20 | Morte

"Eu perdi tudo, eu me atirei e você
me pegou quando ninguém estava lá.
Você pode levar o que quiser,
leve o ar que eu respiro
e eu vou dar tudo que eu tenho."

——————

Merliah

VOU MATAR SETH CLEARWATER. Ele nos fez pegar a maior chuva do mundo! Corremos por dez minutos num temporal incessante e gelado até finalmente chegarmos na minha casa. Eu estava cansada e morrendo de frio.

— Pelos Deuses, que chuva! — ele reclama, passando a manga ensopada de seu moletom pelo rosto numa tentativa falha de seca-lo.

Paro ao seu lado, tirando o capuz de minha cabeça. Eu sentia minha franja colada no topo do meu couro cabeludo e sentia minha testa a mostra. Duas poças de água começam a se formar no chão de madeira da sala.

— Eu falei que era uma péssima ideia ir pra praia hoje — o lembro.

Eu falei várias vezes que estava ventando demais para irmos ver o mar mas Seth insistiu. Ele queria tirar mais fotos já que pelo visto as que ele tirava à todo tempo se tornaram insuficientes.

Pelo menos a bolsa da máquina fotográfica dele era impermeável.

— Parece que você sempre está certa — ele diz, abraçando minha cintura.

Sorrio e envolvo seu pescoço com meus braços, relaxo sob o toque de suas mãos quentes. Consigo sentir meu coração se acelerando quando nossos rostos se aproximam.

— Esse é o meu mal — rebato e puxo seu rosto pra perto de mim.

Seus lábios estão quentes quando tocam os meus, assim como a ponta de seu nariz e dos seus dedos mesmo que nós tenhamos passado bons minutos na chuva. Sua língua encontra a minha, tinha gosto do bolo de chocolate que comemos na sua casa antes de sair. Era doce assim como seu cheiro.

Eu estava me empolgando quando o telefone toca.

Faço careta ao me soltar dele e me dirijo até o móvel da sala onde o pequeno telefone vermelho se encontrava.

— Alô? — atendo, assim que Seth passa por mim.

— Lia? — a voz do meu irmão soa do outro lado, o telefone chiava um pouco. — É o Jacob.

— Oi Jake, o que foi?

Seth aparece na sala com duas toalhas na mão, ele me envolve com uma — depositando um beijo no meu ombro — e usa a outra pra se secar.

— Aconteceu uma acidente de carro na estrada então não vamos conseguir voltar — ele explica.

Jake e papai tinha ido na fisioterapia hoje de tarde, era uma milagre que meu pai tenha parado de reclamar sobre os exercícios. A chuva na cidade deve estar bem feia mesmo.

— Mas vocês tem onde ficar?

— Vamos ficar no apartamento novo da Nessie, ainda está vazio mas tem tudo que precisamos pra noite.

Assinto mesmo sabendo que ele não poderia ver.

— Tudo bem então.

Há uma pequena pausa antes de Jacob falar:

— Nada de ficar saindo por aí, não sabemos o que pode acontecer.

É claro que eu não tinha a mínima intenção de sair vagando pela reserva com esse tempo horrível. Queria tomar um banho quente, beber chocolate e assistir o asiático da série de zumbis escapando da morte pela milésima vez, esse sim era um bom plano.

— Não pretendo sair Jake.

— Vou ligar pro Seth e...

— Na verdade ele já está aqui — o interrompo.

Meu irmão respira profundamente e então diz:

— Ah é? — seu tom de voz não parecia muito surpreso.

— É, estávamos na praia.

— Sozinhos então?

— É — assumo fazendo careta.

Há uma longa pausa.

— Vou ligar pra Leah — decreta.

Isso me tira um pouco do sério.

— Jake, eu já sou bem grandinha!

— Você está certa — concorda, mais rápido do que eu esperava. — Me deixa falar com o Seth por favor.

Estendo o telefone para Seth.

— Quer falar com você.

Seth pega o telefone e eu me apoio na mesa, o observando.

— Alô? — ele atende. — Você é bem chato sabia? Sério? Nem uma vez só? Claro que não. Tudo bem eu prometo. Boa noite.

Estendo a mão pra pegar o telefone de volta mas Seth o coloca no gancho.

— O que ele falou?

— Coisas como ficar bem longe de você e cortar minha parte íntima fora, só o básico.

Acho graça.

— Só o básico — concordo.

Seth coça a nuca.

— Talvez seja melhor eu ir pra casa.

Minha expressão desmancha imediatamente.

— Mas está chovendo muito — insisto.

— Eu sou um lobo.

— Lobos também gripam — falo mas eu sabia que não era verdade.

— Na verdade não.

Bufo e cruzo os braços, o odiando por me fazer falar isso em voz alta.

— Eu quero que fique!

Os Deuses finalmente mostram que estão ao meu favor e um trovão ecoa pela casa me arrepiando inteira e apagando a luz. Dou um pequeno pulo de susto.

— Não posso deixar você sozinha no escuro né? — pergunta Seth, dando de ombros.

— Não, não pode.

— Eu fico — diz, tentando disfarçar o sorriso.

Já eu não disfarço o meu e saio saltitando contente pelo corredor.

— Vou pegar umas roupas do Jake e aí você pode tomar um banho.

— Beleza mas você vai na frente, primeiro vou procurar algo pra gente comer.

— Combinado.

Por um momento achei que não haveria gás o suficiente para que nós dois tomássemos banho mas teve. Dei um conjunto de moletom antigo do Jake para que Seth vestisse e ele esquentou leite e fez alguns sanduíches para comermos.

Nos deitamos na minha cama embaixo de duas cobertas e usei meu notebook para assistirmos alguns filmes que eu tinha baixado à muito tempo. O problema era que todos eram infantis, não sei se ele gostou de A Pequena Sereia...

A bateria acabou no meio do filme do Nemo, a chuva ainda caía incessantemente lá fora, conseguia ouvir os ventos de um lado para o outro.

Estou deitada do peito de Seth, fazendo carinho no comprimento do seu cabelo, minha mente em paz de uma maneira que não sentia há muito tempo, tudo isso graças a ele.

Então me lembro de todos os riscos que parecíamos ainda correr, mesmo que de uma maneira distante e incerta.

— Acha que ela realmente vai vir? — pergunto, enrolando a ponta de seu cabelo no meu dedo indicador.

Seu peito sobe e desce em duas inspirações pesadas, pensar em Isabel sempre o deixava tenso.

— Eu não sei — admite.

— As vezes sinto que estamos só esperando pra morrer — murmuro.

Seth ergue a cabeça imediatamente, me encarando nos olhos enquanto diz:

— Você não vai morrer Lia.

O problema na verdade não é morrer e sim ver as pessoas morrendo. Estou assustada com a situação mas não quero sentir medo de estar viva, como esses dois sentimentos podem coexistir no meu coração?

— E como você pode saber?

— Por que eu não vou deixar — ele garante, voltando a relaxar.

Sorrio.

— Obrigada.

— Obrigada? — repete.

— Por ser você, por estar aqui, por me aceitar e perdoar mesmo eu tendo um bando de defeitos e sendo insuportável na maioria das vezes.

— Você não é insuportável! — rebate imediatamente.

Dou risada.

— Por isso me apaixonei por você.

— Hmm... — é tudo que ele diz, ficando tenso sob meu toque.

Me levanto e encaro seu rosto, ficando chocada com o que via.

— Você ficou sem graça! — exclamo, apontando pra ele. — Pelos Deuses, eu deixei o maior tagarela da reserva sem palavras!

Seth fica ainda mais sem graça.

— Só não estava esperando uma declaração agora!

Cruzo os braços.

— Não foi uma declaração.

— Foi sim — ele insiste.

Dessa vez quem fica sem graça sou eu.

Volto a deitar no seu peito e deixo seus braços me envolverem, feliz por não ter que olhar em seu rosto agora. O que sinto é totalmente novo e completamente avassalador, me deixa perdida, nunca quis tanto estar com alguém como quero estar com ele.

Mas esse é realmente o momento certo para ficarmos juntos? Quando nós e todos os que amamos estão sob ameaça?

— Sabe, acho que estamos baixando a guarda — admito, após um longo momento de silêncio.

— Como assim?

— Ficamos um tempo bastante na defensiva e evitando sair da reserva. Depois nos aventuramos pela cidade e agora diminuímos o número de rondas para somente duas por dia. Isso é pouco.

— Não podemos parar nossa vida — argumenta Seth.

Eu concordo com ele.

— Eu sei que não mas o cuidado que tomamos não é o suficiente.

— Talvez ela nem venha — ele diz.

— Pelo o que eu e Alex conversamos acho que ela vai vir sim e acho que algo muito ruim vai acontecer.

Seth dá risada.

— Você se deixa convencer por tudo que a Alex diz.

— Ela viveu pelo menos umas cinco vidas então acho que devo validar as coisas que ela diz — argumento.

— As vezes sinto que ela exagera.

Nego com a cabeça.

— Ela sente medo. E se uma das criaturas mais poderosas do mundo sente medo eu acho que estou no direito de sentir também.

— Não comigo aqui pra te proteger — ele brinca, mostrando o músculo do braço.

Dou risada.

— Não sabia que você era um super herói!

Ele mostra os dentes de forma exagerada e se inclina pra cima de mim.

— Sou o super lobo e meu poder é comer...

Seth para a frase no meio e fica um pouco roxo por ter dito aquelas palavras em voz alta. Também fico quente, mas não de vergonha e sim de desejo.

— Acho que esse super herói não é pra crianças — murmuro, me inclinando pra ele.

Ele dá um sorriso hesitante e desvia os olhos.

— Me empolguei — admite.

Dou risada.

Então me jogo pra cima dele e selo meus lábios nos seus. Um formigamento prazeroso se espalha por meu corpo quando seus dedos encostam em minha cintura e me puxam pra ele. Nesse momento não pensaria em nenhum problema, nada poderia estourar a bolha que eu criei, por essa noite seríamos só eu e ele porque eu precisava disso.

Precisava senti-lo por inteiro, necessitava sentir todo o amor que via em seus olhos, almejava mais que tudo conectar nossas almas e sentir que eu era sua.

Isso seria irreversível, era dessa certeza que eu precisava. A certeza de que não importaria o que acontecesse, éramos Seth e Merliah e ficaríamos juntos.

Porque precisávamos ficar juntos, porque eu o amava.

Deslizo minha mão pelos músculos quentes de seu abdômen e ele não parece incomodado quando puxo sua camiseta pra cima e a atiro em algum canto do quarto.

Ele beija cada parte de mim. Meus lábios, meu rosto, meu pescoço, meus seios, minha barriga. Sua lingua é quente, eu estou quente, pegando fogo de desejo por ele. Sempre estive, parece loucura imaginar que um dia eu neguei um sentimento como esse. Como eu pude magoa-lo? Como pude viver tanto tempo sem sentir isso?

— Preciso de você — ele geme contra meus lábios, me fazendo gemer também.

Deixo ele me tomar, deixo que ele me leve e me prenda no casulo que nós mesmos construímos. Sentia o suor escorrendo por meu rosto conforme nos tornávamos um só, ouvia as palavras que ele sussurrava em meu ouvido e o barulho da chuva parecia distante agora, diferente se seus olhos que mesmo no escuro pareciam brilhar.

Quando acabamos ficamos em silêncio, enrolados um no outro, perdidos na nuvem doce e prazerosa que havíamos criado. Ouvia sua respiração pesada, sentia cada parte do seu corpo ao meu lado. Isso me fazia feliz.

Eu soube que contanto que estivéssemos juntos nós ficaríamos bem.





Abro meus olhos e encaro o brilho leve do relógio analógico de minha cabeceira. Marcava quatro e quarenta da manhã, a chuva la fora havia se tornado fraca mas ainda conseguia ouvi-la batendo contra o vidro da janela.

Porém, nada disso importava agora e sim os uivos conjuntos que ecoavam por todos os lados. Uivos longos e pareciam sofridos, como se estivessem com dor.

A agonia invade meu peito. Fico receosa em acordar Seth ou não, mas no final não conseguiria voltar a dormir e fingir que não tinha ouvido nada.

— Seth! — o sacudo, ele abre os olhos com facilidade. — Acho melhor você levantar.

Sua expressão sonolenta aos poucos desaparece conforme a lucidez entra em seu corpo. Ele coça os olhos e se senta, então ouve os uivos.

— Ah! — pragueja, arregalando os olhos. — Droga!

Em um segundo ele está de pé, as mãos tremendo e o desespero estampado em seus olhos. Me levanto também, ficando tensa com seus movimentos rápidos.

Ele veste a cueca e a calça em tempo record.

— O que foi? — pergunto, começando a colocar as minhas roupas também.

— Merda, merda, merda! — ele continua, dessa vez olhando pros lados sem parar.

Acho sua blusa no canto do quarto e atiro pra ele. Seu reflexo é rápido então ele a pega sem dificuldades.

— Seth! — grito e finalmente capturo sua atenção. — O que aconteceu?

Me arrepio inteira quando ele se vira pra mim e mostra seus olhos estampados com o puro terror.

— Os uivos — pragueja, lágrimas brotando no canto de seus olhos.

Me aproximo com a mão estendida mesmo sem saber o que está acontecendo.

— O que significam?

As palavras que ele disse quase me fizeram desabar sob meus pés.

— Significam morte, Lia.




Olá! Último capítulo calminho pra vocês, no próximo as coisas vão se complicar um pouco (finalmente ação né, num aguentava mais escrever boiolagem)!
Até logo!
Música: Be There - Seafret.

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