte da família eu tinha que seguir suas vontades então escolhi não fazer parte mais.

   — Isso foi bem corajoso da sua parte — Paul diz, aproximando sua mão da minha.

   Ele não me toca.

   — As vezes eu penso que foi burrice, não sei até onde isso vai me levar. Vou ter que pagar pra ver, não tem como voltar atrás.

   O observo enquanto ele assente. Seus olhos extremamente escuros pareciam transmitir compaixão, carinho.

   — E os seus irmãos?

   — A Agnes aparece as vezes quando faço show em um lugar decente ou no meu apartamento e ela sempre traz dinheiro, acho que pensa que estou vivendo em condições precárias — brinco e Paul dá um sorriso. — Já o Marlo sempre conversa comigo e aparece em vários shows com o pessoal da faculdade, ele gosta de bagunça mas nunca desagradaria nossos pais. E o Barry... Bem, ele nunca mais falou comigo, assim como minha mãe e meu pai — o rancor em meu tom de voz é palatável. — É obvio que eles também não sonham do contato da Agnes e do Marlo.

   — Isso parece uma merda.

   — É mesmo — concordo, cruzando as pernas. — É solitário e cansativo e as vezes dá vontade de jogar tudo pro alto e sair correndo. Mas é a minha vida, minha propriedade... Posso fazer dela o que eu bem entender. É mais do que os meus irmãos tem.

Mais do que um dia eu já sonhei em ter. Crescer numa família rica, cercada de privilégios e com pais tão rígidos me fez sempre ansiar por algo diferente. Algo que fizesse meu coração bater forte ao ponto de ecoar em meus ouvidos. Talvez se eles fossem diferentes a essa altura eu seria uma médica, bem do jeito que eles queriam.

Volto minha atenção a Paul que me olhava com atenção, quase como se tentasse ler minha mente. Isso não era justo! Eu sempre falava sobre mim e ele nunca me dava alguma informação, algo que me fizesse acreditar que ele é real e não só uma pessoa que eu inventei em minha cabeça.

— E como foi pra você? Sair da reserva? — pergunto

Ele muda sua postura e desvia o olhar.

— Desafiador.

Fecho a cara.

— É só isso que tem a dizer?

Observo seus dedos se fecharam e sua mão ficar rígida, Paul me olha e seus olhos pareciam remeter o gosto amargo da dor. Eu sinto sua tristeza, de uma maneira esquisita e deturpada, mas sinto. Me faz querer tocar em seus dedos tensos.

— Doloroso não fazer mais parte de algo, libertador não precisar medir suas... Palavras. Não precisar se esforçar tanto pra ser bom.

Suas palavras tem um peso ainda desconhecido pra mim, algo que o machucou profundamente no passado parecia ter moldado seu comportamento, moldado quem ele é.

— Está realmente dizendo que não é um cara bom pra mim? — indago, trazendo humor ao meu tom de voz. Eu queria que ele se sentisse melhor. — Essa é a sua definição de flerte?

Um sorriso cresce no canto esquerdo de sua boca.

— Não gosto de mentiras.

— Foi curioso o que você disse porque costumo sempre atrair os caras errados — admito. — Você não parece nem um pouco com eles.

Fala sério, nem álcool ele bebia!

— É por que não me conhece.

— Talvez, Paul. Ou talvez seja porque você não se dá o devido valor.

— Ou talvez você não se dê e insista muito em pessoas erradas.

Um tapa doeria menos.

— Nossa — murmuro, desviando o olhar.

Imediatamente sinto seus dedos quentes contra os meus.

— Audrey... Me desculpa eu... Costumo falar sem pensar.

Seu olhar mostrava uma certa doçura, ele se importava com meus sentimentos. Bem diferente de qualquer homem com quem já havia me envolvido, o que já era de se esperar, eu sempre escolhia os da pior espécie. Aproveito o calor dos seus dedos para pressionar sua mão de volta, tentando emanar conforto. Eu não havia me ofendido.

— Não disse nenhuma mentira — eu digo, colocando minha outra mão por cima da nossa. — Eu namorei 3 anos um cara que sempre aproveitava a primeira oportunidade que tinha de me bater, acho que sei bastante em insistir no erro.

Sua mão treme contra a minha.

— Eu sinto muito.

É o tipo de coisa que todo mundo sempre diz que dói pra sempre, as marcas emocionais que ficam em nossa mente, o medo constante. Não foi assim pra mim, já não doía mais, principalmente porque uma parte de mim deixou de se importar. A parte que Brian matou.

— O engraçado é que não doía tanto a violência em si, doeu mais quando ele dormiu com minha colega de classe — digo, em tom bem humorado, mas a expressão de Paul se mantém dura como uma rocha. — Acredite Paul, eu sei o quão ruim uma pessoa pode ser e eu com certeza não sou um exemplo de amor próprio mas você também não é.

— Tudo bem, você tem razão — ele concorda, sem tirar os olhos de mim.

Observo nossas mãos entrelaçadas no meu colo, minha pele pálida contrastava com a sua e de alguma maneira esquisita sua mão era macia, mesmo estando coberta por mais calos do que as minhas. Eu gostava do seu cabelo escuro, sua barba rala e o cavanhaque, gostava do cheiro amadeirado e de como suas roupas sempre marcavam seu corpo. Até mesmo gostava de sua seriedade e sua dificuldade pra se expressar. Era tudo deliciosamente tentador.

Paul se inclina em minha direção e passa a língua nos lábios, sem desviar o olhar da minha boca por nenhum segundo. Nossas mãos ainda estavam unidas quando sinto seu hálito em meu rosto... Me arrepio pensando em como seria o sabor do seu beijo. Minha impaciência não combinava com sua hesitação.

— Vai me beijar, Paul? — o provoco.

Ele sorri como um cafajeste e eu gosto disso mas nesse exato momento um cara esbarra em suas costas, derrubando bebida na jaqueta de Paul.

— Filho da puta — Paul rosna e empurra o cara com tanta força que ele cai no chão, ou talvez ele só estivesse meio bêbado, não sei.

As pessoas em volta param pra olhar enquanto a expressão animalesca no rosto de Paul fica cada vez mais forte. Uma risada escapa de minha garganta.

— Porra, tá achando engraçado? — ele indaga, parecendo zero preocupado com o cara que ele havia acabado de empurrar e que por sinal estava conseguindo se levantar.

— Claro, parece que todo mundo gosta de derrubar bebida em você...

Seu semblante se transforma em segundos e um sorriso surge em seu rosto. Paul se coloca de pé e estende a mão pra mim.

— Eu te deixo em casa.

Pego sua mão com prazer e deixo com que ele me guie pra fora dali. Percebo que o cara que ele derrubou sumiu com uma rapidez fora do comum.

Votos e comentários me deixam feliz :)

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