08 | Orbitando
"Eu queria que você fosse a última
coisa na minha mente.
Eu queria que você fosse
a razão de eu fechar meus olhos.
Mas eu não consigo dormir."
——————
Merliah
JAMES PASSA QUASE A VIAGEM TODA EM SILÊNCIO. Eu estranhei, é claro, mas nunca fomos um casal de jogar conversa fora na maior parte do tempo. Ficávamos confortáveis com o silêncio apesar de nunca tanto tempo assim.
Então, como se lesse meus pensamentos, ele comenta sobre o tempo — chuvoso como sempre. Algo em seu tom de voz me dizia que ele estava tentando amaciar o terreno para dizer outra coisa o que automaticamente me deixa tensa.
— Não achou o jantar de ontem estranho? — James murmura, mudando de assunto completamente. Isso chama minha atenção, afinal, ele não tinha falado muito sobre quando chegamos em casa.
— Estranho?
Ele assente.
— É, me senti observado.
— Observado? — repito.
James me encara com bom humor e então dá uma risada.
— Ganhei um eco?
Reviro os olhos, minhas bochechas esquentando por ser desatenta o suficiente para não perceber toda a repetição de palavras.
— Desculpa, só não estou entendendo o que quis dizer.
— Acho que o Seth tem uma queda por você — ele diz de uma vez.
Dou graças a Deus por ele estar prestando atenção na estrada e não ter visto a minha expressão se desmanchar completamente. Meu estômago se revira pela sensação de culpa que me atinge, me sentia uma pessoa horrível só por respirar perto de Seth, o que não fazia sentido algum.
— O quê? — pergunto, tentando disfarçar.
— Não percebeu?
"Não precisei, meu irmão veio me contar."
— Não.
O canto da boca de meu namorado sobe naquele típico sorriso estranho que se dá quando está incomodado com algo.
— Bom, eu tenho certeza que todos lá perceberam...Vocês parecem bem próximos.
Meu pai e Charlie se empolgaram bastante falando sobre o passado o que rendeu uma nostalgia imensa em todos. Enquanto discutíamos sobre nossas lembranças percebi que passei mais tempo com Seth do que costumava me lembrar, éramos quase grudados, amigos do tipo que se viam todos os dias.
— Conheço ele desde que nasci, é uma boa pessoa, é confortável pra mim conversar com ele — eu digo, era tudo verdade.
Jamie assente.
— Eu percebi. Jacob pareceu se divertir enquanto vocês conversavam.
Maldito seja o meu irmão. Seth e eu entramos numa conversa árdua sobre o dia que fomos pescar com seu falecido pai. Tínhamos nove, eu exigi que ele se tornasse meu namorado e ele saiu correndo pra longe de mim dizendo que odiava garotas. Jacob se divertiu bastante devido a ironia da situação e todos nós ficamos desconfortáveis.
— Me desculpe se isso te incomodou — murmuro, me sentindo culpada como sempre.
— Você não tem culpa, é inevitável ver um rosto tão bonito como o seu e não sentir nada, — começa, dando um rápido sorriso em minha direção. — mas sinceramente é falta de respeito encarar a namorada dos outros desse jeito.
— Não acho que Seth sinta algo por mim — insisto.
— Ele te olha como se você fosse o sol e ele a terra girando em torno da sua órbita, isso é estranho. Com certeza já está me incomodando e olha que não sou o tipo "namorado brigão".
James já foi brigão no começo do nosso relacionamento e agradeço todos os dias por essa fase ter passado.
— Não seja exagerado, faz tempo que ele não me vê, deve ser novo pra ele.
— Devia conversar com o Jake, aposto que ele concordaria comigo — resmunga.
Reviro os olhos.
— Tudo bem, talvez ele tenha uma quedinha mas isso não é nada demais! — exclamo.
Felizmente meu namorado ri, achando graça por eu ter cedido à sua pressão tão facilmente.
— Eu sei que não, logo logo deve passar, ele não vai aguentar muito tempo querendo o que não pode ter.
— Só não arrume confusão por nada, sei como fica quando está incomodado e não quero que se machuque.
— Eu fiz sete anos de boxe, acho que sei me defender — James diz com o peito estufado de orgulho.
Infelizmente ele não sabia que Seth apesar da aparência pouco ameaçadora tinha uma força sobrenatural. Gostava demais da cabeça de James para arriscar que ela fosse arrancada.
— Quero ver se defender dos chutes que vou te dar se arrumar uma briga — digo, resolvendo levar o assunto na esportiva.
Ele dá risada e ergue uma das mãos em rendição.
— Não se preocupe, estranhamente eu gosto do Seth mesmo ele sendo afim da minha namorada.
Meu estômago se revira.
— Ah, pare de falar isso.
— Tudo bem, já estamos chegando mesmo. Salva pelo gongo.
Agradeço aos Deuses por nos fazerem chegar no consultório nesse exato momento.
A sala de espera estava relativamente vazia e a secretária não demora muito a autorizar nossa entrada. Meu pai estava sentado em frente a mesa do Doutor Carlson com o chapéu preto em suas mãos, sua expressão era indecifrável mas sorri pra nós assim que nos vê.
— Bom senhorita Merliah, fizemos alguns exames no seu pai e ele parece estar fora de risco — começa o médico conforme nos aproximamos. — Claro, o coração está muito fragilizado então recomendamos uma alimentação mais saudável: bastante verduras e frutas, algumas vitaminas estão na receita também, e claro, nada de açúcar, gordura e cafeína.
Papai faz careta e então resmunga.
— Lá se vai meu peixe frito.
O doutor Carlson dá risada.
— É, sem peixe frito pro senhor. Aqui tem o número de um fisioterapeuta muito bom em Port Angeles, recomendo uma ou duas vezes por semana irem lá para seu pai fazer um pouco de exercício. Ficar na cadeira não vai ajudar o coração.
— E sobre a insulina? — pergunto.
— Pode continuar aplicando normalmente — ele responde e se vira para meu pai. — Espero vê-lo de novo daqui há um mês, só pra realizarmos os exames novamente e vermos se há alguma melhora no seu quadro. Se tudo estiver na mesma teremos que tentar outro método.
Meu pai assente dando um sorriso satisfeito que acalmou meu coração. Pelo visto os dois haviam se dado bem e não seria necessário me desculpar pelo mal humor do senhor Black.
— Estaremos aqui — ele promete.
Sorrio e estendo a mão para o doutor.
— Muito obrigada doutor!
— É só o meu trabalho — diz com um sorriso amigável. — Até mais!
James e meu pai conversaram sobre beisebol por todo o caminho de volta pra casa enquanto eu tentava por minhas ideias no lugar. Não foi fácil. Meu pai precisava de mim, eu sentia que devia voltar pra casa de vez mas não sabia o que fazer com a faculdade ou com o James.
Jacob iria aonde quer que Renesmee fosse e meu pai não poderia acompanhar ele em todas essas aventuras. Ele era um homem velho, doente, não era incapaz mas precisava de cuidados por conta de sua teimosia.
E ainda havia Seth. Será que ele iria atrás de mim aonde quer que eu fosse também? Isso com certeza iria piorar a situação com James, principalmente agora que ele desconfia do interesse de Seth por mim.
Meu Deus ele morreria com toda essa história de lobo e imprinting. James é bem cético.
No final da viagem não havia chegado à nenhuma conclusão. Arrasto a cadeira de meu pai para dentro de casa.
— Já não basta a diabetes e agora mais essa — ele resmunga, cruzando os braços.
Acho engraçado o vinco que se forma em sua testa por pura birra.
— Está ficando velho pai — brinco, dando dois tapas em seu ombro.
Ele faz careta pra mim.
— Obrigado Lia, era tudo que eu precisava ouvir.
Tanto eu quanto James damos risada, meu namorado passa por mim, se aproximando de papai.
— Não fique assim Billy, em breve tudo estará melhor e talvez sua dieta se flexibilize um pouco.
— Veremos — murmura meu pai dando de ombros e arrastando a cadeira pro quarto.
Reviro os olhos.
— "Veremos". Ele é tão teimoso!
— Dê uma folga, imagine não poder comer o peixe frito dos Clearwater.
— Castigo! — exclamo imediatamente. — Com certeza castigo!
James dá risada e dá de ombros, abrindo o notebook que estava em cima da mesa da cozinha. Ele arrasta a cadeira e se senta.
— O que vai fazer? — pergunto.
— Acabar de ler esse livro e tentar começar a parte escrita do meu projeto.
Assinto.
— Achei que pudéssemos ver um filme.
— Talvez domingo? Amanhã tenho que continuar a...
— Amanhã é o festival de verão! — o interrompo, minha voz ficando um pouco mais dura.
Ele faz careta.
— Droga, eu me esqueci.
— Você prometeu que iria — o lembro.
James suspira, digitando a senha no seu computador.
— Meu emprego é mais importante Lia.
— E o festival é importante pra mim! — rebato. Ele sabe que não precisa ficar tanto tempo na frente do computador. — É uma blasfêmia aos Deuses não comparecer. Toda a reserva vai.
— Eu vou dar um jeito — responde.
Espero ele falar mais alguma coisa ou se dar o trabalho de olhar pra mim mas nada acontece. Suspiro e dou meia volta.
— Acho bom — é tudo que eu digo antes de entrar no quarto.
Comi mais batatinhas do que devia e não consegui dormir. Tentei ouvir música, jogar algum jogo no computador, assistir um filme mas nada deu certo. Quando olho o relógio já era quase meia noite, James ainda não havia voltado pra cama o que me faz levantar e ir até a sala atrás dele.
Estava dormindo. Em cima do computador e com os papéis amassados embaixo do braço, na tela alguma coisa sobre carbonato de cálcio. Já tinha esticado a mão para acorda-lo quando ouço um estalo vindo do lado de fora.
Me aproximo da porta de vidro da sala vendo um vulto se esconder atrás da árvore. Abro a porta e vou até la fora, me afastando pelo menos uns quatro metros de casa. Paro na pequena estrada de terra, encarando o matagal fechado à minha frente.
— Seth! Sei que está aí! — exclamo, tendo o cuidado para não acabar falando alto demais.
Ouço o farfalhar das folhas até que uma forma sai por entre as árvores. O lobo de olhos escuros entra no meu campo de visão me arrancando o ar conforme se aproximava.
Suas patas grandes em questão de segundos estavam aqui, paradas, bem na minha frente. Conseguia sentir sua respiração quente — muito quente — chegando no meu rosto. Era tão grande, mais parecia um cavalo, o pelo era bem espesso e comprido, a imagem que me vem a cabeça é um pompom o que me faz sorrir. O lobo Seth curva a cabeça pro lado, soltando um chiado que parecia ser de confusão.
— Você parece um pompom — murmuro, levantando minha mão para tocar seu focinho.
Não tinha medo nenhum. Me lembro quando vi Jacob se transformar, do pânico que senti ao ver aquele lobo gigante na minha frente mas não sentia isso agora. Tinha a total certeza que Seth não me machucaria, total certeza de que estava segura.
O lobo Seth fecha os olhos sentindo meu carinho em sua cabeça. Minha mão praticamente desaparecia por entre a pelagem cor de areia, a respiração dele era pesada acompanhada de um chiado que me fazia pensar que ele estava gostando do carinho. Eu também gostava, era engraçado ter ele dessa forma ao meu lado. Sua língua grande e quente lambe minha mão de surpresa.
— Eca, Seth — reclamo, fazendo careta e afastando a mão.
Podia jurar que o barulho que ele fez parecia uma risada.
— Vou entrar agora. Você devia ir pra casa e descansar um pouco, deve ser ruim dormir no chão.
Encaro seus olhos escuros me surpreendendo em como conseguia ver sua essência. Qualquer um que visse aquele par de olhos se lembraria de Seth na hora. Sorrio pra ele.
— Tchau pompom — murmuro.
Ele solta um chiado e eu dou de ombros, indo em direção à minha casa. Quando chego na porta e me viro ele já havia sumido.
Acordo James, apago as luzes e nos deitamos.
Sonho com árvores, lobos e a praia. Um dia de sol anormal na reserva onde eu tentava pintar um quadro, um lobo estava ao meu lado e trazia pedras de vários tamanhos pra perto de mim. O lobo entra no mar e emerge como Seth, que corre em minha direção com seus cabelos molhados. Ele sorri quando vê minha pintura, eu estava pintando pedras.
Foi a primeira vez que sonhei com Seth Clearwater.
Espero que tenham gostado! :D
Música: Gravity - Eden.
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