𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 𝟏 - 𝐑𝐎𝐌𝐄𝐔 𝐄 𝐉𝐔𝐋𝐈𝐄𝐓𝐀?

Buenos Aires — 2015
Mansão dos Garcia

Querido diário mental
Hoje foi mais um dia infernal aqui em casa. Ser filha dos Garcia exige mais de mim do que deles mesmos. Me manter firme é a única forma de não perder a cabeça. Não quero sair daqui, afinal, foi nessa casa que cresci, mas a rivalidade entre os Garcia e os Greco acaba com a minha paz. Tudo por causa das indústrias alimentícias que controlam o país. Tem dias em que eu gostaria de não ser uma Garcia.

Como podem imaginar, minha rotina nunca é tranquila. Já às seis e meia da manhã, os gritos do meu pai ao telefone ecoam pela casa. O cachorro do vizinho late sem parar, minha mãe fala alguma coisa sem sentido, e meus irmãos, claro, já estão aprontando. Eu, enquanto isso, estou estirada na cama, encarando o teto do meu quarto, que é um exagero de luxo e espaço. Sinceramente, nunca pedi por esse glamour todo. É cansativo conviver nesse caos dia após dia. Às vezes, parece que nunca vai acabar.

Ah, desculpa, não me apresentei. Meu nome é Seraphine Garcia Alonso III. Sim, um nome digno de princesa ou de alguma realeza perdida, mas eu sou exatamente o oposto. Acreditem, sou a pessoa mais normal desta casa. Levantei da cama e dei uma olhada no espelho: meu cabelo, uma mistura de ruivo com castanho, com um branco na franjas laterais (tinha piebaldismo), estava uma bagunça total — parecia uma juba de leão, tipo aquela cena da Anna em Frozen quando ela acorda.

O que eu mais queria era mandar todo mundo nessa casa procurar algo útil para fazer, mas ninguém nunca me escuta. Calcei meus chinelos e fui para o banheiro, que, como tudo nesta casa, é absurdamente grande. As paredes de mármore, os detalhes dourados nas torneiras, o espelho enorme que cobre quase uma parede inteira...Era como um daqueles banheiros de revista de arquitetura, mas a verdade é que não me importo com nada disso.

Olhei para meu reflexo e dei de cara com olheiras gigantescas. "Nossa, que desastre", pensei. Não que eu me achasse bonita — longe disso. Sempre me considerei comum. Meus olhos são castanhos claros, nada de especial. O cabelo, meio ondulado, geralmente fica preso em um rabo de cavalo ou em uma trança desajeitada. Tenho 1,56 de altura, sem nenhuma curva marcante, e as roupas que uso... bom, nem ajudam. Sempre opto por peças largas, quase masculinas. É mais confortável, mas acho que só me torna ainda mais invisível.

Enfim, tirei minhas roupas e, ao olhar meu antebraço, vi a tatuagem que fiz: "Take these broken wings and learn to fly" (Pegue essas asas quebradas e aprenda a voar"). Muitas vezes, me sentia exatamente assim, como um pássaro preso em uma gaiola.

Entrei no banho, meu momento favorito da manhã. A água quente escorria pelo meu corpo, e fiquei por um tempo com as mãos espalmadas na parede, deixando-me levar pela sensação de paz que vinha com o fluxo constante sobre minha pele e cabelos. Era como se, por alguns minutos, o mundo lá fora deixasse de existir.

Ao terminar, me enrolei na toalha e fui secar meus cabelos, o que sempre era um drama à parte. Minha mãe havia deixado claro: "Se cortar, pode se considerar uma indigente nesta casa." E como eu odiava brigas, obedeci. Então, lá estava eu, com aquele cabelo longo, tedioso e sem graça, que sempre dava um trabalho enorme. Quando terminei, fiz a trança mais desarrumada possível, só para dar um toque de rebeldia.

Em seguida, fui pegar meu uniforme, que, como tudo o que uso, era enorme. Minha mãe insistia que eu me vestisse "adequadamente", mas o resultado era esse: roupas largas que me faziam desaparecer. O uniforme consistia numa camisa branca de botões, uma saia que ia até o joelho, meias longas, sapatos pretos, blazer e, claro, o maldito laço que todas as meninas tinham que usar. No blazer, o brasão do colégio — um corvo, símbolo de sabedoria. Mas, sinceramente, a maioria dos estudantes dali não tinha nada de corvo... estavam mais para pombos.

Por fim, peguei meu broche. Esse era sagrado, nunca saía sem ele. Minha abuela havia me dado. Ela foi a fundadora da fábrica da nossa família e uma presidente lendária, que viveu até os 103 anos e foi amada, especialmente por mim, sua neta favorita — algo que ela nunca escondia.

Respirei fundo para encarar o caos daquela mansão barulhenta. Abri a porta, e lá estavam as pestes dos meus irmãos, Pietro e Antônio, gêmeos de doze anos. Pietro quase pisou no meu pé, mas eu estava esperta e puxei o pé a tempo, fazendo-o cair de cara no chão. "Hoje não, meninos, hoje não."

— Ai! Vou contar para mamãe! — disse ele, fazendo cara de choro, mas era tudo teatro; eles me infernizavam todos os dias.

— É? E acha que ela vai fazer o quê?

— Vai te prender no quarto para sempre! — Antônio disse, ajudando o irmão a levantar, e em seguida me mostrou a língua como uma típica criança mimada. Revirei os olhos.

Passei pelo corredor repleto de fotos, troféus, diplomas e até alguns artefatos antigos. Aquela casa parecia um museu, com cada canto cheio de história e conquistas. Mas essas paredes não só contavam nossa história, elas exalavam o peso da rivalidade que define os Garcia. Agora, deixa eu explicar quem são os Garcia e por que essa família parece um bando de hienas famintas por algo que não sei se é dinheiro, poder ou puro orgulho. Talvez um pouco dos três.

Tudo começou em 1889, quando os Garcia chegaram a Buenos Aires. Na época, a cidade era praticamente uma terra sem grandes promessas. Mas foi aqui que a família começou a construir seu império, lançando o que hoje é uma lenda local: os famosos Soltitos de Sabores. "O que é isso, Seraphine?" Bem, apenas a comida mais famosa da Argentina. Mas, naquela época, ninguém deu muita bola, até disseram que ninguém comeria algo que não fosse argentino de raiz. Os Soltitos começaram como pequenos cubos crocantes de massa recheados com uma combinação especial de ingredientes das cozinhas mediterrânea e sul-americana. A primeira loja, Solitos dos Garcia, foi aberta com grande incerteza, mas um crítico famoso provou um desses lanches e achou a ideia genial. Foi aí que a mina de ouro começou.

Logo vieram as franquias, novos sabores — o Soltitos de Oliva y Queso Curado foi o primeiro grande sucesso, recheado com azeitonas espanholas e queijo curado envelhecido. Tudo estava indo bem..., mas só até a chegada dos Greco.

Em 1940, chegaram os Greco, italianos fugindo da guerra que devastava a Europa. Os Garcia, como bons espanhóis, já carregavam uma rivalidade histórica com os italianos, que se intensificou quando esses "Aceituneros" — termo ofensivo que usávamos para nos referir aos Greco, insinuando que eles eram "caipiras" ou simples agricultores — também decidiram abrir um negócio alimentício. Foi então que lançaram os Crespellini, uma invenção de massa fina, uma mistura entre crepe e pizza, recheada e dobrada em várias camadas crocantes. Um dos sabores mais pedidos? Crespellini di Pomodoro e Basilico, recheado com molho fresco de tomates italianos e manjericão — quase como uma pizza dobrada em forma de petisco. E assim, com os Crespellini, a guerra estava declarada.

Os Greco, por sua vez, não deixaram barato e nos apelidaram de "Jamones." O apelido não só fazia alusão ao tradicional presunto espanhol, como também insinuava que éramos "inchados" de orgulho e arrogância, tão "defumados" em tradições antiquadas quanto o próprio jamón.

Desde então, as duas famílias vivem em uma eterna competição. Ao longo dos anos, entre nascimentos e enterros, a nossa família foi crescendo, até virar uma verdadeira dinastia — mais de cinquenta membros, entre primos, tios e sobrinhos. Nos anos 2000, minha Abuela fundou as Indústrias Garcia, que logo se tornaram gigantescas, com franquias e exportações de seus produtos, especialmente os Soltitos de Sabores, que ainda são nosso carro-chefe. Claro que, em 2007, os Greco fundaram as Indústrias Greco, e a mesma história se repetiu: fama, dinheiro, prestígio.

Essa rivalidade? Vai desde insultos até provocações públicas, competições para ver quem aparece mais na mídia, quem conquista mais prêmios ou lucra mais. Ridículo? Sim. Mas, bem-vindos à realidade dos Garcia e dos Greco.

Assim que terminei de caminhar, desci as longas escadas e encontrei meu pai, visivelmente possesso, falando furiosamente ao telefone. Ele parecia gritar algo como: "Temos que subir nossas vendas, senão aqueles Aceituneros dos Grecos vão fechar o mês em alta e isso é inadmissível!" Mais uma conversa idiota sobre vendas. Será que ele não percebe que nada disso vai mudar o fato de que essa família está cada vez mais desorganizada?

Passei pelo corredor e fui direto para a cozinha, onde a empregada Joana, a única pessoa naquela casa que parecia tratar-me com algum respeito, estava me esperando. Ela colocou minha refeição na mesa e, com um sorriso gentil, me disse:

— Bom dia, senhorita Garcia. Espero que goste, fiz pan tumaca, está fresquinha.

— Obrigada. — Respondi com um sorriso singelo, e ela saiu, deixando-me sozinha, mais uma vez, naquele espaço vazio de qualquer calor humano. A casa era cheia de empregados, mas Joana era a única que falava comigo. Eles têm medo de nós ou é só falta de coragem mesmo?

Comi em silêncio, esperando o momento de sair de casa. O cheiro da pan tumaca era bom, mas eu não tinha tempo para apreciar a comida. Queria ir para o colégio o mais rápido possível, escapar daquela casa cheia de gritos e cobranças. Foi então que meu celular vibrou. Era a minha única e melhor amiga.

D: Você não vem?

S: Está cedo, moro a 10 minutos do colégio. Está com saudades?

D: Assim fico sem jeito. Venha logo, temos muito papo para por em dia.

S: Tá, relaxa. Já estou indo aburrida.

Com a resposta dela, finalmente senti um alívio. Pelo menos lá fora as coisas pareciam mais normais.

Terminei de comer e fiquei em silêncio, tentando ignorar o tumulto mental que a minha casa me causava. Assim que estava saindo, meu pai entrou furioso e me viu. Fiquei parada, tentando pensar em uma maneira de sair daquela situação antes que ele me obrigasse a fazer mais alguma coisa idiota. Por favor, não me faça pedidos de favores ridículos hoje, papá.

Corazón! Ainda bem que está aqui! — Ele exclamou, como se me visse pela primeira vez no dia. "Como assim? Passei por você agora há pouco."

Meu pai, Alejandro Garcia, aos 45 anos, podia ser irritante, principalmente quando queria parecer mais jovem do que realmente era. Ele tinha um jeito de agir como se fosse um adolescente, um dos meus irmãos gêmeos, na verdade. Às vezes, parecia mais uma criança que precisava de atenção.

— Diga. — Bufei e cruzei os braços em sinal de desgosto. Eu sabia o que ele iria pedir e, sinceramente, eu odiava ser a mais velha da família. Já tinha responsabilidades demais para me preocupar com mais uma das loucuras dele.

— Você precisa descobrir qual a nova invenção dos Greco. Minha linda filha, precisamos continuar mantendo essa família no topo. — Ele começou, com aquele sorriso de pai que sabe que vai pedir algo. Aqui vem ele... — Descubra, vá na fábrica deles, eles nunca viram você, é perfeito!

Papá. Você anda vendo muito Bob Esponja? — Eu não pude evitar. Agora ele acha que eu sou agente secreta da fenda do biquini?

Eu sabia o que ele queria. E eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, ele me forçaria a fazer o que ele desejava, como sempre fazia. Mas essa, definitivamente, era uma das suas piores ideias. Por que sempre eu?

— Bob esponja? — indagou confuso.

Meu pai era um homem tradicional, sempre com sua postura rígida e elegância. Ele usava camisas impecáveis, muitas vezes de tons claros, combinadas com um lenço cuidadosamente dobrado entre a gola e o peito. Seus ternos eram sempre feitos sob medida, com uma precisão que só alguém com sua obsessão por perfeição poderia possuir. Tinha cabelos pretos, como carvão, cortados de forma impecável, e olhos escuros, quase negros, que contrastavam com o tom de sua pele levemente bronzeada. E claro, o bigode — um bigode espesso e bem aparado, digno de um espanhol clássico.

Eu o amava, de verdade. Não achariam que tínhamos uma relação ruim, mas ele, sempre que podia, queria ser como o Plankton de Bob Esponja, em sua busca incansável por descobrir alguma nova receita ou segredo dos Greco, apenas para usar contra eles ou para superar a concorrência. Na verdade, ele não era o único. Toda a família, menos eu, agia assim. Sempre buscando vantagem, sempre procurando uma maneira de manipular o que fosse possível para manter a família no topo. Mas eu... eu queria um pouco de normalidade na vida.

— Sim. Sabe o Plankton? Você está ficando igual a ele. Olha, preciso ir, não quero me atrasar.

— Mas Corazón! — Ele chamou, mas eu já estava saindo. Ignorando, peguei minha mochila e saí pela porta.

O chofer já me aguardava naquele Bentley preto, seu olhar atento, mas discretamente impessoal. No caminho, coloquei meus fones e comecei a ouvir Mozart. Eu amava música clássica, bem longe dessas músicas de meninas patricinhas. Sim, sou diferenciada e não escondo isso. Eu amava ler, estudar, aprender coisas novas. Faltava um mês para meus 18 anos, e logo teria que escolher uma faculdade. Sinceramente, poderia entrar em qualquer uma por causa dos meus status, mas o que eu realmente queria era ser normal, pedir uma recomendação ao meu docente, sem que houvesse a pressão do meu sobrenome.

Quando cheguei à Academia Real del Sol, o castelo que se erguia diante de mim sempre me causava um certo desconforto. Literalmente um castelo, onde as famílias mais ricas e poderosas colocavam seus filhos para estudar. Até o filho do presidente da Argentina estudava lá. Desci do carro e respirei fundo, sentindo aquele peso no ar, uma sensação que me perturbava, mas que eu nunca soubera explicar direito.

Ao caminhar entre o "mar" de pessoas que se aglomeravam no pátio da escola, percebi mais uma vez que era invisível. Não era popular, não era conhecida, e sinceramente, eu não me importava. Afinal, quem se importaria comigo? Não aparecia em entrevistas, fotos, ou qualquer coisa que as pessoas imaginavam sobre mim. A imprensa sabia que havia uma filha Garcia, mas nunca viram meu rosto. Eu evitava sair de casa, queria permanecer anônima, porque o que realmente tinha de interessante sobre mim?

Foi quando senti algo nas minhas costas — uma sensação familiar. Alguém pulou na mesma, e eu tirei meus fones, virando meu rosto com uma leve expressão de cansaço. Era Delaila, minha única amiga verdadeira, a pessoa com quem eu podia ser eu mesma, sem pressões, sem julgamentos.

Ela era o oposto de mim em muitos aspectos. Seus cabelos pretos com pontas verdes vibrantes sempre a faziam se destacar, e suas unhas, sempre pintadas de forma ousada e colorida, eram um reflexo de sua personalidade extrovertida. Ela não era patricinha, mas sabia como se destacar, principalmente com aquele uniforme da escola, que destacava seu corpo voluptuoso e chamava atenção dos meninos, embora ela não se importasse com isso. Ela gostava de moda, maquiagem, mas, acima de tudo, era uma amiga leal e divertida, que não tinha medo de ser letal com quem ousasse fazer mal a mim.

— E aí! Poxa, fiquei te esperando mó cota. — Ela disse, com seu jeito irreverente.

— Que exagero. — Respondi, revirando os olhos, e logo nos cumprimentamos com nosso gesto secreto, aquele que só nós entendíamos.

Caminhamos lado a lado até os armários. No caminho, Delaila falava um monte de bobagens sobre o que havia acontecido na noite anterior, mas eu só escutava, sem realmente prestar atenção. Sabia que, quando estivesse perto de mim, ela sempre falava demais. No entanto, ao chegarmos ao final do corredor, quando as pessoas já não estavam mais no meu campo de visão, eu o vi. Aquele garoto.

Nathaniel Greco De Luca. Com seus 1,80m de altura, cabelos castanhos levemente ondulados e uma pinta perto da boca, ele se destacava como sempre. Seus olhos verdes brilhavam como duas esmeraldas e seu corpo atlético se desenhava com perfeição sob o uniforme da escola. Ele era bonito, sem dúvida, mas o que me fazia parar era a intensidade do nosso olhar.

A troca de olhares foi instantânea. Meu corpo congelou. Ele, com aquele sorriso enigmático, olhava para mim de uma forma que eu não sabia descrever. Eu podia sentir meu coração disparando, mas me obrigava a manter a calma. O momento parecia durar uma eternidade.

E, como um clique, a realidade voltou ao meu corpo quando um amigo de Nathaniel o chamou, ele, completamente seguro de si, seguiu em frente, rindo com os amigos rompendo nossa conexão. E eu, ainda paralisada, fiquei ali, observando cada passo dele enquanto se afastava. Aquela conexão... ou o que fosse aquilo... era forte demais, e eu não sabia como processar. Meu corpo ainda estava tenso, como se aquele momento estivesse gravado em minha pele. Como era possível sentir algo tão forte por alguém que deveria ser meu rival?

Delaila me chamou estalando os dedos bem na minha frente, percebendo minha paralisia. Eu estava completamente absorta, meus pensamentos ainda presos na troca de olhares com Nathaniel, e ela sabia disso.

— Você estava em que planeta, Sera?

Ela perguntou, ainda estalando os dedos, como se quisesse me arrancar de um transe.

— Aqui, na Terra mesmo. Por quê? — respondi, tentando abrir meu armário com calma, fingindo que nada tinha acontecido. Mas Laila, sempre tão perspicaz, já sabia exatamente o que estava se passando.

— Foi o menino Greco, não foi? — ela disse em tom provocativo, com um sorriso travesso nos lábios.

Fingi não entender, já que sabia exatamente aonde ela queria chegar, mas tentei disfarçar.

— Do que você está falando?

— Ah, para com isso, Sera. Ele te olhou de um jeito... — Laila fez uma pausa, como se estivesse saboreando a palavra. — Acho que ele nunca olhou para nenhuma menina daquele jeito. O cara mais cobiçado deste colégio, popular, capitão do time de futebol, o clichê completo... e sonho da maioria das garotas aqui. Claro, me excluindo. — Ela disse, com um sorriso confiante, como quem sabia exatamente do que estava falando.

Eu, o clichê da garota sem graça, a que não se encaixava nas expectativas.

— Te excluindo? Você é bonita, Laila. — Dei uma risadinha forçada, tentando amenizar o desconforto.

— Estou falando que ele não faz meu tipo. Tenho outros em mente. — Ela se virou para dar um tchauzinho descarado para o Fontana — Seu nome era Lucca, mas todos os chamavam de Fontana. Ele piscou para ela e seguiu com os amigos, e Laila não hesitou em fazer o gesto de flerte mais provocador que podia.

— Espera... Você e ele... — minha mente ainda estava divagando.

— Sim, estamos transando. — Laila disse com a maior naturalidade, arrancando um suspiro envergonhado da minha parte. — Você sabe o que é isso, né? — Ela fez um gesto obsceno com os dedos, e eu fiquei completamente sem reação.

— Laila! Pelo amor de Deus, seja menos... Laila. — Minha voz saiu em tom de repreensão, mas eu não podia esconder a vergonha que estava sentindo.

Ela riu, sem o menor pudor.

— Qual é, Sera? Você nunca vai saber o que é isso se continuar sendo a virgem solitária. — disse, já colocando um chiclete na boca e estourando com um estalo. — Quer um?

Eu só balancei a cabeça, tentando me afastar da situação.

— Não. Não quero fazer isso com qualquer um, sou tradicional nesses assuntos. — disse, já desconfortável com a conversa.

— Tipo seu papá? Que brega... — ela disse, com um sorriso zombeteiro. — Quando souber o que é, nunca mais vai parar de querer fazer. Uma dica: se toque, aí você vai saber a sensação.

— Laila! — interrompi, me sentindo extremamente constrangida. — Vou para a aula.

Passei por ela apressada, tentando escapar da conversa constrangedora, mas Delaila não parava. Ela me gritou atrás, com uma provocação em sua voz.

— Admita, Garcia, você já tem até uma pessoa em mente para isso!

Delaila podia ser irritantemente vulgar quando queria, e ela sabia exatamente como me deixar desconfortável. Eu, no entanto, sempre via esses assuntos de forma mais romântica — sim, apesar de ser assim, gostava do tradicional. Ela sabia disso, e fazia questão de me provocar por isso. Estava tão vermelha que sentia que minha pele poderia derreter. "Droga, que saco de dia".

Eu mal conseguia pensar, só me lembrava do olhar de Nathaniel — aquele olhar intenso, cheio de mistério, e que me fez sentir como se o tempo tivesse parado por um momento. O pior de tudo era que eu não sabia o que pensar sobre aquilo.

Ao passar pelo outro corredor, acabei trombando com uma garota. Fiquei um pouco atordoada, ainda absorvendo a conversa com Laila e, claro, o breve encontro com Nathaniel. Eu não o considerava realmente um rival, mas, por segurança, era melhor mantê-lo bem distante de mim.

— Desculpa, eu... — comecei tentando me recompor.

— Você é cega? Quase amassou minha roupa! — Ela respondeu de forma ríspida. Ao olhar melhor, percebi que a garota tinha um corpo exuberante, com peitos do tamanho de melões, e sua blusa estava um pouco aberta, quase como se estivessem prestes a saltar dali. A maquiagem exagerada e os cabelos loiros a destacavam, revelando uma atitude provocante.

— Não queria te irritar. — Falei, tentando manter a calma.

— Mas irritou. Espera... você é amiga da garota do sabão, não é? — O tom dela estava carregado de desdém, e eu não pude deixar de revirar os olhos. Minha amiga odiava quando falavam sobre isso.

— Por favor, pare com isso. — Pedi, tentando não perder a compostura.

— Por que? Ela virou lésbica agora? Ou ainda continua sendo vadia? — suas amigas atrás dela riram, e eu não conseguia entender o motivo de tanta agressão. Odiei aquela garota, nem sabia seu nome, e sinceramente, pouco me importava. Porém, ela olhou para o meu broche de uma forma que parecia saber de algo e tentou tocá-lo.

— Espera, isso é... — ela disse, quase tocando o broche.

— NÃO TOQUE NISSO! — Gritei, me afastando das mãos nojentas dela enquanto rapidamente colocava minha mão sobre o objeto, protegendo-o. Suas unhas grandes, cor-de-rosa, quase me cegavam com o brilho. Aquela garota era um problema, e eu só queria me manter bem longe dela e de suas amigas.

— Esquisita. Espero não topar com você de novo, ou teremos problemas. Odeio gente inferior, especialmente os depressivos. — Ela resmungou, antes de sair com suas amigas, deixando-me ali, com o coração acelerado e uma sensação de raiva que mal consegui controlar.

Fiquei alguns segundos ali, tentando processar o que havia acontecido, quando a ouvi falar algo novamente só que ao longe no corredor. Por curiosidade — e provavelmente por imprudência me virei. E então, vi algo que eu realmente não deveria ter visto.

Ela estava beijando o Nathaniel, com um sorriso estampado no rosto, e ele retribuiu o gesto. Não sabia por que, mas aquilo me fez sentir uma pontada no peito. Ele e eu mal trocamos olhares antes, mas agora parecia que algo dentro de mim se partia. Não sei como explicar, mas aquilo me machucou de uma forma que eu não conseguia compreender.

Antes de sair, vi Nathaniel ignorando completamente aquela loira arrogante, o que me deu uma leve esperança. Então, ele olhou diretamente para mim. Sem sorrisos, sem palavras, apenas um olhar intenso, como se quisesse me chamar. Mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, a loira começou a chamar atenção dele de novo. Eu, por outro lado, fiquei paralisada por aquele olhar, e, antes que eu percebesse, fui tomada por uma onda de insegurança e corri para longe, deixando o corredor atrás de mim.

Greco e Garcia. Jamais poderia ter esse tipo de intimidade. Jamais.

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✦ Aburrida: chata

✦ coracion: coração

✦ pan tumaca: Pa amb tomàquet é uma receita típica da culinária da Catalunha que consiste em barrar com tomate cru e maduro uma fatia de pão, de preferência do tipo conhecido como pão de pagès. O preparado é depois temperado a gosto com sal e azeite. Por vezes, é também adicionado alho ao tomate, para intensificar o sabor.

✦ Abuela: Avó

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