001

MERIDIAN, atualmente

L I L I T H - The Devil is Back

PASSO o pó de banana nas minhas olheiras pouco evidentes, mas que ainda sim, se olharem de perto, é possível reparar, e não quero que ninguém veja nenhuma imperfeição em mim essa noite. Em todas as noites em que estou aqui. Me avalio no espelho, pego o pincel maior do blush e abro o potinho a minha frente, é da Gucci, um dos poucos objetos que tenho da minha antiga vida de garota rica perfeita.

O passo com delicadeza nas maças do meu rosto, as deixando levemente rosadas. Prestei mais atenção nas fofocas das garotas hoje, geralmente fico mais afastada delas, eu sei que não gostam de mim e da minha presença, sei que me acham arrogante e não me importo nada com isso. Todas são, todas vestem a máscara falsa de confiança e são falsas umas com as outras, sempre foi assim, de dia levantam as bandeiras do feminismo em protestos que não vão levar nada há lugar nenhum, e de noite, colocam o pé na frente da amiguinha para ela tropeçar antes de entrar no show, apenas por inveja.

No ensino médio em Thunder Bay era praticamente isso, competição feminina pelas mesmas coisas, já estava familiarizada. No entanto, aqui as mulheres não eram mais as garotinhas do ensino médio, eram mais agressivas, mais ambiciosas, dinheiro estava em jogo. E eu seria hipócrita se as julgasse.

A primeira vez que estive aqui, me ocorreu isso, apesar de conhecer coisas assim, fui pega de surpresa pois não esperava que acontecesse tão rápido, foi humilhante, era minha primeira apresentação em um lugar como esse e eu estava nervosa, suava por todos os lados e todos aqueles pares de olhos masculinos me avaliavam com malicia, era uma realidade totalmente diferente da que eu estava acostumada na época, mas fiz o necessário e me sai bem, no final de tudo, me serviu de aprendizado.

Aguço a minha audição, ao ouvir Kyle, uma dançarina principal que nem eu, dizer animada para quem queria ouvir sua voz fina e irritante, enquanto passa seu rimel na penteadeira que estava um pouco afastada da minha, que um cliente especial ia vir hoje no The Heaven, a boate em que trabalho:

- Fiquei sabendo que ele é muito rico, veio de Thunder Bay! - Ela disse animada, tão animada que nem percebeu quando movimentou sua mão um pouco mais para o lado e borrou seu rímel no cantinho dos olhos, um erro pequeno, mas se as amigas dela que estavam eufóricas com a notícia não a avisaram, eu também não iria.

Revirei os olhos ao saber que viria alguém da minha cidade natal, sinal de que eu tinha que ficar longe, ninguém que vinha daquele lugar onde a elite habita é do bem - principalmente homens.

Já vi maridos das amigas da minha madrasta, Christiane Fane, assim como já vi pais das minhas amigas de escola se engraçando com as garotas daqui, sem se importar com suas esposas e filhas que achavam - ou fingiam que não sabiam - que eles estavam em seus trabalhos, alguns já vierem tentar uma conversa comigo, mas eu sempre os dispensei antes de trocarmos uma palavra sequer.

Era arriscado, ninguém, nenhum cliente poderia saber quem eu era, minha origem, de onde eu vim e qual era meu sobrenome. A minha família e a que tem a minha guarda, já não tem as melhores das reputações, se o povo mesquinho e engravatado de Thunder Bay soubesse que Lilith Fane trabalha em uma boate meia boca - mas que paga bem - como stripper, eu não teria mais minha tão amada paz.

Não, a paz ilusória que eu tenho conquistado há dois anos. Assim como a minha liberdade dos Crist. Ele viria atrás de mim, e tudo que eu mais quero é me manter o mais longe possível dele.

Não me dei ao trabalho de perguntar qual o nome do homem, eu saberia quem era apenas ao olhar a roupa engomada que o indivíduo vai usar, se veio de Thunder Bay e ser for um homem velho, vai ser fácil. Estão sempre de ternos ou camisa polo e calça caqui.

Meridian é a cidade mais próxima de Thunder Bay, os homens entediados de lá vem aqui para se distrair e trair suas esposas.

- E já estou avisando que ele é meu. - Melanie alertou, passando seu perfume caro que ganhou de algum cliente que a banca. Vi quando ela olhou de soslaio para mim com seus incríveis olhos verdes que pareciam de um gato, mas a ignorei e passei meu próprio gloss transparente.

Melanie não gostava de mim, ela achava que eu roubava os caras que ela queria, mas após os shows, eles que vinham atrás de mim, eu não os chamava - nunca fui atrás de nenhum deles por aqui - e enquanto eu estava no meu turno, das sete da noite ás cinco da manhã, eu não podia fazer nada a não ser sorrir e dizer as baboseiras que aqueles pervertidos que ela desejava levar para sua cama queriam ouvir de mim, nunca dormi com nenhum deles por dinheiro, não era errado fazer isso, porém passava dos meus limites.

Os burburinhos continuaram, terminei minha maquiagem, eu não passei nada nos olhos, rímel ou sombra, usava sempre uma máscara preta de rendinhas com algumas pedrinhas prateadas, cobria meus olhos e meu nariz, se assemelhava a aquela de Carnaval, mas sem todo aquele glitter e lantejoulas.

- Thunder Bay é de onde você veio, não é Lily? - Maggie questionou, sussurrando para apenas eu ouvir, a penteadeira dela ficava ao lado da minha, que ficava encostada no canto da parede.

Acenei em resposta, Meggie sabia, pois quando cheguei aqui para entregar meu currículo e essas coisas, o gerente, Mark, pediu meu rg, eu dei e lá estava de onde vim e todas as minhas outras informações, ela estava com ele na sala, no colo dele e viu quando ele leu tudo minunciosamente, não menti para eles, são os únicos que sabem quem eu sou de verdade. Ele aceitou meus termos de não tirar a roupa completamente e de não me prostituir, eu só dançava e acompanhava os clientes para bares, festas, eventos e suas casas também, se eu quisesse.

E eu sempre queria para receber grana a mais.

- Você não tem medo... - Ela continuou, se inclinando mais ao meu lado, virei para ela e senti o cheiro de sua colônia barata e bem doce subir pelas minhas narinas, quis vomitar e virei levemente o rosto, odeio esse cheiro, mas a loira ao meu lado adora. - De descobrirem você?

- Não. - Eu tinha, mas não ia admitir, nem mesmo para Meg, ela era a única aqui que talvez eu pudesse confiar e chamar de amiga aqui, uma aliada, uma apoiava a outra e nos defendemos quando os babacas queriam passar dos limites.

Mas por enquanto, eu estava calma e segura, eu era Eva todas as noites. Não Lilith, usava a máscara na maioria das noites e às vezes, perucas, estava bem disfarçada, ninguém nunca me reconheceu.

Ela era um pouco mais velha que eu, eu tenho dezenove, ela deve ter uns vinte e dois, seu jeito protetor e corajoso me lembrava Erika, minha meia-irmã, sou um mês mais velha que ela, mas ela desde sempre me tratou e viu como se fosse a mais nova.

- Hum, não quer saber quem é? Ouvi as meninas dizendo que ele é gostoso. - Ela tentou de novo, rindo maliciosa, dei uma risadinha revirando meus olhos azuis esverdeados.

- Para as meninas qualquer homem com mais de quatro zeros na conta é gostoso, ainda mais se for de Thunder Bay. - Falei, a olhando, sem um pingo de animação. - Deve ser só mais um velho pervertido que traí a esposa com as novinhas. Nada de novo por aqui.

- Talvez, eu quero o ver pessoalmente. È impossível um homem deixar todas as mulheres assim - Ela franziu as sobrancelhas louras olhando as garotas com uma careta, as julgando. - Tão... anim...

- Idiotas. - A cortei, vendo as meninas eufóricas e nós duas rimos, as conversas se misturavam, mas o centro de todos os assuntos era esse homem misterioso e bonito que veio de Thunder Bay e qual delas iria para cama com ele primeiro.

No entanto, o estranho era nenhuma delas saberem o nome dele... Mas sabiam de onde ele tinha saído para vir até aqui.

Alguns minutos se passaram, terminei minha maquiagem, fiz o babyliss na ponta dos meus cabelos castanhos o enrolando e deixando cair como cascatas ao lado dos meus seios que estavam completamente cobertos pelo meu corset vermelho, eu estava vestindo o corset vermelho vinho, sem alças, que esmagava meus peitos e fazia parecer que eu tinha muito mais do que eu tenho realmente, além de afinar minha cintura, e um shorts curto preto e de couro, que mostrava a popa da minha bunda.

Odiava aquela roupa porque não era confortável, mas a amava pois me deixava atraente. E eu gostava de ser admirada, desejada. Essa era a parte boa de ser stripper, meu ego nunca estaria no fundo do poço.

Poppy, a coreógrafa e uma espécie de lider nossa, nos avisou que o show iria começar em quinze minutos, eu seria o gran finale da abertura. Durante a madrugada havia dois shows especiais, o The Hell, todas nós dançamos vestidas de diabinhas. Depois vinha o The Heaven, no final, onde não ironicamente, dançavamos de anjinhos, ridículo, fetichista e um pouco preocupante os gostos duvidosos dos homens, mas eles adoravam e pagavam por isso.

E depois era o striptease e pole dance, eu não participava desses, a partir daí eu e as garotas que não faziam isso, andamos pelo Heaven e socializamos, bebemos, mantemos os clientes ocupados e gastando seus dólares, cada uma a sua maneira.

Ia colocar minha máscara e então meu arquinho com chifres de diabinha, quando meu celular tocou, alguém estava me ligando, o tirei da minha mochila que estava no chão ao lado do meu pé, e vi que era minha irmã, Rika, atendi na mesma hora, tinha algumas outras ligações perdidas dela.

- Oi, Rika. - Eu fui a primeira a falar algo e eu ouvi do outro lado da linha ela suspirar, estava irritada, ouvi o som da maré das ondas também, ela estava na praia.

- Até que em fim atendeu sua irmã! - Debochou, mas eu não a respondi, ouvi ela chiando e sabia que ela estava fazendo um biquinho. - Você não vai vir mesmo hoje?

Estremeci e logo neguei:

- Você sabe que não, não tem porquê eu ir dar ''tchau'' ao babaca do Trevor. - Revirei os olhos ao falar o nome dele, não ia perder meu tempo com ele.

- Por favor, venha. Não quero ter que ficar aqui sozinha! - Ela implorou, manhosa, eu ri. - Não tem graça! É sufocante.

- Rika, ele é seu namorado...

- Ex. - Me corrigiu séria, suspirei, concordando com a cabeça mesmo que ela não visse, eu esquecia com frequência que eles não namoravam mais, Rika e Trevor sempre existiu na cabeça do meu pai, da mãe dela e dos pais dele, e até na de Trevor, mas nunca na de Erika. - Ex namorado.

Ela pensava mais em Michael desse jeito. Ela fingia que não, mas eu a conhecia melhor do que a mim mesma, sempre foi Michael para ela.

Quando ela me disse por mensagem que eles - Ela e Trevor - estavam namorando assim que ela entrou na universidade e ele a seguiu como um bom cachorrinho, quase não acreditei que ela cedeu a ele. E depois... Me acostumei, e agora é estranho saber que eles não estão mais juntos, faz um tempo já. Mas estou feliz por Rika, ela se libertou daquele cretino.

Em Thunder Bay vai rolar daqui a pouquinho na minha casa - Residência dos Crist - uma festa de despedida para o menino de ouro dos Crist, Trevor, para o bem de todos daquela cidade idiota, esse babaca vai embora para uma Academia Militar, quem sabe lá ele não seja inconveniente e inútil como sempre, e leve uma surra que o faça virar gente, não custa sonhar.

Espero que peguem pesado com ele.

Desde meus catorze anos morei com os Crist, após o falecimento do meu pai. Como eu sou filha bastarda dele, e a mãe de Rika não é a minha, ela não tinha minha guarda e depois da morte dele nem poderia, e como eu não sei absolutamente nada sobre minha mãe biológica, quando Schraeder Fane, meu porto seguro e meu pai se foi, Evans e Christiane Crist me adotaram para eu não ser completamente órfã, e fui morar com eles.

Foi meio esquisito no começo, quer dizer, somos vizinhos e eu os conhecia a vida toda... Mas ainda sim, não era minha casa e para falar a verdade, eu nem tinha - tenho - mais casa, lar, desde que meu pai se foi. Depois de uns meses... me acostumei, a Sra. Crist é um amor de pessoa, Michael era sério e fechado a maior parte do tempo, mas conseguia ser divertido com os amigos ou quando ficavamos sozinhos. O Sr. Crist... Eu... bem, não importa.

E tinha o merdinha Trevor, que era, e deve ainda ser, um completo insuportável, ele odiava o fato de sua mãe dar mais atenção para mim do que para ele e com isso me odiava também, no fundo acho que ela sempre quis ter uma filha em sua casa, então quando entrei em sua vida realmente como filha, mesmo que adotiva, ela me mimou e amou como se eu não fosse. Sou grata a ela, foi a mãe que eu não tive.

- Tudo bem, ex. Mas eu não vou mesmo assim, ele não gosta de mim e eu não gosto dele. Fim de papo. - Ameacei desligar e Rika percebeu do outro lado, me parando.

- Espera! Vem por mim, estou com saudades...

- Você vai vir para cá amanhã, podemos nos ver no seu novo apartamento, para de choramingar, apenas sorria para os convidados por uns quinze minutos e depois foge, você não é obrigada a ficar aí. - Disse para ela a realidade, amanhã ela se mudaria para Meridian, longe da familia Crist, e começar sua vida de verdade, em Trinity.

- As coisas não são tão fáceis para mim, como é para você - Ela reclamou, senti uma pontinha de inveja em sua voz. Revirei os olhos, claro que não, você nem imagina, maninha. - A Sra. Crist sente sua falta, você não aparece há meses, venha a ver essa noite.

Ponderei, usar a Sra. Crist como arma é uma boa manipulação de Erika, mas mesmo se eu quisesse, não poderia simplesmente sair daqui, eu era importante, pessoas contavam comigo aqui. Rika não contava comigo lá, desde que fui convidada e sabia da festa, neguei convite e deixei claro a insistente da minha irmã que não iria, ela não deveria contar comigo e esperar que eu mude de ideia de última hora.

- Não, Rika. Não vou, vejo a Sra. Crist outro dia, quando ele não estiver mais aí, poluindo o ambiente. - Resmunguei, respirando fundo.

- Te odeio. - Ela disse, sem acreditar nas suas próprias palavras.

- Te amo, também. Um beijo.

- Um beijo. - Ela mandou e desligou, ri guardando meu celular na bolsa de novo. Vi Meg me observando e só então percebi que ela estava aqui.

- Minha irmã também não sai do meu pé. - Ela disse com um sorriso amoroso e balançou a cabeça, ouviu a minha conversa.

Assenti apenas, uns minutos depois, Poppy voltou falando que finalmente o show ia começar, eu ainda tinha tempo para me preparar mais um pouco. Me olhei no espelho de novo, retoquei o gloss e o perfume, e coloquei a máscara.

Era só esperar a noite começar.

🥀

Fechei os olhos. E entrei no palco, passando pelas cortinas pretas de seda, o cheiro de álcool e cigarro atingiu meu nariz assim como uma luz vermelha ficou sobre a minha cabeça e ficou me seguindo enquanto eu ia para frente, meu ventre se aquecendo a cada passo, meu coração acelerado pela animosidade, os assovios e palavras obscenas começaram e não parariam mais dali para frente, nas caixas de som que tinham nos quatro canto do local, tocava Dangerous Woman, da Ariana Grande.

Eu amava essa música, o ritmo, a melodia, tudo nela realmente me fazia sentir como uma mulher perigosa, especialmente quando eu dançava e sabia que tinha olhos sobre mim, que estavam hipnotizados por mim, acho que com qualquer mulher que escutasse essa música acontecia também.

Comecei a dançar sensualizando na minha deixa, enquanto as outras iam saindo devagar de cena me dando espaço, essa parte eu fazia sozinha. Não pedi por isso, mas segundo Mark e Poppy, eu era preferida dos homens e era entre as outras strippers a que dançava melhor, e então merecia destaque, isso não era mentira, e não era apenas o meu ego falando, sempre fui elogiada.

Graças ao balé que fiz quando criança, minha flexibilidade era melhor e meus passos eram mais fluidos, obviamente eu não era a única com habilidade na dança, mas aparentemente, eu era a melhor.

Desci no chão e fiquei de joelhos após alguns passos e minutos de música, jogando o corpo para trás, meus peitos indo para frente, meu dedo indicador passando na minha boca e descendo pelo meu pescoço, clavícula e o vale entre meus seios, descendo pelo meu corpo como pedia a coreografia, enquanto sorria para um homem de terno azul e barba feita, acho que já fiquei com ele. Seu rosto era familiar, ele estava mais no fundo com uma cerveja na mão.

Mas então... As luzes principais do The Heaven se apagaram, ficou um breu total e os caras resmungaram, parei de dançar, mas a música continuou em apenas uma caixa, devia estar ligada há algum celular via Bluetooth e não em tomadas como as outras, observei ao redor vendo apenas a imensa escuridão me cercar, então quando a energia caiu, o som continuou.

Olhei para trás de relance ao ouvir uma voz atrás da cortina me dizendo para continuar, ok.

Porém não tem lógica isso se ninguém pode me ver. Bem, ninguém que está longe, nos fundos. Continuei a dança, pegando o ritmo da música, estava quase no final, e a luz do lugar todo piscou. Um clarão rápido. Mas que... o que...

Meu coração parou. Desiquilibrei o pé direito por um segundo, e a escuridão total voltou. Me senti exposta, mas não como estava antes. Me senti observada, senti seus olhos me queimando. Pior. Respirei pesadamente, senti a pressão no pé da minha barriga e todos meus pelos corporais se arrepiarem.

Porra.

Devo estar ficando louca. Não me hidratei direito hoje. Ele não está aqui. Não tem como. Ele... ele está preso. Se acalma, Lilith, é apenas sua cabeça idiota querendo te assustar.

Outro clarão, mais demorado, e eu o vi. Vi claramente, como a luz do dia. Exatamente como ele se vestia nas Noites do Diabo. Deus, queria não ter visto. Significava que não estava louca.

Senti como se tivesse levado um soco no estômago. Minhas pernas fraquejaram. Cai no chão e o mundo ao meu redor ficou em silêncio para mim. E o tempo parou, era só eu e ele de novo.

Eu o vi, a máscara de caveira negra e arranhões da cor prata que assombraram meus pesadelos e sonhos por um ano sobre seu rosto, seu rosto, fechei os olhos com força, sentido a bile na garganta, e o vi de novo, mesmo de olhos fechados, os olhos intensos e negros como a noite me observando. Ouvi sua voz grave e aveludada no meu ouvido, senti sua respiração a espreita no meu pescoço, seu toque na minha pele e seu cheiro único de nicotina, senti tudo que não sentia há três anos.

Abri as pálpebras com o medo me rodeando, e ele ainda estava lá, engoli em seco quando ele inclinou a cabeça para o lado e acenou para mim lentamente. Como a porra de um filme de terror. Uma promessa. Não um adeus, um até logo.

Damon Torrance estava de volta.

Para me assombrar. Me perseguir. Me destruir. Se vingar, como eu sabia que faria assim que saísse da prisão, pois o Damon não se chateia, ele se vinga.

E ele estava bem aqui. Há poucos metros de distância de mim.

As luzes de emergência finalmente se acenderam. A música terminou. E Damon não estava mais lá atrás, perto da saída de emergência.

Cretino, esperto. Claro, ele pensa mesmo em tudo.

Qual é, Lilith, para de ser paranoica, não tem como ele estar por aqui... Não pode estar aqui.

Senti braços me pegando e me levantando, era Meg me ajudando, ela começou me arrastar para trás da cortina, nos bastidores. Porra, todos viram eu caindo e eu parada feito idiota, que vergonha.

Mas eu ainda estava meio desnorteada, foi tudo tão rápido, deve ter acontecido tudo em um minuto, e foi o suficiente para me assustar e perder o foco de tudo ao meu redor. Eu odeio ele.

- Lilith... Você está bem? - Ela disse, na minha frente, segurando minhas mãos nas suas. - Suas mãos estão tão geladas, e você parece que viu um fantasma!

È porque eu vi.

- Você está bem? - Meg perguntou de novo, me conduzindo para me sentar numa cadeira, fechei os olhos e assenti, tirando o arquinho da minha cabeça, tinha começado a doer. E logo depois a máscara.

- Eu... acho que minha pressão caiu. - Sussurrei, passando as mãos no cabelo, talvez tenha sido isso mesmo, e eu alucinei.

- Aqui, beba um copo com água, querida. - Nem percebi Poppy se aproximando de mim com um copo de água, aceite e bebi tudo de uma vez. - Acha que consegue continuar o show?

Mordi o lábio inferior, eu conseguia continuar, foi apenas um susto, mas eu não queria. Queria ir para minha casa, ele... ele ainda podia estar aqui, e eu estava muito exposta, tem muitos homens aqui, facilmente ele poderia se passar por um cliente e se disfarçar, já deve estar fazendo ou feito isso. Tenho que ir embora.

- Não, sinto muito, mas é que... eu estou um pouco enjoada e acho que preciso descansar. - Disse olhando minha coreógrafa. - Prometo que faço hora extra outro dia.

- Tudo bem, querida. Você arrasou quando ainda estava lá. - Ela sorriu para mim, apertou minha bochecha como se eu fosse uma criança e foi chamar outra garota para me substituir.

Agradeci mentalmente por Poppy ser tão maleável, ela age como mãe de todas aqui, bem, no caso, a mãe doida liberal.

- Vou chamar um Uber pra você ir embora, não pode ir sozinha. Fica aqui, vou pegar meu celular com a Carla. - Meg afirmou indo pegar seu celular em algum lugar que ela deixou, e não contestei.

Suspirei, nervosa, passei as mãos no meu cabelo, porra, eu estava com medo, muito medo... Mas uma parte da minha mente estava ansiosa para saber se ele realmente estava por perto, uma parte burra e idiota, que eu não conseguia me livrar.

Fui para o camarim compartilhado das garotas, que tinha apenas duas luzes de emergência baixas e fracas, quando eu entrei algumas garotas saíram cochichando, deviam estar comentando o meu mico. Fui até minha mochila e a peguei, ia trocar de roupa para ir embora.

Entrei no provador e o fechei, puxando o véu vermelho sangue até ele me rodear toda. Tirei primeiro o shorts que me apertava. Demorei mais um pouco para tirar meu corset, meus mamilos estavam rijos e doloridos pelo aperto que sofreram.

Me inclinei para pegar meu sutiã e minha camisa, uma regata preta apertada.

- Mas que droga, onde tá essa porcaria? - Bufei quando não achei meu sutiã na minha bolsa, alguma garota deve ter pego sem querer, eu espero, mas não ia me estressar com isso. Ia ter que ficar sem e ir embora sem, ainda bem que eu iria de carro, e está de noite, e a regata é preta. Ninguém ia ficar reparando.

Peguei a o tecido da regata nas minhas mãos e a senti a maciez do pano, levantei os braços me virando para o espelho que tinha ali na parede a minha frente, e passei a camisa pela minha cabeça e puxando a bainha a desci e cobri metade da minha barriga, já que era uma blusa curta, senti uma sensação estranha... Ouvi um passo leve, e uma respiração muito controlada perto. Continuei de olhos fechados, ouvindo mais um passo ser dado no chão de marmore. Quando abri meus olhos, eles se arregalaram em completo choque e horror.

Pelo espelho vi uma sombra que estava bem atrás de mim, atrás da cortina, uma sombra alta com ombros largos.

Dei um gritinho de medo, me virando rapidamente e abrindo a cortina com tudo, mas já não havia mais ninguém por ali. A porta do camarim bateu fazendo meu coração subir na goela, quem quer que fosse, tinha corrido, e bem rápido. Merda. Isso não podia estar acontecendo. Pode ter sido a ventania que fechou a porta... Certo?

Vesti rapidamente minha jeans skeanny também da cor preta, e meus vans. Chequei rapidamente todos os provadores para ter certeza de que estava sozinha. E estava. Dessa vez, alerta, em silêncio para ouvir qualquer merda que se aproximasse de mim, olhei para o teto e vi a câmera de segurança que tinha no camarim.

Quando Mark disse que iria colocar uma em cada da boate camarim, algumas garotas protestaram falando de invasão privacidade. Mas eu gostei, ele não nos veria pelada a menos que não usássemos os provadores. Era uma questão de segurança... Para casos como esse. Então, eu poderia saber quem foi que invadiu aqui... E...

Burra. Esqueci completamente que a energia caiu, ou seja, sem câmeras. Sem filmagens, sem saber quem foi o babaca que entrou aqui e ia sabe se lá o que fazer comigo... Respirei fundo, mordendo o lábio inferior, toda essa sensação no meu corpo, na minha mente, ao meu redor, é familiar.

É apenas uma coincidência. Por que estou preocupada? Estou com medo, cansada e no escuro, meu cérebro está fazendo eu ver coisas que não são reais. Isso é completamente normal, acontecia muito comigo quando eu era criança na hora de dormir.

Visto minha jaqueta de couro por cima, o gelado interno do tecido me acalmando um pouco, pego minha mochila a colocando nos ombros, e saio checando o corredor para ver se estou mesmo sozinha, ao que parece, estou, me pergunto onde estão os seguranças agora... Sempre fica pelo menos um perto do corredor dos camarins das mulheres, quando saio para ir procurar Meg, tensa e alerta, ela mesma me encontra, damos de cara uma com a outra na esquina do corredor que levava para a saída dos fundos - ou funcionários - da boate.

- Seu Uber chegou, tava perto e agora ta na rua de trás, onde você estava? - Ela perguntou, me olhando de cima a baixo, segurando seu celular.

- Me trocando, obrigada por ajudar, Meg. - Agradeci, dando um beijo na bochecha dela. Me virei para ir embora, mas decidi perguntar: - Você viu algum homem saindo do nosso camarim quase agora? Ou... Alguém de máscara na hora que me apresentei?

Meg fez uma careta, enrugando a testa e balançando a cabeça.

- Claro que não. Não vi ninguém, alguém foi até você? - Perguntou com uma expressão incrédula em seu rosto oval. E logo raivosa. - Eu vou matar qualquer filha da puta que encostar em você sem sua permissão, faria isso por qualquer mulher, na verdade.

- Não, está tudo ok comigo... - Não sei porque menti, o certo seria contar, mas não consegui. Talvez tudo isso só seja mesmo alucinações minhas, mal me alimentei hoje. Não quero criar um alerde se nem sei se foi real ou não, e além do mais, estou bem. - Só tome cuidado.

Sorri para ela, tocando seu braço, ela me encarou e sabia que não acreditou em minha mentira, no entanto não insistiu em saber mais nada. Por isso gostava da Meg, ela respeitava meus segredos e eu respeitava os dela.

O Uber me esperava como ela explicou, me senti melhor ao sair da boate. O ar frio da noite me livrou da sensação de sufocamento que estava sentido lá dentro, entrei no carro no banco de trás e fechei a porta, a motorista era uma mulher que se mostrou simpática, por enquanto, eu estava segura.

🥀

Tranquei a porta com a chave assim que cheguei em casa, pendurei a jaqueta no cabideiro ao lado da porta e deixei minha bolsa em cima da cômoda que ficava no canto. Estranhei o fato da casa estar muito silenciosa e com as luzes apagadas, isso era bem anormal para uma casa de irmandade, onde moram trinta e cinco garotas.

O silêncio nunca é frequente aqui.

Um minuto depois me lembrei de que elas, provavelmente todas, iriam na festa dos nossos companheiros masculinos da fraternidade Alpha, Nicolle, minha colega de quarto tinha comentado comigo ontem, mas não dei muita bola, não participo muito das festas da faculdade.

Bebi um copo de água e subi as escadas, indo até meu quarto, que estava com a porta entreaberta. Parei no meio do caminho, franzindo as sobrancelhas, devia estar fechada e trancada. Nicolle sempre a fecha antes de sair. Não confia em todas as garotas e tem medo de roubarem suas maquiagens.

Engoli em seco e continuei andando, tenho que parar de ser paranoica, entrei no meu quarto e uma brisa forte atingiu meu rosto, vi que a janela de Nicolle estava aberta, o vento estava frio, corri até a janela que estava totalmente aberta e rapidamente a fechei, respirando pesado porque fiz esforço, ela estava meio enferrujada, olhei para o campus vazio, sem uma alma viva por perto caminhando a noite, puxei as cortinas, não tinha nada... Quando me virei, a porta do meu quarto bateu com tudo, o alto barulho reverberou pela mansão.

E isso não foi o vento.

Caralho, eu estou sendo assombrada ou quê? To me sentindo em Invocação do Mal.

Tentei abrir a porta, mas alguém a segurava do outro lado.

- Nicolle? Ashley? Não tem graça! - Não tive resposta e já estava ficando irritada. - Hahah, muito engraçado! - Esmurrei a porta rindo de desespero e nervosismo, mas elas... Porra, eu nem sei se é elas, não a abriram.

Dei um pulo para trás quando a pessoa do outro lado socou a porta também, a socou com tanta força que ela estremeceu, fiquei em silêncio sentido meu coração disparado e tentando manter a calma, eu estava sem celular, deixei na bolsa, que também dentro dela estava a minha chave do quarto e eu tinha esquecido as duas coisas mais importantes da minha vida no momento, não tinha como pedir ajuda e seja quem fosse que estava fazendo essa idiotice infantil, queria que eu perdesse a cabeça, e estava conseguindo... Estava a um passo de enlouquecer.

Tudo ficou em um silencio mórbido. Ouvi os passos pesados da pessoa se afastando da minha porta contra o chão de madeira escura, ouvi sua respiração controlada e baixa, encostei a orelha na porta e escutei enquanto ela descia os trinta e dois degraus da escada que estava revestido com carpete cinza com uma calma torturante, e a porta da frente se fechando. Significa que estava aqui dentro antes de eu chegar, pois não ouvi sendo aberta... Eu realmente espero que seja uma pegadinha de uma das garotas.

Desisti depois de tentar tanto abrir a merda da porta que minha mão começou a doer.

O filho da puta me trancou aqui, no meu próprio quarto.

Andei até minha cama e só então, notei que tinha uma caixa quadrada envolta com um veludo preto, em cima um laço vermelho bem feito, parecia inofensiva... Mas a noite estava tão doida que fiquei com medo de me aproximar dela e sem querer assinar minha morte. Poderia ter uma bomba.

Criei coragem e me aproximei, me sentando na cama e colocando a caixa no meu colo, desatei o nó do laço com cuido e tirei a tampa. O que vi me deixou mais confusa do que se realmente tivesse uma bomba dentro da caixa.

Sapatilhas de pontas. Sapatilhas de pontas de balé.

As deixei na minha cama depois de pega-las nas mãos e senti-las, há tanto tempo não tocava em uma que me senti a garotinha de seis anos de novo que amava dançar balé e rodopiar pela casa até ficar tonta para impressionar meu pai. Chamou a atenção dos meus olhos uma carta preta, simples. A abri, o papel também era de um negro intenso, acendi a luz do quarto e a cada frase que eu lia, eu sentia mais minha boca secar.

''Sapatilhas para você dançar no Inferno para o Diabo.''

01| Quem será o diabo? Vamos fingir que não sabemos KKKKKK

02| O que acharam do cap? Não foi revisado e saiu muuuito maior do que eu esperava, primeiro porque é a primeira vez que eu escrevo em primeira pessoa depois de ter me encontrado na terceira, foi meio que um desafio, segundo porque, enquanto eu escrevia, vinha muitas ideias novas para acrescentar, mas eu gostei no final, deixem sua estrelinha e comentario!!


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