𝟰𝟲

SUNA ISCARIOTE

Acordar e não sentir o corpo de [Nome] ao esticar meu braço não é o que eu estava esperando. Com a cabeça girando, me levanto e vou cambaleando até o banheiro, dou uma olhada e nada. Percebo que suas roupas não estão em lugar nenhum, então me dou conta de que ela foi embora.

⎯ Ela me usou e saiu fora?

Não acredito, essa vai para a lista cada vez maior das primeiras vezes com a [Nome]. Nenhuma garota desapareceu na manhã seguinte depois de uma noite de sexo; esse papel sempre foi meu.

Ela continua roubando todos os holofotes.

Mas por que ela foi embora? Não fiz nada de errado na noite passada. Ou fiz? Passo a mão no rosto, tentando me lembrar de tudo. Nossa, posso dizer que foi a melhor transa que já tive na vida. Essa mulher me deixa louco. Sorrio que nem um idiota, enquanto encaro a única roupa que tenho para vestir: a fantasia de demônio. Ah, não, não vou sair daqui assim de jeito nenhum. Procuro outras roupas no armário, já que estou em um dos quartos de hóspedes da casa do Antony e, como ele está acostumado a nos receber aqui às vezes, sempre tem algumas peças separadas para as visitas.

Depois de colocar uma bermuda e um moletom branco, desço as escadas até a sala, onde me deparo com uma cena que poderia ter saído do filme "Se beber, não case".

Greg está deitado no sofá, com uma bolsa de gelo na testa. Atsumu está pálido, sentado no chão com as costas apoiadas no sofá e um balde ao lado dele. Antony está no sofá com uma bolsa de gelo em seu...

Antony é o primeiro a me notar.

⎯ Não pergunte.

Eu não posso deixar de rir.

⎯ Mas que porra é essa?

⎯ Estou morrendo. -grunhe greg.

Não consigo desviar o olhar de Antony.

⎯ O que aconteceu?

Antony não me encara.

⎯ Qual parte do "não pergunte" você não entendeu? Deixa pra lá.

⎯ É difícil deixar pra lá quando tem uma pessoa na nossa frente com uma bolsa de gelo no pau.

Atsumu bufa.

⎯ Por que você é tão grosseiro, Suna?

Sento do outro lado do sofá, aos pés de Greg.

⎯ Você quebrou?

Antony me lança um olhar assassino.

⎯ Não, só... acho que é assadura de fricção.

Eu rio alto.

⎯ Cara, e eu achando que tinha tido uma noite selvagem.

Greg ri.

⎯ Eu também, mas não, o Antony parecia uma TV velha.

Greg e eu dizemos ao mesmo tempo:

Sem controle.

Antony retorce os lábios.

⎯ Rá rá, que engraçado.

Atsumu sorri.

⎯ Essa foi boa.

Atsumu e eu seguimos para casa e, chegando lá, vamos direto para a cozinha, ainda fracos e tontos. Precisamos beber e comer alguma coisa e tomar um bom banho. Atsumu desmaia na mesa da cozinha, então pego duas latinhas de energético na geladeira e coloco do outro lado da mesa. Eu sei que Atsumu aproveitou a noite de ontem e estou bem curioso.

⎯ Não quero falar disso.

⎯ Mas eu não falei nada.

⎯ Mas pensou.

Eu tomo um gole do energético.

⎯ Você está imaginando coisas.

Alice entra na cozinha e se oferece para fazer uma sopa, mas Atsumu diz que está cansado e vai para o quarto.

É a minha vez de descansar o rosto na mesa enquanto espero Alice preparar a sopa. Sem perceber, caio no sono. Sou acordado por um chute no meu joelho; pisco e limpo minha baba quando uma pontada atravessa meu pescoço. Ao levantar o rosto da mesa, sinto as marcas do tampo de madeira na bochecha. Me endireito na cadeira, dando de cara com um olhar frio.

Osamu está do outro lado da mesa, com um café fumegante à sua frente, usando o moletom de treino preto e o cabelo ligeiramente úmido de suor. Ainda não entendo como é possível acordar cedo no domingo para fazer exercício, mas, bem, tem várias coisas que eu não entendo sobre meu irmão mais velho.

Ele está com os braços cruzados.

⎯ Noite difícil?

⎯ Você nem imagina.

Alice se move ao redor do fogão.

⎯ Ah, você acordou, a sopa está pronta.

⎯ Obrigado. -digo com um tom aliviado. ⎯ Você está salvando uma vida.

Alice sorri.

⎯ Não é para ficar mal-acostumado. -ela me serve a sopa e só o cheiro já faz com que eu me sinta melhor.

Osamu dá um gole no café e estou prestes a tomar uma colherada da sopa quando ele fala:

⎯ Não deixa o Atsumu beber, ele ainda não é maior de idade.

⎯ Eu sei, foi coisa de uma noite só.

Novamente ergo a colher, mas Osamu fala de novo:

⎯ O superior da sua instituição me contou que você ainda não se inscreveu nos cursos de Direito ou de Administração para dar continuidade.

Coloco a colher ao lado do prato.

⎯ Mas não estamos nem na metade do ano letivo.

⎯ Quanto mais cedo melhor.  Você já escolheu alguma delas? -contraio a mandíbula. ⎯ Você seria tranquilamente aceito em Princeton, papai e eu estudamos lá.  Você tem um legado.

Ah, a tal da Ivy League, as universidades mais prestigiadas, exclusivas e conhecidas dos Estados Unidos. O processo seletivo é ainda mais rigoroso do que nas universidades que não fazem parte do grupo. Não só é preciso ter um histórico escolar excelente, mas também muito dinheiro e o conhecido "legado": se seus pais ou algum familiar próximo se formou em uma dessas faculdades, você já está praticamente dentro.

Não me interpretem mal, tenho interesse em uma dessas universidades, mas não nas carreiras que o meu irmão imagina. Alice me lança um olhar compreensivo e volta a cozinhar. Meu desconforto com esse assunto é assim tão óbvio?

Osamu parece não querer calar a boca.

⎯ Já pensou qual curso você vai escolher? Administração ou Direito? Você me ajudaria muito se fosse para a faculdade de Administração, estamos pensando em abrir mais uma unidade no sul. A construção está bem no começo e seria perfeito se você pudesse cuidar da filial de lá quando se formar.

Não quero estudar Direito e nem Administração.

Quero fazer Medicina.

Eu quero salvar vidas.

Quero ter conhecimento para dar o melhor atendimento ao meu avô e às pessoas de quem gosto.

Penso todas essas coisas, mas não digo, porque sei que no momento em que essas palavras saírem da minha boca vou perder todo o respeito e a validação do meu irmão, porque abandonar o legado é uma traição nesse tipo de família.

De que serve um médico em uma grande multinacional?

Tive uma vida cheia de privilégios; não me faltou nada, nunca precisei me esforçar para nada. O legado tem um lado muito sedutor, mas as pessoas se enganam quando acreditam que não há um preço alto a ser pago.

As pessoas não enxergam a pressão, as exigências, as refeições solitárias, a dificuldade de se fazer um amigo verdadeiro ou de encontrar afeto sincero. Achei que minha vida se resumiria a esse círculo até que algo aconteceu: a [Nome] me viu.

E não estou falando de me olhar; ela viu através de mim, e se aproximou com sentimentos tão puros, com aquele rosto lindo e tão fácil de ler, que me deixou sem palavras. [Nome] sempre foi tão verdadeira, transparente, suas reações tão honestas. Eu não acreditava que existissem pessoas assim.

Ela, que não tem ideia do quão bonita é, afirmou com tanta certeza que eu me apaixonaria por ela. Ela, que trabalhava para comprar as coisas que queria, que sempre se sentiu solitária pela falta do pai e pelo trabalho da mãe; ela, que passou por tanta merda comigo...

Ela ainda sorri de todo o coração.

E é um sorriso que me desarma e faz com que eu acredite que tudo é possível. Ela me faz crer que um dia serei um ótimo médico, porque talvez ninguém da minha família me apoie ou acredite em mim, mas ela sim.

E isso é mais do que suficiente.

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