𝟱𝟲

SUNA ISCARIOTE

Observá-la dormindo me relaxa.

Me traz uma sensação de paz, de segurança, que nunca pensei que alguém pudesse me proporcionar. Passo com delicadeza as costas da mão por sua bochecha, não quero acordá-la, embora eu saiba que para isso ela precisaria de muito mais do que um simples toque. [Nome] está esgotada.

Eu a deixei exausta. Um sorriso arrogante se forma em meus lábios, e eu gostaria que ela pudesse vê-lo para debochar de mim, como sempre faz.

Sei que diria algo como "seu idiota arrogante".

Ela é tão linda e indefesa quando está dormindo... Sua transparência, a facilidade com que posso lê-la, é uma das coisas que mais me atraem nela. Não tenho que me preocupar com motivos ocultos, mentiras ou falsidade. Ela é verdadeira e muito sincera sobre tudo que sente. É exatamente disso que sempre precisei.

Clareza, honestidade.

É o único jeito de eu confiar e me expor dessa maneira, que me permitiu seguir meus sentimentos, libertá-los e abrir meu coração para ela.

Chego mais perto e dou um beijo em sua testa.

⎯ Te amo.

Ela se mexe um pouco, mas continua dormindo. Observá-la dormir faz com que eu me sinta meio perseguidor, e isso me faz lembrar nosso início.

A menina que achava que me perseguia em segredo, todas aquelas vezes que fingi não saber que ela estava me observando.

Uma batida na porta me traz de volta à realidade. Cubro [Nome] com o lençol e vou me vestir depressa, mas não encontro minha blusa. Então abro a porta assim mesmo.

Duas meninas. Sei que são primas da [Nome], mas não lembro os nomes. Ficam petrificadas quando me veem. Elas me examinam de cima a baixo descaradamente.

⎯ É, bem... -uma delas enrubesce, trocando um olhar com a outra. ⎯ Meu Deus, que gato!

⎯ Alisa!

Alisa morde o lábio.

⎯ Só estou dizendo a verdade, Kiyoko, ele sabe que é gato, então por que fingir que não estamos deslumbradas?

Ignoro o elogio.

⎯ Imagino que vocês sejam as primas que dormiriam no quarto da [Nome].

Kiyoko assente.

⎯ Sim, desculpa interromper.

Sorrio para ela.

⎯ Tudo bem, podem entrar. -chego para o lado, dando passagem. ⎯ Eu já estava indo embora, só preciso encontrar minha camisa.

Alisa me segue dentro do quarto.

⎯ Para quê? Você está ótimo assim.

Kiyoko a segura.

⎯ Alisa! -exclama, e me dá uma olhada pedindo desculpa. ⎯ Foi mal, a Ali bebeu muito.

⎯ Sem problemas.

Pego minha camisa no chão e dou um beijinho na bochecha da [Nome]. Visto a roupa e olho para as duas garotas.

⎯ Não a acordem, ela está exausta. Foi um dia agitado para ela.

Kiyoko faz que sim.

⎯ Pode deixar.

⎯ Boa noite. -saio e desço a escada.

⎯ Suna.

Paro e me viro para ver quem me chama.

Kiyoko vem lentamente na minha direção, sorrindo.

⎯ Eu...

Minha voz assume seu tom gélido usual, defensivo.

⎯ O quê?

⎯ Não entendo... Você e ela, não faz sentido.

Essa garota não tem ideia do quanto posso ser brutalmente sincero. Ela só viu meu lado gentil, que aparece apenas com [Nome] e ninguém mais.

⎯ Você não tem que entender nada, não é da sua conta.

⎯ Eu sei... -ela dá outro passo em minha direção. ⎯ Mas é que você é tão perfeito... e ela é tão...

⎯ Para. -interrompo. ⎯ Muito cuidado com o que você vai dizer sobre ela.

⎯ Eu não ia dizer nada de ruim.

⎯ Sinceramente, não tenho o menor interesse na sua opinião. Boa noite.

Eu a deixo boquiaberta e vou embora.

⎯ Por que você não me contou? -pergunta [nome], irritada, as mãos na cintura. ⎯ Suna?

⎯ Não sei.

As más notícias haviam chegado de várias formas: e-mails e cartas de recusa. A principal razão era que já tinha acabado o prazo e as bolsas de estudo haviam sido preenchidas por outros alunos que cumpriram o procedimento a tempo.

[Nome] ficou sabendo por Atsumu, porque eu não contei a ela quando comecei a receber as respostas. Não sabia como dizer isso; eu já tinha perdido a esperança, mas ela não, e eu não queria deixá-la frustrada.

Não posso mentir, fiquei muito triste com a recusa. Meu único consolo é saber que pelo menos poderei estar na mesma universidade que ela. Serei infeliz estudando algo que não quero, mas pelo menos estarei a seu lado.

⎯ Está chateada comigo?

[Nome] suspira e põe as mãos ao redor do meu pescoço.

⎯ Não. -responde e me dá um beijo rápido. ⎯ Sinto muito que não tenha dado certo, mas ainda temos o que reunimos nos últimos meses, logo vamos pensar em alguma coisa.

⎯ [Nome]...

Ela me encara.

⎯ Não, nem pense em desistir.

⎯ Acha que quero desistir? Mas também não podemos nos agarrar a falsas esperanças.

⎯ Tentou falar com seu avô?

⎯ Para quê? Ele já me disse que não se intrometeria entre mim e meu pai.

⎯ Fala com ele de novo.

⎯ Não.

⎯ Suna, é seu último recurso. Por favor, tenta de novo.

Suspiro.

⎯ Não quero ser rejeitado mais uma vez. -admito, baixando a cabeça.

[Nome] segura meu rosto, forçando-me a olhar para ela.

⎯ Vai ficar tudo bem. É uma última tentativa.

Eu a beijo novamente, com meus dedos deslizando devagar por suas bochechas. Quando me afasto, abro um sorriso.

⎯ Última tentativa.

Saio da casa dela e vou para minha.

O avô Iscariote não parece nem um pouco surpreso ao me ver. Está sentado no escritório do meu pai, com uma roupa leve, mas típica dele, calça e camisa bem passada e abotoada.

Alice está sentada ao seu lado, rindo de algo que ele disse.

⎯ Oi. -eu o cumprimento, um pouco nervoso. ⎯ Como está, vô?

Ele sorri para mim.

⎯ Uns dias melhores que outros. Assim é a velhice.

Sento-me na cadeira do outro lado da mesa que divide a salinha do escritório, ficando de frente para eles.

⎯ Alice, querida. -diz meu avô com doçura. ⎯ Pode pedir a meu filho e a Osamu que venham até aqui um momento?

Está chamando meu pai e Osamu? Para quê? Isso não vai terminar bem.

Alice sai, fechando a porta.

⎯ Vô, eu...

Ele levanta a mão.

⎯ Sei por que você está aqui.

Abro a boca para falar, mas meu pai entra, com seu traje habitual, provavelmente acabou de chegar do trabalho. Em seguida, entra Osamu.

⎯ O que houve, pai? Estamos ocupados. Temos uma video-conferência em dez minutos. -ele me dá uma olhada rápida, mas não diz nada.

Osamu está confuso.

⎯ Cancele. -ordena meu avô, sorrindo.

Meu pai protesta.

⎯ Pai, é importante, estamos...

⎯ Cancele! -meu avô eleva a voz, nos deixando surpresos.

Osamu e meu pai se entreolham, e quando meu pai assente, meu irmão faz uma ligação para cancelar a reunião. Os dois se sentam à mesma distância do meu avô e de mim.

Meu pai suspira.

⎯ O que está havendo agora?

Meu avô recupera a compostura.

⎯ Sabem por que Suna está aqui?

Meu pai me lança um olhar frio.

⎯ Imagino que seja para te pedir ajuda de novo.

Meu avô confirma com a cabeça.

⎯ Exatamente.

Osamu fala:

⎯ E imagino que isso tenha te irritado, porque você já disse a ele que não.

Levanto-me.

⎯ Não precisa disso, vô, já entendi.

⎯ Sente-se.

Não me atrevo a desafiá-lo, e me sento.

Meu avô se vira ligeiramente para meu pai e meu irmão.

⎯ Esta conversa é muito mais importante que qualquer negócio idiota que vocês estejam fechando. A família é mais importante, e vocês parecem esquecer isso.

Todos permanecem em silêncio, e meu avô continua:

⎯ Mas não se preocupem, estou aqui para lembrá-los disso. Suna sempre teve tudo, nunca precisou lutar por nada, nunca trabalhou na vida, veio me pedir ajuda, eu neguei para ver se ele desistia logo na primeira tentativa, mas ele superou muito minhas expectativas. Esse garoto trabalhou dia e noite, tentando as bolsas por vários meses, lutando pelo que deseja.

Osamu e meu pai me olham surpresos.

Meu avô prossegue:

⎯ Suna não só ganhou meu apoio, mas também meu respeito. -ele me olha diretamente nos olhos. ⎯ Estou muito orgulhoso de você, Sun. -sinto um aperto no peito. ⎯ Tenho orgulho por você carregar meu sobrenome e meu sangue.

Não sei o que dizer. O sorriso do meu avô se desfaz quando ele encara meu pai.

⎯ Estou muito decepcionado com você, Hyun. Legado familiar? Que Deus me mate aqui e agora se alguma vez pensei que o legado pudesse ser algo material. O nosso legado é lealdade, apoio e carinho, não uma maldita empresa.

O silêncio que se instala é angustiante, mas meu avô não tem problema algum em preenchê-lo.

⎯ O fato de você ter se tornado CEO para não ter que encarar as traições da sua esposa não te dá o direito de fazer seus filhos sofrerem também.

Meu pai cerra os punhos.

⎯ Pai.

Meu avô balança a cabeça.

⎯ Que vergonha, Hyun, que seu filho tenha implorado seu apoio e ainda assim você tenha lhe virado as costas. Nunca pensei que me decepcionaria tanto. -meu avô olha para osamu. ⎯ Você o fez estudar algo que ele odiava, fez o possível para torná-lo como você, e olhe para ele agora. Acha que seu filho é feliz?

Osamu abre a boca, mas meu avô levanta a mão.

⎯ Cale-se, filho. Apesar de você ser apenas fruto da má criação que seu pai te deu, também estou aborrecido por você ter dado as costas a seu irmão, por não o ter apoiado. Achei lamentável a postura dos dois, e nesses momentos eu não me orgulho nem um pouco de vocês terem nosso sobrenome.

Osamu e meu pai baixam a cabeça. A aprovação de meu avô é extremamente importante para eles. Para nós.

⎯ Espero que aprendam alguma coisa com isso tudo e se tornem pessoas melhores. Tenho fé em vocês.

Fico surpreso com a tristeza estampada no rosto
de meu pai e no de Osamu. Eles nem ousam erguer o olhar.

Meu avô se volta para mim.

⎯ Dei início a seu processo de inscrição para Medicina na universidade sobre a qual você comentou com Atsumu. -avisa ele, me entregando um envelope branco. ⎯ É uma conta bancária em seu nome, com dinheiro suficiente para pagar o curso e outras despesas, e dentro tem uma chave do apartamento que comprei para você perto do campus. Conte com meu apoio para tudo e lamento que seu próprio pai tenha virado as costas para você. O bom disso tudo é que você pôde ver como é não ter as coisas de mão beijada, ter que trabalhar para conseguir o que quer. Você vai ser um grande médico, Sun.

Não consigo me mover, não sei o que dizer. De todos os cenários que imaginei, este nunca havia passado pela minha cabeça. Meu avô balança as mãos e se levanta devagar.

⎯ Bom, era isso. Vou descansar um pouco.

Cabisbaixo, meu pai sai atrás dele. Eu continuo ali, sentado com o envelope na mão, processando o que acabou de acontecer.

Osamu se levanta.

⎯ Desculpa.

Posso contar nos dedos as vezes que meu irmão mais velho pronunciou essa palavra.

Osamu passa a mão pelo rosto.

⎯ Desculpa mesmo. Fico feliz por você ao menos poder alcançar o que deseja. -um sorriso triste toma seu semblante. ⎯ Você merece, Suna. Tem uma força que eu não tive quando me impuseram ao que eu deveria fazer. O vovô tem toda a razão em te admirar.

⎯ Nunca é tarde para mudar de vida, Osamu.

Seu sorriso triste está repleto de melancolia.

⎯ É tarde para mim. Boa sorte, irmão.

E com isso ele vai embora, me deixando sozinho.

Não sei como me sinto, minhas emoções estão confusas, mas reconheço a principal: felicidade pura.

Eu consegui.

Vou ser médico.

Vou estudar o que eu quero, vou salvar vidas.

A única coisa que ofusca minha felicidade é pensar na garota de olhos sinceros que espera uma ligação minha contando o que acabou de acontecer, a garota que amo e que estará a quilômetros de distância de mim quando o semestre começar.

Meu avô está enganado apenas em uma coisa: nunca tive tudo, e pelo visto desta vez não vai ser diferente.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top