10 | Tentação

"E estou chegando mais
perto do que jamais pensei
que poderia e eu não posso
mais lutar contra esse sentimento."

——————

Merliah

JAMES VIAJOU HOJE CEDO, foi pra Seattle ver a prima que acabou de ganhar um bebê. Deve voltar em dois dias, talvez três. Não queria que ele tivesse ido, queria que ficasse aqui comigo. Queria que me beijasse e me olhasse como se eu fosse a pessoa mais importante do mundo pra ele, que me tocasse com desejo, cada parte do meu corpo, até eu arder almejando mais que tudo seu contato. Queria que ele me encurralasse contra a parede, abrisse minhas pernas e me fizesse sua.

Tudo isso para fazer com que eu me esqueça do maldito sorriso de Seth Clearwater.

Após a noite de sábado não consegui dormir. Meu coração dava cambalhotas toda vez que me lembrava de nossos corpos molhados dançando no ritmo dos tambores. Ele era tão quente. Pela primeira vez em muitos anos eu senti vontade de beijar alguém que não fosse James, senti vontade de deixar a boca de outra pessoa me explorar até mesmo nas partes mais íntimas. Senti vontade de tocar alguém em lugares que não deveria tocar.

Isso estava me deixando maluca.

Seth agora parecia perturbadoramente tentador pra mim. Não sei exatamente o que mas algo havia mudado. Talvez ter seu corpo grande e seu cheiro gostoso por perto tenha mexido com minhas emoções, talvez eu só esteja carente após a total falta de interesse de James em passar um tempo de qualidade comigo. Só pode ser isso.

Seja lá o que for precisa parar agora mesmo.

No momento acho bom que James esteja fora, ele não me faria companhia de qualquer maneira mas estaria na mesma casa, o que me faria sentir ainda mais culpada por arder por outra pessoa que não fosse meu namorado. Assim como o domingo onde literalmente passei o dia escondida na praia tentando evitar qualquer companhia.

Deu certo. Felizmente.

Desisto de ter pena de mim mesma e me levanto. Já passava das duas da tarde, Jacob e papai saíram há alguns minutos para o primeiro dia de fisioterapia. Ambos pareciam bem animados o que me intrigou em certo ponto, eles raramente ficavam empolgados com algo.

Decido parar de pensar e tentar ocupar minha mente e nada melhor pra isso do que cozinhar. Usar a faca faria com que eu me preocupasse em não perder um dedo e deixar as fatias bem iguais, acho que era trabalho o suficiente para me fazer ignorar a existência de Seth por alguns minutos.

Abro a geladeira e vasculho todos os compartimentos tentando ter uma inspiração para cozinhar.

Opto por fazer peixe cozido, algumas batatas gratinadas e até mesmo um pão fresco. Iria demorar então seria ótimo. Tiro as cenouras e as batatas da geladeira e coloco o peixe dentro d'agua para descongelar.

Faço careta enquanto olho pra ele, eu não sabia como cortar a cabeça ou me livrar dos espinhos mas bom... Eu teria que aprender. Espero só não matar ninguém engasgado ou algo do tipo. Seria péssimo.

Havia descascado duas cenouras quando ouço duas batidas na porta da frente. Meus olhos se arregalam um pouco ao perceber que era Seth. Ah meu Deus, o que ele estava fazendo aqui?

Largo a faca relutantemente e respiro duas vezes antes de ir até a porta.

— Oi.

Seth sorri, seus olhos ficando pequenininhos. Ele vestia uma camiseta branca e justa que deixava seus ombros a mostra, um jeans e botas. O cabelo comprido estava preso pra trás.

— Oi Lia, tudo bem? — ele pergunta.

Assinto, ignorando seu cheiro que vem até o meu nariz. Desde quando eu sentia o cheiro dele?

— Hm, claro — murmuro, assentindo de novo. — Tudo sim, eu acho.

Ele ergue uma das sobrancelhas.

— Não senti muita veracidade.

Pigarreio e ajeito minha postura, levantando um pouco o nariz.

— Está tudo ótimo — repito.

Seth dá risada.

— Vim trazer o almoço — ele diz.

— Almoço? — indago. — Eu não pedi almoço.

— Bom, alguém pediu. Pelo menos é o que diz nessa comanda aqui.

Ele ergue o pequeno papel branco até a altura de meus olhos, nele está escrito em tinta vermelha: "Merliah. Entregar na casa dos Black." Franzo o cenho, aposto que tinha sido meu pai ou o Jacob com essa mania se sempre pedir comida, dois imprestáveis que não sabiam cozinhar.

— Eu já estava cozinhando — falo, mesmo sabendo que não ia adiantar nada.

— Pode guardar pra comer mais tarde então — rebate, colocando a sacola de papel na minha mão.

— É, posso.

Me sentia sentia estranha agora, um pouco travada. Estática. Seth não percebe.

— Acho que é só isso. Até mais.

O observo descer as escadas e andar calmamente até metade do meu jardim. Então o chamo:

— Seth?

Ele se vira imediatamente.

— Oi.

Respiro profundamente. Não faça isso Merliah — eu tento me aconselhar mas me ignoro numa rapidez invejável.

— Vai fazer alguma coisa agora? — pergunto e me arrependo em seguida.

Seth dá alguns passos em minha direção.

— Na verdade você foi minha última entrega.

Ignoro o fato de ter me arrependido e continuo.

— Não quer me ajudar...? — convido e percebo sua expressão então acrescento: — A fazer o almoço?

Ele acha estranho o meu pedido. Percebo isso pois sua boca se repuxa um pouco nos cantos e suas sobrancelhas tremem querendo se erguer.

— Você precisa de ajuda pra fazer o almoço? — indaga, a voz hesitante.

Ele também sabia que era um péssima ideia.
Assinto com a cabeça.

— Preciso sim.

Seth assente de volta.

— Tudo bem.

Andamos lado a lado até a cozinha enquanto duas partes de mim discutiam dentro da minha cabeça. Respiro fundo e tento silencia-las.

— Vou cortar o peixe e você pode... — olho em volta, procurando alguma coisa. — Cortar essas cenouras. Em rodelas.

Ele assente e tira outra faca de dentro da gaveta. Tento ignorar sua presença atrás de mim e me focar em partir o peixe, corto o rabo e agradeço por pelo menos ele estar sem escamas, não teria ideia de como tira-las.

— Vejo que não pegou um resfriado — Seth diz, ouço o barulho ritmado da faca contra a tábua de madeira.

Cutuco a cabeça do peixe.

— Resfriado? — indago.

Seguro firme e forço a faca, acho que assim talvez a cabeça saia.

— É, você estava tão molhada no sábado.

Meu rosto queima espalhando um calor por todo meu corpo, a faca escapa e bate em meu dedo. Faço careta.

Agora ele estava falando coisas de duplo sentido? Pelos deuses, que merda eu estou fazendo? Seth não falou desse jeito Lia — repito em minha cabeça, eu sei que não falou.

Respiro profundamente antes de responder.

— Foi uma sorte mesmo.

Ficamos em silêncio, Seth continuava seu trabalho numa velocidade invejável enquanto eu encarava o peixe morto na minha frente.

— Leah faltou o festival — ele diz, sem parar o que estava fazendo. — Minha mãe está bem chateada mas não sabe o que fazer, não quer dizer nada que dê a entender que é culpa da Alex.

— Mas ela acha?

— O que?

— Que é culpa da Alex.

— Não, claro que não. Leah nunca gostou muito na verdade, ela não sabe dançar.

Assinto. James também não sabia, fugiu da dança como o diabo foge da cruz. Ou talvez ele tenha um problema com suas crenças — minha cabeça tenta me envenenar. Faço careta.

— Dançar não parece ser um problema pra você — admito.

— Gostou do gingado né?

Tanto eu quanto ele damos risada.

— É, eu gostei.

— Você também dança bem.

— Obrigada — eu digo, fazendo uma marcação de onde eu deveria cortar a maldita cabeça. — Eu dançava muito quando era criança.

— Acho que eu me lembro, uma vez você rodopiou por dois minutos direto e caiu no lago.

Dou risada. Era festa de aniversário da Kate e mamãe me obrigou a ficar comportada enquanto ela se arrumava, eu e Seth fomos pra perto do lago e então o desastre aconteceu.

— E eu fiquei puta com você por não ter ido me ajudar — completo.

Ele ri.

— Eu estava de terno e minha mãe disse que se eu me sujasse ela ia me matar. Sou obediente.

— É — concordo.

O silêncio se instala de novo e me concentro no meu trabalho, posiciono a faca, agora só faltava colocar força o suficiente.

— Gostei de ontem a noite — ele diz.

Meu coração arde e seu cheiro vem até mim novamente, mesmo com todo o aroma de peixe me rondando. Ah mas que droga!

— Seth acho que você deveria ir — digo, com a voz firme, sem nem olhar pra trás.

Consigo ouvir ele largar a faca.

— Algum problema?

Nego com a cabeça.

— Não eu só... — não consigo terminar a frase.

Forço a faca contra a cabeça do peixe e ela solta, só não percebi que meu dedo estava logo embaixo dela.

— Lia!

— Ah merda! — exclamo, vendo a quantidade de sangue começar a se tornar alarmante. — Merda, merda, merda, merda.

Antes que pudesse me mexer Seth aparece ao meu lado. Ele abre a torneira da pia e enfia minha mão lá embaixo. Conseguimos ver o corte com mais precisão e percebo que é bem fundo. Pelo amor de Deus de onde saiu essa falta de jeito? Eu fazia comida quase todo dia!

Seth faz careta.

— Ah mas que merda Lia!

Ele sai correndo para algum lugar enquanto eu tentava ignorar a dor lancinante que crescia cada vez mais no meu dedo. Meus olhos se enchem de lágrimas mas me recuso a chorar como uma criança.

— Porra, tá doendo pra caralho — me lamento, esperando que ele saiba o que fazer.

Felizmente ele sabe. Seth aparece com um pano de prato e envolve meu dedo.

— Vem, vamos limpar — ele murmura, sua mão quente pressionando meu ferimento trazia uma sensação gostosa.

Seth me guia até o banheiro e pega algumas coisas no armário enquanto eu deixava minha mão embaixo d'água de novo. Tinha algodão, gazes, um remédio roxo e fedido e esparadrapo.

Ele envolve meu dedo com um pouco de algodão e manda um me sentar na bancada da pia. O obedeço.

E então ele dá uma risadinha.

— Não acredito que talhou seu próprio dedo — provoca.

Faço cara feia.

— Acredite quando digo que não costumo fazer isso.

Ele levanta o algodão e analisa meu dedo com cuidado, saía menos sangue agora. Seth assente para si mesmo.

— Vou cuidar disso — ele diz.

Ergo a sobrancelha.

— Você?

— Não tem ideia de quantas vezes quase já perdi a mão. É complicado ter coisas afiadas perto de você quando se tem tanta força.

Assinto. Fazia sentido pra mim. Contanto que meu dedo continuasse sendo uma parte útil do meu corpo eu ficaria feliz.

— Isso vai doer um pouco então respira fundo e tente se concentrar em outras coisas.

O obedeço e começo a respirar profundamente enquanto ele pingava o líquido estranho no ferimento. Ardia um pouco mas ouvir sua respiração ritmada e sentir seu calor me deixavam um pouco mais tranquila.

Meu olhar se perde em seu rosto conforme ele falava. Uma mecha fina de seu cabelo escapou do rabo de cavalo e caía com elegância, grudando no pouco suor que havia em seu pescoço. Pescoço esse descoberto, o pomo de adão subia.

Foco em seus detalhes. Os olhos bem escuros concentrados na minha mão, o nariz perfeito, uma quantidade rala de barba em seu queixo, seus lábios mexendo de uma maneira extremamente provocante pra mim. Ele passa a língua no lábio inferior e me olha, me dando um sorriso que tentava passar algum conforto.

Meu corpo arde, meu coração arde. Queria toca-lo. Por Deus, como eu queria. Será que é isso que o imprinting nos faz sentir? Se fosse, como ele consegue ficar tanto tempo perto de mim sem cometer uma loucura?

— Seth, você tem que ir — murmuro, tentando soltar meu próprio dedo.

Meu coração batia tão rápido que nem ao menos conseguia sentir dor.

— Estou quase acabando — é o que ele responde sem nem olhar pra mim.

— Eu posso me virar, ok?

Sei que ele esta fazendo careta mesmo estando com o rosto abaixado.

— Você não sabe nem cortar um frango, quem dirá se virar com um dedo talhado — ironiza.

Reviro os olhos.

— Não está tão ruim.

— Você sabe que isso é mentira — ele insiste e lança um sorrisinho na minha direção antes de voltar ao trabalho.

Por Deus eu queria beija-lo. Queria fazer carinho no seu cabelo e contar coisas engraçada até ele se contorcer de tanto gargalhar. Eu adorava o sorriso dele e o modo como seus olhos ficavam pequenos conforme suas bochechas subiam.

Esse pensamento que enche de ira.

— Isso é tudo culpa sua! — grito.

Seth se assusta com minha reação, ele solta meu dedo e eu aperto a gaze para impedir que ela caia.

— Culpa minha? — indaga.

Ele estava tão lindo. Eu queria que ele fosse embora.

— É, você me desconcentrou — digo e só então percebo que admiti parte do poder que ele tinha sobre mim.

Sua expressão era de nítida confusão.

— Você me chamou pra ajudar! — exclama, um tom mais alto do que antes.

— Eu... — Respiro fundo, pensando no que falar. — Só queria um tempo com você mas acho que foi uma péssima ideia. Na verdade todo o tempo que passamos juntos foi uma péssima ideia.

Seth fica mole, erguendo as mãos um pouco pra frente do corpo como se estivesse se defendendo de um golpe. O que eu disse foi gratuito e ele sabia que não havia feito nada para merecer essas palavras.

— Você é completamente maluca!

— Sai daqui Seth!

— Ou o quê? — grita de volta dando um passo pra frente.

Sinto seu hálito quente em meu rosto. Seu cheiro inebriante me cerca completamente e perco qualquer força que tinha para resistir.

Me inclino pra frente, apoiando minhas duas mãos em seus ombros e finalmente junto seus lábios aos meus. É quente, tão quente. E bom. Ele não luta contra isso somente cola seu corpo no meu enquanto devorava minha boca com mais avidez do que eu esperava, podia sentir que não era só eu que estava esperando esse momento.

Seus dedos correm por meu corpo se demorando em minha coxas descobertas por conta do vestido. Sentia ele entre minha pernas, sentia meu ventre coçar e minha espinha se arrepiar com seu toque.

Seguro seu pescoço não querendo que ele se afaste, explorando sua boca com minha língua, sentindo seu gosto que era melhor do que eu havia imaginado. E por Deus, como eu havia imaginado! Seth Clearwater chegou de mansinho e em alguns segundos conseguiu mudar tudo. Eu precisava dele.

Arfo quando ele coloca sua mão quente sobre meu seio. Nossos lábios se desencontram, ele beija meu pescoço enquanto eu tentava não escorregar pra dentro da pia.

Levo minha mão para o botão de sua calça. Precisava dele, precisava dele de verdade, dentro de mim. Eu estava pronta pra isso eu... Eu... Eu tinha namorado.

Empurro Seth, sentindo a culpa invadir cada célula do meu conto.

Ele me olha. Os cabelos bagunçados, os olhos escuros perdidos, seu peito subindo e descendo num ritmo descompassado, o zíper de sua calça aberto. Ele o fecha e sua expressão ganha um tom decepcionado, a realidade estava o atingindo assim como me atingiu, e machucava.

— Eu tenho namorado — murmuro, minha voz parecia prestes a falhar.

Seth assente e dá de ombros.

— Eu sei.

Antes que pudesse dizer mais alguma coisa ele sai do banheiro, me deixando ali com meus pensamentos. No momento não consigo imaginar nenhum lugar pior para se estar.

Me apresso em ir atrás dele mas o encontro no exato momento em que ele saltava no ar. Sua roupa assim como seu pele se rasgando numa explosão que resultou em um lobo cor de areia correndo em direção à floresta.

Um uivo corta o ar.

Faz meu coração doer. Meu Deus o que eu havia feito? Eu magoei Seth com minha ação equivocada, me magoei deixando meus instintos falarem mais alto e principalmente... Magoei à James.

Sento no sofá sentindo minhas lágrimas escorrerem pelo rosto e me odeio mais ainda por só conseguir desejar que Seth voltasse e me perdoasse.

Não era à ele que eu devia implorar o perdão.


O que vocês acham que vem agora? Deixem um comentário!
Espero que tenham gostado :D
Música: Can't Fight This Feeling - REO Speedwagon.

Demorei pra atualizar porquê fiz uma pequena viagem, perdão pela demora!

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