━━━━━ a criação de todo o mal

ʼ a criação de todo o mal.
❛  4.371 PALAVRAS ❜


Afundei-me por inteiro no rio, meus longos cabelos escuros flutuaram acima de mim. Ali eu fiquei, por um longo minuto. Um sentimento de incerteza me sufocava. Medo. Eu não deveria sentir qualquer sentimento que não fosse criação de minha irmã, a verdade era que, o que eu sentia no momento, nem deveria existir. Eu vivia constantemente sentindo-me mal, e eu sei que os humanos estavam mudando. Meu pai, o criador de tudo, inclusive das águas que eu me afogava, chamou de rebeldia. Os humanos, filhos de minha irmã, a Protetora da Bondade, perdia seus filhos humanos de forma drástica. Todas as pessoas boas eram seus filhos, e ela já havia perdido mais da metade, que agora adoravam algo que não conhecíamos. Era assustador, eu os ouvia chamando-me de mãe, mas não tinha coragem de dizer para ninguém que a razão pela mudança dos humanos e a líder de sua rebeldia era eu. Os sentimentos ruins que estavam aparecendo neles, eram os sentimentos que eu estava sentindo, e isso estava me amedrontando profundamente. Havia uma razão pela qual todos meus irmãos eram Deuses, e eu apenas uma Protetora; meu pai não me achava competente o suficiente. Minha floresta, onde eu era Protetora, tinha uma Deusa acima de mim, minha mãe, e eu não tinha problema algum com isso. Mas eu sabia que era uma decisão puramente de meu pai, quando cada uma das criações de meu pai foram dadas aos meus irmãos, e o mar era para ser meu, mas ele não quis. Isso me entristecia, o desmerecimento de meu pai por mim era tanto, que ele nunca considerou meu filho como um Deus ou lhe ordenou como Protetor de algo. Eu não ligaria se meu pai proclamasse meu filho Deus do mar, eu ficaria orgulhosa de ser mãe do Deus do mar, o mar que eu tanto amo. Eu o ensinaria sobre o mar e o faria o melhor Deus. Mas meu filho foi desconsiderado por completo pelo meu pai. Eu sei que meu pai também sente que meu filho não deveria existir, pois ele é unicamente meu, recusei casar-me com um de meus irmãos e usei minhas próprias bênçãos para tê-lo.

Minha mãe apareceu entre as rochas que ficavam a beira do mar, seu sorriso sempre acolhedor, enquanto segurava uma toalha para que eu pudesse me secar.

━ Você deveria pedir ao seu pai novamente ━ ela disse, enquanto eu saia da água e ela me enrolava na toalha. ━ Você ama o mar e o protege, seu pai reconheceria seu trabalho e poderia lhe proclamar a Deusa do Mar.

━ Quantos anos eu não venho protegendo o mar, mãe? São centenas e centenas de anos. Se ele não me reconheceu cem anos atrás, não irá me reconhecer daqui cem anos. ━ Havia tristeza em minha voz, mas eu sentia verdadeiramente ódio, algo que eu nunca poderia sentir, e nunca poderia demonstrar a ninguém o que eu sentia. Minha mãe ficou em silêncio, e nós duas nos sentamos em uma das roxas, enquanto ela secava e penteava meu cabelo. Não tínhamos o que conversar, a floresta estava calma e não tinha conflitos nenhum. Eu a protegia bem, em prol da saúde de minha mãe.

━ O que estás a pensar, minha filha? ━ minha mãe perguntou ao terminar de mexer em meus cabelos, sua pele era de uma jovem, mas podia se ver que ela não era tão jovem, nenhum de nós somos, mas meu Pai e minha Mãe sãos os mais velhos, e a aparência que escolheram para si, mesmo bem tratadas, demonstravam uma certa idade, e ao mesmo tempo sabedoria.

━ O que meu pai faria comigo se soubesse o que penso e sinto. ━ me enrolei ainda mais na toalha, como se fosse me proteger de alguma forma. Não parei de encarar o horizonte, o sol se pondo e sumindo por detrás da infinita água, as ondas calmas que se formavam e batiam na rocha abaixo de mim.

━ Depende do que você está pensando e sentindo ━ ela respondeu e eu franzi o cenho. Por que eu deveria me preocupar com o que eu sinto? Que direito meu pai teria de me punir? Rebelde, uma voz sussurrou em minha mente. Mãe. Eu pensei, mas eu não queria ter pensado naquela palavra. Eu as juntei em minha mente, e juntei os fatos, enquanto o silêncio se estendia entre mim e a Deusa da Floresta.

━ E se eu for a mãe dos rebeldes? ━ olhei para minha mãe enquanto a boca dela se abria em choque, uma lágrima solitária escorreu pelo meu rosto.

━ Você não pode! ━ ela se recompôs e alisou meu cabelo, e então pousou as mãos em ambos os lados do meu rosto. ━ Nunca repita isso novamente!

━ Mas é a verdade! ━ eu rebati.

━ Não importa. Você não quer ser punida pelo seu pai ━ ela sussurrava, enquanto respirava de forma rápida em puro nervosismo.

━ Estou cansada de mentir. ━ eu me virei para encarar o mar novamente. Meu. eu pensei. O mar é meu, independente do que meu pai diz.

━ Minha protetora, não faça nada que vá arrepender-se.

━ Você e ele são pais dos Deuses ━ eu a interrompi, mais lágrimas escapando de meus olhos. ━ Eu não sou uma Deusa.

A Deusa se levantou rapidamente e se afastou de mim. Não me dei o trabalho de levantar-me ou encará-la, eu sabia que ela estava indo embora. Pior ainda; sabia que ela nunca voltaria. Não como minha mãe. Mas ela também não seria minha Deusa. Nem ela, nem meu pai, nem meus irmãos. Eu não aceitaria.

Limpei minhas lágrimas e fui atrás de meu filho. Se antes ele já era rejeitado, agora que eu me declarava contra os Deuses, poderiam usá-lo contra mim.

Os dias que se passaram foram lentos e cheios de tensão, eu esperava alguma mudança, mas nada aconteceu. Minha mãe apareceu para mim, e agiu novamente como se nunca tivéssemos conversado. A mentira se mostrou a melhor opção, e mesmo que odiando aquela opção, eu aceitei a sutil sugestão de fingir que nada estava acontecendo, enquanto o mundo perfeito de meu pai caia como a cascata de uma cachoeira e minha irmã surtava com a perda de seus filhos.

━ Eu não sei o que fazer ━ noites atrás, a Deusa da Lua, minha irmã, sussurrou para mim. Estávamos escondidas sob uma enorme árvore, sentadas na terra. ━ Eu sinto uma tristeza enorme ao ver meus filhos me desprezando e me deixando.

Eu nada pude dizer; eu amava minha irmã, mesmo invejando sua vida, eu a amava. Quando andamos mais e chegamos a meu lugar favorito; beira-mar, o sol nascia e a pele de minha irmã brilhava sobre a sutil luminosidade, nosso irmão, o Deus do S, e também marido de minha irmã, fez questão de destacá-la cada vez mais que o sol nascia. Jaci tinha olhos azuis cinzentos, a pele era tão branca que parecia pálida, e seus cabelos brancos. Ela era a personificação da beleza, e, se não fosse Deusa da Lua, poderia ser a Deusa da Beleza. Seu sorriso iluminava todo o lugar independente se estivesse escuro ou claro, os dentes perfeitamente brancos e as pinturas em tinta preta em seu rosto e corpo, principalmente em formas da lua. Ela era perfeita de todas as formas. Havia razões pelo qual eu a invejava, ao mesmo tempo que a amava.

━ Preciso ir, irmã. ━ ela sorriu e entrelaçou nossos dedos. ━ Mas eu volto, espere por mim.

━ Eu irei. ━ eu a respondi, mas não a vi sair e nem para onde ela foi, pois continuei a encarar o nascer do sol. Todo Deus precisava descansar, e meu irmão, Guaraci, um dia descansou, e o mundo caiu em uma escuridão completa, até meu pai criar Jaci para iluminar a noite. Jaci foi criada para Guaraci, eles eram perfeitos opostos e iguais ao mesmo tempo; o que eu era entre eles? Guaraci nunca se importou comigo, não quando eu não tinha propósito ou importância em sua vida, mas minha irmã dizia sobre ele. Eu gostava dele, pelo que minha irmã me disse. Não pelo que eu sabia. Mas eu era curiosa, e queria conhecê-lo.

E eu tive minha oportunidade. Poucos anos mais tarde, enquanto me banhava sob a luz do sol, meu irmão apareceu à beira do mar. Sua pele era estranhamente amarelada, misturando de forma divertida o marrom com amarelo, quase como quando meu filho mistura as cores quando vai pintar algo. Diferente de minha irmã, as tintas que ele usava em suas pinturas corporais eram brancas e, por alguma razão, ele não tinha nenhuma pintura com a forma do sol em nenhuma parte de seu corpo, e seu cabelo era vermelho como sangue.

Conversamos naquele dia, como se fossemos irmãos próximos desde sempre, quando na verdade era nossa primeira conversa real. Guaraci era tão divertido quanto minha irmã havia me dito, e eu não poderia inveja-lá mais, ela havia sido feita para ele, e isso eu desprezava, mas ele era um bom homem. Fazia sentido ele ter tido o sol para si; ele brilhava como o próprio sol. Tão perfeito quanto a luz amarelada que a estrela gigante jogava sobre nós.

A partir daquele dia, eu e Guaraci nos aproximamos de forma surpreendente e Jaci se mostrou contente por ter ambos próximos um do outro finalmente.

Foi um dos motivos pelos quais o dia em que eu e Guaraci compartilhamos um beijo me fez sentir-me completamente culpada. Estávamos escondidos quando isso aconteceu pela primeira vez, estávamos escondidos quando aconteceu pela segunda e em todas as outras vezes, e quando os beijos se tornaram outro tipo de carinho, quando as carícias se tornaram maliciosas demais.

Guaraci não apareceu novamente para mim, mas Jaci fez. Eu estava extremamente assustada em ela descobrir o que eu e o marido dela fizemos pelas suas costas, mas ela veio com outros tipos de preocupações.

O prazer carnal que eu e Guaraci sentimos não era de forma alguma aceita pelo meu pai, e por isso os humanos de meu pai nunca souberam o que isso significava, até o dia que dois filhos de Tupã sentiram e fizeram. O que nós fizemos se manteve em segredo, um pacto silencioso entre nós dois. E nós poderíamos mentir para todos sobre a verdade, mas a conversa que eu tive com minha mãe anos atrás não sairia da cabeça dela e eu não poderia mentir para ela.

━ Foi você? ━ ela perguntou, no dia que eu descobri que deitar-me com o marido de minha irmã teria consequências maiores do que eu poderia imaginar.

━ Estou grávida. ━ foi tudo que eu disse. O sol raiava acima de nós e eu queria que ele soubesse. ━ E dessa vez, eu fiz com alguém.

━ Quem? ━ minha mãe perguntou. Eu me virei de costas para ela. Não poderia mentir assim, olhando em seu rosto, encarando seus olhos.

━ Não posso dizer ━ pareceu que o sol aumentou de uma forma que queimava minha pele escura, mas percebi que não afetou minha mãe e pensei que Guaraci apenas me teve como alvo.

━ Minha doce Yuna ━ o nome que recebi no dia que fui criada, mas meu pai o descartou. Fui criada à beira de um rio de águas escuras, por isso Yuna, que significava rio escuro, mas quando meu pai viu sua criação, imediatamente descartou meu nome, pois aquele rio nunca seria meu, nem qualquer rio, mar, oceano, cachoeira. ━ O que você tem feito com sua vida?

━ Eu não pude me controlar! ━ eu me virei com lágrimas nos olhos que eu me recusava a deixar escorrer, desejei estar escondida, não queria que ele soubesse o que eu realmente sentia, mas estávamos aqui e se eu corresse minha mãe logo entenderia. Mas eu estava cansada de mentir e, para ela, eu não poderia. ━ Ele veio gentil, o primeiro a mostrar-me gentileza após tantos anos! Ele elogiou Chaska e não me acusou de ter criado um filho sozinha, ele disse que Chaska era realmente um presente. Disse que eu merecia um presente, que eu merecia muito mais que isso! Eu me apaixonei! E eu estava errada em fazer isso, mas eu fiz.

━ Quem é o homem? ━ minha mãe perguntou, e soube imediatamente a resposta quando eu me virei para encarar o sol. ━ Yuna, você recusou seus irmãos como marido, todos eles, todos que estavam disponíveis para você! Como pôde?

━ Nunca me trataram como Guaraci me tratou. ━ eu sussurrei, e me surpreendi ao sentir minha mãe me abraçando por trás. Odiava que ela me amasse mesmo após todos meus erros, como ela nunca me odiaria mesmo que eu a odiasse.

━ Vamos resolver isso. ━ ela sussurrou para mim. Eu sabia que meu pai desprezaria meu segundo filho ainda mais que desprezou o primeiro. E temi o que aconteceria com nós três no dia que meu pai descobrisse o que eu fiz.

Eu desprezei como meu filho, no dia que nasceu, pareceu tanto com Jaci. A pele esbranquiçada como a dela, os cabelos claros. Mas seus olhos eram vermelhos. Vermelhos como fogo, vermelhos como os cabelos de Guaraci.

No meio da floresta, meus gritos se misturavam com o barulhos da ventania forte que havia começado na floresta desde que meu parto começou. Era noite e eu esperei minha mãe. Com a movimentação intensa da floresta por conta de meus gritos, fiquei até o fim do meu parto esperando minha mãe vir me auxiliar, mas ela não veio. Eu me recostei na árvore atrás de mim, com meu filho em meus braços, completamente nu e frágil. A floresta se acalmou, e agora eu sentia apenas um vento suave para refrescar-nos do calor.

━ mãe! ━ Meu primogênito, Chaska, correu até mim ao amanhecer. Ele pegou o irmão de meu colo e me ajudou a levantar.

━ Esperei pela sua avó toda a noite. ━ eu sussurrei, deitando minha cabeça no ombro de meu filho cansada. ━ Ela não veio.

━ Mãe, eu acho que ela a protegeu. ━ Chaska disse, enquanto arrumava melhor seu irmão em seu colo e tentava me deixar confortável enquanto andávamos até a cabana. ━ Tupã procura por você e seu filho. Ele exige saber a verdade por trás do nascimento de meu irmão. Algo que, me desculpe, eu também desejo saber.

━ Um dia você irá saber ━ eu disse me sentando finalmente em um lugar confortável após incontáveis horas sentada no chão. ━ todos irão saber, e esse dia, meu filho, será o dia de minha destruição.

O mar se agitou, o céu trovejou e a floresta teve a maior ventania já vista por todos. A tempestade daquele dia seria lembrada por aqueles vivos por toda a vida deles; e eu, principalmente.

O dia que Tupã e Jaci descobriram a origem de meu filho, que nomeei de Anhangá. Não estava lá para saber, em um futuro muito longe eu nomearia como "a reunião familiar que não fui convidada", mas minha mãe fez questão de me contar cada detalhe daquele dia. Jaci chorou como nunca, e quando a noite caiu, uma tempestade nunca vista antes se iniciou. Eu pensei que nunca saberia o que Jaci estava sentindo, até que quando o sol nasceu e a tempestade acabou, minha irmã apareceu. Ela olhou para mim com tanta decepção, que me fez sentir nojo de mim mesma. Mas eu não me arrependia, não quando eu amava meu filho.

━ Posso vê-lo? ━ ela disse, enquanto procurava por meu bebê com os olhos.

━ ele está com chaska na floresta ━ eu respondi, mas deixei que ela entrasse em minha cabana. ━ eles voltam logo.

━ Foi aqui? ━ ela sussurrou, apontando para o lugar que eu usava como cama. Eu neguei. Deitei-me com guaraci uma única vez e foi em uma cabana longe dali. Mas eu não contaria isso a ela. ━ Quantas vezes?

━ Uma vez. ━ Eu respondi. Fiquei perto da saída, para correr caso tivesse que lidar com a fúria de Jaci.

━ Certo ━ Jaci olhou para mim ━ eu nem tenho mais lágrimas para chorar pela traição que sofri. A maior parte de minha dor não é pelo meu marido, é por você. Minha irmã, que eu considerei confidente, amiga, como você pôde?

━ Ele veio até mim e me tratou de uma forma que eu nunca fui tratada, Jaci! Eu precisava de alguém que me amasse e não me julgasse pelo que eu fiz e ele foi essa pessoa! Tudo que eu sempre precisei foi ser compreendida da forma que ele me compreendeu! ━ eu gritei, eu não me importei com a agitação das árvores, e muito menos com a agitação do mar, pois naquele momento em nem sabia que o mar estava agitado.

━ Eu não era o suficiente? Nossa mãe não era o suficiente? Não a amamos o suficiente?

━ Vocês nunca deixaram de me julgar por Chaska e nunca me trataram como uma igual! Sempre deixaram claro a decisão de Tupã em me excluir como Deusa. Me trataram como inferior!

━ Porque você é uma inferior! ━ minha irmã gritou, e eu nem ao menos pude me sentir afetada, porque eu havia errado primeiro. ━ Nosso pai estava mais que certo em desconsiderá-lá.

━ Eu nunca faria nada do que fiz se Tupã me olhasse como filha, não adoradora. ━ eu refutei. Era verdade, parte das minhas ações e meus sentimentos eram porque meu pai me viu como inferior, e não como filha. ━ Eu não precisaria lutar como lutei. Não sentiria carente de amor e carinho e compreensão.

Nos encaramos, Jaci parecia querer dizer algo, mas Chaska chegando com meu bebê de seis meses a interrompeu. Eu agradeci, não havia mais do que eu pudesse dizer a Jaci, ela zombaria de minhas desculpas, e eu não queria pedir desculpa.

Minha irmã olhou para meu filho como se ele fosse uma aberração, e quando viu seus olhos vermelhos, arregalou os dela azuis e me encarou.

━ Suas ações irão destruir todos nós.

━ Eu não me arrependo de nada que fiz, mesmo que isso me leve à morte. ━ eu a respondi, e por um milésimo a vi sorrir. De certa forma, Jaci admirava minha rebeldia, e eu sabia disso.

━ Eu não espero que você se arrependa. ━ ela disse, e encarou Anhangá novamente, antes de sair de minha cabana. Encarei suas costas nuas com uma enorme pintura de uma lua, e a vi partindo. No fundo, eu sabia que era a última vez que a veria. Ela nunca me responderia se eu falasse com a lua.

━ O que faremos? ━ Chaska perguntou, e eu o encarei com um sorriso mínimo.

━ Iremos esperar pelo inevitável.


Os anos se passaram e a opinião de Tupã e os deuses sobre a minha existência e a de meus filhos se tornaram óbvias. Éramos os rejeitados, e Tupã ordenou que nenhum dos outros deuses sequer pensasse em nós. Mas eu sabia que minha mãe pensava em mim, porque a floresta era nossa e eu a protegia. E a conexão dela com meu filho bastardo cresceu enquanto ele protegia as florestas e os animais que ali habitavam junto a mim. Chaska nunca mostrou interesse em nada e aproveitava o mundo como os humanos, e desde que o prazer carnal foi criado por mim e Guaraci, Chaska aproveitou-se disso de uma forma que ele estava quase sempre fugindo de pais e maridos furiosos, o que me preocupava profundamente, um dia não haveria terras para protegê-lo e eu não sabia o que faria. Mas Anhangá amava as matas, os animais e os mares tanto quanto eu; mas enquanto eu me deixava indiferente ao meu exílio dos Deuses, Anhangá cresceu com um ódio inexplicável por todos os Deuses, em especial meu pai.

━ Onde estava? ━ perguntei a meu primogênito, e tive a resposta quando ele se escondeu e um homem apareceu furioso ao lado de fora. ━ O que está acontecendo, senhor?

━ Esse homem não ficará vivo ao amanhecer, saiba disso, senhora. ━ Ele gritou, e eu pude ver que de longe outros homens o acompanhavam. Todos armados, como se fossem caçadores caçando um animal, e o animal ali era meu filho, Chaska. ━ Nós voltaremos, e levaremos ele conosco. Vivo ou morto.

Ele se afastou, Anhangá acompanhou tudo longe e nos encaramos. Os olhos vermelhos de meu filho não desmontaram nenhuma emoção, e quando ele entrou, pela primeira vez, vi Chaska genuinamente amedrontado.

━ Como você pôde irritar tantos homens, Chaska? Eu lhe avisei! Por Deus, meu filho! Eu lhe disse para parar com suas farras, por que não me escutou? ━ eu estava desesperada. Não poderia deixar esses homens levarem e matarem meu filho, meu primogênito. Chaska fora meu apoio diante o abandono de todos, Anhangá por muito tempo teve apenas Chaska, enquanto eu me afundava na tristeza e saudade de minha família.

━ Talvez... talvez a avó poderia ajudar-me! Se eu pedir ajuda para a floresta...

━ Não! Não pediremos ajuda de nenhum deles. ━ Anhangá logo negou, seu tom de voz deixando claro seu ódio pela família. Eu me sentia culpada por nunca ter dito coisas boas sobre eles, guiada pela minha tristeza.

━ Anhangá, não é sua vida em risco agora! Não tenho um pai Deus! Não posso me proteger com nenhum poder! Eu sou apenas um homem imortal e estou sendo caçado.

━ Você está pagando as consequências pelas suas ações ━ encarei em choque Anhangá após ele dizer aquelas palavras para Chaska, e após isso, ele apenas se afastou.

━ Nós acharemos um jeito. ━ eu sussurrei.

Apesar dos últimos anos terem me afastado dos mares, meus outros anos anteriores em que protegia os animais que viviam debaixo das águas não foram apagados de minha memória, e nem dos animais. Eu nunca pensei em dizer que eles me deviam um favor, mas naquele momento, joguei toda minha moral fora e me ajoelhei na beira da água, a palma da minha mão encostou em uma leve onda que chegou até mim e eu implorei para que o mar protegesse Chuska, enquanto ele subia naquele barco de madeira pouquíssimo resistente e ia embora.

Quando os caçadores chegaram, deixei os caçadores revirarem todas minhas coisas. Quando alguns voltarem sorridentes para suas casas, eu franzi o cenho e corri para o lugar onde vi meu filho indo embora.

Seu barco de madeira estava lá, destruído, e com peças de suas roupas rasgadas. Eu arregalei os olhos e gritei. Uma dor no meu peito em pensar que perdi meu filho. Tudo que me lembrava foi de entrar no rio. Fui tão fundo que meus pés já não sentiam mais a areia, porém, mesmo embaixo da água, não estava afogando, quase como se eu conseguisse respirar ali. Os peixes me rodearam, mas eles não disseram nada, eles não falavam, mas eu desejei, com todas as forças, que eles falassem. Eu queria saber, eu precisava saber o que havia acontecido com meu Chaska.

A lua brilhou acima de mim, e eu franzi o cenho a encarando.

━ Foi você? ━ eu gritei, e o brilho da lua sumiu. Não sabia se por vergonha por ser descoberta ou ofendida por ser acusada. Como Lua, Jaci não me responderia e eu não sabia interpretar pelo tanto que ela brilhava.

Quando voltei para casa, Anhangá me esperava e estranhamente já sabia de tudo. Nos anos que se seguiram, me afundei em luto isolada, enquanto Anhangá encontrava suas formas de proteger as florestas e punir os caçadores. Eu não sabia o que era, até me surpreender com a Deusa da Floresta - aquela que um dia foi minha mãe - em minha cabana.

━ Eu soube sobre Chaska ━ ela disse, me encarando. Seu olhar passou por toda minha forma, como se ela tivesse se esquecido de como eu era com o passar dos anos. ━ Você deve se proteger, filha. Vim avisá-la que seu pai previu uma guerra iminente, e ele viu Anhangá.

━ É claro que ele viu meu filho bastardo como culpado dessa guerra ━ eu gargalhei, mas estava genuinamente com ódio.

━ Eu vejo o que ele faz com os caçadores, Yuna ━ ela começou, e eu franzi o cenho. ━ Os rebeldes agora são más pessoas, de todas as formas. Se você é mãe deles, deveria saber que Anhangá é o líder deles. O futuro dele não é bom.

━ Saia daqui. ━ eu não fazia ideia do que ela falava, e não me importava se ela estava certa ou não, mas ela estava falando do meu filho e eu não deixaria.

━ Boa sorte.

Quando ela se foi e anhangá chegou, eu estava sentada do lado de fora em um tronco de árvore próxima à fogueira. Não trocamos nenhuma palavra quando ele se sentou ao meu lado e colocou um pote com uvas e morangos em meu colo.

━ O que você vem fazendo pelas minhas costas? ━ eu perguntei, sem desviar o olhar do fogo.

━ Eu não sei ━ o encarei com o cenho franzido, e o olhar sombrio que ele me devolveu me fez estremecer ━ eu suponho que eles os chamam de demônio, mas são coisas que eu criei e me ajudam a punir as más pessoas.

━ Demônios? ━ eu sabia o que eram demônios, eram seres monstruosos que só poderiam ser criados por uma pessoa que carregava tanto ódio e sede de vingança no coração. Anhangá havia invocado aqueles seres sombrios adormecidos pelo ódio. ━ Por favor, Anhangá, me diga que está mentindo!

━ Preciso de sua ajuda, mãe ━ ele me olhou com olhos suplicantes, e eu, frágil com a perda de Chuska, cederia a qualquer absurdo que ele pedisse. ━ Me ajude a criar o submundo. Seria até vantajoso para você, uma garantia que você puniria aqueles que não cumprem com os seus pedidos mesmo após a morte! Você finalmente seria Deusa!

━ Isso é loucura ━ eu disse.

E abracei a loucura quando realizei com Anhangá o ritual.

O dia que o mundo ganhou dos novos deuses.

O Deus e a Deusa do Submundo.























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