01 | Euforia

"Eu acho que o espaço e o
tempo pega as coisas violentas,
coisas ruins e as torna boas."

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Seth

EU ESTAVA EUFÓRICO, minhas mãos suavam conforme corria pela reserva. Claro, eu poderia ter me transformado em lobo e chegado até a casa dos Black em dois minutos mas não estava afim de arrancar minhas roupas no frio congelante do verão de Forks. Torcia para que os deuses nos abençoassem com pelo menos alguns dias de calor, queria ir a praia e sentir o sol quente na minha pele. Vitamina D faz bem.

Billy estava sentado em frente à televisão com uma xícara em suas mãos quando eu entrei, sussurrei um cumprimento apressado mas ele nem ao menos esboçou uma reação. Segui em disparada para o quarto do Jake, ele ia ficar ainda mais animado que eu.

— Jacob! — grito escancarando a porta do quarto.

Para minha supresa — ou nem tanta — era Renesmee quem estava sentada na ponta da cama, felizmente vestida dos pés a cabeça. Os cabelos cor de bronze caíam em ondas bagunçadas por seus ombros, a pele pálida cintilava um pouco por conta do fraco raio de sol que entrava pela janela e suas íris chocolate me encaravam com curiosidade.

— E aí, Seth — ela cumprimentou, sorrindo com seus dentes que na minha cabeça sempre seriam pontiagudos.

Pigarreio, não estava esperando vê-la aqui nessa exato momento.

— Oi Nessie, o Jake tá aí?

Assim que faço a pergunta ela aponta para minhas costas, fazendo com que eu me vire. Jacob com seus dez centímetros a mais do que eu, com o peito e cabelos molhados e toalha enrolada na cintura exibia um sorriso divertido em minha direção. Ah que nojo! O que diabos eles estavam fazendo aqui?

— E aí moleque — ele diz e passa por mim ignorando completamente minha expressão enojada. — O que quer?

O encaro tentando fazer com que nossa telepatia milagrosamente funcionasse na forma humana, não deu certo. Corro meus olhos por Renesmee, não poderia dizer na frente dela.

— Podemos conversar em particular? — pergunto a ela, apontando pra mim e Jacob.

A expressão de meu alfa não fica das melhores, provavelmente pensando que eu atrapalhei seu dia perfeito na companhia de sua alma gêmea aniversariante mas isso não era importante e poderia esperar. O que eu tinha pra falar não.

— Hm, tudo bem — Nessie concorda tentando ler a expressão de Jacob. Em um salto gracioso ela se põe de pé. — Tia Alice vai se divertir me arrumando pra mais tarde.

Eu podia jurar que Jake ia fazer um bico.

— Toma cuidado — ele murmura para Renesmee então ela sela seus lábios no dele.

— Vou tomar.

Nessie se vira para mim.

— Vai aparecer hoje à noite certo?

— Claro, não perderia por nada — garanto com um sorriso.

Eu vi essa garota nascer, não tem a mínima chance de eu perder sua festa de aniversário. Renesmee sorri com minha resposta e literalmente some na nossa frente, o cheiro de meia humana, meia imortal paira no ar.

— Acho bom ser algo importante — resmunga Jake.

— Cara, claro que é algo importante eu não viria atrapalhar se não fosse.

Ele bufa e se senta na cama.

— Certo, o que foi?

Coloco a mão no bolso traseiro de minha bermuda e tiro de lá uma caixinha preta de veludo. A abro e estendo pra ele, mostrando o lindo anel cintilante que brilhava ainda mais sob a luz fraca do sol. A expressão de Jacob é estranha.

— Olha cara eu te amo mas não vou me casar com você.

O quê?

— Jake caramba, é seu anel! — explico. — Ele chegou a tempo!

Jacob solta uma gargalhada estrondosa e toma a caixinha de minha mão com tamanha brutalidade que cheguei a achar que despedaçaria a frágil jóia.

— Só estava brincando cara — ele diz levando o diamante para mais perto do olho. — Ah merda, eu estou prestes a me tornar noivo.

— Se ela disser sim — o lembro e ganho um olhar de censura.

Jacob havia comprado esse anel há mais ou menos dois meses mas a loja teve sérios problemas para achar a reserva o que acabou atrasando a chegada do pedido. Ele colocou o endereço da minha casa afinal seria impossível esconder isso de Nessie caso o pacote chegasse numa hora em que ela estivesse aqui.

Ele se levanta e coloca a pequena caixinha dentro da gaveta.

— Que tal um ida ao aeroporto já que expulsou minha namorada daqui? — ele sugere enfiando a cueca por debaixo de sua toalha.

— O que vai fazer no aeroporto?

— Buscar a Lia e o namorado, ela finalmente decidiu que era a hora de fazer uma visita. Não aguentava mais me enfiar naquela cidade cheia de prédios, é um inferno andar com uma cadeira de rodas por lá.

Dou risada. A irmã mais nova de Jacob morava com Rachel e seu marido em Nova York. Billy havia a mandado pra lá quando Jake se transformou na frente dela, ele achou perigoso manter uma criatura tão invocada perto de um adolescente lobo. Acabou que ele estava certo, afinal menos de um ano depois vários vampiros recém-criados invadiram a cidade de Forks atrás de Bella. Isso tudo já faz tanto tempo...

— Sinto muito cara mas vai ter que ir sozinho, se eu não estiver em casa não há nada no mundo que convença Leah a pisar naquela casa cheia de vampiros.

Minha irmã nos últimos dois anos superou bastante sua aversão a vampiros mas isso não incluía os Cullen e principalmente Bella, ela só pisaria naquela casa se eu a lembrasse como isso deixaria Nessie feliz.

Jake faz uma careta.

— Droga, vai ser um longo caminho até Port Angeles — ele se lamenta.

Dou de ombros antes que ele me convença a ir ou tire a toalha de sua cintura.

— Te vejo à noite!

Chegando em casa a primeira coisa que sinto é o cheiro adocicado de vampiro. Alex estava lá, sentada na mesa da cozinha com minha mãe enquanto ela bebia uma xícara de café. Ela se vira assim que eu entro, balançando o cabelo escuro e me encarando com suas íris cor de topázio.

— Você foi rápido — diz com um sorriso e levanta a tela de seu celular. — Cinco minutos e meio.

Sorrio vitorioso.

— Eu falei que conseguia — me gabo, me lançando no sofá marrom de nossa sala de estar.

— Leah está escolhendo um vestido — mamãe começa, com um olhar preocupado. — Acho que ela não está muito empolgada para hoje à noite.

Suspiro e me remexo no sofá pegando a câmera que havia deixado ali. Aperto o botão para ligar.

— Nós sabemos que os Cullen não vão arrancar nossas cabeças, isso é o suficiente — murmuro, já cansado dessa história.

Claro, eu respeitava os sentimentos de minha irmã e não podia obriga-la a ir caso ela não quisesse mas isso deixaria a Nessie feliz e bom, ela está fazendo aniversário. Acho que valia a pena esse pequeno sacrifício.

— Mas talvez eu arranque a sua — rebate Alex pegando a câmera de minha mão subitamente e me dando um puta susto.

Minha mãe da risada enquanto eu tento manter minha postura.

— Ótimas fotos — Alex comenta apertando o botão de minha câmera numa rapidez fora do comum.

Fico satisfeito com o elogio, nesses últimos meses descobri um certo apreço pela fotografia e bom... Humildemente, eu era ótimo. Quando não estava ajudando minha mãe no restaurante, estudando alguma coisa que ocupasse minha mente ou fazendo rondas com a matilha estava enfiado em algum lugar batendo fotos. As vezes saía da reserva ou ia para alguma cidade próxima mas as melhores sempre saíam de La Push, o lugar era mágico.

— Alguma coisa ele tinha que fazer direito — diz Leah aparecendo na sala.

Ela vestia jeans e camiseta e tinha nos lábios um sorriso leve e descontraído. Parecia pronta para sentar e fazer piadas a noite toda, um humor com o qual eu ainda não havia me acostumado.

— Quer saber? Vou ir tomar meu banho e sair desse sala, tem muita mulher implicante aqui — resmungo, me colocando de pé.

Todas elas se fingem de ofendidas.

Fico no quarto o resto do dia lendo um livro enquanto refletia sobre qual roupa vestir. Eu tinha um péssimo gosto para moda, não sabia combinar nada direito então sempre acabava com a mesma coisa: calça preta, tênis branco e a única camisa de botões que tinha, na cor azul.

Foi dito e feito, às sete em ponto saio do meu quarto com o visual padrão festa de Seth Clearwater.

Minha mãe, Alex e Leah estavam paradas na sala conversando sobre alguma coisa. Alex vestia um vestido vermelho rodado, Leah um vestido na cor branca e mamãe um azul. Todas muito bonitas o que fez eu me achar medíocre. Droga, por que não podia simplesmente saber me vestir?

— Olha só como o moleque está bonito! — provoca minha irmã com um sorrisinho, ela sabia que eu odiava quando ela me chamava de moleque.

— Você também, está praticamente irreconhecível — rebato franzindo o nariz em sua direção.

Minha mãe faz cara feia enquanto Alex aperta firme a mão de Leah. Tenho a impressão de que alguém fala alguma coisa mas não consigo ouvir muito bem, meu coração se acelera de uma forma estranha e inconscientemente foco meus ouvidos nas batidas descompassadas.

— Ei, Seth — Leah sussurra, passando a mão pela frente do meu rosto. — Você está bem?

Encaro seus olhos e sinto suas mãos contra as minhas, só então percebo que estava tremendo.

— Você parece pálido — Alex diz com um sorrisinho. Sério que ela queria falar sobre palidez?

— Que estranho — murmuro dando de ombros.

— Tem certeza que está bem pra dirigir?

— Tenho.

A verdade é que uma sensação de ansiedade se alastrava por meu corpo fazendo meu estômago se revirar e estremecer. A última vez que lembro de me sentir assim foi quando tinha dezessete e consegui um encontro com Alissa, ela era a garota mais linda da escola e passei a tarde vomitando de nervoso por não conseguir me controlar. No final deu tudo certo e ganhei um beijo de boa noite, depois disso nunca mais senti essa ansiedade. Até agora.

É como se algo grande estivesse prestes a acontecer.

O caminho até a casa dos Cullen foi um borrão pra mim, não consegui prestar atenção em nada que não fosse a estrada. Estava suando frio, meu estômago estava ruim e me sentia inquieto. Não é possível que lobos ficavam doentes! Talvez eu perguntasse isso a Carlisle...

Nada fez sentido por um bom tempo até ir para cozinha com Renesmee, Emmett e Jasper. Eles estavam conversando sobre sangue e imediatamente me senti melhor, não sei se foi Jasper mexendo com meus sentimentos mas mesmo se fosse eu o agradeceria, não sentir o estômago se revirar por alguns minutos era ótimo.

Faço careta quando Renesmee coloca uma lembrança do gosto do sangue em minha cabeça. Isso era nojento! Os Cullen dão risada quando enfio várias balas de goma tentando me livrar daquele sabor.

Ela tinha que fazer isso com o Jacob!

— Jake, você não vai acreditar no que Nessie acabou de fazer! — digo, indo para a sala.

Jacob me encara parecendo curioso com o que eu tinha para dizer e sinto a mão quente de Nessie em minhas costas conforme ela se aproximava.

E então a garota de vestido azul de florzinhas se vira para mim.

Olhei no fundo de seus olhos, suas íris escuras como duas jabuticabas me encararam de volta, um sorriso genuíno surgiu em seus lábios. Lábios esses que eram perfeitos, assim como o nariz e a franjinha que cobria sua testa. Perdi completamente o ar em meus pulmões e tudo ficou em silêncio.

Então eu vi a garota que ela costumava ser, correndo descalça com suas tranças ao vento, tentando acompanhar o ritmo de minha irmã. Vi todos os seus anos — cada um deles — passarem diante dos meus olhos. Seu rosto sujo de tinta, seu sorriso quando acordava pela manhã, o cabelo ensopado após um mergulho no mar.

Eu me vi ali a observando, senti sua mão em meu focinho de lobo e o cheiro de seus cabelos. Caminhadas na praia, idas ao cinema. Então seus olhos ganharam rugas de expressão, o cabelo ficava cada vez mais branco, suas mãos enrugadas seguravam as minhas. Um anel de ouro em seu dedo anelar.

Não importava mais quem fui ou quem sou, só importava quem eu iria ser. Um milhão de cabos de aço me ligaram a ela instantaneamente... Merliah. Foi como sentir a brisa do mar pela primeira vez, era refrescante, simples, perfeito. Minhas mãos fraquejam e derrubam a tigela que eu segurava, ouço cada uma das pequenas balas de goma baterem no chão.

O barulho me faz sair do transe, ver o que estava ao meu redor.

E atrás de Merliah, apenas há alguns centímetros estava seu namorado, James. Eu o conhecia das fotos. Os olhos azuis cintilantes me encaravam de uma maneira preocupada, com certeza pensando o que se passava comigo. Ele nunca entenderia.

Talvez a mão que segurasse a dela na velhice não fosse a minha e sim a dele, talvez eu fosse para sempre um espectador, assistindo meu presente do destino ser feliz com outra pessoa.

O pensamento me aterroriza e a dor no meu peito passa a ser excruciante. Não conseguia respirar. Sentia tristeza, medo, ódio. Não devia ser assim, devia ganhar alguém que ficaria comigo para sempre assim como os outros metamorfos, não uma pessoa para destruir o meu coração.

Minhas mãos tremem, meus olhos se enchem de lágrimas. Respirar, precisava respirar.

Saio correndo escada abaixo e nem penso se havia alguém por perto, somente salto para longe, rasgando todas as minhas roupas enquanto meu lobo saía de dentro de mim.

Ainda doía. Mesmo com o ar em meu rosto e a floresta me cercando, ainda doía. Um uivo agonizante escapa de minha boca enquanto corria o mais rápido possível numa tentativa de afastar meus pensamentos.

Lembro dos olhos azuis me encarando e tenho vontade de arrancar a cabeça dele fora mas isso a machucaria e agora tudo que faço é por ela, vai ser pra sempre assim.

Pra sempre.



Espero que tenham gostado :)
Música: Sun - Sleeping at Last.

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