"Podemos correr e podemos correr.
Nós não vamos desfazer o que foi feito ou mudar o momento em que ele se foi.
Me encontre do outro lado,
eu vejo você do outro lado."

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Seth

VIVER É DEFINITIVAMENTE ESTRANHO. Em um momento tudo está bem, sua mente está leve e poucas preocupações te rondam. Você consegue aproveitar cada segundo do dia, a felicidade invade seu peito como uma brisa num dia de verão. Tudo está mais bonito, as cores são mais vivas, os cheiros estão mais fortes e as palavras tocam mais o seu coração.

Então tudo acaba.

Encaro o caixão descendo lentamente pronto para ser devorado pela terra. Não conseguia prestar atenção nas coisas em volta de mim, me sentia estranho, meio sem energia. Mas mesmo com essa sensação esquisita eu ainda sentia a mão de Merliah pressionada contra a minha, seu calor aquecia a lateral do meu corpo e mesmo com tantos ruídos em volta de mim eu conseguia ouvir o martelar de seu coração.

Me acalmava de certo modo mas não fazia a dor passar.

Queria me enrolar nela, me afundar em seu corpo e inalar o cheiro que exalava do seu pescoço. Queria sentir seu gosto na minha língua e sentir cada parte da sua pele contra a minha. Precisava de todo o contato possível para tentar diminuir o latejar do meu coração, precisava de um escape depois de dois dias sem conseguir dormir direito.

Eu estava feliz, absurdamente feliz e despreocupado enrolado no cobertor grosso com Merliah em meu peito. Tão tranquilo, completamente avesso a qualquer problema que nos cercava. Naquele momento eu não conseguia pensar em nada que não fosse ela e o prazer infinito que sentia por estar em sua companhia.

Então os uivos começaram e eu senti que poderia me desfazer em mil pedaços. Senti medo, não queria deixa-la mas precisava ir até a matilha descobrir o que estava acontecendo.

Minha mãe estava acordada quando levei Merliah até ela, tanto ela quanto Alex tinham um olhar aterrorizado no rosto e eu tinha certeza que esse olhar se espelhava no meu.

Corri o máximo que pude pela floresta com medo com o que poderia sentir quando me transformasse mas nem o meu pior pensamento ou hipótese chegou perto do sentimento que me assolou quando libertei o meu lobo.

A dor me fez uivar imediatamente.

"Vamos matar eles!"
"Isso não pode ficar assim!"
"Jacob ainda não chegou, não podemos tomar uma decisão."
"Koda parece bem."
"Eu também sou um alfa!"

Essa discussão entre os garotos fica silenciada imediatamente no momento em que percebo uma voz fraquinha no fundo de meu cérebro. Era Maya.

"Quil, Quil, Quil."

É tudo o que ela conseguia pensar, os pensamentos eram um lamento terrível e seus sentimentos invadiram meu peito. Doía. Eu queria me abraçar para garantir que eu não fosse desmontar a qualquer momento.

Vi o que aconteceu através de seus olhos. Ela, Koda e Quil estavam perto dos penhascos em sua forma de lobo, havia chovido a pouco tempo e suas patas e focinhos estavam sujos de lama provavelmente por ficarem correndo por aí e competindo pra ver quem aguentava comer mais terra.

Eles andaram até a praia então uma vampira loira apareceu e quebrou as patas traseiras de Koda. Antes que Maya pudesse reagir dois outros vampiros surgiram e quebraram o pescoço de Quil, ele nem ao menos pôde se defender.

Maya se culpava por não ter conseguido fazer nada, mas o que ela poderia ter feito? Ela era tão nova! E eles estavam perto da água, não havia rastros na água.

Um uivo choroso escapa de minha garganta fazendo com que os garotos percebam minha presença. Nossos pensamentos se unificam em um só, pensando no irmão que havíamos perdido e uivamos em conjunto.

"Precisamos mata-los!"
"Não sabemos do que são capazes!"
"Mataram o Quil!"

Minha barriga estremece e me aproximo de Maya, em sua cabeça a vampira loira falava que Isabel apareceria em três dias para falar com a Alex.

— Seth? Tudo bem? — ouço a voz de Merliah me chamando.

Sua mão aperta meus dedos com delicadeza, tentando me passar algum conforto. Tento afastar os pensamentos daquela noite de dentro da minha cabeça.

Somente assinto.

Garoava um pouco o que deixava meu cabelo úmido, amaldiçoo os Deuses por esse tempo horrível. Quil odiava chuva, ele não merecia ser enterrado num dia horrível como esse! Ele merecia um sol gigante no céu e borboletas, merecia flores amarelas, merecia... merecia muita coisa. Agora ele não tinha nada.

A gravata em meu pescoço parece me sufocar e luto contra as lágrimas que ameaçavam escorrer. Não podia chorar mais, já havia chorado a noite inteira e ensopado o travesseiro da cama de Merliah.

Ela cantou pra mim praticamente a noite toda, era quase manhã quando eu finalmente apaguei. Cansado demais para continuar acordado.

Em volta de nós as pessoas começavam a se dispersar me dando vista a pequena Claire sentada numa cadeira de metal. Sua mãe estava sentada ao seu lado e segurava sua mãozinha. A garota encarava o coveiro cobrindo o caixão de Quil com terra com uma seriedade que nunca achei que uma criança seria capaz de ter.

Ela parecia mais velha, não como se envelhecesse em sua aparência mas sim em suas expressões. Os olhos estavam vermelhos de tanto chorar e não tinham o brilho que costumava ter, parecia estar perdida em pensamentos, talvez assustada com o que aconteceu.

Ou talvez uma parte dela saiba — mesmo que inconscientemente — que ela havia perdido sua alma gêmea. Era uma coisa da qual ninguém poderia se recuperar e me sinto mal por ela, por perder Quil assim enquanto ela ainda é tão nova. Claire nunca acharia ninguém que pudesse preencher esse vazio, o buraco a acompanharia pelo resto da vida.

Merliah me puxa pela mão para que eu siga atrás dela. Jacob ia na frente empurrando a cadeira de Billy, Renesmee estava ao seu lado. Não ouso olhar em direção aos Ateara me sentindo culpado demais para encarar a dor deles mas me aventuro pela lápide de meu amigo.

Quil Ateara
1990 — 2014
Vai voar como as águias,
vai correr e não vai se cansar.
Isaias 40:28

Aonde quer que ele esteja eu só podia desejar que estivesse bem e que abraçasse meu pai por mim.

Quando chego em casa me permito chorar na barra do vestido de Merliah pelas próximas horas que me restavam antes de ter que encarar o mundo lá fora.

❦

Merliah

Fecho a porta do quarto tentando fazer o menor ruído possível. A casa estava vazia, meu pai estava com os Ateara então me surpreendo ao ver Jacob sentado no sofá da sala. Ele estava sozinho e encarava o nada, sua expressão triste partiu ainda mais meu coração. Toda a tristeza em volta de mim me afetava muito, era difícil não imaginar como as coisas seriam se eu simplesmente não tivesse ido atrás de James.

Manco um pouco na hora de me aproximar de meu irmão, meus pés doíam pelo tempo que havia passado de pé.

— Oi — ele murmura assim que me sento.

— Oi. Será que estou velha demais pra pedir um pouco de carinho? — pergunto, levantando os braços em sua direção.

— Com certeza mas eu não ligo pra sua idade.

Jacob abre espaço em seu peito e eu me aproximo, aproveitando do seu calor. Consigo ouvir o barulho ritmado de seu coração.

— Como você está?

Ele suspira.

— Eu não sei... É estranho. Conhecia o Quil desde que vim ao mundo, parece loucura imaginar que não o verei mais.

— Não na forma que estávamos acostumados — sussurro apesar de esse não ser um consolo incrível.

Para nós, Quileutes, a vida nunca acabava ela só se tornava diferente. Tudo para nós era eterno.

— Espero que ele renasça como um pássaro, ele adoraria voar.

Sorrio.

— Ele adoraria fazer cocô na nossa cabeça — o corrijo.

Jacob dá risada, aquela risada estrondosa típica dele.

— É a cara do Quil — concorda, passando a mão pelo meu cabelo. Ele faz um minuto de silêncio e então pergunta: — Como está o Seth?

— Dormiu de novo, ele está muito cansado. Acho que está se culpando muito pelo o que aconteceu.

Na verdade eu tinha certeza que ele estava se culpando, conseguia ver em seus olhos. Ele chorou tanto que me fez chorar o dobro, machucava a alma saber que ele estava mal. Eu não podia fazer nada, era o tipo de coisa que eu não podia consertar.

— O coração do Seth é bom demais, ele vai apontar mil defeitos em si mesmo antes de listar um de outra pessoa.

Assinto, era assim mesmo que eu o via.

Mas apesar dos riscos é maravilhoso conviver perto de alguém tão altruísta, eu passava muito tempo admirando sua alma, tanto quanto admirava o seu corpo. Você sente uma espécie de orgulho ao ver alguém que você ama se comportando assim... E então eu percebi.

— Eu o amo — admito, dessa vez numa voz alta e clara.

Jacob não fica surpreso.

— É claro que ama.

— Você acha isso ok? Acha isso normal?

— Como assim? — ele pergunta, se afastando um pouco para poder olhar pra mim.

— Há pouco menos de dois meses eu estava apaixonada por outra pessoa.

Meu irmão ri e pelo tom de sua risada percebo que ele achava uma bobagem o que eu havia acabado de falar.

— Abra os olhos e veja, aprecie esse mundo louco cheio de anormalidades. Não precisa fazer o que é considerado normal para ser feliz.

— Ainda me parece loucura — insisto.

Jake revira os olhos.

— É porque você é cabeça dura.

Eu não era cabeça dura!

— O que faço agora?

— Acho que devia deixar que ele saiba isso.

Analiso a situação. Acho que seria bom, talvez ele também me amasse ou pelo menos rumasse pra esse caminho. Me assustava a ideia de ficar longe dele.

— Vai tomar conta dele, não vai? — indago. — Seth entregaria o próprio pescoço antes de arriscar a vida de qualquer um de vocês.

Jacob assente.

— Vamos ter uma conversa com ele e garantir que ele não faça nada idiota.

— Quando vão?

— Duas horas antes do amanhecer.

Já estava perto das oito da noite então eles não tem muito tempo até lá.

— Não faça nada idiota também, ok?

Ele coça a cabeça.

— Pretendo ficar vivo pra comparecer no meu casamento... — murmura.

Sinto literalmente o meu coração parar.

— Espera, quê?

— Renesmee aceitou se casar comigo — admite.

Me ponho em pé num salto, dividida entre explodir de raiva por não ter sido avisada antes e em explodir de felicidade por saber que verei o meu irmão mais velho se casar.

— E só me conta agora?

— É recente, conversamos na tarde de sexta e então aconteceu tudo isso. Não achei que fosse o momento.

Balanço a cabeça de um lado pro outro, a descrença estampava meu rosto.

— Cara, o pai dela vai te matar.

— Estou mais preocupado com a Bella.

Dou risada.

Jacob é a pessoa que mais amo no mundo todo, aquele que sempre esteve ali quando eu mais precisei, o que mais me compreendia. Acho que isso é em parte por termos a idade muito próxima um do outro. Conhecendo ele como conheço sei que não existe ninguém no mundo melhor do que Renesmee para fazê-lo feliz, acho que essa história de imprinting funciona mesmo no fim das contas.

— Nessie é ótima pra você, que os Deuses iluminem nosso destino.

— Que os Deuses iluminem nosso destino — Jacob repete.

Sorrio e me aproximo novamente de seu peito, voltando para a posição em que estávamos antes. Esse carinho me lembrava os dias que ele ia me ver em Nova York, Rachel e Rebecca ficavam com ciúmes por ele ser mais carinhoso comigo.

Sentia muita falta delas mas é diferente estar aqui com Jacob. Me parecia mais certo.

— Eu amo você Jake, você é uma parte de mim. Tome cuidado com o pedaço do meu coração que você carrega consigo.

Ele me aperta mais contra ele.

— Eu o defenderei com tudo que tenho — ele promete. — Amo você, Merliah.

— Isso ficou piegas — brinco, fazendo careta.

Ouço sua risada que faz todo o seu corpo tremer.

— Com certeza sim.

Espero que tenham gostado :D
Tentei deixar o final mais felizinho porquê senão eu ia desaguar de chorar.
Beijos e até logo!
Música: The Other Side - David Gray.