𝐄𝐈𝐆𝐇𝐓, caminhada

Miho Hanasaki

⠀O sol ainda estava preguiçoso no horizonte quando me sentei no jardim agradável da Residência Rengoku pela manhã, minha preciosa casa, sob a sombra de uma árvore esguia.

⠀Senjuro está completamente concentrado diante de mim, uma pequena tesoura de poda na mão, enquanto levemente inclinado para ajustar o tamanho da minha franja. É ele quem sempre corta a ponta de meus cabelos quando estes crescem mais do que eu gostaria.

⠀Observando-o pelo canto do olho, vejo a seriedade em seu rosto e abro um sorriso ao pensar em como ele havia crescido nos últimos meses. São detalhes mínimos, mas que eu consigo perceber com clareza, e tudo indica que ele está se tornando um jovem extraordinário.

⠀Alguém como ele é digno de ser feliz. De se apaixonar lindamente, quem sabe... De construir uma família ou apenas fazer tudo o que tiver vontade na vida.

Coisas que eu tenho noção de que nunca poderia ter para mim.

⠀Folhas verdes caem suavemente ao nosso redor, junto com pequenos fios de cabelo. Quase sem perceber, arrasto um suspiro que só pode ser descrito como melancólico.

⠀Por mais que eu me orgulhe e deseje o seu melhor, um sentimento de solidão ainda se agarra no fundo do meu peito com a ideia dele me deixar para trás... Afinal, como uma Caçadora de Onis e alguém que se dedica ao propósito da organização, eu nunca sei até quando poderia acompanhá-lo em sua jornada.

⠀Pode ser só mais um de meus desejos egoístas, mas eu queria estar pelo menos presente em cada uma de suas conquistas...

⠀"Nós vamos à missões sabendo que nossas vidas estão sempre por um fio."

⠀Balanço levemente a cabeça ao lembrar das palavras que disse ao jovem Kasumi, poucos dias atrás. Isso estava começando a me deprimir e, na presença de meu querido irmão, eu me recuso a deixar transparecer.

⠀─ E-eu quase furei o seu olho! ─ Senjuro logo afasta as mãos, sua expressão assustada me trazendo de volta à realidade.

⠀Eu tento acalmá-lo rapidamente.

⠀─ Desculpa, me mexi sem pensar!

⠀─ Esse comprimento já está bom, não é? ─ ele segura firme a tesoura contra o peito, a voz hesitante.

⠀A ideia de me machucar deve lhe soar apavorante... Céus, é claro que eu o entendo. Nunca, em sã consciência, me permitiria machucá-lo de qualquer forma!

⠀─ Irmão, por favor, está quase acabando. Não me deixe com a franja torta! ─ peço com uma pitada de humor e logo o vejo suspirar alto.

⠀─ E-então fique parada, ou vou deixar que faça sozinha! ─ ele se inclina novamente, voltando ao que estava fazendo.

⠀Obedeço de bom grado.

⠀Senjuro consegue ser adorável até quando me repreende.

⠀Mantendo a respiração o mais comportada possível, eu foco nos traços delicados do rosto diante de mim, assim como as sombras de cada detalhe que a luz do sol proporciona.

⠀Mais alguns anos e ele estará a cara do nosso irmão...

⠀─ Lembrei de quando o irmão Kyojuro nos levava para caminharmos por aí em dias gostosos como esse...

⠀─ Era divertido, não era? ─ os lábios de Senjuro se curvam em um sorriso nostálgico.

⠀─ Sim... Em memórias assim, estamos sempre rindo juntos.

⠀Costumávamos tirar uma tarde para nos mitigar de treinamentos e obrigações periodicamente e saíamos em uma caminhada pelas redondezas. Procurávamos árvores compridas para escalar e subíamos nos ombros do mais velho para alcançar os galhos mais altos.

⠀Momentos levianos como esse se tornaram um tesouro precioso para mim.

⠀─ Ei, o que acha de fazermos algo parecido hoje?

⠀─ Você sabe que eu aceitaria fazer qualquer coisa na sua companhia, irmã ─ ele corta uma última ponta e dá um passo para trás, parecendo animado.

⠀Abro um sorriso e me levanto, aliviada por não sentir mais aquele incômodo de cabelos curtos cutucando meus olhos.

⠀─ Obrigada pela ajuda ─ acaricio o topo de sua cabeça e Senjuro sorri, satisfeito com o resultado.

⠀Como tínhamos tarefas da casa para complementar, combinamos de sair depois do almoço e voltamos para dentro, ansiosos.




惡鬼滅殺




⠀Em frente ao fusuma, eu solto um breve suspiro. O cheiro agradável da comida que Senjuro havia preparado preenche o corredor e possivelmente a casa inteira. Ajoelho no chão e apoio a bandeja ao lado para falar através da fresta.

⠀─ Senhor Rengoku... Estou entrando ─ falo baixo, demorando alguns segundos para arrastar um lado do fusuma e poder entrar. ─ Eu trouxe o seu almoço.

⠀Vendo-o de costas para mim, eu me aproximo lentamente e deixo a bandeja sobre o tatame com delicadeza. Ele está deitado, virado para uma parte aberta que dá ao jardim, enquanto tem a sua cabeça apoiada por uma das mãos.

⠀─ Senjuro e eu vamos sair para uma caminhada daqui a pouco, se o senhor permitir ─ ele não se mexe, mas sei que está ouvindo. ─ E claro, eu gostaria que viesse com a gente. Tenho certeza que lhe fará bem.

⠀Respirar o ar puro da floresta, pelo menos... Não o vejo mais sair nem para comprar Saquê como antes.

⠀Shinjuro vira o rosto para mim e me encara intensamente. Não consigo adivinhar o que está pensando, de jeito nenhum... Seu olhar é uma incógnita, poderoso como o de um mestre e ao mesmo tempo carinhoso como o de um de meus irmãos. Como o de um pai, eu imagino; mas não é como se eu já tivesse alguma referência concreta para saber.

⠀Logo, ele volta à posição em que estava.

⠀─ Só não voltem muito tarde, e cuide bem dele ─ é tudo o que me diz, tudo o que pode me oferecer no momento.

⠀─ Eu cuidarei. Muito obrigada.

⠀Ele é alguém difícil de alcançar... Sempre foi.

⠀Mas estou certa de que, um dia, eu ainda o tirarei desse casulo.

⠀Curvo-me em uma breve reverência antes de me retirar, permitindo que comesse tranquilamente. Começo a escutar os gritos abafados de Shiro conforme volto ao cômodo em que Senjuro me aguarda. Encontro eles conversando amigavelmente ao passar pelo fusuma.

⠀─ Obrigada pela comida! Obrigada! ─ grita o corvo, e me contenho em uma risada.

⠀─ Você sempre aparece na hora de comer, não é, Shiro?

⠀─ São apenas coincidências! Coincidências!

⠀─ Sei, sei...

⠀Com um típico "Itadakimasu", aproveitamos a refeição com a presença inesperada de Shiro, que aliviava o momento de algum jeito. Dividimos a comida com ela, vez ou outra, e ela abria as asas com a mais pura felicidade. Não comemos muito, embora o peixe com arroz estivesse delicioso.

⠀Shiro levantou voo não muito depois, satisfeita e agradecida.

⠀Depois de ajudá-lo com a louça, eu guardo o meu pequeno cantil dentro da manga de meu habitual haori e aguardo nos portões da entrada da casa. Por baixo, como sempre, estou usando o uniforme preto dos Caçadores de Onis e preso à cintura a minha nichirin repousa ─ preparada para qualquer missão que surgisse perto do anoitecer. Senjuro não demorou a aparecer.

⠀O sol brilha no alto do céu, as pouquíssimas nuvens revelando uma tarde tranquila. Caminhamos lado a lado pelo vilarejo e pelos campos, até chegarmos a uma trilha que nos levaria à floresta próxima. Há muito não era usada, mas as marcas profundas de carroças na terra permaneciam.

⠀Subimos pequenas colinas e atravessamos riachos cristalinos, aproveitando cada momento. O som dos pássaros cantando e o farfalhar das folhas ao vento criam uma sinfonia natural que poderia acalmar qualquer um... Certamente até aquele Hashira que agia como um furacão selvagem.

⠀Paro por um instante, percebendo que a imagem de Sanemi me veio à mente de repente, por algum motivo.

⠀─ Irmã? ─ Senjuro para logo depois, olhando curioso na minha direção.

⠀─ Me distrai um pouco... Não é nada ─ respondo com um leve sorriso e volto a caminhar atrás dele.

Pensando melhor, isso é estranho.

Muito estranho.

⠀Eu não sou particularmente muito falante se comparada ao falecido irmão Kyojuro, mas aprendi com ele que desabafar pode nos deixar incrivelmente mais leves. Além disso, Senjuro sempre me ajudou a chegar em conclusões sensatas.

⠀Passando alguns minutos, decido quebrar o silêncio.

⠀─ Na verdade, irmão, eu comecei a pensar em um homem que conheci recentemente.

⠀─ Q-que?! ─ Senjuro vira o rosto para mim rapidamente, meio surpreso, quase tropeçando pelo caminho. Ofereço meu braço para apoio e ele o engancha com o dele sem pensar muito.

⠀─ Ele é um pouco difícil e temperamental, mas sei que não é assim o tempo todo... Então me pergunto se cenários como esse também o acalmam. Ou se tem irmãos que o animem.

⠀─ Ah, já entendi!

⠀É minha vez de olhá-lo confusa, já que parece ter entendido algo que eu mesma não consigo. Não sozinha, pelo menos.

⠀─ Você fez um novo amigo!

⠀─ Um amigo? Dá pra fazer um amigo assim tão rápido? ─ pergunto; mas o que eu realmente quero dizer é que Sanemi não parece alguém fácil de alcançar.

⠀─ É claro! Não é algo que deva ser complicado. E eu te conheço bem pra saber que você forma vínculos sem nem perceber!

⠀Eu o encaro, incerta.

⠀Nunca tive muitos amigos, pra falar a verdade.

⠀Se há pessoas com mais facilidade em fazer amizade, eu definitivamente não sou uma delas. Não sou carismática o suficiente para alguém querer se aproximar, em primeiro lugar.

⠀Mas, se bem me lembro... Mitsuri Kanroji foi a minha primeira amiga fora de laços familiares.

⠀Eu a conheci nos meus primeiros dias estando sob os cuidados de Kyojuro... Na época, ela era sua única tsuguko; doce e simpática, com uma aura amável naturalmente a rodeando.

⠀Eles diariamente estavam treinando e, tão cedo quanto comecei a acompanhá-los, automaticamente nos tornamos grandes amigas.

⠀Atualmente ainda trocamos algumas cartas depois que ela conseguiu um lugar entre os Hashiras, com a sua própria respiração. Compartilhamos de muito, sobretudo pensamentos triviais que, para nós, valem um mundo inteiro.

É um sentimento acolhedor.

⠀Realmente não imagino se Sanemi pensaria o mesmo no momento... E, confesso, não estou nada acostumada com a ideia.

⠀Eu não me vejo confortável com qualquer pessoa, no entanto ─ não ao ponto de manter uma conversa acerca de meus pesadelos. E não importa o quanto tenha começado mal, o fato é que nos alinhamos em algum momento.

É isso?

Eu o considero um amigo, então? Como Mitsuri...

⠀Ainda tenho as minhas dúvidas em relação a isso. Talvez eu deva escrevê-la uma carta; afinal, não há ninguém que entenda melhor de sentimentos quanto a própria Hashira do Amor, eu suponho.

⠀─ Estou um pouco surpreso, irmã, você raramente fala sobre alguém, principalmente depois que virou Hashira... Mas fico tão feliz em saber que está conseguindo se misturar melhor! ─ Senjuro suspira aliviado. ─ Acredite, é uma coisa difícil até para mim.

⠀─ Nós somos tímidos, Senjuro, e não há problema algum nisso.

⠀Seguro seu braço com firmeza, lembrando-lhe da confiança que nunca deve abandonar. Um ensinamento importante que tiramos de nosso irmão.

⠀Finalmente, chegamos a uma pequena clareira com uma vista deslumbrante da floresta ao redor. A luz do sol brilha através das folhas de uma bela cerejeira recém-florescida ao centro, criando sombras delineadas no chão.

⠀Um cenário que nos desperta memórias nostálgicas; era aqui que Kyojuro sempre nos trazia quando tinha a oportunidade.

⠀Senjuro e eu nos entreolhamos antes de tomarmos um lugar sob sua sombra, pertos um do outro. Ofereço o meu cantil e ele aceita, apoiando a cabeça em meu ombro seguidamente. Olho para o céu azul acima, vendo nuvens e pássaros distantes e sorrindo como se ainda fosse uma criança.

⠀Como se Kyojuro ainda estivesse com a gente, de algum jeito.







Oi gente! Passando aqui pra avisar que as atualizações vão demorar um pouco, mas vou tentar manter mensalmente!

Tô tomando coragem pra ver o anime novamente, rever algumas coisas que acabei esquecendo pra não deixar muito buraco. Até o momento da história eu tô conseguindo avançar revisitando o mangá, mas vou aproveitar também porque lá perto do arco final tem coisas adicionais no anime, o que acaba sendo ótimo considerando o quão pouco Sanemi tinha aparecido no mangá!!

Enfim, é isso, até mais! <3

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