𝐓𝐖𝐎, tsuguko das chamas
Miho Hanasaki
⠀O engawa* no qual estou sentada me traz uma vista privilegiada do jardim de pedras brancas da Residência Rengoku. O sol, no ápice do céu, oferece a sua luz e o seu calor, enquanto um vento gelado se move nas sombras.
⠀Ficar aqui sem Kyojuro tornou-se estranhamente solitário, eu só consigo me sentir vazia agora.
⠀Em uma tarde como essa, ele provavelmente estaria me chamando para treinar no dojô, ou simplesmente comentando sobre como o dia está bonito e que uma pequena caminhada faria bem, aquele sorriso tipicamente contagiante nunca saindo de seu rosto.
⠀Minha nichirin repousa ao meu lado, dentro da bainha. Eu não tenho mais tanta vontade de treinar como antes. Não aqui, não sem Kyojuro.
⠀Porque tudo me faz lembrar que ele não está mais aqui.
⠀Sinto uma movimentação na madeira abaixo de mim e me viro, avistando Senjuro caminhando em minha direção. O meu único refúgio de todo esse caos; uma das poucas coisas boas que restou para poder me afugentar.
⠀Abro um sorriso quase involuntário com a sua presença.
⠀─ Irmã, eu estava te procurando ─ diz ele, parecendo atônito. Eu me levanto, dando-lhe toda a minha atenção. ─ Você tem uma visita... Uma visita importante!
⠀─ Uma visita importante? ─ pergunto, tombando a cabeça levemente para o lado.
⠀Para causar uma reação dessas em meu irmão, eu só consigo imaginar ser alguém do Esquadrão de Caçadores de Onis. Alguém de alta patente.
⠀─ Venha, não a deixe esperando! ─ Senjuro pega em meu braço, eu o acompanho pelos corredores sem contestar.
⠀Paramos diante do fusuma que dava à sala de chá tão pouco usada nos últimos tempos, mas que, mesmo assim, Senjuro se esforçou para mantê-lo limpo. Ele dá um passo para frente, arrastando a porta calmamente e, antes que eu pudesse ver quem se encontrava à minha espera, eu me abaixo em uma reverência.
⠀─ Senhorita Rengoku.
⠀Eu levo alguns segundos para reconhecer a voz.
⠀─ Senhora Ubuyashiki ─ lhe ofereço um pequeno sorriso assim que me aproximo, ajoelhando-me no tatame de forma que ficássemos frente uma à outra. Há apenas um chabudai* nos separando.
⠀─ Voltarei com um chá ─ Senjuro se retira, nos deixando a sós.
⠀Com o barulho de seus passos se suavizando e do canto distante dos pássaros lá de fora apaziguando o silêncio, eu encaro a mulher com sutileza. Sua pele, branca como a neve, a fazia parecer uma boneca de porcelana. Ainda mais quando ficava imóvel.
⠀─ Perdoe a minha visita repentina ─ Amane Ubuyashiki começa, sua voz suave como o murmúrio de um riacho calmo. ─ Mas creio que já saiba o motivo de eu estar aqui...
⠀De fato, não fiquei surpresa ao encontra-la. Nenhum pouco. Afinal, eu sou uma tsuguko do antigo Hashira das Chamas, é apenas normal virem ao meu encontro.
⠀Kyojuro já me preparou para este momento antes de sua morte. Ele falava que um dia poderia se aposentar, embora eu tivesse minhas dúvidas... Mas a ideia de assumir o seu lugar entre os Hashiras é algo que sempre me deixou inquieta, então nunca dei muita importância.
⠀E agora que o momento chegou, eu não sei como exatamente devo trilhar esse caminho.
⠀─ Realmente acredita que eu possa tomar o lugar de alguém como meu mestre? ─ tento evitar, mas acabo desviando o olhar.
⠀No entanto, Ubuyashiki me surpreende ao responder no mesmo segundo, sem hesitar.
⠀─ Eu não tenho dúvida. Nenhum de nós, da Casa Ubuyashiki, tem. Você é uma caçadora experiente que serviu sob os ensinamentos diretos do Hashira das Chamas, não há motivo para ter dúvida...
⠀─ Mas... Eu não acho que poderei ser o que ele era para os outros. ─ aquela sensação de persistência que ele transmitia com apenas um sorriso... Está além dos meus limites como tsuguko.
⠀Ele tinha um brilho único que só ele conseguia ter. Como o próprio sol, caloroso e inalcançável.
⠀A senhorita Ubuyashiki me observa com atenção, inexpressiva... Mas a cor lavanda em seus olhos transmite uma tranquilidade que eu não consigo explicar.
⠀─ Não se preocupe em ser o que Kyojuro Rengoku era. Todos nós somos únicos, de algum jeito... E o seu papel, agora, é trazer o seu próprio brilho à posição de Hashira. ─ suas palavras me atingem como um sopro de confiança. ─ Ele acreditava em você e no seu potencial. Está na hora de você acreditar em si mesma, também.
⠀Quando percebo, estou sorrindo; definitivamente mais calma agora. Receber o reconhecimento da família Ubuyashiki... Inevitavelmente, eu sinto que posso fazer isso.
⠀Ouviu isso, irmão?
⠀Eu... poderei manter a nossa respiração entre os grandes Pilares.
⠀─ Muito obrigada... ─ agradeço sinceramente, do fundo do meu coração. Ela me devolve um pequeno sorriso.
⠀Passos se aproximam e Senjuro retorna com uma bandeja, contendo alguns copos e um bule, colocando-o sobre o chabudai diante de nós. No silêncio confortável, ele pede licença para nos servir. O aroma agradável do chá verde preenche cada canto do cômodo.
⠀ Ubuyashiki agradece, parecendo contente com a gentileza.
⠀Logo, de forma silenciosa, uma garota surge no engawa que um dos fusumas abertos apresentava. Seus cabelos são brancos mas, diferente dos da mãe, terminam um pouco acima da altura dos ombros. É uma das filhas Ubuyashiki. Ao seu lado, meu corvo Kasugai larga no chão um pequeno galho de cerejeira, o qual ambos pareciam estar brincando.
⠀Ela nos acompanhou durante o chá, permanecendo ao lado de Amane até o momento de sua partida.
⠀─ Compareça à Mansão Ubuyashiki assim que possível ─ diz a mulher, em meio a uma reverência polida de despedida.
⠀Abaixo levemente a cabeça, concordando.
⠀─ Tenham uma viagem segura.
⠀Senjuro e eu observamos até desaparecerem de nossa vista. Ouço o barulho de asas batendo e logo o corvo pousa em meu ombro, exigindo a minha atenção com um grasnar curto.
⠀─ Oh... Você quer brincar, Shiro? ─ pergunto ao vê-la com uma pedrinha branca do jardim.
⠀Ela abre o bico, deixando-a cair em minha mão estendida. E é só então que eu percebo que não se tratava de uma pedra qualquer.
⠀O kanji de Força, traçado em um vermelho profundo, me faz lembrar da noite em que Kyojuro o escreveu para mim, há muito tempo, quando eu estava insegura e hesitante.
⠀Da mensagem que ele queria que eu nunca esquecesse.
⠀─ Obrigada pela preocupação ─ Shiro aproveita enquanto eu acaricio sua plumagem com um dedo. De canto de olho, percebo Senjuro sorrindo ao meu lado.
⠀Ainda está aqui, irmão...
⠀Aquela chama incandescente que você acendeu em mim no momento em que nos encontramos pela primeira vez.
⠀E não vou permitir que se apague nunca mais.
Engawa* é um corredor externo que fica do lado de fora da casa, como uma espécie de varanda. Tradicionalmente é usado para proteger as portas e paredes shoji contra o sol, chuvas e tempestades
Chabudai* são mesas de madeira com pernas curtas que podem ser dobráveis ou fixas.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top