𝟰𝟴

SUNA ISCARIOTE

A neve impetuosa da cidade de Qingdao congela minha pele, fazendo com que me esconda atrás de um cachecol grande. O clima, ao contrário de casa, não é nada aconchegante, mas também não é de matar, ficando num meio-termo que tenho gostado muito desde que chegamos.

Estou sentado em uma cadeira ao redor da mesa no centro da sala da nossa hospedagem, com a janela de vidro que nos mostra a visão imensa da cidade abaixo da montanha e da entrada e saída cheia de gramado e flores do hotel; a vista é relaxante, dá para ver toda a cidade. Para mim, a China sempre teve um ar de antiguidade, de história, o que me dá uma sensação estranha, mas no bom sentido.

Ao meu lado está sentado meu avô; Alice está ao lado dele, pegando seus remédios da mesa. Ela está vestindo um casaco branco que combina com seu cabelo.

⎯ Eu acho que já tive o suficiente. -resmunga vovô e começa a se levantar.

Alice e eu o ajudamos a ficar de pé.

⎯ Sim, está na hora de descansar.

Vovô me solta delicadamente.

⎯ Suna, filho, ainda consigo andar sozinho.

Eu levanto minhas mãos.

⎯ Percebi.

Eu os vejo passar pelas portas de vidro e ouço o som de uma notificação; que nem um louco, pego meu celular, mas não tem nada.

Nada.

Estou sem notícias de [Nome] faz mais de seis horas.

E merda, isso me desconcentrou demais.

Falei com ela para desejar um feliz Ano-Novo quando deu meia-noite aqui, mas depois disso não tive mais notícias dela, nem quando deu meia-noite lá. Mandei mensagens para ela, liguei e nada. Ela está dormindo até agora? Embora já sejam três da tarde aqui, ainda é de madrugada lá.

Outro som de notificação, mas estou segurando meu celular e sei que não vem dele, e sim do de Atsumu, que está no sofá pouco mais longe.

Atsumu está deitado e jogando videogame para variar; isso é o que ele mais gosta de fazer desde pequeno. Dou uma olhada na tela de seu celular e fico maravilhado com a quantidade de notificações que ele recebeu do... Instagram?

Atsumu nunca foi muito ativo no Instagram, ou será que sim?

Mas as notificações não param. Então, vou até a beira do sofá e o celular nas mãos, e me abaixo para passar em sua frente quando Atsumu desvia de alguns zombies no seu jogo.

⎯ Seu celular vai explodir.

Atsumu me lança um olhar confuso.

⎯ Meu celular?

⎯ Desde quando você é tão ativo no Insta?

⎯ Eu não sou.

Atsumu pausa seu jogo, coloca o controle de lado e estende a mão para segurar o celular. Me sento ao lado dele porque não tenho nada melhor para fazer, já que a minha mulher está me ignorando.

Atsumu desliza o dedo pela tela do aparelho e vejo sua expressão ficar cada vez mais confusa.

⎯ Ai, merda.

⎯ Qual é o problema?

Como se meu celular quisesse responder, a enxurrada de notificações também começa a chegar. Estou prestes a verificar quando Osamu chega com uma cara nada feliz, também com o celular na mão.

⎯ Atsumu. -rosna osamu, e vejo meu irmão mais novo abaixar a cabeça. ⎯ Por que você postou essa foto sem permissão?

Eu olho para os dois.

⎯ Que foto?

⎯ Não pensei que isso fosse acontecer, só tenho conhecidos no Instagram! -explica atsumu, e eu continuo sem entender.

⎯ Alguém pode me explicar o que está acontecendo?

Osamu coloca a tela do celular na minha cara com uma foto que nós três tiramos ontem a noite ao lado da janela de vidro com a vista noturna da cidade inteira atrás de nós; estávamos de calça moletom, sem camisa e fazendo algumas caras e bocas. O parentesco é óbvio, e não tenho vergonha de dizer que estamos muito bonitos.

Osamu suspira.

⎯ Alguém roubou a foto de Atsumu no Instagram e a colocou em uma página chamada "Garotos gatos".

Atsumu ainda está surpreso.

⎯ A foto viralizou e já tem muitos likes, os comentários não param.

Osamu lança um olhar assassino para Atsumu.

⎯ Nos comentários, todas aquelas mulheres queriam nos encontrar, e de alguma forma conseguiram, porque tenho mais de dois mil pedidos de amizade e não param de aumentar.

Verificando meu celular, percebo que também tenho muitos pedidos de amizade e mensagens privadas de desconhecidas.

⎯ Relaxa, Osamu. -tento acalmá-lo. ⎯ É uma chateação, mas veja o lado bom, é propaganda gratuita para a empresa.

Osamu nos dá uma última olhada antes de ir embora. Ele ainda não parece feliz, mas, bem, expressões de alegria também não são seu forte.

⎯ Você leu os comentários? -pergunta atsumu, vidrado no celular.

Cheio de curiosidade, chego na foto e começo a ler alguns dos comentários.

Eu paro porque ficam cada vez mais ousados. Uau, é incrível o que as pessoas podem dizer mesmo sem nos conhecer.

Eu me sinto observado e olho para baixo, dando de cara com um par de olhos pretos muito bonitos. Uma garota de cabelo castanho e sua amiga loira acabam de passar por nós através da janela de vidro que da visão também para o corredor que leva a entrada e saída do hotel. Não é a primeira vez que as vejo. Desde que chegamos aqui há duas semanas, sempre nos esbarramos nas áreas comuns.

Atsumu segue meu olhar.

⎯ A garota que te persegue, hein?

⎯ Ela não está me perseguindo.

⎯ Você sabe que sim, até eu percebi. -atsumu dá uma olhada nela. ⎯ É muito exótica, seu tipo.

Eu passo a mão pelo cabelo.

⎯ Meu tipo? -sim, ele tem razão, esse costumava ser o meu tipo, garotas com cabelos claros e olhos escuros, mas acabei me apaixonando por uma garota que não tem nenhuma dessas características. Como a vida é irônica. ⎯ Eu não tenho mais um tipo, só existe ela.

Atsumu me dá um grande sorriso.

⎯ Estou orgulhoso de você.

⎯ E eu de você, irmão que não é mais virgem.

⎯ Não começa.

⎯ Ah, vai, é normal ficar curioso, minha primeira vez foi um desastre.

⎯ Mentira.

⎯ Eu juro, demorei uns cinco minutos para colocar a camisinha.

Atsumu faz uma careta desconfortável.

⎯ Muita informação, Suna.

⎯ Eu tenho que perguntar. Você usou camisinha, Atsumu?

⎯ Lógico. Você acha que eu sou o quê?

⎯ Que bom, que bom.

Quando nos sentamos para comer em família, minha mãe abre a boca, checando algo em seu celular.

⎯ Estamos em alta no Twitter.

Osamu joga a cabeça para trás, grunhindo.

⎯ Não me diga que é por causa da foto.

Minha mãe nos mostra.

⎯ Olha, a hashtag "Iscariote" está entre as dez primeiras.

As redes sociais nunca deixam de me surpreender.

Alice franze a testa.

⎯ Que foto?

Atsumu se senta, pegando um pedaço de abacaxi.

⎯ Você se lembra da foto que tirou de nós na noite passada?

Alice acena com a cabeça. Atsumu mastiga e fala:

⎯ Viralizou.

Minha mãe faz uma cara de nojo.

⎯ Não mastigue de boca aberta, Atsumu, é falta de educação.

Também me sento e verifico o celular novamente; fora a loucura da foto, não tenho mensagem da [Nome].

Onde você está, [Nome]?

Não sente minha falta?

Porque estou morrendo de vontade de falar com você.

Abro minha conversa com ela e vejo que ainda não visualizou minhas mensagens. Meu celular toca em minhas mãos, mas a empolgação desaparece quando vejo que é Samy.

Me afasto da mesa para atender.

⎯ Alô?

Feliz Ano-Novo, Suna. -sua voz parece constrangida, há algo errado.

⎯ Qual é o problema?

Ela hesita.

Aconteceu uma coisa, Suna.

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