04 | Sensações

"Eu só não consigo tirar
meus olhos de você e não
há nada que eu possa
fazer sobre isso."

——————

Merliah

NÃO ME SENTIA BEM. Alguma coisa em mim implorava para que eu ignorasse toda essa história de imprinting e seguisse com a minha vida, afinal eu tinha um milhão de planos e não podia mudar tudo por causa de Seth Clearwater. A outra parte insistia em socar as paredes do meu estômago até que eu marche rumo a casa de Sue para tentar chegar em um consenso com toda essa história.

Eu sabia que alguma coisa mudaria na noite de anteontem só não pensei que fosse isso.

Alguém ligado a mim magicamente para sempre, isso chegava a ser bizarro. Por sinal, eu me sentia bizarra deitada na cama observando meu namorado estudar enquanto pensava em outro homem. Precisava sair e pegar um pouco de ar.

— Vai falar com ele? — Jacob pergunta assim que ponho meus pés pra fora do quarto.

Ele e Nessie estavam sentados no sofá com um balde de pipoca no colo, cobertos por uma manta marrom enquanto assistiam televisão. Reviro os olhos e pego minha maleta de pintura, ignorando completamente o que ele havia falado.

— Merliah — ele repete se virando pra mim.

Bufo e o encaro.

— Não posso fazer nada se esse idiota teve um imprinting em mim.

— Isso é maldade — murmura, ele queria manter o tom de voz baixo.

— Sabe o que é maldade? — indago, no mesmo tom. — Eu passar anos da minha vida planejando tudo e dando o meu melhor na faculdade e no meu relacionamento de quatro anos para então um garoto que eu não vejo há quase uma década querer mudar isso.

— Não é porque Seth teve um imprinting que você tem que ficar com ele.

— Então podemos ser amigos?

— Claro.

Mentiroso. Eu ouvi as lendas por toda a minha vida, sabia muito bem como funcionava. Era uma atração mútua forte, algo incontrolável, mas eu não seria atraída por ele se ficasse afastada.

— Você disse que é uma ligação Jake e eu não posso dar espaço para isso — falo, dando de ombros. — Eu só não posso.

Bato a porta com mais força do que imaginei.

Me odiei por demorar tanto tempo para achar a praia, eu vivi aqui por anos e então de repente eu já estava esquecendo onde ficam as coisas. É como se as lembranças, os cheiros familiares e tudo o que eu havia vivido aos poucos se esvaíssem de mim e eu não queria que tudo fosse embora. Gostava de quem eu era: a garota da reserva indígena de uma cidade minúscula. Apesar de arrancar olhares claramente preconceituosos na Universidade era quem eu era, quem eu queria sempre ser.

Me sento no ponto da praia onde eu e minha mãe costumávamos vir e pegar conchas para Rachel e Rebecca, as duas adoravam fazer pulseiras com elas. Mamãe trançava nossos cabelos e os prendia com as fitas que minhas irmãs faziam, trançava os cabelos de Leah também enquanto meu irmão e Seth tentavam espiar pela janela. Acho que Seth tinha a minha idade, talvez um pouco mais velho, me lembro de passar bastante tempo com ele.

Harry dizia que ainda iríamos nos casar.

Esse pensamento arrepia minha espinha. Tento ignorar o frio que se instala em meu estômago e monto meu cavalete, a tela branca me encara enquanto penso no que pintar. Não me sentia criativa então optei pelo o que estava na minha frente, areia, mar e os raios mínimos de sol que escapavam por entre as nuvens cinzas. Fiz alguns traços mas os odiei imediatamente, estava tentando conserta-los quando ouço passos se aproximando.

Seth parecia tenso e diminuiu o ritmo quando percebeu que eu o encarava. Vestia bermuda jeans, chinelos e um moletom preto, algo me diz que ele devia ter acabado de sair do restaurante. Jacob me contou que Sue comprou a antiga cafeteria de Rose Palmwood e agora servia refeições para vários moradores e turistas, o negócio parecia estar dando certo, quando passei em frente as mesas estavam cheias.

Ele para ao meu lado e observa o que eu segurava em mãos, assim como a manta xadrez azul que eu havia trazido para me sentar.

— Posso sentar aqui? — pergunta, seus olhos escuros receosos pela aproximação.

Não. É o que eu tive vontade de responder mas agora tão perto não consegui ser dura com ele. Seth Clearwater apesar de implicante e tagarela é a criatura mais adorável do mundo, ele tinha o coração mais puro que já conheci e não acho que isso tenha mudado com os anos.

— Pode — respondo.

Ele se senta mantendo uma distância respeitosa, apertava suas mãos com força tentando cessar os tremores mas não deu muito certo. Esperei o medo vir... não veio. Eu sabia que um lobo tremendo era um mau sinal mas simplesmente não consegui ficar assustada, estava confortável aqui.

Seth percebe que eu encarava suas mãos e as coloca no bolso, ainda não fazia contato visual comigo.

— Me desculpa por bom... você sabe — ele começa, meio sem jeito. — Não queria que isso tivesse acontecido.

— Tudo bem, não é sua culpa — eu digo. Ele parecia desolado com tudo isso, sentia vontade de colocar a mão em seus ombros e dizer que tudo ficaria bem mas não o fiz.

— É novo pra mim, não tenho me sentido muito bem com isso, minhas mãos tremem e sinto vontade de vomitar.

Respiro profundamente pensando o quão forte seria essa ligação. Me sentia do mesmo jeito, tremores estranhos, enjoos sem explicação e uma ansiedade que não saía do meu peito.

— É assim comigo também, estranho né?

Seth assente pegando uma concha que estava na areia com as mãos, seus dedos são rápidos em limpa-la.

— O que está fazendo? — pergunta mas nem ao menos se vira em minha direção.

— Tentando pintar mas não deu muito certo, sem cabeça pra isso.

— Eu entendo.

Ficamos em silêncio por algum tempo. Eu tentando desenhar algo que faça sentido enquanto ele atirava as conchinhas na areia. Isso era meio torturante, eu não conseguia me concentrar com Seth aqui e ele também não parecia tranquilo.

— Posso te fazer uma pergunta?

Não. Tive vontade de responder de novo e novamente falhei. Maldita ligação.

— Claro.

Pela primeira vez desde que chegou aqui seus olhos se fixaram nos meus.

— Há quanto tempo está com o James?

— Quatro anos e dois meses — respondo.

— Você o ama?

— Amo.

— E ele a faz feliz?

— Muito.

Seth assente pra si mesmo e vira o rosto, sua expressão era indecifrável. As mãos voltam aos bolsos.

— Hm — ele murmura.

— O que foi?

— Achei que isso acalmaria meu coração.

— Deu certo?

— Não, ele ainda está querendo pular pra fora do peito.

Dou risada e ele se vira pra mim, parecendo surpreso por eu achar graça de seu comentário. Então ele me acompanha, rindo até que seus olhos fiquem minúsculos e uma sensação quente se espalha pelo meu peito, sem ansiedade ou enjoo somente... Alegria.

Percebi que gostava de seu sorriso, sua cor de pele e o formato do seu queixo. O cabelo no ombro caiu bem nele. Desde quando cheguei essa foi a primeira vez que reparei o quanto ele era bonito. Muito bonito.

Pigarreio e desvio o olhar, sem graça por ter encarado ele durante tanto tempo.

— Sabe, quando você deixou as balinhas caírem no chão Nessie ficou chateada— provoco. — Eram as favoritas dela.

Ele sorri de novo mas dessa vez não tinha tanto humor.

— Parece que deixei todo mundo chateado naquela noite.

Engulo a seco me sentindo culpada por seu sofrimento.

— Não pense que estou chateada com você pois não estou.

Um longo suspiro escapa de seus lábios, sinto que ele não acreditava em mim.

— Eu sei Merliah é só que...

— O quê? — o incentivo a continuar.

Ele fecha as mãos em punhos.

— Você vai me achar idiota.

— Me diz logo! — insisto, já sem paciência.

— Eu estava esperando por isso — Seth diz e se vira pra mim. — Alma gêmea, casamento, filhos, felizes para sempre... eu queria isso e agora não vou ter. Então entendo você estar chateada porque eu também estou.

Me senti mal por ele. Eu torcia para que algum dia ele pudesse encontrar alguém que o fizesse feliz e que essa ligação não arruinasse completamente a sua vida, ele era lindo e jovem e pelo que me lembro bem divertido. Merecia ser feliz.

— Estou chateada por não poder fazer o que esperam que eu faça — admito. — Amo o James, Seth. Isso não vai mudar mas talvez possamos ser amigos.

Ele desvia os olhos e pude jurar que o vi revira-los.

— Não sei se é uma boa ideia — desconversa e se põe de pé.

Abaixo a cabeça.

— Me desculpe, Seth.

Ele balança as mãos como se o que tivesse acontecido não fosse nada demais.

— Não precisa se desculpar só... — Seth para a frase no meio e reflete por alguns segundos, provavelmente não sabia se devia falar ou não. — Não demora pra ir pra casa, ok Lia?

Assinto e ele se afasta. A sensação de angústia e ansiedade voltam ao meu peito na mesma velocidade em que ele sumia por entre as árvores. Encaro as ondas do mar me sentindo estranha por essa conversa e mais ainda pela sensação que ouvi-lo me chamar pelo apelido deixou em mim.

Continuo minha pintura por mais tempo do que geralmente demoro, devia estar perto das quatro da tarde quando decidi voltar pra casa. A tela havia ficado bonita mas no meu ponto de vista faltava alguma coisa, só a praia parecia meio vazio, sem... emoção.

James estava sentado na mesa da cozinha quando cheguei, provavelmente se enjoou de ficar no quarto e aproveitou a casa vazia para mudar pra outro lugar. Ele odiava incomodar então nunca pedia nada a ninguém, uma vez ele queria estudar e não conseguiu me mandar calar a boca.

Coloco minha maleta no chão e deixo minha tela na mesa da sala, espero que ninguém borre ela.

— Oi — digo com um sorriso caloroso. James me olha e sorri, seus olhos ficam pequenininhos do jeito que eu amava.

Ele arrasta a cadeira para se virar pra mim.

— Oi amor, demorou — começa, largando a caneta. — Conseguiu pintar alguma coisa?

Fecho um dos meus olhos formando uma careta e me sento no seu colo.

— Nada demais, estou sem inspiração — respondo, sentindo suas mãos enlaçarem minha cintura. — E você, o que fez?

— Reunião com meus colegas de estágio, parece que estão se virando bem sem mim.

Me viro um pouco para encarar seu rosto, os olhos azuis cintilantes pareciam um pouco cansados. Abro um sorriso divertido e coloco meu indicador no seu nariz.

— Impossível, as pessoas não ficam bem sem você — digo e ele beija a ponta do meu dedo. — Sabe onde papai e Jake estão?

— Seu pai está com Sue, eu acho, e Jake foi dormir no apartamento novo da Renesmee, ela vai começar a faculdade no outono.

Faço careta.

— Coitada.

— Pois é — concorda e então arrasta meu cabelo pro lado, depositando seus lábios no meu pescoço. — Estava pensando em irmos a Port Angeles, ver um filme e talvez ficar por lá até de manhã... — suas mãos apertam minha coxa. — Dormir num quarto onde não tenha sua família atrás de paredes finas.

Não demoro nem um segundo para assentir.

— Me parece bom, muito bom — murmuro concordando e me ponho de pé, com medo de onde sua mão iria parar e de quem poderia entrar.

James dá risada.

— Se sairmos daqui a trinta minutos conseguimos a sessão das seis o que nos dá bastante tempo para aproveitar a noite.

— Vou me apressar.

— Só pra te lembrar, você está linda — ele diz com um sorriso.

Isso me faz sorrir também.

— Já sabia disso.

Demoro alguns poucos minutos pensando no que vestir e pegando tudo o que eu precisava para o banho, eu estava com um cheiro salgado de praia que me agradava bastante.

Me aproximo da janela pronta para fecha-la antes de ir pro chuveiro mas uma forma me chama atenção atrás dos arbustos. Um lobo gigante num tom bem claro de marrom, quase da cor da areia da praia, me encarava por entre as árvores. Suas patas grandes recuam quando ele percebe que o encarava de volta, seus olhos escuros demonstravam muita racionalidade.

Lobos não me assustavam mais — a menos claro que o lobo fosse Paul Laquote — então sabia que meu coração não estava acelerado por medo. Era Seth, eu sabia que era. Ele para de me encarar e abaixa a cabeça como se me cumprimentasse, em seguida o lobo esguio dá meia volta, se afastando graciosamente como se nada tivesse acontecido.

Fecho a janela rapidamente e dou de ombros sentindo meu coração quase pulando para fora do peito.

Essas sensações estavam começando a me assustar.



Espero que tenham gostado <3
Música: Eyes Off You - Prettymuch.

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