𝐏𝐑𝐎𝐋𝐎𝐆𝐎.
PRÓLOGO.
Você pediu por isso.
AMBROSINA ENCONTROU PAZ na jardinagem, o que chegava a ser irônico para alguém que cresceu em um local sem jardins, o Distrito 6 era responsável pelo transporte, os moradores eram mecânicos, desenhistas de automóveis, motoristas, bagageiros, exportadores de produtos, entre outras profissões que envolviam automóveis… Jardinagem definitivamente não era uma prioridade para eles, e o distrito – que tinha sido um dos mais bombardeados durante ataques contra rebeldes – sequer tinha um clima ou solo propícios para a função.
A primeira vez que Ambrosina viu um jardim, um jardim realmente chamativo e grande, foi aos 16 anos, através da janela do trem que levava os tributos dos Jogos Vorazes para o local onde as entrevistas seriam feitas na Capital. A ruiva estava completamente apavorada, acreditava que não tinha chance de sobreviver e não tinha parado de chorar desde que tinha sido sorteada, mas conseguiu se distrair com a beleza da paisagem por alguns segundos, no momento em que o trem passou pelo belo jardim da Capital, uma imagem que ela jamais esqueceria.
A lembrança ficou tão gravada na mente dela, que quando Ambrosina venceu os jogos e se viu tendo que lidar com os traumas que adquiriu na arena, e a nova realidade onde se via como uma marionete da Capital, a jovem encontrou na jardinagem uma maneira de se focar em alguma outra coisa, de ter alguns segundos de paz.
Anos tinham se passado e o jardim cultivado por Ambrosina em seu quintal na Vila dos Vitoriosos do Distrito 6, era belíssimo. Ela gostava de presentear as pessoas com flores, especialmente com peônias, e gostava ainda mais de receber flores.
Então a filha de Sina, Thalassa, ficou confusa quando a mãe pareceu perturbada, o rosto perdendo a cor, assim que recebeu uma flor do entregador da Vila dos Vitoriosos. “Com os cumprimentos do Presidente Snow” o homem havia dito antes de oferecer para Sina uma rosa branca.
— Mãe, você está bem? — Thalassa perguntou. O som da voz dela pareceu trazer a vitoriosa de volta para realidade e Ambrosina piscou algumas vezes, se recuperando, antes de responder.
— Sim.. Eu estou, estou sim. — Ela acrescentou rapidamente, o olhar deixando a rosa alguns segundos para se direcionar para a filha. — Thaly, eu acho melhor você subir e se arrumar, a colheita começa começa uma hora.
O estômago de Ambrosina pareceu se embrulhar ainda mais com o pensamento da colheita, seria mais um ano sendo mentora, mais um ano se apegando a duas crianças que estavam sentenciadas à morte na arena.
Tal pensamento trouxe a lembrança do ano anterior, a lembrança da pequena Kazya de 12 anos que tinha sido o maior apego de Sina em todos os anos dela como mentora, uma criança que ela jurou fazer de tudo para ajudar.. E ela realmente fez tudo o que pode, quebrou mais de uma regra no caminho e mesmo assim a garotinha morreu.
Ambrosina sentiu vontade de vomitar e apertou a flor com força contra as mãos.
— Vou usar aquele vestido que você me deu mês passado, Demetrius disse que eu fico bonita de vermelho. — Thalassa disse, se referindo ao filho de um dos vitoriosos.
— Nem começa, Tormento. — Ela disse, usando o apelido de infância da mais nova, já que a garota de 15 anos tinha sido uma criança que não parava quieta. — Você nem tem idade para isso.
— Não estou querendo dizer que eu e o Demetrius vamos nos casar agora mãe.. O que eu estou querendo dizer é que no futuro vamos sim nos casar e envelhecer juntinhos. — Ela disse, soando sonhadora, o que tirou uma risada de Ambrosina. Aquela era uma das coisas que a ruiva mais gostava sobre a filha, como ela sempre imaginava o futuro de uma forma bonita, quando Sina mal conseguia imaginar o dia de amanhã sem entrar em pânico.
— Vai se vestir, sua boba.
O olhar de Ambrosina voltou para a flor na mão dela, sabia que aquilo era uma ameaça velada, o jeito de Snow dizer que ele não tinha se esquecido do que ela tinha feito nos jogos anteriores.
— Thalassa. — Ambrosina chamou e a mais nova parou no meio da escada.
Sina largou a rosa e se aproximou da filha, a puxando para perto em um abraço. A mais nova foi pega de surpresa pela atitude repentina mas abraçou a mãe de volta.
— Eu te amo. — Ambrosina disse, e realmente amava, Thalassa era a pessoa favorita dela no mundo.
— Eu também te amo. — Ela disse. — Vai ficar tudo bem.
A vitoriosa sabia que não tinha como as coisas ficarem bem, não em um mundo onde os Jogos Vorazes existiam.
[ … ]
A primeira coisa que Ambrosina notou quando chegou na Colheita, foi que o número de Pacificadores no local parecia maior naquele ano. Depois do “cemitério do anjo”, atos de rebelião se tornavam cada vez mais frequentes por todo o Distrito, e os Pacificadores estavam ali para repreender qualquer tentativa de revolta durante o evento.
Thalassa se juntou à multidão que assistiria o sorteio, enquanto Ambrosina foi se juntar aos outros vitoriosos do Distrito 6, sentados em cadeiras próximas ao palco. O Seis tinha um total de sete vitoriosos, mesmo que já fizessem muitos anos desde a vitória de Sina, ela tinha sido a última mulher a ganhar, então ficava responsável por ser mentora das tributos femininas que fossem escolhidas. Existia a opção de outra vencedora se voluntariar para fazer a função de mentora do lugar da última vencedora, mas nenhuma das outras vitoriosas pareciam interessadas na função.
Já o mentor dos tributos masculinos se chamava Cyril, ele tinha vencido anos antes dos jogos de Ambrosina e outros vitoriosos masculinos já tinham surgido depois dele, mas Cyril se voluntariava todos os anos para a função de mentor. Ele não era uma pessoa fácil de lidar e tinha a postura de um militar, já que depois que venceu os jogos, resolveu passar um ano sendo Pacificador, decisão que ninguém entendeu na época… Sina não entendia a maior parte das decisões daquele homem, inclusive a de ser mentor todos os anos, ele era sádico ao ponto de gostar daquilo? Achava que era uma obrigação? Ela não sabia a resposta mas sabia que trabalhar com ele todos os anos era cansativo.
— Eu espero que você se comporte esse ano, Ambrosina. — Foi a primeira coisa que Cyril disse quando viu a ruiva se aproximando. — O que você fez ano passado foi arriscado, Snow podia ter decidido descontar não só em você, como em todos os Vitoriosos.
Ela resolveu ignorar, não estava com a menor paciência para discutir com Cyril, então apenas se sentou.
— Ele só poupou a sua vida e do pai da garota para não criar mais mártires. — Cyril continuou. — Mas tenho certeza que ele não vai ser tão generoso se você der mais um deslize.
— Kazya. — Ela disse, a irritação podia ser ouvida na voz dela. — O nome dela era Kazya e você sabe disso, também foi mentor dela, então não a chame de “garota”, ela tinha um nome e eu só queria que ela descansasse em paz.
Ele riu, o tipo de risada que se solta quando se acaba de escutar algo muito absurdo.
— O que você conseguiu foi inflamar as chamas dos rebeldes.
Ambrosina tinha feito de tudo para conseguir a vitória de Kazya e quando a garotinha morreu, movida pelo impulso e pela dor, Sina subornou um dos pilotos das naves que retiravam os corpos dos tributos mortos da arena e conseguiu que o corpo de Kazya fosse colocado em um dos trens que iria para o Distrito 6.
A vitoriosa devolveu o corpo para o pai de Kazya, que enterrou para que a garota pudesse descansar em paz, descansar no lugar em que ela gostava de estar. A notícia acabou se espalhando pelo Distrito, o local ficou conhecido como “Cemitério do anjo”
Depois daquilo, Ambrosina imaginou que Snow a mataria, mas ele não o fez, provavelmente Cyril estava certo quando disse que o presidente não tinha matado ela e o pai da garota para não criar mais mártires, para não dar mais força para a causa rebelde, mas a rosa branca que ela tinha recebido naquela manhã indicava que ele não tinha esquecido e que a hora de Sina pagar pelos pecados dela estava chegando.
— Sejam bem-vindos a Colheita da 73⁰ edição dos Jogos Vorazes! — A voz animada de Phyllis Hewig ecoou, chamando a atenção de todos os que estavam ali.
Ambrosina mal conseguia focar nas palavras ditas por Phyllis e nem no vídeo de Snow que era exibido todos os anos. A cabeça dela repassava mil cenários do que Snow pretendia fazer com ela, será que seria executada no momento em que subisse no palco para falar com os tributos selecionados?
O primeiro tributo escolhido se chamava Arnoux, um garoto magrelo de 17 anos, que precisou ser empurrado para o palco, afinal estava em estado de choque. A cena fez Sina querer chorar, não importava quanto tempo ela estivesse sendo mentora, nunca ficava fácil ver a escolha dos tributos.
— Agora vamos descobrir quem vai ser a nossa tributo feminina! — Phyllis exclamou e levou uma das mãos até a bola de vidro cheia de papéis, e pegou um dos papéis. Ela desdobrou e soltou um “Nossa” quando leu. — Thalassa Castedras.
Por um segundo, Ambrosina achou que tinha ouvido o nome errado, torceu para que tivesse ouvido errado… Aquilo não podia estar certo, não podia ser real.
Um grito escapou dos lábios da ruiva enquanto ela observava a filha se aproximar do palco, teria levantado se não tivesse sido segurada pelo vitorioso que estava sentado do lado dela, Kratos, e conforme ela se rebatida tentando se soltar, Cyril também se juntou à Kratos na tentativa de segurá-la.
Nem em seus piores pesadelos Ambrosina tinha se permitido imaginar algo tão pavoroso quanto Thalassa sendo escolhida para os jogos, mas era o que estava acontecendo. Aquilo era real.
Sua filha iria para os jogos, e ela seria a mentora.
[....]
Ninguém deixou Ambrosina falar com a garota, disseram que ela só poderia rever Thalassa quando estivessem no trem, no momento em que os tributos conhecem seus mentores, mas ela não era apenas mentora, era mãe.
Todos já tinham ido embora da praça, mas Sina ainda estava ali, em choque demais para fazer qualquer coisa, sentia como se alguém tivesse arrancado o coração de dentro do peito dela, o maior desespero que tinha sentido em toda sua vida. Costumava achar que nada seria tão assustador quanto estar dentro da arena, mas a ideia de Thalassa dentro da arena era mil vezes mais assustadora.
Céus, ela ficaria louca.
Com as pernas trêmulas, ela se levantou, a bola de vidro com os nomes masculinos estava sendo levada para fora do palco mas a com os nomes femininos ainda estava ali, então a ruiva se aproximou do objeto. Ela pegou um dos papéis lá dentro e viu o nome “Thalassa Castedras”, o que também estava escrito no próximo papel que pegou, e no seguinte, e no outro também.
A raiva e desespero só aumentavam conforme ela continuava tirando papéis de dentro do vidro e vendo que o único nome ali era de Thalassa, ela era a única opção. Quando a bola de vidro estava vazia, Sina conseguiu ver um papel colado no fundo, as palavras “Você pediu por isso” estavam escritas e ela gritou, enfurecida, empurrando o globo de vidro que se quebrou em vários cacos quando atingiu o chão.
Tinha sido ingênua em cogitar que Snow a mataria… Não, Snow via a morte como uma forma de poder, a utilizava para controlar a população, ele não via a morte como uma vingança, isso seria misericordioso demais para ele. Vingança para Snow era deixar a pessoa continuar vivendo, mas ele destruiria a vida da pessoa, de maneira que ela desejasse estar morta.
A morte era fácil, significaria um fim de tudo aquilo, difícil mesmo seria viver sem Thalassa. Ela precisava ganhar, precisava.
Olaaa! O que vocês acharam do prólogo? Espero que tenham gostado ♡
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