11 | Sonho

"Você me diz que cometeu um erro bobo,
começa a tremer e sua voz falha.
Você diz que os cigarros no balcão
não eram da sua amiga
e sim do meu camarada."

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Merliah

PERCEBI QUE ERA UMA ÓTIMA ATRIZ. Já faziam três dias desde o pequeno incidente com meu dedo e as coisas estavam normais por enquanto.

Claro, eu não via Seth desde o tal dia.

Mas a parte boa é que Jacob parecia não saber de nada, assim como meu pai e os outros garotos. Nem mesmo Leah que passou aqui ontem deixou escapar alguma insinuação, levei isso como um bom sinal afinal ela não hesitaria em dizer o que quer que ela pensasse na minha cara.

Na noite anterior eu e Jacob fizemos hambúrgueres e assistimos um bando de filmes de princesas. Nós éramos viciados quando crianças. Ele não tocou no nome de Seth mas perguntou novamente sobre o dedo. Reafirmei que estava tudo bem e que me manteria longe da cozinha por um tempo.

Ele ficou satisfeito com minha resposta.

Claro que minha ótima atuação não me impedia de pensar, minha mente estava me matando e ainda não havia decidido o que fazer. Chorar a noite inteira era minha única escapatória, apesar de ser torturante não poder fazer muitos ruídos, Jacob e sua super audição eram capazes de indentifica-los e eu não queria dar explicações.

Mas tudo bem, eu estava conseguindo controlar a situação.

Infelizmente no último momento tudo resolveu dar errado. Percebi pelo modo que meu irmão chegou em casa, apenas trinta minutos após sair.

Eu tinha acabado de lavar a louça quando o ouvi bater a porta.

— O que você fez? — Jacob pergunta, seu maxilar estava tão tenso que sentia que seus dentes poderiam se partir.

Fico de pé, meu coração se acelerando. Tento me manter calma pois sabia que ele era capaz de ouvir.

— Eu?

Meu irmão dá um passo à frente, percebo Renesmee logo atrás, ela desvia o olhar mas não sai da sala.

— Vi uma coisa muito interessante nos pensamentos do Seth — prossegue. — Ele andou evitando se transformar por todos esses dias, hoje não teve escapatória. Agora entendi porque ele ficou cantarolando Backstreet Boys por umas três horas.

Ah droga, maldita telepatia. Será que eu não podia ter mais um dia de paz sentindo pena de mim mesma?

— Não é o que você está pensando — murmuro, cruzando os braços.

Jacob franze a testa. Eu conhecia essa expressão em seu rosto, ele estava irado e o pior não era isso, ele também estava chateado e preocupado. Com razão. Eu me superei na idiotice dessa vez.

— Então não se agarraram dentro do nosso banheiro? Você não traiu seu namorado? A mente do Seth que é muito fértil, certo?

Ouvir o nome do Seth e a palavra trair faz o meu coração latejar. Sinto uma sensação estranha de tontura seguida pela vontade de me sentar.

— Eu pensei que você fosse me entender — digo, dando de ombros e me sentando no sofá.

No novo ângulo percebo que Renesmee tinha dado meia volta e agora esperava no jardim nos dando uma certa privacidade, apesar de ter certeza que seu ouvido sobrenatural ouviria tudo.

A expressão de Jacob se amacia, seu queixo relaxa um pouco e sua respiração se torna mais calma. Ele me olha com afeto, os olhos escuros encontrando a minha alma. Esse mesmo olhar foi a única coisa que me tranquilizou nos meses que passei sem falar com ele quando fui embora. Achei que ele me odiasse mas então entendi que não havia como ele odiar alguém que ele olhasse assim.

Foi o suficiente para saber que eu estava perdoada.

— Se não quer mais ficar com o James eu entendo, se sente alguma coisa pelo Seth eu também entendo. Não tem problema Lia, eu apoio você. Mas você traiu e isso não tem como apoiar, o pior de tudo é que levou Seth pra essa confusão junto com você.

A culpa assola ainda mais a minha alma.

— Eu não estava pensando direito — admito.

Se ainda tivesse lágrimas para chorar eu choraria agora mesmo.

— Como acha que Seth vai se sentir te vendo com o James após isso? — ele indaga. — Dá pra ver que você não tem ideia de como um imprinting atinge alguém.

— E como eu saberia? — rebato.

Jake faz cara feia e me arrependo de tê-lo provocado.

— Eu te falei Merliah! — ele aumenta o tom de voz. — Te falei o que isso significava, te falei quais eram os riscos. Eu não obriguei você a dançar com ele, não te obriguei a passar um tempo com ele ou a se aproximarem. Foi uma escolha sua e unicamente sua.

Me lembro de todas as vezes em que eu o vi. Em todo o tempo que passei com ele e em todas nossas conversas. Percebi que eu ia atrás sempre, nem havia me dado conta até esse momento. Pra mim ele era como a luz e eu uma simples mariposa, eu sempre acabaria atraída pela sua áurea.

Era bom estar perto dele.

— Não pude evitar, eu... — engulo a seco o bolo que se formou em minha garganta. — Sinto alguma coisa. Gosto do Seth, gosto da sua companhia e ele é sempre tão compreensivo e alegre. James andava tão ocupado eu só... Pirei. Acho que essa é a resposta certa.

Jacob não se convenceu.

— Você não pirou Lia, você gosta dele. É simples. Mas isso não quer dizer que não goste do Jamie. O problema é que o que você fez é grave e foi escolha sua. Agora tem que arcar com as consequências.

Gostar do Seth — o pensamento me faz fazer uma careta.

— Não sei o que fazer — admito.

— Acho que sabe sim — Jacob diz e me encara por alguns segundos antes de dar de ombros. — Estou decepcionado com você.

Foi o suficiente para me destravar e fazer com que as lágrimas se fizessem presentes. Estava surpresa com minha capacidade de deixar todo mundo chateado com tamanha facilidade.

Passei o resto do dia sentada na sala, respondendo meu pai quando ele falava comigo, até que ele desistiu de manter uma conversa e foi até a casa dos Ateara. Isso me deu liberdade o suficiente para ficar andando pela casa tentando ocupar minha cabeça de alguma maneira, me recusando a pensar em como seria quando James finalmente voltasse pra casa.

Uma coisa era certa, eu não conseguiria dormir.

Tentei ouvir música, desenhar, ver um filme e até mesmo ler um pouco mas nada tirava da minha cabeça o corpo quente de Seth contra o meu, e anexado à essa lembrança vinha o sentimento de culpa que parecia fazer parte de mim à essa altura.

Meu pai volta pra casa tarde da noite, eu e ele comemos em silêncio e em seguida ele vai se deitar. Jacob não aparece, o que não era normal, ele dormia quase todas as noites em casa. Uma parte de meu cérebro atrela essa culpa a mim mas sou rápida em descartar isso, não precisava de mais nada pesando minha consciência.

Arrumo toda a cozinha, a sala e meu quarto e quando não há mais nada pra fazer tomo um banho. Me sento no sofá vestindo minha camisola, enrolada em uma manta enquanto encarava a tela da televisão. Passava um filme que eu nem ao menos sabia do que se tratava.

Devia passar da meia noite quando ouço o carro de James estacionando do lado de fora. Seus passos se aproximam, a fechadura faz barulho.

Sinto vontade de vomitar.

— Oi! — ele exclama assim que me vê. — Pensei que já estaria dormindo!

Demoro mais do que o normal para responder.

— Oi.

É tudo que minha boca conseguiu dizer nesse momento. Me ponho de pé.

James puxa sua pequena mala até a porta de nosso quarto. Seu cabelo pingava e suas botas ensopavam o chão, poderia brigar com ele por isso mas não fazia sentido. Nada mais fazia sentido. Ele se vira com seus olhos brilhantes me encarando e com um sorriso no rosto, ele estava feliz por me ver e isso doía.

Deixo ele me abraçar e me aproveito de seu calor e seu cheiro. Infelizmente aquilo não me tranquilizava mais.

— Jesse e Maggie mandaram um abraço pra você, eles querem que a gente volte lá na semana que vem — murmura com o queixo apoiado no topo da minha cabeça. — Acho uma boa ideia, você tem que conhecer o bebê deles! É a coisa mais linda do mundo.

Engulo o bolo na minha garganta.

— Por mim tudo bem — respondo mas minha voz sai muito estranha.

James se afasta, encarando meu rosto com atenção. Um vinco surge em sua testa.

— Lia, você está bem?

Assinto.

— Estou só cansada.

Consigo ver em sua expressão que ele não se convenceu com o que eu havia dito. Ele passa as mãos pelo cabelo molhado e se livra do próprio moletom.

— Você parece estranha... Está meio pálida na verdade — continua dizendo.

Ah droga, eu não podia fazer isso.

— Eu amo você, James — sussurro com a voz embargada.

Ele olha pra mim e não consigo mais segurar a angústia em meu peito, ela vaza pelos olhos espalhando gotículas salgadas pelas minhas bochechas. Meu cérebro dói de tamanha violência em que os soluços escapavam de minha garganta.

— Ei, o que aconteceu? — ouço James perguntar mas não tenho coragem de olhar pra ele. Seus braços me envolvem em um abraço de urso, nem ao menos tenho forças para abraçá-lo também. — Não precisa ficar assim...

Eu tinha todos os motivos do mundo para estar assim.

Me lembro de quando conheci James. De todos nossos encontros, risadas, sexo e até mesmo das brigas. Sempre foram por coisas idiotas, tínhamos o dom de nos comunicar, mas acho que tudo isso tinha ficado pra trás. Eu sentia que essa fase havia passado.

Eu o amava.

Com todo o meu coração, com todo o meu ser. O amava o suficiente para levar um tiro por ele, o amava o suficiente para deixa-lo ir se essa fosse sua vontade. Não podia mentir pra ele que esteve do meu lado em todos os momentos.

Não é justo com ele, muito menos comigo.

— Eu fiz uma coisa idiota, muito, muito idiota — admito, entre um soluço e outro.

O sinto ficar rígido contra mim e então se afastar.

— Como assim? — pergunta.

Faça isso Merliah, ele merece a verdade. Me obrigo a olhar em seus olhos.

— Foi um erro idiota, não devia ter feito isso Jamie — continuo, secando minhas lágrimas.

James dá outro passo pra trás, se afastando de mim enquanto sua expressão se tornava cada vez pior.

— O que foi, Merliah?

— Seth... — começo mas um soluço escapa da minha garganta.

Sua expressão permanece impassível.

— O que tem o Seth?

Meus lábios tremem, as lágrimas embaçam minha visão.

— Eu sinto muito — murmuro, estendendo as mãos pra ele que se afasta. — Me desculpa por favor.

— O que tem o Seth? — repete, suas mãos se fechando em punhos.

Não tenho noção de quantos segundos se passaram até eu conseguir proferir as palavras.

— Nos beijamos.

Espero que ele grite, que ele quebre alguma coisa, que chore. Espero uma reação mas tudo que recebo é o silêncio, tenho a impressão de que ele nem ao menos pisca. James respira profundamente algumas vezes, seus olhos me encarando sem emoção alguma, então dá de ombros e entra no nosso quarto.

Vou logo atrás.

Ele pega a mala que estava enfiada embaixo da cama com um pouco de dificuldade pelo quarto ser pequeno, sua mão vai direto pra mesa, pegando todos seus livros e colocando lá de um jeito estranhamente organizado.

— James — murmuro, querendo que ele olhe pra mim.

Não sei se ele não ouviu ou só me ignorou então repito.

— James.

Nada acontece. Ele acaba de organizar os livros e abre sua gaveta na cômoda, fazendo um bolo com as roupas e jogando dentro da mala de qualquer jeito.

Eu só observava.

Não conseguia reagir, não conseguia falar. Nada que eu fizesse o faria ficar.

— James! — grito, assim que ele coloca a mala no chão.

Ele olha pra mim e finalmente sua expressão continha alguma emoção, ódio.

— Vá pro inferno — grita de volta, passando por mim.

Suas mãos agarram a pequena mala que ainda estava na porta e ele começa a arrastar as duas em direção à porta.

— Eu sinto muito, por favor não vai embora assim — eu peço.

James para no meio do caminho e solta uma das malas que cai em um baque surdo. Não sinto alívio nenhum ao vê-lo se virar pra mim.

— E o que você quer que eu faça? — ele pergunta.

Que grite comigo, que fale que eu sou uma pessoa horrível e que nunca mais quer me ver. Quero que me magoe como eu te magoei.

— Quero que converse comigo — respondo, secando minhas lágrimas.

Ele dá uma risada sem humor nenhum.

— Você me traiu! — grita, apontando o dedo pra mim.

Estremeço ao ouvir a palavra trair.

— Foi um erro — digo, dando um passo a frente. — Estamos juntos há quatro anos e eu amo você, quero ficar com você pra sempre.

— É mentira — ele responde, simplesmente.

— James!

Ele passa a mão pelos cabelos, andando pela sala.

— Se fosse só um beijo sem importância, alguém aleatório num momento aleatório... Mas não foi! Aquele imbecil te olha como se você fosse a coisa mais bonita do mundo! — ele gritava a plenos pulmões agora. — Eu tentei me convencer de que não era nada, de que você não faria nada. De que me amaria o suficiente!

— Eu amo — o interrompo.

Eu não sei o que aconteceu comigo, as vezes acho que fui possuída por outra pessoa naquele momento. Não era normal, não era o meu comportamento normal. Eu não costumava estragar tudo dessa maneira.

— Mas gosta dele.

— Você só pode estar maluco! — murmuro, cruzando os braços.

James revira os olhos.

— Quando mente pra mim só está mentindo pra si mesma.

— James, por favor... Quero ficar com você, sempre quis e sempre vou querer.

Ele me ignora e dá de ombros, agarrando as malas novamente.

— Não quero mais ouvir você — sussurra. — Eu vou pra casa.

— E nós?

Seus olhos se encontram com os meus e parte meu coração ver que o ódio havia sumido. As lágrimas ameaçavam escorrer por seu rosto.

Desvio o olhar, não querendo manter essa imagem comigo.

— Não tem mais nós Merliah, não tem mais nós desde o momento em que decidiu beijar aquele cara.

— Eu faço qualquer coisa — peço, minhas próprias lágrimas invadindo minha boca conforme caíam nesse ritmo descontrolado.

— Não quero nada de você porra! — grita. — Só... cala a boca. Eu achei.... Achei que íamos ficar juntos para sempre, eu contava com isso. Eu acreditei em você, acreditei na gente. Mas parece que tudo que eu fiz foi desperdiçar quatro anos da minha vida.

— James...

Ele ergue a mão, pedindo que eu pare. Silencio a minha voz, tendo noção de que não havia nada a ser feito agora.

Tudo tinha acabado. Eu não podia nos salvar.

— O sonho acabou — ele decreta. — Se precisar pegar alguma coisa comigo é só me ligar mas só faça se for pra isso, não quero saber das suas desculpas.

Deixo ele ir. O vazio que sinto ao ouvir o motor do seu carro se afastar destroça meu peito, me deixa sem ar, a culpa doía dentro de mim.

Eu precisava de ar.

— Merliah? — ouço meu pai chamar da porta de seu quarto.

Sua voz estava calma mas eu não queria conversar agora.

O ignoro e saio de casa em passos firmes, seguindo para qualquer lugar que não fosse aquela sala minúscula. O vento estava extremamente frio assim como a água da chuva, em menos de cinco minutos eu estava batendo queixo embaixo de uma árvore. Era dentro da floresta mas não o suficiente para me perder.

Sinto a terra úmida em meus pés descalços.

— Lia? O que está fazendo aqui?

É claro que ele apareceria!

— Lia? — Seth insiste.

— Vai embora — respondo.

— O que foi?

— Eu disse para ir embora!

Seth entra no meu campo de visão, o cabelo molhado grudado em sua nuca. Vestia somente uma bermuda mas parecia confortável com o frio, diferente de mim.

Ainda estava lindo, como sempre.

Me odeio mais ainda por sentir aquela queimação em meu peito de novo.

— Eu vou se me disser o que está acontecendo.

— Ele foi embora — explico, me rendendo à sua proposta. — James.

— Eu sinto muito — ele murmura.

— Não sente — rebato.

— Eu vou te deixar em casa. Está frio aqui, você pode ficar doente.

Desvio de seu toque.

— É tudo culpa sua! — eu grito.

Ele se afasta, seus olhos ficando tristes conforme as palavras saíam da minha boca.

— Minha?

— Essa merda de imprinting estragou a minha vida, Seth! Você não percebe? Eu magoei quem eu mais amava no mundo! Quem mais confiava em mim, isso não é certo! Eu odeio isso, odeio essa merda de sentimento que cresce no meu peito toda vez que te vejo!

E agora eu magoava você. Isso me puniria o suficiente.

Não posso me permitir a sentir nada minimamente bom depois de estragar tudo com o James desse jeito. Ele estava certo, eu fiz ele perder quatro anos de sua vida comigo, fiz ele me amar e depois destruí tudo.

— O que quer que eu faça? — ele pergunta.

Lembro de mim mesma há alguns minutos atrás falando à James que faria qualquer coisa para que ele me perdoasse.

— Eu não sei — respondo, desviando o olhar.

— Se quiser que eu vá embora eu irei. Farei tudo o que você quiser Lia, meu propósito nesse mundo é te fazer feliz — ele diz, fazendo meu coração doer cada vez mais. Como não respondo ele acrescenta: — Isso deixaria você feliz?

Não. Não me deixaria nem um pouco feliz mas o que eu poderia fazer?

— Sim — respondo. — Vá embora Seth, me deixa em paz. Não quero mais ver você.

Não olho pra trás pra ver sua reação, somente ouço o barulho de seus pés se afastando.

Eu não sabia que um coração poderia se partir duas vezes em uma mesma noite.



"Eles não podem
roubar o amor que
você nasceu para encontrar."

Música: Be Alright - Dean Lewis.

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