2. desinteressado.
PAUL
MUITOS CONSIDERAM-ME um idiota. Um completo babaca que não liga realmente para algo, um brutamontes que prefere sair no soco do que ter uma conversa significativa com alguém. Eu nunca neguei nenhuma dessas afirmações, até mesmo concordei com alguns pensamentos de meus antigos colegas de matilha sobre meu temperamento um tanto quanto difícil e inflexível. Eu nunca mudei.
Isso tornava-me um idiota ainda maior, disfarçar minha total indiferença e falta de educação com personalidade não parecia uma maneira adequada de lidar com meus problemas.
Houve também os momentos em que estava na escola, fazendo uma daquelas provas ridículas com números cobrindo toda a página. Sentia-me um completo boçal, um garoto burro e incapaz de aprender e se portar como um ser humano normal.
Eu também não me esforcei para aprender matemática, ou a história do país, ou onde predomina cada clima no globo terrestre.
Mas em toda minha vida eu nunca me senti tão idiota quanto me sinto agora.
Eu havia a visto. Tão linda e tão forte, iluminada por aquela luz que parecia vir direto do paraíso. Ela era perfeita. E era minha. Mas a deixei ir. Me escondi como uma criança dentro da cabine do banheiro tentando não pensar no que havia acabado de acontecer. Meu primeiro pensamento foi ligar para um dos garotos, pensamento este que foi logo descartado quando a vergonha me atingiu como um soco. Eu não devia ligar agora, deveria ter ligado antes de decidir meter o pé da reserva sem avisar ninguém.
Xinguei toda a lista extensa de palavrões que conhecia e contei cada um dos azulejos da parede até que meus braços parassem de tremer. Foi o mais perto que eu havia chegado de me transformar em alguns meses.
Por mais que meu lobo tivesse tomado conta de mim e implorasse para ir ao encontro dela eu me mantive em silêncio, trancado naquela cabine. Após algum tempo sozinho você percebe coisas sobre você que não conseguia antes e na noite passada eu descobri algo: não aguentaria ser rejeitado por ela. Era um fato que eu não era uma boa companhia, eu não podia ficar perto dela e bagunçar sua vida até que ela se visse na obrigação de me chutar.
Não podia fazer isso com ela e muito menos comigo.
— Dave chegou e trouxe convidadas — pragueja Cole, correndo para um dos escritórios.
Demoro para processar o que ele havia dito, perdido demais na minha névoa obscura que tentava mais que tudo silenciar o animal dentro de mim. Então eu sinto o cheiro que me arrebata.
É como o mais puro whisky ao maior dos alcoólatras. Como mil sóis queimando a minha pele. Era ela. Tão linda quanto um anjo. Os cabelos ruivos presos em um coque e suas tatuagens cobertas pelo vestido de manga longa. Suas amigas atravessam o salão, observando a boate com Dave a tiracolo, mas a garota me olhava com curiosidade. Conseguia ver daqui o brilho em seus olhos castanhos. Era hipnotizante, não conseguia parar de olhar.
Mas graças aos Deuses ela conseguia.
Tento sufocar meu lobo e acalmar meus braços trêmulos. Pego um dos copos metálicos para fazer drinks e começo a esfrega-lo com uma toalha limpa assim eu manteria minhas mão ocupadas o suficiente para não encara-la como um psicopata. Eu não era o maior garanhão do mundo mas sabia que nenhuma mulher gostava de coisas do tipo.
Espera, eu não devia estar preocupado com o que ela gosta. Não havia a menor chance de eu me aproximar dela.
— Oi, você é o Paul não é?
Olho para frente vendo que ela vinha em minha direção. A cada passo as sardas em seu rosto ficavam mais evidentes. Seu semblante era delicado, uma expressão meiga que contrastava com seu visual. Lápis pretos nos olhos e o corpo coberto de tatuagens, voz grave e um dom admirável para guitarra. A dualidade me encantava.
Percebi que a encarava por tempo demais e não havia lhe dado uma resposta. Engulo a seco.
— Sim.
— Eu sou Audrey.
Audrey. Parecia perfeito. Soava bem. Mal podia esperar para dizer seu nome em voz alta.
— A garota do telefone — é o que me contento a responder, voltando minha atenção ao copo.
Pelos Deuses. Eu estava com vergonha. Sentia-me deslocado e estranhamente desarrumado, como se o momento se comparasse à um morador de rua conhecendo um membro do alto escalão da realeza.
— É, a garota do telefone. Me perdoe pela grosseria de ontem, eu estava tendo um péssimo dia.
— Eu percebi — murmuro, me concentrando em meus dedos. Começo a sentir o metal se afundando.
— Não fala muito, não é? — ela indaga.
Eu não falava. As palavras costumavam sair com maior facilidade de meus lábios quando eu era só um garoto e nos últimos meses, após passar tanto tempo sozinho, eu me desacostumei a jogar conversa fora. Mas nada disso mudava o fato de que eu ansiava por falar com ela.
— Não sou pago pra isso.
— E por isso não pode me olhar nos olhos?
Como num transe largo o copo na bancada e a olho nos olhos. Seus lábios cheios sorriem em minha direção e sua expressão ganha um ar genuíno de satisfação. Isso me emburra. Então isso é um imprinting? Perco minha vontade própria e obedeço suas ordens igual um cachorrinho?
Não é possível que eu seria adestrado.
— Bem, assim está melhor — ela diz, em seu olhar conseguia ver o brilho da vitória. — Sabe, eu não queria ter vindo aqui hoje mas o Dave tem influência e as meninas acharam uma boa ideia. É óbvio que ele está tentando enfiar a coisinha murcha dele em alguma de nós e é terrível admitir que não é a primeira vez. Mas chamar a gente para um brunch? Sério? Mal há luz dentro dessa espelunca. Sem ofensas.
Coisinha murcha. Haviam apenas alguns minutos que eu a conhecia e já estava me questionando se os Deuses fizeram a escolha certa. Talvez estejam me punindo por ser um babaca... Audrey tinha muita personalidade e com certeza não via problema em expor sua opinião o que não me anima muito. Eu já tinha que lidar com uma personalidade um tanto difícil... a minha.
— Não ofende — é o que respondo.
Isso de alguma maneira faz com que ela fique sem graça. Conseguia ver pela maneira em que abriu a boca e desviou o olhar, perdendo sua confiança. Isso me faria sorrir mas vindo dela só me causava tristeza. Como se quem tivesse sem graça fosse eu.
Abro a boca para dizer algo mas ela é mais rápida.
— Ontem você sumiu no show, queria ter me desculpado.
— Não se preocupe com desculpas, eu...
— Audrey! — uma garota grita. Só então percebo sua fisionomia.
Parecia ser mexicana. Tinha cabelo azul e vários piercings no rosto, uma sobrancelha bem marcante. Era bonita mas sem graça. Audrey olha pra mim por meio segundo e sorri educadamente, se afastando.
A agonia volta a preencher-me quase instantaneamente.
Observo enquanto Dave pede que todas se sentem na pequena mesa, os joelhos de todos eles provavelmente se encostavam por baixo da toalha, o que me causava mais do que repulsa no momento visto que Audrey estava do seu lado direito. Eu nunca me importei pelo gosto um tanto depravado por garotas novas que meu chefe apresentava, elas pareciam completamente felizes em dar a ele o que ele tanto queria em troca de alguns favores. Dave era nojento, de fato, um predador de garotas recém formadas que sonhavam em ser a nova Miley Cyrus mas algo me dizia que Audrey não pensava em fazer sexo em troca de favores, talvez alguma de suas amigas seja a escolhida.
Me retiro do salão depois de alguns minutos, cansado dos olhares nada sutis de Dave e da maneira como ele se portava pensando ser sexy mas na verdade sendo patético. Eu gostaria de arrancar os dedos de suas mãos um por um visto que em toda oportunidade ele enrolava um fiapo do cabelo ruivo de Audrey em seu dedo. Era nojento imaginar o que estaria passando em sua cabeça.
Da mesa do escritório eu quase não conseguia ver nada, mesmo deixando a porta aberta e devido a posição da cadeira seria impossível que me vissem daqui. Quebro pelo menos 3 lápis ao meio enquanto faço as contas das despesas fixas, contas essas que provavelmente terei que refazer devido a minha total falta de concentração. Meu lobo uiva, evidenciando meu tamanho estresse e o tamanho do problema que esse imprinting já estava me gerando.
Já fazia meses que minhas transformações estavam controladas. Eu havia aprendido um pouco sobre meditação e técnicas anti-estresse e elas me ajudaram muito a conter meu lobo dentro de mim. Isso me ajudou a construir uma vida como um ser humano normal, longe de toda aquela história de vampiros, lobisomens e misturas bizarras. Então Audrey aparece e todo meu autocontrole vai pra casa do caralho... Tudo que eu sentia era seu cheiro, seu calor, eu praticamente podia sentir seu gosto flutuando até a ponta de minha língua.
Era uma maldita droga.
E pra piorar Dave com suas mãos enormes e cheias de dedos parecia extremamente interessado em descobrir o que havia por baixo de seu vestido.
Levanto em um estrondo fazendo tanta força que lasco um pedaço da escrivaninha. Ótimo, agora teria que inventar alguma desculpa pra isso antes que descontem do meu salário. Decido continuar com minha tortura e volto pro salão mas percebo que Audrey não estava lá, suas colega de banda de cabelo azul também não. Obviamente Dave já havia transferido sua atenção para a próxima desavisada.
Decido me aproveitar dos meus dons de lobo para descobrir onde Audrey está. Os ruídos indicam o banheiro feminino. Me sento no banco do bar e começo a separar as folhas de hortelã, arrumando uma desculpa para permanecer ali.
— Paul, o gerente, acho que você está errada sobre ele — seu tom de voz era difícil de decifrar, beirava a indiferença.
Sua colega de banda demora alguns consideráveis segundos para responder.
— Como assim? O que ele fez?
— Acho que ele não está interessado. Sabe, eu tentei ir até lá e bater um papo mas ele parecia mais entretido em limpar os copos.
Então era sobre isso que tratava-se toda nossa conversa: eu estava interessado e Audrey me viu como um bom passatempo.
— Sério? Quando ele te olha, parece bem interessado. Talvez esteja preocupado com outras coisas e acabou sendo desatento sem querer.
— Você acha?
— Eu acho. Além disso, ele parece ser um gostoso. Tem que ter um pouco mais de perseverança para caras assim, não são como os músicos viciados em cocaína que se deitam com a primeira que aparece.
O tom condescendente em que ela diz isso me faz sorrir. Uma crítica disfarçada com uma boa dose de bom humor.
— Entendi, Brian de novo — Audrey resmunga.
Consigo ouvir o barulho da torneira sendo aberta.
— Eu o odeio.
— É, eu também.
Pego meu celular e passo o dedo pela tela no momento em que percebo que elas sairiam do banheiro. Audrey murmura alguma coisa sobre seguir sua dica à sua colega, que solta um barulho empolgado de seus lábios.
Prendo minha respiração conforme Audrey andava em minha direção. A dica provavelmente dizia respeito a mim.
— Ei, Paul — ela me chama, me forçando a olha-la nos olhos.
— Sim?
— É aniversário da Guinevere amanhã a noite. Você não gostaria de ir?
Ela estava me chamando pra sair. Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Seria o poder do imprinting tão grande ao ponto dela não perceber que não tenho nada a oferecer? Eu não sou nada. Cedo ou tarde ela enxergaria isso.
— Por que? — é o que eu respondo, confuso pela névoa inebriante que era estar perto dela, perdido em dúvidas e pensamentos deprimentes.
Audrey pensa por alguns segundos antes de dar uma resposta.
— Você parece sozinho.
— Você também parece mas sou bastante educado para não fazer essa observação em voz alta.
Ela dá risada, exibindo todos os dentes e até mesmo um pedaço da gengiva. Sua bochechas ficam grandes. Era outra dualidade: a face de criança em seu corpo tão sensual.
— Poderíamos ficar sozinhos juntos, Paul.
— Não tem como ficar sozinho em uma festa.
— Experimenta conhecer os amigos de escola da Guinevere.
A encaro. Seus olhos castanhos exalando uma determinação desconhecida por mim.
— Não me deu uma resposta — ela insiste.
— Sim.
— Isso é um alívio! Achei que levaria um fora! — disse, soltando um envelope preto em cima da bancada.
Ela sorri novamente e se afasta. Encaro o envelope como se fosse o presente mais especial do mundo. O que quer que o destino tenha reservado para mim, acho que estava na hora de deixar meus receios de lado e desbravar o que essa ligação poderia me oferecer.
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