09 | Mágica

"Cada pequena
coisa que ela faz é mágica,
tudo que ela faz me acende."

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Seth

O FESTIVAL DE VERÃO É UM MARCO. Desde os primórdios dos Quileutes nossa tribo realizava essa comemoração, quando o clima começava a esquentar e o solo se tornava mais receptível à plantações era época de comemorar. Nós oferecíamos aos deuses iguarias, agradecíamos por termos nosso alimento e pedíamos para que nosso cultivo fosse produtivo.

Nossa tribo costumava dividir as estações somente em Verão e Inverno. O Inverno nos seis primeiros meses do ano e o Verão nos seis últimos, a comemoração acontecia na virada de um para o outro.

A reserva estava lotada de turistas, muitos deles tiravam várias fotos e filmavam alguns de nós que estavam vestidos a caráter. Minha mãe estava sentada cercada por pessoas enquanto contava algumas lendas, ao seu lado Sam Uley, que parecia se divertir vendo a reação das crianças do grupo.

Continuo seguindo em direção ao terreno dos Ateara. Eles moravam mais perto da praia então disponibilizaram sua terra para que montássemos a fogueira. Aposto que lá estaria ainda mais lotado.

Então sinto o cheiro dela.

Me viro, a vendo andando em minha direção. Seu cabelo escuro estava enrolado nas pontas, dessa vez não estava com a frente presa, estava completamente solto. Nunca havia a visto assim. Merliah vestia um vestido branco e rodado que ia até abaixo dos joelhos, tinha uma fenda na barriga que a deixava exposta, vestia também um casaco de lã da mesma cor e não calçava nada nos pés.

Percebo a pintura típica da tribo em seu rosto. Estava linda.

— Oi — ela diz, exibindo seu sorriso perfeito. Por um segundo eu podia jurar que esqueci como se respirava. Droga! Eu tinha que aprender a me controlar.

— Oi, onde está o James? — é a primeira coisa que sai da minha boca. Me arrependo de ser tão direto, acho que agora ela sabia que eu desejava mais do que tudo não ver a cara dele.

— Se arrumando eu espero.

Assinto, tentando manter minha expressão indecifrável. Espero que tenha funcionado. Os olhos escuros de Merliah me encaram e se mantém presos aos meus por mais tempo que eu achava necessário mas agradeço mesmo assim. Sua pele nessa luz reluzia como cetim e eu conseguia sentir seu cheiro com precisão, o que fazia meu lobo uivar, não queria demonstrar meu desespero para toca-la encarando seu corpo.

— Você está bonita — é o que eu digo depois de alguns segundos de silêncio.

Ela sorri de novo, faz meu coração arder, me arrependo de tê-la elogiado.

— Obrigada Seth, você também!

— É, oi pra você também — murmura Jacob me fazendo notar não só sua presença como a de Renesmee e Billy.

A confusão no meu rosto é clara.

— Ah, oi! — exclamo, meu rosto ardendo de vergonha. — Eu não vi vocês aí.

— Eu percebi — Jacob provoca.

Ele e Nessie dão risada enquanto Billy somente revira os olhos. Não sei se ele já sabia do imprinting, eu esperava que não, não queria mais alguém me achando um idiota.

— Vem, vamos falar com o Koda — diz Renesmee e dá uma piscadinha conspiratória pra mim.

Jacob a segue de bom grado, exibindo um sorrisão conforme se afastava. Encaro Merliah que parecia um pouco sem graça, viramos nossa cabeça em direção à seu pai ao mesmo tempo.

Ele percebe o que o olhar quer dizer. Bom, pelo menos o meu olhar.

— Tudo bem, vou atrás da sua mãe — ele diz olhando pra mim e depois de vira para Lia. — Juízo crianças.

Dou risada, achando engraçado o modo como ele havia falado. Merliah ri também.

— Ele falou do mesmo jeito que costumava falar quando tínhamos dez — digo enquanto começávamos a andar pela praia.

— Do mesmo jeito que falou comigo hoje de manhã! — ela concorda, balançando a cabeça.

Ficamos em silêncio, o vento vinha em nossa direção mas não chega a ser gelado. As diversas fogueiras espalhadas pela praia, todas as barracas de comida, pessoas e a iluminação impediam qualquer um de sentir frio. Merliah estava com um casaco fino e mesmo assim parecia confortável.

Porém só nesse sentido ela estava bem, em outros nem tanto. Uma energia estranha exalava dela, um peso que eu não conseguia compreender. Sentia que ela estava tensa, preocupada, pensando muito em alguma coisa.

— Você... está bem? — pergunto.

Ela fica um pouco surpresa.

— Claro. Por que a pergunta?

— Não sei — admito. — Sinto que tem alguma coisa errada.

Suas sobrancelhas se erguem, se escondendo atrás da franjinha escura que cobria sua testa.

— Essa história de imprinting está começando a me assustar.

Sorrio.

— Te garanto que nada assusta mais do que o momento em que acontece.

Ela assente pra si mesma, encarando seus pés enquanto anda.

— Não quero encher sua cabeça com meus problemas, Seth.

Não tem mais espaço na minha cabeça pois cem por cento do meu cérebro estava ocupado com imagens dela.

— Gosto de ouvir você, pode falar — a incentivo.

— É o James — murmura, cedendo.

Só podia.

— O que ele fez?

— Nada. Esse é o problema. Sabe, eu entendo que ele tenha que trabalhar mas todo o tempo que ele tem de sobra é gasto no seu projeto. E eu também entendo que é importante e que ele precisa disso pra se formar mas... são seis meses. Ele tem seis meses pra concluir. Precisa mesmo usar todo o tempo livre pra isso?

— Eu não sei bem o que dizer — admito.

Na verdade eu queria falar mal dele mas seria gratuito demais.

— Não tem como resolver. É a primeira vez que ele vem aqui, queria leva-lo à praia, saltar do penhasco, ir nos restaurantes e nas lojas de artesanato. Queria bater fotos e pintar com ele. Queria acender uma fogueira e ouvi-lo tocar violão, mesmo ele fazendo isso muito mal.

Os olhos de Merliah brilhavam conforme ela dizia isso, um brilho lindo e que me parecia tão apaixonado. Não consegui desviar os olhos mesmo doendo no fundo da minha alma saber que ela nunca me olharia desse jeito. Meu coração doeu, quis dar de ombros e me esconder no meu quarto.

— Devia falar com ele — sussurro, olhando para meus sapatos que afundavam na areia acizentada da praia da reserva.

— Eu nem mesmo sei se ele vai vir hoje.

— É importante pra você, tenho certeza que ele virá — digo, ele não é louco de faltar e magoar a Lia. Um passo em falso e era capaz de eu arrancar a cabeça dele.

Merliah assente, se abraçando quando o vento corta nosso caminho. Seu cheiro vem até mim fazendo meu lobo me arranhar de dentro pra fora querendo contato. Era quase doloroso. Quase.

— Eu costumava achar que esse lugar era mágico — ela começa assim que chegamos em frente a barraca de milho. Emily Uley acena para nós que respondemos com um sorriso. — Que tudo aqui falava com a gente, as plantas, o mar, os ventos.

— Acho que tudo isso só ficou mais forte depois que seu irmão virou um bicho gigante, certo? — brinco.

Ela dá risada, franzindo seu nariz perfeito.

— Certo — concorda. — Só queria que ele sentisse o mesmo que eu sinto quando ando por aqui.

— Posso me transformar na frente dele se isso ajudar.

Merliah abre a boca em um "O" perfeito e bota sua mão no peito.

— Nem brinca com isso!

— Tudo bem, ideia descartada — respondo com um biquinho. Não seria nada mal dar um susto nele.

O sorriso de Merliah aos poucos desaparece e ela me encara com seus olhos escuros.

— Acho que não quero voltar.

— O quê? — pergunto, sem entender.

— Pra Nova York. Não quero voltar pra Nova York.

Prenso minha boca em uma linha reta.

— Devia pensar direito sobre isso.

— É, você está certo, se pelo menos... — ela começa.

Sinto o cheiro que mais me faz sentir raiva desde que essa merda de imprinting aconteceu. Levanto o olhar, focando em James andando na direção de Merliah. Ele estava vestido de creme... cor creme. Sério mesmo? Será que ele não sabia a diferença de branco pra creme?

— Suas preocupações podem esperar — murmuro, desviando o olhar.

É doloroso demais quando eles se beijam. Ouço o breve estalo.

— Achei que... não fosse vir — ela admite.

— É importante pra você então é importante pra mim — James diz. Ele é um cara inteligente. — Oi Seth.

— Oi — respondo, erguendo minha mão. — Vou atrás do Quil, vejo vocês mais tarde.

— Na fogueira? — Lia pergunta com um sorriso.

Não consigo evitar em sorrir de volta.

— Claro, eu não perderia por nada.

A noite ocorre como o previsto, todas as barraquinhas vendendo nossas comidas típicas estavam se saindo muito bem, a música enchia meus ouvidos e até mesmo o tempo parece ter dado uma folga. Os garotos estavam eufóricos, principalmente Dehani e Lucas, eles não conseguiam parar de falar que Maya e Koda sumiram em algum lugar na floresta.

Fofocamos por muito tempo como um bando de velhinhas, essa era uma parte boa em ser o terceiro no comando. Como Jake e Leah estavam sempre ocupados com seus respectivos imprintings eu acabava passando mais tempo com a matilha, era bom falar com eles e ocupar minha cabeça. Deixar de pensar em Merliah. Mas nunca durava muito afinal o cheiro dela estava em todo o lugar.

Após Quil ganhar a competição e devorar dez cachorros quentes em tempo recorde ouvimos os tambores tocarem duas vezes, cada uma delas representando uma estação do ano. Nesse momento até mesmo os garotos saem de perto para procurarem seus respectivos pares, eu odeio essa parte, desde quando minha mãe se casou com Charlie eu danço com a Leah. E por sinal não estou vendo ela em lugar algum.

Quil estava tagarelando alguma coisa quando pus meus olhos em Merliah, ela estava sozinha e cruzava a fogueira vindo em minha direção. Seu cabelo voava assim como seu vestido branco, se ajustando em suas curvas, era tão linda que revirava meu estômago.

— Oi — ela diz com um sorriso esquisito, parando bem na minha frente.

— Oi.

— James foi embora, pra casa, precisa acordar cedo amanhã.

— Entendo — respondo, assentindo.

— O que está fazendo?

— No momento ele está aqui comigo — é Quil quem responde, erguendo uma de suas mãos.

Os olhos de Merliah se arregalam um pouco quando percebem que ele estava parado ao meu lado. Droga, até eu mesmo me esqueci que ele estava ali.

— Ah, oi Quil! Não tinha te visto aí.

Ele franze o cenho.

— Eu percebi.

— Por que não vai atrás da sua mãe? — sugiro, querendo me livrar dele. — Aposto que ela quer um par pra quando a dança começar.

— Talvez Merliah dance comigo — ele sugere com um sorriso maligno.

Meu lobo uiva, o encaro com ódio o suficiente para fazer sua cabeça explodir.

— Tchau Quil — resmungo.

Ele olha para mim e pra Merliah duas vezes então dá risada e se vira.

— Tchau gente.

Nós nos olhamos por um momento, ambas as bocas entreabertas querendo dizer alguma coisa. Espero ela dizer primeiro mas não acontece, decido tomar atitude.

— Então... — dizemos no mesmo momento.

Ela sorri pra mim e eu sorrio pra ela.

— Pode falar — a incentivo.

— Faz muito tempo que não participo dessa festa e não me parece certo ir embora sem completar a tradição então... Não gostaria de dançar comigo? — Lia pergunta.

Se eu gostaria? Meu Deus tudo que eu mais queria era isso. Eu queria tanto que chegava a ser ridículo.

Estendo minha mão pra ela.

— Eu ia fazer a mesma pergunta.

Merliah me solta, dando alguns passos pra trás e se posicionando junto com as outras garotas em uma fila. Me posiciono também, vendo Sam ao meu lado com uma careta no rosto, ele não era um bom dançarino mas eu era.

Fizemos nossas orações em silêncio e em seguida gritamos palavras que traziam prosperidade para os próximos seis meses.

Ataki Levi começa a cantar em nossa língua nativa, os tambores a acompanham enquanto os que assistiam imitavam uivos. Olho para Merliah que sorri com o canto da boca antes de começarmos com nossos passos de dança.

Seguro sua mão enquanto girávamos e íamos de uma lado para o outro, nossos pés descalços pisando na grama úmida do terreno dos Ateara. Meu coração batia rápido, sentir seu cheiro rodopiando a minha volta era eletrizante. Seu corpo quente sempre entrava em contato com o meu, ela sorria pra mim de um jeito que me fazia esquecer como respirar.

Encosto minha mão na sua, nossos rostos à poucos centímetros de distância. Conseguia sentir sua respiração quente. Os tambores param e só então percebo que a música havia chegado ao fim. As pessoas aplaudem e logo as imitações de uivos voltam a encher nossos ouvidos.

Merliah sorri pra mim, um sorriso cúmplice, então dá um passo pra trás e uiva também. Dou risada de sua péssima imitação mas faço o mesmo, não ficou tão bom quanto o meu lobo.

Aos poucos as pessoas se afastam. Estendo minha mão pra ela, não querendo parar de dançar agora. Lia sorri e pega minha mão, se aproximando de mim e recomeçando a dança. Dessa vez não era nada que nos faria perder o fôlego.

— Por que faz isso? — ela pergunta.

— Como assim?

— É legal comigo. Não se importa em ficar perto, não se importa em conversar.

— O que eu deveria fazer?

Merliah ergue as sobrancelhas, provavelmente não estava esperando essa pergunta.

— Ficar longe? — sugere.

Ah, isso seria doloroso demais. Mas então uma preocupação me atinge...

— Você quer que eu fique longe? — pergunto, meu coração doendo por um segundo.

— Não! — ela é rápida em responder.

— Então não vou à lugar nenhum.

— Por que?

— Esse é meu destino, é pra isso que eu vivo — explico. — Os deuses me abençoaram com um presente, sou um metamorfo, posso viver o quanto desejar e tenho força para proteger à mim e a muitos. É um dom. E isso — ele aponta para nós — é um presente. Uma ligação eterna e inquebrável. Pode não ser do jeito que eu queria que fosse e admito que as vezes me irrita pensar nisso mas ainda é alguma coisa. Nasci pra isso, não posso faze-la feliz mas posso me assegurar de que seja feliz. É o suficiente. Quero que você seja feliz.

Merliah sorri, seus olhos brilhantes me encaram. Ela parecia emocionada com o que havia falado. Vejo um sorriso surgir em seus lábios cheios, seus dentes perfeitos cintilavam, as pintinhas em seu rosto se tornaram adoráveis à luz da fogueira.

Queria tocar seu rosto mas forço minha mão à se manter onde está.

— Isso... É muito bonito.

— Os deuses sabem o que reservam pra cada um de nós. Devemos confiar, ter fé. Tudo dará certo, tenho certeza.

— É uma mudança drástica — ela murmura.

— Decidi que estou cansado de desejar o que não posso ter. Preciso me conformar, me contentar e me esforçar pra fazer disso a melhor experiência possível. Talvez no final disso tudo sejamos ótimos amigos e faremos churrasco junto com nossas respectivas famílias.

Como irmãos — penso. E o pensamento me incomoda.

— Jacob me disse que não conhece alguém que sofreu imprinting e não ficou com seu par.

— Pra tudo tem uma primeira vez, certo?

Algo em seu rosto se apaga por alguns segundos.

— Certo — é o que ela diz, desviando o olhar e afundando seu rosto em meu peito ainda no ritmo da música.

Então ouvimos o grito de uma criança, não um grito de medo mas sim de surpresa. As gotas grossas de chuva começam a atingir meu cabelo, a água estava bem gelada por sinal.

Lia dá risada, virando seu rosto pra cima e botando a língua pra fora enquanto todos saiam correndo após ouvir um trovão. A luz da fogueira se apaga, só consigo ver o que estava iluminado pela lua.

As pessoas correm procurando abrigo enquanto eu simplesmente não conseguia me mexer, não com ela ali no meus braços com a cabeça erguida e completamente linda. Merliah olha pra mim, parecia estar se divertindo, e então ela me gira, soltando uma risada que me fez rir também.

Seus pés continuam fazendo passos de dança rápidos e me encaixo no seu ritmo. Não conseguia ver muita coisa mas conseguia sentir. Sentia seu cheiro, seu calor, a lama sendo espirrada para todo lado enquanto dançávamos, as gotas de chuva se acumulando no meu couro cabeludo e escorrendo por meu rosto. Sentia o meu coração descompassado por estar com ela.

Merliah para e olha pra mim, seus olhos escuros pareciam ver minha alma. Sinto sua mão afagando meu rosto e seu sorriso desaparece, assim como o meu. Meu coração arde.

— Seu rosto estava sujo — se explica, levando a mão pra longe.

Fico em silêncio tentando me recompor pela proximidade.

— Acho melhor sairmos da chuva — sugiro.

Ela me lança um olhar travesso e segura minha mão, me puxando reserva a dentro. Demoraria uns cinco minutos até sua casa, mais uns cinco até a minha então corremos. Com as mãos entrelaçadas e somente a luz da lua nos iluminando.

Quando chego perto de sua casa fico decepcionado pela noite estar ao fim.

— Foi muito bom ficar com você Seth — ela diz, sorrindo pra mim. O vestido branco colado em seu corpo, a chuva escorrendo por seu rosto.

— Estarei sempre aqui — respondo. Era uma promessa.

Ela me encara, por mais tempo do que eu acho confortável, suas sobrancelhas se unem e ela desvia o rosto. Faço menção em me virar mas ela se aproxima e deposita seus lábios na minha bochecha.

Quando ela se afasta tudo que me sobra é a sensação de formigamento. Merliah não espera, somente dá de ombros e sai correndo para a varanda de sua casa. Fico parado a observando ir.

— Boa noite Lia! — eu grito, um trovão ecoando em seguida.

Consigo ouvir sua risada.

— Boa noite Seth! — ela grita de volta e então entra.

Essa noite pra mim foi mais do que boa.
Foi mágica.


Espero que tenham gostado :D
As histórias dos Quileutes são fictícias!
Música: Every Little She Does Is Magic - Sleeping At Last.
Não revisei ainda!

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