23 | Impasse

"Um olhar e não consigo
recuperar o fôlego,
duas almas em uma só carne.
Quando você não está
perto de mim, estou incompleto."

Merliah

3 HORAS ANTES. Meu estômago estava gelado, sentia meus dedos tremerem e o sono ameaçar me consumir. Eu estava cansada, imensamente cansada mas precisava continuar acordada, não podia dormir e perder uma só informação. As coisas aconteceram muito rápido desde a morte do Quil, rápido o suficiente para que eu não conseguisse processar tudo.

Jacob conversava no canto da sala de nossa casa com Carlisle, Alex e Leah. Os olhares deles eram tensos e sua palavras sussurradas, não queriam que eu ouvisse. Meu pai assistia televisão e fingia indiferença mas eu sabia o quanto isso estava lhe preocupando, agradeço mentalmente por não estar na casa dos Clearwater, Sue deve estar a beira de uma crise.

Seth estava sentado ao meu lado, as mãos sob seu colo enquanto ele encarava a noite escura do lado de fora da janela. O relógio marcaria cinco da manhã em breve e então eles partiriam. Eu ficaria na reserva junto com a Renesmee e meu pai, iríamos para a casa de Sue logo logo.

Vai ser bem difícil fingir normalidade pro Charlie com tudo o que estava acontecendo.

Eu me sentia aterrorizada da cabeça aos pés. A morte do Quil me machucou e me machucou mais ainda ver o Seth chorar por horas em silêncio enquanto eu acariciava o seu cabelo. O que eu poderia dizer? Nenhuma palavra saía da minha boca, nada passava pela minha cabeça. Não conseguia tirar o dor dele e isso fazia com que doesse em mim.

Meu irmão estava desolado mas disfarçava muito bem, ele sempre foi centrado e controlado, sempre transformava sua tristeza em energia e agora eu sentia que seu luto havia virado ódio.

Ódio na medida certa é bom, demais vira burrice.

Aperto os dedos quentes de Seth contra o meu e ele me dá um sorriso, um sorriso desanimado mas ainda assim um sorriso. Seus olhos estavam vermelhos mas pelo menos ele havia dormido um pouco, tomado um banho e devorado dois pratos gigantes de macarrão.

Inspiro a maior quantidade de seu cheiro que posso, tentando memorizar cada toque e cada sensação e então o despertador toca.

Tensão paira no ar e todos na sala se entreolham.

— Temos que ir — diz Alex, olhando para Seth.

Seth se levanta imediatamente. Imito seu movimento e também fico de pé.

— Vamos esperar lá fora — Carlisle diz e sai acompanhado de Leah — que arrastava a cadeira de meu pai — e Alex, a última sorri pra mim antes de fechar a porta.

Meu irmão me dá um sorriso de lado.

— Promete que vai ficar bem? — pergunto, dando alguns passos em sua direção.

Ele abre um sorriso gigante, o sorriso do Jacob.

— Isso já está no papo, não precisa se preocupar — responde, o tom de voz quase me convencendo.

Mas a morte do Quil estava fresca em minha memória.

— Por favor Jake — insisto. — Não faça nada idiota, volte pra casa.

Meu irmão me abraça, quase me esmagando com seus braços. Enfio meu rosto e seu peito e foco no som do seu coração, pra mim era o som mais importante do mundo.

— Não vá chorar, ok?

Respiro profundamente e tento me controlar.

— Tudo bem — concordo, dando dois passos pra trás.

— Vamos estar todos juntos no fim da tarde, comendo queijo quente e rindo de como aqueles imbecis se foderam.

Tento acreditar no que ele diz.

— Combinado.

Jacob olha pra mim e em seguida pra Seth.

— Vou ir lá pra fora agora — ele diz. — Só não sejam muito melosos sabe, não posso evitar ouvir tudo.

Fecho a cara.

— Tape as orelhas!

Ele dá risada e corre ridiculamente até a porta.

— Amo você, garota! — ele diz antes de sair.

Reviro os olhos e me viro pra Seth que observava tudo sem a mínima expressão de descontração, seu maxilar estava travado e as mãos fechadas em punhos. Qualquer sentimento de felicidade que havia em mim se esvai ao encara-lo tão triste após todos os acontecimentos.

— Não queria te deixar sozinha — ele diz, se aproximando de mim.

— Renesmee vai ficar comigo — o lembro.

Sua expressão não muda.

— Eu sei.

Sua preocupação infundada me irrita, afinal, era ele quem estava correndo para as garras da morte, não eu.

— É você quem vai até ela! — exclamo, minha voz falhando no final.

Ele assente e então me abraça. Seu cheiro invade meu nariz fazendo com que eu sinta vontade de chorar, a ligação quase me estrangulava nesse momento. Era como se compartilhássemos uma agonia.

— Não quero que vá — murmuro, sentindo minhas mãos começarem a tremer. — Não quero que nenhum de vocês vá, eu estou com medo.

— Nada vai acontecer a você.

— Não estou com medo por mim.

Seth suspira e me afasta um pouco, olhando em meus olhos.

— Só temos que acabar com isso logo, ver o que ela quer e dar um ponto final nessa briga.

— Ela quer matar você! — o lembro.

— Ela não vai.

— Mas ela pode!

— Não pode, não vai. Não vamos deixar ela realizar qualquer que seja o plano dela.

Respiro profundamente tentando deixar que suas palavras me acalmem, tentando me lembrar do que Jacob havia dito. Queijo quente no fim da tarde.

— Não faça nada idiota, nada de arriscar sua vida — eu peço, me sentindo idiota por isso.

— Lia, entenda uma coisa, eu jamais arriscaria uma vida onde teria você ao meu lado pra sempre. Meu coração é o seu coração, nosso coração, eu jamais faria qualquer coisa que pudesse causar dor à você.

As lágrimas escorrem com uma rapidez vergonhosa mas Seth as seca beijando cada parte do meu rosto. Ele me dá um último beijo mais demorado nos lábios, guardo seu gosto em minha boca. Eu o amava, o amava tanto.

Diga isso pra ele!

— Agora vamos lá pra fora — Seth diz, passando a mão pelo meu ombro.

Andamos em direção a noite escura e percebo que somente Jacob, Renesmee e meu pai estavam do lado de fora. Papai já estava no banco do carona do carro que Nessie dirigia.

Meu irmão me abraça de novo e em seguida Seth, que me coloca no banco de trás do carro. Ele bate a porta.

— Seth — o chamo.

Ele se vira pra mim, os olhos escuros — pelos quais eu daria a minha vida para que nunca mais ficassem tristes assim — me encaram.

Diga que o ama, diga!

— Tome cuidado — murmuro.

Ele segura meus dedos e sorri, — um sorriso de verdade! — então sai correndo junto com Jacob para dentro da floresta. Conforme nos aproximávamos da casa dos Clearwater ouvimos um conjunto afinado de uivos, provavelmente de toda a matilha.

Me recusei a entrar na casa dos Clearwater, queria ficar do lado de fora esperando por qualquer notícia. Renesmee e papai tentaram me convencer a sair do frio mas não adiantou, eu não conseguiria ficar sentada lá dentro enquanto duas das pessoas mais importantes da minha vida se arriscavam por um erro que eu havia cometido.

Na verdade, vários erros.

Sue trouxe uma manta pra mim e um copo de café que permaneceu intocado, não queria comer, não sentia fome. Na verdade eu estava enjoada.

Permaneci sentada na escada da entrada com Renesmee ao meu lado, o sol começava a raiar no horizonte. Fico secretamente aliviada por saber que o frio se amenizaria em breve. Minha companheira não falava, o que era uma coisa boa, gostava disso em Nessie, ela não ficava rondando a gente.

Os minutos corriam e os cenários mais sangrentos passavam em minha cabeça o que me deixavam inquieta, via Seth se sacrificando para que todos ficassem à salvo inúmeras e inúmeras vezes. Era a cara dele!

E então se ele morresse nunca iria saber que eu o amava.

Eu sei que em sua cabeça não havia nada que eu pudesse fazer mas uma parte de mim não aceitava isso. Eu era uma pessoa, eu havia causado isso e talvez algo que eu fizesse pudesse fazer a diferença de novo.

Minhas pernas começam a arder para que eu me movimente.

Os cenários se tornam piores. Seth está morto, Alex está morta, Jacob! Há tantos corpos que nem ao menos conseguimos enterrar.

— Você está bem? — Renesmee pergunta e só então percebo como meu coração batia descompassado.

Uma lágrima escorre por minha bochecha.

— Sim — murmuro, me colocando de pé. — Preciso fazer xixi.

Nessie assente e entro na casa, sem olhar pra ninguém corro em direção ao banheiro e me tranco lá dentro.

Eu precisava pensar, precisava pensar, precisava pensar.

Eles iam morrer por minha culpa, porque fui idiota e trai meu namorado e não consegui lidar com a culpa. Era tudo minha culpa!

Não podia deixar que eles morressem enquanto eu esperava confortavelmente. Então abro a pequena janela do banheiro e me impulsiono pra fora, usando minha pernas para me ajudarem a passar pelo buraco.

Nem sinto dor quando caio de peito no chão, não sinto nada quando corro pela floresta em direção à clareira. Eu demoraria pra chegar lá mas eu chegaria, eu estaria lá, porque a ideia de ver outras pessoas sofrendo por minha causa sem fazer nada pra impedir estraçalhava meu coração.

Mas então a dor em meu coração para quando vejo três pessoas paradas alguns metros à frente.

Paro de correr e os observo, um arrepio percorre minha espinha quando percebo o que eles são. A vampira loira dá um passo à frente.

— Olá querida — ela diz, exibindo um sorriso.

Suas íris vermelhas eram tão perturbadoras que chegavam a hipnotizar. De qualquer maneira acho que ela era o ser mais bonito que eu já havia visto, mais bonita até do que a Cullen loira.

— Quem são vocês? — pergunto, tentando manter minha voz firme.

Conseguia ouvir meu coração batendo.

— Ah, sério mesmo? Achei que minha fama já tivesse alcançado a raça humana.

Engulo a seco.

— Isabel — murmuro.

— Ao vivo e a cores — ela diz com um sorriso.

— Eu achei que...

— Que eu estaria lá na clareira pra onde você estava indo pelo visto — Isabel completa, não tirando os olhos de mim.

Observo os dois vampiros ao seu lado, ambos de cabelos castanhos e pele de marfim. Nenhum deles parecia tranquilo, na verdade ele me encaravam com um olhar que chegava a ser psicopata.

— Você vai me matar? — pergunto. Se eu fosse morrer eu gostaria de saber.

Para a minha surpresa todos os três dão risada.

— Matar você? — indaga, em tom de ironia. — Sinceramente, não sei por que Elijah se deu ao trabalho, você fede à rato ensopado. Não serve como alimento.

Uma parte de mim se alivia. Mesmo a palavra dela não sendo tão confiável era bom ter uma fonte de conforto. Meu coração para de ecoar em meus ouvidos.

— Então? — continuo, tentando extrair alguma informação.

Isabel cruza os braços e sua feição fica entediada.

— Então o quê? Quem parou pra ter essa conversa agradável foi você.

A encaro, esperando que ela diga mais alguma coisa ou desse a entender que estava brincando mas tudo que ganho é o silêncio. Tudo bem, se ela quer que eu saia correndo eu posso fazer isso, é melhor do que ficar plantada esperando pra ser morta.

Dou meia volta e mal dou dois passos quando ela entra na minha frente de novo. O coração volta a ecoar nos ouvidos.

— Se bem que agora você pode me ser util.

— O que você quer? — pergunto, lutando com cada parte de mim que queria chorar ou gaguejar.

— Primeiramente quero que fique calada e deixe de ser insolente — seu tom de voz é rude. — Tem que entender que está em uma posição onde eu dou as ordens e você obedece, claro, se for esperta. O que pelo visto não é já que saiu correndo numa floresta lotada de vampiros.

— Você também não é muito esperta já que está cinco anos atrás da Alex e esse foi o mais perto que chegou de encontra-la — rebato, sentindo meu sangue esquentar e circular pelo meu rosto.

A expressão no rosto dela me diz que não foi uma boa ideia mas dane-se. Eu vou morrer de qualquer maneira, se eu vou morrer pelo menos ela vai ouvir um pouco.

— Alguns amigos meus admirariam sua coragem mas eu só acho irritante — Isabel murmura, passando o dedo gelado no meu pescoço. — Vamos ao ponto, você deve ter certa amizade com a Alex pra ter ido pra outra cidade com ela.

— Na verdade não, obrigaram ela a me levar — minto descaradamente apesar de eu ter sim obrigado ela a me levar.

Isabel dá risada de novo. Sério, essas risadas estavam me irritando.

Sua mão gelada agarra meu braço e me vira para os outros dois vampiros que estavam parados atrás de mim.

— Está vendo aquele cara ali? — ela pergunta, apontando para o homem. — O nome dele é Benny e ele sabe quando você está mentindo, então vamos facilitar as coisas e sejamos sinceras uma com a outra.

É claro que eu não podia me lascar sozinha, tinha que levar os outros comigo.

— Certo — concordo. — O que quer de mim?

— Eu perdi a Alex à cinco anos atrás e também perdi o Elijah. Eles foram os que passaram mais tempo ao meu lado, vim aqui pra tentar reduzir minhas perdas. Posso reduzir levando Alex de volta ou me vingando daquele cachorro imundo.

O pensamento de Isabel acabando com a vida de Seth me deixou um pouco tonta de tamanho pavor.

— Seu coração se acelerou, não gostou do que eu disse não é? — Isabel se aproxima, sinto seu hálito doce no meu rosto. — Será que foi pela possibilidade de ver Alex partida em pedacinhos? — indaga, me olhando nos olhos, sua mão gelada no meu pescoço. — Ou saber que posso quebrar seu querido lobo inteiro com uma só mão?

Prendo a respiração. A vontade de chorar aumentava a cada momento, queria sair correndo de volta pra casa.

— Ah, como o corpo humano é ridículo — Isabel diz, se afastando. — Ele entrega qualquer coisa que desejamos saber. Qual o nome dele?

— Não vou dizer a você — murmuro, saiu mais como um lamento.

— Não torne as coisas piores! — ela grita.

Isso me faz estremecer.

— Seth — respondo.

— Tudo bem e você ama o Seth?

— Eu amo.

— Então vai me ajudar a pegar a Alex. Assim deixarei ele viver e vocês dois podem continuar a vidinha patética de vocês.

— Não vou fazer isso — tento soar convicta.

— Vai sim. Você vai porque se não fizer vou garantir que Seth sofra, assim como você.

Balanço a cabeça em negação.

— Não vai conseguir entrar na reserva.

— Meu amigo já conseguiu, matou o cachorro com tanta facilidade que chegou a ser engraçado. Demos muita risada quando ele contou. Sabe, eu não me importaria em matar um por um até não sobrar ninguém.

As lágrimas se acumulam nos meus olhos.

— Você não vai conseguir — repito.

Mais pra convencer a mim mesma do que a ela. A cada passo que Isabel se aproximava de mim eu me afastava o dobro.

— Se eu não conseguir vocês vão passar o resto da vida naquela reserva ridícula com medo até da própria sombra. Isso será vingança o suficiente. Oitenta anos não é nada pra quem já viveu mais de trezentos.

— Prefiro morrer à ajudar um monstro como você! — eu grito, deixando toda minha raiva sair de mim.

E então choro como um bebê assustado.

— Pega ela Benny — Isabel ordena. Antes que eu possa me mexer duas mãos geladas agarram meus braços. — Brooke, avise aos demais para fazerem o combinado.

— Me solta! — eu grito, tentando sair daquele aperto que chegava a machucar de tamanha força.

Isabel se agacha e pega um galho da grossura do meu pulso. Antes que eu pudesse gritar ela pega impulso em direção à minha cabeça.

— Bons sonhos Merliah!

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