━━━━━ a mesma que ajudou, a mesma que sacrificou
ʼ a mesma que ajudou, a mesma que sacrificou.
❛ 3.569 PALAVRAS ❜
OS ANOS SE PASSARAM RAPIDAMENTE, e da mesma forma que os deuses me abandonaram, logo eles deixaram os humanos à mercê deles próprios. Eu acompanhei cada mudança, a degeneração dos humanos, meu próprio filho alterando lentamente suas mentes, se aproveitando de suas falhas e desavenças para os corromper. Abandonados, os humanos de cada lugar, os reinos, as penínsulas, criaram suas próprias religiões, histórias derivadas dos verdadeiros deuses, aqueles que acompanhavam tudo, mas nunca se intrometiam. Era quase como se eles rissem de mim, junto aos humanos e suas guerras estúpidas, suas falsas religiões e escutando orações a falsos deuses.
O norte, que sempre foi frio, parecia ficar cada vez mais frio a partir que a nossa verdadeira história era alterada, como o lugar que já foi o lar da maior parte dos deuses, eu sentia que meu pai os punia. Nunca fomos verdadeiramente abandonados por eles; mesmo que nossos nomes tivessem sido trocados, ainda éramos nós, eles não deixavam de pensar em nós quando oravam, em seus bosques sagrados, em frente a enormes árvores. Vejo como os nortistas tinham um privilégio pela lealdade, os deuses ainda olhavam para eles, quando se sentiam caridosos.
Mas os nortistas foram aterrorizados e eu, junto aos nomeados selvagens, fomos aprisionados ao norte da muralha. Aqueles ao sul da muralha ainda tinham seus deuses, e aqueles ao norte tinham a mim. Acreditava eu que era mais uma punição. Com o sentimento de abandono que eu compartilhava com eles, os acolhi da melhor forma que pude, escutei suas preces e as atendi - nunca gratuitamente, mas eu ainda era caridosa com eles -. Os forneci proteção em suas caçadas, enquanto as guardiãs da floresta fazem de tudo para confundir aqueles que não levam uma oferenda, a benção no nascimento de suas prole, rios que não congelavam nos invernos extremos com muitos peixes, cavernas com águas termais para aqueles que encontrarem poderem banhar-se com conforto.
Aqueles que eram os injustiçados, aqueles que foram abandonados, se tornaram meus. Por pura culpa que eu carregava em meu coração por eles serem abandonados. Eu não precisava de muito para saber, apenas olhar para o céu e ver o sol afastado, e a lua que mal aparecia. Havia dias, que se transformavam em meses e até anos, em que nem o sol e nem a lua eram vistos. Crianças que nasciam e cresciam sem saber o que era, eu me questionava o porque eles puniam pessoas inocentes. Até perceber que o sentimento de culpa implantado em meu coração era a punição. Eu não era má, e talvez isso fosse o que eles tentavam provar.
Após dois anos sem que a lua aparecesse no céu, essa noite ela estava lá, e sua forma cheia e brilhante, tão linda quanto eu me lembrava. As águas do lago em que eu estava me banhando refletia na luz da lua, sua volta triunfante antes que ela sumisse novamente. Me deitei na grama após sair do lago, completamente nua enquanto a lua me iluminava. Encarei a enorme bola no céu.
━ Me iluminas muito, irmã, sentiu saudades? ━ eu sussurrei, e levantei meu braço em direção a lua, mas meus braços eram muito curtos e o céu era muito longe. A lua continuou da mesma forma, e eu sorri.
Da mesma forma que eu amava os deuses, eu os odiava. Eu os defendia daqueles que veneravam falsos deuses, mas em meu interior os odiava. Jaci era aquela que, mesmo com todos meus esforços, não conseguia a odiar, da mesma forma que aquilo queimava meu interior, sabia que havia a atormentado por anos por também não conseguir odiar a meu filho, e eu pensava que talvez ela também não me odiasse.
Me levantei e me cobri com minha roupa que era completamente oposta ao clima frio que assolava o norte. Os humanos se cobriam com diversas peles, e mesmo assim ainda batiam os dentes com o frio, mas eu não os sentia. Era como se eu vivesse com um sol acima de minha cabeça, me iluminando e me esquentando, fazendo com que nunca sentisse o frio cortante. Eu sofreria, caso um dia eu sentisse o verdadeiro frio do norte. Eu sabia, nunca conseguiria me desapegar das roupas que cobriam pouquíssimo do meu corpo, em memória ao meu passado, em memória onde um dia foi minha casa.
Anhangá sumia por meses em seu lar. Mesmo após milênios que o ajudei com a criação do submundo, ainda nunca havia estado lá, mesmo que muitos eram enviados para lá por ordens minhas. Os homens que não cumprem com suas promessas. Eu era caridosa em conceder os desejos deles, e em troca eles deveriam me dar algo, mas não, muitos esbanjavam daquilo que eu os havia abençoado, e eles me abandonavam. Nunca mais oravam ou me agradeciam, não cumpria com a promessa de me devolver. Anhangá tinha prazer em encarregar a morte deles. E eu, mesmo que nunca tão apegada à morte, permitia e ajudava.
Mesmo com meus milhares de anos de existência, nunca havia me aventurado para fora do norte. Mesmo que fornecendo os desejos do povo do Sul no passado em que eles oraram por mim, nunca conheci suas casas. Mas Anhangá sim, estava lá para pegar e amaldiçoar as almas e a eternidade daqueles que ousaram orar e pedir para mim, para após eu conceder voltarem a orar para seus falsos Deuses.
Não só ao sul, Anhangá viajava por toda extensão do mundo, ele queria conhecer cada pedaço do mundo, até mesmo os desconhecidos pelos humanos. Eu sorria com as histórias dos lugares que ele me contava, me agraciando com o provável último resquício de bondade que existia dentro de meu filho.
Eu nunca fui uma boa mãe para ele, sabia disso. Me arrependia profundamente, mas talvez eu soubesse desde sempre que Anhangá nunca fora uma boa pessoa - desde criança -, ele era a mais pura criação da maldade e do pecado. Talvez, o pecado em forma de pessoa.
E eu entendia isso toda vez que o sol iluminava Anhangá.
Anhangá era coberto pela escuridão, e nunca havia olhado para o céu durante o dia - eu nunca o vi olhando para o céu nunca, mas talvez ele ainda sentisse uma simples simpatia pela sua tia -. Não se tornou uma tarefa difícil quando o sol sumia por anos, e quando o sol finalmente aparecia, Anhangá sumia no Submundo até que o sol sumisse por mais alguns anos.
Enquanto eu caminhava, senti a presença e a súplica de alguém. Pela primeira vez, vi um humano após tantos anos concedendo seus desejos de longe.
A mulher tinha a pele negra, mas devido a falta de sol, estava pálida, tremia no frio da noite, com suas roupas rasgadas e cortes pelo seu corpo. Ela, mesmo com todo o frio, estava ajoelhada em frente a um rio. Prendi minha respiração, era o meu rio. Aquele em que meu pai me criou e que tinha o meu nome. O rio Yuna do norte, aquele que nunca congelava. Os nortistas os chamavam assim.
De longe, observei-a se levantar e encarar outro homem. Eu o conhecia - era um leal a minha família e, de certa forma, a mim -. Senti a presença da forma em volta da garota, e vi em minha mente que ela havia matado seus próprios irmãos. Em prol da própria sobrevivência. Um complô, eu descobri, entre seus irmãos homens, por pura inveja. Senti desgosto e pena.
Eu fechei meus olhos e implorei aos habitantes do mar pela sobrevivência da garota. Eles me alertaram, de suas próprias formas, que aquilo teria consequências, muitas vidas futuras seriam tiradas pela sobrevivência dela, mas não me importei. Eu sabia, a garota nutria um enorme ódio e repulsa por homens em seu coração, e não poderia julgá-la. A traição não era um sentimento comum em meu coração, mas o abandono da própria família eu entendia.
Quando seu pai a jogou nas águas do rio, eu olhei para a Lua Cheia e pedi para que minha irmã se juntasse aos animais pela sobrevivência da garota.
━ Sua alma está corrompida e amaldiçoada, filho. ━ sussurrei para o homem. Ele se virou assustado, mas eu já estava longe.
O Submundo tinha mais uma alma ganha. Mais um homem corrompido.
━ Mãe ━ enquanto o sol nascia, a presença de meu filho se fez presente. Era uma surpresa que, no mesmo dia em que o sol finalmente iluminava, Anhangá aparecesse. ━ o Submundo clama pela presença de sua deusa. Meus irmãos se sentem abandonados por ti.
━ Nunca achei que demônios tivessem sentimentos, filho. ━ eu disse irônica, enquanto me sentava na pedra de minha caverna, nas profundezas do Rio Yuna.
━ Quando se tratam de sua mãe, você, os demônios sentem. ━ o homem rebateu, seu queixo erguido e sua postura perfeita com todo seu orgulho.
━ Eu não sinto necessidade de ir em tal lugar.
━ Eu o fiz por você!
━ Você não o fez sozinho.
━ Não, fizemos o Submundo juntos, e ele era para ser seu! Que tipo de Deusa és tu em não comparecer em seu próprio lugar? És igual aqueles que nos abandonaram? Por que é o que parece! ━ Anhangá bravejou, e eu entendia que o sentimento de abandono estava longe de ser sobre o Submundo ou os demônios, mas era sobre sua própria alma eterna e solitária, que procurava se conectar com a minha alma também eterna, e também conectada.
━ Meu filho, não sinto verdade em suas palavras. Os demônios têm total liberdade em vir me ver, mas nunca fazem, pois não sentem minha falta. ━ eu expliquei, queria arrancar a verdade que Anhangá escondia em sua alma. Sua solidão, sua dor e sua repulsa e raiva por mim.
━ Você acolhe mais os desconhecidos do que os seus filhos!
━ És o que pensa?
━ Todos só falam da mulher humana que agora nada os mares com cauda de peixe porque você clamou pela sobrevivência dela! Uma guardiã dos mares, eles chamam ela, transformada pelos peixes e pela lua, a seu pedido! ━ entendi quem era, pois sabia que a garota agora era uma nomeada sereia. ━ Iara, é como eles estão a chamando! Seu novo nome como um ser do mar. A acolheu, mãe, como tua, ao implorar pela sobrevivência dela. Me pergunto, mãe, se tu também imploraria por mim.
━ Então isso não é sobre os demônios, e sim sobre como você se sente. ━ eu estava calma, e me aproximei dele, mesmo com o sentimento de culpa.
━ Você implorou pela vida de Iara, pela vida de meu irmão, e eu sei que criou o Submundo por ódio pelos homens que perseguiam Chaska, e não por mim. Lembro-me quando ficou sem olhar-me por anos após aquele menino morrer e como o eternizou ao fazer seus olhos virar uma fruta, ou aquela garota que se tornou uma planta. Você acolhe suas almas e os eterniza, mas e eu? ━ mesmo que com vergonha, senti medo de Anhangá ao ver como ele me olhava. O mais puro ódio em seus olhos. ━ Seu filho, sangue de teu sangue, mas concebido do pecado, não é? Você pensa em como sou um erro, em como você poderia estar junto a sua amada irmã, se eu não existisse. Oras! Por que não amar desconhecidos, do que amar seu próprio filho que é um ilegítimo!
━ Anhangá, implorarei por sua vida se um dia algo acontecer com ti! Irei eternizar sua memória e sua alma! Irei caçar e punir aquele que lhe fizer algum mal! ━ eu procurei alguma simpatia ou bondade em seus olhos, fui mais fundo e procurei em sua alma. Não havia nada. Apenas ódio e tristeza, uma junção que eu sabia que não era nada agradável. Eu me recusei por tantos anos a olhar em sua alma, pois sempre soube que nada encontraria além de sentimentos ruins. ━ Eu lhe amo, com toda minha alma!
━ Você mente para mim? ━ lágrimas apareceram em seus olhos, e eu neguei com a cabeça enquanto chorava. O abracei, mas ele não devolveu o abraço, apesar de permitir-se chorar com a cabeça em meu ombro.
━ Eu amo você, Anhangá. Amo-te com todo meu coração, com toda minha alma, com toda minha eternidade. ━ eu sussurrei em seu ouvido, acariciando seus cabelos avermelhados. ━ eu trocaria minha eternidade pela sua sobrevivência, minha imortalidade pelo seu amor. Eu faria tudo por você, meu filho, tudo.
━ tudo? ━ ele perguntou. E eu senti meu coração parar com medo. Era verdade, eu trocaria tudo por Anhangá, mas ele não tinha limites em suas vontades.
━ Tudo! ━ e mesmo com temor, eu sussurrei para ele uma resposta.
Protegidos pelas águas do rio, Anhangá olhou no fundo de meus olhos e me disse seu plano. No fim, o Submundo nunca foi criado para os humanos ou para mim. O Submundo fora criado com intenção de aprisionar os deuses. Eu abri minha boca em choque enquanto ele revelava para mim a verdade de milhões de anos. Ele nunca precisaria de mim se fosse apenas para aprisionar a alma dos humanos em uma tortura pela eternidade, porém, ele precisava quando seu verdadeiro plano eram os deuses aprisionados no Submundo.
━ O que será do mundo sem seus Deuses? ━ eu o perguntei. ━ eles podem ter os deixado, mas ainda há muito que é supervisionado e controlado por eles. O caos ainda não explodiu, mas será no dia que os deuses se forem.
━ Os homens serão punidos por nós ainda, mãe, quando o caos explodir, será mais deles para nós! ━ ele refutou-me. Mas eu não sentia vontade nenhuma de ter mais deles para mim.
Desviei meu olhar de Anhangá. O Submundo era um lugar para aprisionar deuses, e eu temia que um dia o ressentimento de Anhangá recaísse sobre mim. O que ele faria comigo? Fiquei com medo de ir contra sua ideia.
━ Como faríamos isso?
━ Eles seguirão Tupã, meu avô está mais do que disposto a lutar contra mim, eu o atrairei para o Submundo e toda sua trupe irá com ele, lá, iremos os aprisionar. ━ Anhangá me confidenciou, e mesmo que com medo, eu apreciei a confiança em me contar algo tão vil. ━ Não peço que faça isso comigo, posso fazê-lo sozinho, mas peço para que não vá contra mim, mãe. Me deixe fazer isso, e fique quieta em seu canto. O deixarei visitá-los, se quiser.
━ Não poderia impedir-me vê-los, o Submundo também é meu ━ eu franzi o cenho, claro que não ligava, mas queria saber qual seria a reação de Anhangá com minha fala.
━ Não sei se os demônios a reconhecem, mãe.
━ Eles se deliciam com o sofrimento de muitos homens que já foram chamados de meus filhos, outros que estão lá pois eu os enviei, e não me reconhecem? ━ eu me virei para Anhangá novamente, um sorriso irônico em meus lábios enquanto o encarava. ━ Mais da metade das almas que são os jantares deles, estão lá por minha causa.
━ É claro que eles lhe reconhecem, estava brincando. ━ Anhangá sorriu, mas eu não vi graça alguma.
━ Talvez eu precise visitar o Submundo mesmo, eles precisam lembrar de meu rosto novamente. ━ eu disse, me levantando. ━ vamos, filho, nossa terra nos espera.
Quando voltei do Submundo, minhas mãos estavam sujas de sangue e meu coração completamente quebrado. Carreguei o peso do cadáver de Anhangá até a beira do rio Yuna. O puxei pelos braços enquanto afundávamos no rio. Minhas lágrimas se misturaram com as águas de meu rio, e eu abracei o cadáver morto de meu último filho.
━ Acolha seu cadáver, e deixe que sua alma aquiete-se pela eternidade. ━ eu pedi, e deixei que Anhangá boiasse pelo rio.
Não sei quanto tempo fiquei observando até que o rio levasse meu filho para um ponto em que eu não poderia mais observá-lo. Olhei para o sol, e chorei enquanto o encarava.
━ Por favor, irmão, projeta o corpo de nosso filho enquanto estiver sob sua supervisão. ━ eu fechei meus olhos, orando silenciosamente para Guaraci, após tantos anos o ignorando, fingindo que ele não existia, orei. Tantos anos contra os Deuses, com raiva deles. Senti os anos que a raiva me consumiu, a forma como contaminei Anhangá com meu ódio.
Era minha culpa que ele fosse quem ele era, e eu o matei.
O Submundo se tornou minha morada pelos milênios que se passaram, nunca deixei os abandonados do norte, os concedendo ainda proteção e seus pedidos.
Passei anos longe, até que a súplica de um nortenho me chamou para a superfície. Ele orava todos os dias para me ver, pois seu pedido era mais do que especial e se estendia para todos aqueles que habitavam o norte da muralha.
"seu povo, seus filhos" ele sussurrava em todas suas orações, mas nunca se incluía.
Me simpatizei e, um dia, o chamei. Uma devoção que poderia ser considerada cega o fez mergulhar em um lago que recém havia descongelado. Ele esperou, enquanto o lago, que aparentemente era gelado, se esquentava lentamente quanto mais ele nadava em direção a caverna subaquática.
Eu estava escondida em um canto, quando ele finalmente chegou, repentinamente a água acabou e ele pisou numa superfície, finalmente respirando. Ele não tremia de frio, como esperava que ficaria.
━ Qual seu nome, homem?
━ Mance Rayder.
━ O que você pede?
━ Ajuda. ━ ele me respondeu, olhando fixamente para frente, mesmo que soubesse que as sombras em que me escondia era ao seu lado. ━ Preciso unir todos os clãs e as aldeias dos povos livres, com suas diferenças, para que possamos fugir dos Caminhantes Brancos e proteger a vida de todos. Precisamos atravessar a muralha, todos nós.
━ Você se tornaria o rei deles ━ eu sussurrei, meu sussurro voou até seus ouvidos, como se eu estivesse exatamente ao seu lado. ele finalmente se virou para mim, mesmo que as sombras me ocultasse, o cenho franzido em uma secreta curiosidade. Não poderia culpá-lo, após todos os milhões de anos em que mantive-me afastada dos humanos, observando-os e os auxiliando de longe, minha forma deixava para os pensamentos férteis dos seres mortais. ━ a desejo neste título, Mance Rayder?
━ Todos desejam glória, Deusa Mãe. ━ como fui nomeada por ele me deixou tensa, mesmo que eu fosse a Deusa Mãe daquele povo, nada poderia me fazer esquecer os anos em que aquele nome era unicamente de minha mãe. ━ mas a glória que eu desejo não é o título de Rei, mas o título do homem que salvou todo o Povo Livre dos terrores do Norte.
━ Eu lhe fornecerei ajuda ━ eu deixei que a fraca luz que tinha na caverna me iluminasse. Os olhos atentos do homem que me analisou por completo, em curiosidade ao ver minha forma. Não o interrompi enquanto ele me analisava. Para todo o povo nortenho, o calor havia os abandonado e o uso de roupas mais reveladoras era algo impossível. Então, era surpreendente que eu não me escondesse debaixo de diversas camadas de pele para me manter aquecida. ━ No entanto, Mance Rayder, lhe conto antecipadamente que nem todo o norte lhe seguirá e nem todo o norte sobreviverá ao que estás a chegar. Nem todos seguem fielmente a mim, e muitos não seguirão o que eu pedirei.
━ Qualquer vida salva é o suficiente. ━ ele esperou em silêncio pelo meu pedido, mas eu não disse nada, e logo dei as costas para ir mais fundo na caverna, com a intenção de abandoná-lo até perceber que era hora de ir embora. ━ O que você quer de volta?
━ Nada. ━ eu respondi, me virando para ele novamente. Vi seu rosto se contorcer em confusão. ━ Espere, na verdade...
Eu me aproximei do homem e peguei sua mão. ━ Você nunca deve ir contra suas ideias e sua verdade. Nunca! Nem que tenha que morrer por isso, sua verdade e seus ideais deverão estar acima de tudo e todos! Acima de seu ego, de sua bondade, de sua maldade, de seu amor, de seu ódio, medo e coragem, acima de tudo! ━ olhei no fundo dos olhos daquele homens enquanto dizia, proferindo palavras que escapavam de minha boca sem a verdadeira intenção, e, na verdade, eu realmente não iria pedir nada em troca, mas aquele homem poderia mudar de ideia em um futuro, e eu não poderia deixá-lo escapar impune caso isso acontecesse. ━ Poderá levar muitos anos até que seu objetivo se conclua, e você nunca deverá desistir dele. Eu estarei lá, olhando e ajudando-o, mas também estarei lá se um dia você descumprir nosso combinado.
Com as promessas trocadas, Mance Rayder escolheu morrer agonizando do que ir contra suas verdades; uma alma piedosa o poupou de muita dor, eu sabia, mas não me esqueceria que o meu lado da promessa ainda não havia acabado, e mesmo não estando exatamente presente, sem ninguém saber, eu estava ali a cada segundo. Ajudando.
Minha insanidade era questionável, uma outra punição que eu ocultava. Os anos em que escutei as preces aos falsos deuses consumiram minha mente, as perdas e a solidão foram uma ajuda ainda maior.
E no dia em que os Deuses apareceram para mim novamente, eu sabia que era o meu fim.
E de uma forma engraçada, eu abracei minha morte após cumprir a última promessa que fiz.
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