0.1

   Fazia um tempo que Bokuto não pisava os pés na central de atendimento, estava tudo uma completa correria como sempre, suspirou pesadamente apertando o passo tentando se desvencilhar do novato que simplesmente não parava de o seguir; virou um corredor e depois outro sentindo os olhos castanhos do garoto ruivo queimarem suas costas, respirou fundo antes de olhar para os lados quase como se estivesse traçando um plano de fuga, precisava fugir de lá ou algo horrível aconteceria com ele, sentia aquilo no fundo de seu âmago. O homem de cabelos acinzentados tinha a sensação de que havia presenciado um nascimento de um filhote de pato que a primeira coisa que viu ao sair da casca foi ele e agora o autodeclarava "Mamãe".

   Ele não para de andar atrás de mim. Ele não para de andar atrás de mim. Ele não para de andar atrás de mim

   Pensou consigo mesmo enquanto virava mais um corredor, parou de andar ao sentir alguém cutucar seu ombro, respirou fundo fechando os olhos com força antes de girar o corpo em direção ao garoto ruivo ficando de frente para ele, cruzou os braços antes de abrir os olhos devagar, correu as orbes amareladas pelo rosto do mais novo o vendo sorrir quase que maravilhado enquanto segurava o capacete por entre seu braço.

   — Primeiro Tenente Bokuto, podemos conversar? Eu sou novo aqui.

   Ele disse de modo animado arrancando um sorriso dos lábios de Koutarou que apenas concordou com a cabeça devagar, não conseguia ser rude mesmo que estivesse tentando fugir de seus superiores no momento.

   — Você é o cadete, certo? O que quer saber?

   — Na verdade o Capitão Kuroo pediu para que eu buscasse o senhor, disse que fugiu.

   — Oras eu não fugi, só... vim respirar ares novos, gosto da central de atendimento, tudo muito calmo.

   O homem de cabelos acinzentados disse enquanto pousava as duas mãos na cintura desviando o olhar pensando por onde fugiria, não queria ter que ligar com Kuroo naquele momento, ele poderia ser um de seus melhores amigos mas mesmo assim não deixava de ser seu superior, precisava de um tempo para respirar ou enlouqueceria ali mesmo, não tinha alguém para deixa-lo calmo, não como antes. O homem não muito alto de cabelos ruivos cerrou os olhos confuso.

   — A central de atendimento não é um lugar calmo, todo mundo só fala gritando.

   — Garoto, qual o seu nome?

   — Hinata Shoyo.

   — Certo, Hinata Shoyo, acho que você está me confundindo com o Segundo Tenente Tsukishima, vá falar com ele e não cometa outro erro desses.

   Disse tentando manter a voz séria, viu os olhos de Hinata se arregalarem suavemente, ele curvou o corpo suavemente em um pedido de desculpas.

   — Sim senhor, me desculpe pelo inconveniente, não vai mais se repetir.

   Ele murmurou de uma vez antes de seguir seu caminho praticamente marchando para fora da central de atendimento, por uma fração de segundos Bokuto se sentiu mal por enganar o novato, mas precisava dar um jeito de se acalmar, precisava sentir que estava no controle ou acabaria por simplesmente enlouquecer ali mesmo; respirou fundo enquanto girava os calcanhares voltando a andar em direção a toda a bagunça que era a central, escutou um telefone mais ao fundo andou até lá rapidamente o roubando das mãos do homem de cabelos longos que estava prestes a o atender, juntou as sobrancelhas em uma expressão irritada.

   — Bokuto, você não pode atender a chamada, esse é o meu trabalho.

   — Claro que posso, sou o Primeiro Tenente, fique quietinho, Kenma, considere uma pausa — murmurou para o homem que apenas revirou os olhos cor de mel; Bokuto sorriu fraco enquanto colocava os fones e o pequeno microfone rente aos lábios, conseguia escutar alguém chorando do outro lado — Central de atendimento do Corpo de Bombeiros, qual a sua emergência?

   Indagou por fim vendo Kozume rolar os olhos de maneira mau humorada, a pessoa do outro lado da linha fungou baixinho.

   — A Alteza Leopoldina.

   Disse por fim, o homem de cabelos acinzentados franziu o cenho confuso.

   — Perdão?

   — Minha gatinha, a Alteza Leopoldina, ela está presa a dois dias na árvore, eu já tentei de tudo mas ela simplesmente não desce, ela está tremendo de frio... eu não quero que minha filhinha morra.

   A mulher do outro lado da linha disse praticamente aos prantos, Bokuto respirou fundo tentando segurar o próprio riso.

   — Se acalme, já estamos a caminho.

  ⸙͎۪۫

   Você fungou baixinho enquanto deixava o celular desligado sobre o gramado do jardim, seus olhos ainda ardiam pelo choro recente, levantou o rosto em direção a árvore incrivelmente alta onde a gata preta se encontrava, estava agarrada ao galho como se sua vida dependesse disso, já havia tentado de tudo, atraí-la com comida e até havia pego a escada do vizinho emprestada, mas era curta demais, simplesmente não sabia o que fazer, estava desesperada, a Alteza Leopoldina era um dos únicos motivos que lhe faziam ter vontade de levantar da cama todas as manhãs, não poderia nem ao menos sonhar em perder ela.

   — Alteza, desça por favor, eu sei que você está com medo mas tente descer, está bem? A mamãe ama você, estou com saudades.

   Disse com a voz embargada antes de se sentar sobre o gramado, estava frio, sentia o ar gelado do outono atingir sua pele com força, se encolheu mais contra o pijama enorme de gato que usava durante o frio, seus cabelos estavam bagunçados e seu nariz entupido pelo choro, estava chorando por conta de um gato, havia se tornado o que mais temia durante a adolescência: A verdadeira velha dos gatos. Continuou naquela posição por alguns momentos, vez ou outra abaixando o olhar para o celular como se quisesse ter certeza de quanto tempo havia passado desde quando ligou para o posto de bombeiros, apenas alguns minutos, aqueles simples minutos pareciam uma verdadeira eternidade, levantou o olhar mais uma vez para a árvore alta vendo se a Alteza Leopoldina continuava ali firme e forte.

   Não sabia lidar muito bem com a sua própria ansiedade, não sabia ao certo se havia tomado os remédios aquela manhã, talvez não tenha lembrado de os tomar durante toda a confusão em que a gatinha preta havia se envolvido, sentia seu estômago se embrulhar por completo, era novo sentir aquilo, seus transtornos haviam começado a dois anos atrás após o acidente, depois disso sua vida simplesmente desmoronou, foi quando a Alteza Leopoldina começou a fazer parte de sua existência quando a encontrou ainda filhote encolhida e abandonada em uma caixa de papelão, era a sua sina, a única que sabia como cuidar de você durante as suas crises de ansiedade.

   — (Nome), quer um pouquinho de sopa, bem? Eu fiz um pouco mais achando que você poderia estar com fome.

   A mulher de cabelos brancos indagou andando em sua direção em passos frágeis, você fungou baixinho levando o olhar até ela, sorriu fraco antes de concordar com a cabeça devagar estendeu a mão pegando o pote envolto de uma toalha pequena o segurando por entre os próprios dedos, a mulher de certa idade sorriu antes de encolher os ombros tentou ajeitar a própria coluna.

   — Obrigada, Sra. Kita, não precisava se preocupar, de verdade eu estou me alimentando direito.

   — Não pode mentir, (Nome), é pecado, você só come comida enlatada, eu vejo a moto de entregas chegando todos os dias, sabe como comida enlatada, faz mal? Venha comer em casa quando não estiver conseguindo cozinhar, está bem? — ela disse antes de levar uma das mãos em direção aos seus cabelos bagunçados os bagunçando ainda mais, a mulher riu baixinho antes de erguer os olhos até a gata preta — Ela ainda não conseguiu descer, coitadinha.

   — Eu já chamei o corpo de bombeiros.

   Você murmurou baixinho antes de limpar o nariz com a manga do pijama a mulher sorriu antes de abaixar os olhos em sua direção mais uma vez.

   — Meu neto trabalha no corpo de bombeiros, Tenente-Coronel, ele é muito bonito e solteiro, (Nome), namore com ele.

   Ela disse de modo tão casual como se estivesse comentando sobre o tempo, você riu baixinho antes de negar com a cabeça devagar.

   — Coitadinho do seu neto, Sra. Kita, namorar com uma mulher inútil igual eu? Passo meus dias assistindo filmes antigos de romance e chorando com a Alteza nos braços, não sirvo para ter um relacionamento. 

   — Poderia chorar nos braços do Shinsuke, ele precisa se casar logo.

   — Sra. Kita, eu realmente...

   — Ah, vamos lá, pare com isso, já nos conhecemos a oito anos, me chame de Nana.

   — Nana?

   Ela concordou com a cabeça devagar.

   — Meu neto me chama assim, ele não passa muito tempo comigo por causa do trabalho, uma mulher velha precisa de companhia então venha me ver nos tempos livres, está bem?

   Você riu antes de assentir, encolheu os ombros graças ao vento gelado.

   — Está bem, obrigada pela sopa, Nana.

   — Por nada, bem, tome ela junto com a Alteza Leopoldina. 

   Yumie Kita disse por fim antes de girar os calcanhares andando em passos curtos até a casa ao lado onde morava junto com o neto, você e ele se davam bem, eram bons vizinhos se cumprimentavam vez ou outra quando colocavam o lixo para fora ou quando ele lhe ajudava a levar as compras do mês para dentro da casa "Não coma muitos enlatados" ele dizia por educação e você apenas respondia um "Não vou, obrigada" também apenas por educação; Os Kita eram realmente ótimos vizinhos. 

   Um suspiro aliviado escapou de seus lábios ao escutar o som da sirene ao longe, se colocou de pé rapidamente deixando o pote com a sopa sobre o gramado olhando ao redor vendo o caminhão vermelho não muito longe, estacionou rente a sua casa, um homem de cabelos acinzentados desceu rapidamente arrumando o próprio uniforme, tinha um sorriso quase que reluzente em seus lábios como se estivesse aliviado de estar ali.

   — Certo onde está a Rainha Leopolda?

   Ele indagou olhando ao redor, você franziu o cenho antes de cruzar os braços sobre o abdômen.

   — Alteza Leopoldina, o nome dela é Alteza Leopoldina — disse com a voz baixa, respirou fundo antes de apontar com o dedo para o galho alto da árvore gigantesca, suspirou pesadamente —, ela está ali em cima, não desde de jeito nenhum.

   Disse de modo trêmulo, ele levantou os olhos amarelos até a árvore, franziu o cenho antes de rir baixinho.

   — Céus, como ela conseguiu subir ali?

   — Não tenho a mínima ideia.

   — Você está vestida de gato para tentar atrair ela? — ele indagou antes de correr os olhos por seu pijama que cobria o corpo inteiro, sorriu gentil — Ficou bonita.

   Você sentiu suas bochechas queimarem de vergonha enquanto abaixava o olhar para as próprias roupas felpudas, parecia mais que estava dentro de uma fantasia, negou com a cabeça devagar.

   — Esse é o meu pijama mesmo.

   — Jura?! — ele indagou surpreso, você concordou com a cabeça devagar, o homem entreabriu os lábios — Onde você comprou? Quero um igual.

   — Você gosta de gatos também?!

   Exclamou animada segurando a mão do bombeiro de automático, ele concordou com a cabeça diversas vezes antes de balançar a mão contra a sua em animação.

   — Eu tenho um gatinho em casa, ele ainda é um filhote, achei no lixo semana passada, vamos fazer eles serem amigos.

   — Acho que a Alteza Leopoldina não tem nenhum amigo gato — disse pensativa enquanto soltava a mão do homem, cruzou os braços —, qual o nome do seu filhote?

   Indagou por fim, ele encolheu os ombros antes de prensar os lábios.

   — Ainda não pensei em um nome para ele.

   — Como não?!

   — Não me culpe por isso, é difícil escolher um nome para um gato, está bem?!

   Ele disse na defensiva escutando passos por trás de vocês, virou o rosto se detendo com um homem de cabelos escuros, possuía os olhos azuis e uma expressão calma em seu rosto.

   — Bokuto, pare de dar em cima dela e vá pegar a gata.

   — Céus, a gata! Já volto!

   O homem de cabelos acinzentados disse quase como se houvesse esquecido, você piscou confusa levando o olhar até o homem de olhos azuis que parecia cansado demais, passou a mão destra sobre o rosto antes de respirar fundo, encolheu os ombros.

   — Sinto muito, ele é meio avoado.

   Ele disse por fim, você entreabriu os lábios vendo o homem agora conhecido por Bokuto retirando a escada gigantesca do caminhão com ajuda de outros bombeiros, volteou o olhar até a pessoa de olhos azuis a sua frente.

   — Ele estava mesmo dando em cima de mim? Faz muito tempo que não paquero alguém, não sei se as coisas mudaram.

   O homem de cabelos escuros não conseguiu conter o próprio riso ao escutar suas palavras, arqueou uma das sobrancelhas.

   — Você realmente disse "Paquero"? — ele indagou surpreso, você piscou confusa antes de concordar com a cabeça — Ninguém mais fala paquera hoje em dia, faz quanto tempo que não sai com alguém?

   Ele indagou, você parou por um momento antes de contar os anos nos dedos, volteou o olhar até o homem, sorriu sem jeito.

   — Seis anos, estou enferrujada.

   — Nenhum encontro?

   — Zero encontros.

   Disse por fim antes de enfiar as mãos nos bolsos do pijama, não fazia questão de namorar ou beijar alguém apenas por estar entediada, sempre foi uma pessoa com um pensamento muito fixo sobre achar o primeiro e único amor da sua vida, mas não era como se fosse levantar de seu sofá confortável onde comia seus doritos apimentados e tomava sorvete de baunilha assistindo uma comédia romântica antiga dos anos noventa apenas para procura-lo, o destino que desse seu jeito de jogar seu verdadeiro amor na porta de sua casa, não estava com forças para fazer nada naquele momento.

   — A Rainha Leopolda está sã e salva!

   Uma voz disse, você levou os olhos até lá rapidamente se detendo com o homem de cabelos acinzentados que segurava a gata preta completamente envolta por um cobertor azulado, você arfou baixinho correndo até ele a segurando por entre seus braços, sentiu seus olhos encherem de lágrimas enquanto segurava o animal por entre seus braços esfregando a bochecha contra os pelos macios.

   — Ela se chama Alteza Leopoldina — disse com a voz embargada, levantou o olhar até o homem, sorriu fraco antes de fungar baixinho —, obrigada, de verdade.

   — Fiz apenas o meu trabalho — ele disse sorridente, levou os olhos até Akaashi que fez um gesto para que voltassem ao caminhão, suspirou antes de voltear o olhar em sua direção —, preciso ir, até mais tarde, gatinha, olhe direito a coleira da Rainha Leopolda.

   Ele disse por fim antes de deixar o local em passos rápidos em direção ao caminhão, você piscou atônita levando os olhos até a coleira da gata, um pedaço pequeno de papel, o pegou com cuidado por entre as pontas dos dedos não conseguindo segurar o próprio riso, entreabriu os lábios surpresa ao ver ali um número de celular.

   "Me mande mensagem falando onde comprou o pijama e para que os nossos gatos virem amigos :) ". 

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