033 - Perigoso
“A coisa mais triste sobre a traição é que ela nunca vem de seus inimigos.”
- Xxxtentacion
Era uma manhã sombria de inverno. Flocos de neve congelaram na nevasca selvagem, balançando e queimando com a rajada. Tudo era branco.
Branco como a cor do papel. Lembro-me do branco, é mais vazio do que a escuridão em que resido. A tortura no quarto branco é uma técnica de tortura psicológica muito comum que resulta na privação sensorial. Eu aprendi isso no exército.
Mamãe me proibiu de sair, o vento estava muito forte. Ela estava preocupada que eu pudesse ficar doente, mas eu não conseguia ficar em casa e ouvir seus gritos angustiados.
Meu irmãozinho estava chegando.
Apertando mais o enorme cachecol de lã, sentei-me no monte de neve que tinha feito e comecei a mexer com os dedos enluvados. Não posso dizer que estava animado, mas também não era como se eu não sentisse nada.
O irmão mais velho estava sempre ocupado, então talvez não fosse tão ruim ter um irmão mais novo com quem brincar. Posso mostrar a ele os Nintendos que comprei.
A mansão estava diante de mim como uma estátua sem vida, entre o silêncio podiam ser ouvidos pequenos gritos de agonia. Meus punhos cerrados, ela passou por isso quando me teve também?
Ela estava com dor e o pior é que eu não pude fazer nada para ajudá-la.
— Ares! — me virei ao ouvir a voz de Liam. Ele estava acenando para mim à distância, usando o mesmo lenço que minha mãe sempre comprava dois de cada, para que pudéssemos combinar.
Eu sempre achei que era uma ideia muito estúpida.
— Irmão mais velho — minha voz tremeu, talvez por causa do frio que parecia gelar meus ossos. — Mamãe está bem?
— Ela não está, ainda não — sua voz estava ficando mais áspera. Mamãe disse que era porque ele estava crescendo e se tornando um menino grande. — Mas ela vai.
Ele era um pouco mais alto que eu, mas acho que seria capaz de superar sua altura quando chegasse à sua idade. Eu tinha apenas sete anos.
— O que você tem aí? — ele atingiu o pico por cima do meu ombro. — Um boneco de neve fracassado?
— Na verdade não—
Ele me empurrou para o lado e saltou até o monte de neve que eu havia reunido.
— Podemos construí-lo juntos! — ele exclamou alegremente enquanto se ajoelhava, recolhendo a neve.
Eu não tinha intenção de construir um, mas como ele queria...
— Você acha que a mamãe vai ficar bem? — fiquei triste pela mamãe, queria que ela ficasse bem. Ela normalmente nos repreendia e nos perseguia com um chinelo por ficarmos tanto tempo na neve. Eu meio que sinto falta disso.
— Ela vai — sua voz afirmou.
Ele não parecia nada convincente. Era como se ele estivesse tentando acreditar em suas próprias palavras.
— Você está mentindo — eu sussurrei. — Como ela está realmente?
— O médico disse que ela perdeu muito sangue — ele suspirou, rolando a neve. — Ajude-me com isso.
Eu balancei a cabeça e estendi a mão para ele, nós dois sem saber o que o futuro poderia acarretar, mas tentando o nosso melhor para ignorá-lo.
— Ares, você sabe — sua voz era firme. — Este bebê não está causando muita dor comparado a você.
Eu vacilei, olhando para ele. Meu coração se contorceu de culpa.
— O médico disse que você tinha uma cabeça maior em comparação com os outros recém-nascidos — ele riu secamente. — Eu odiei você por causar tanta dor a ela. Agora você sabe como é.
Ele nunca se esqueceu de me lembrar de sua antipatia por mim.
— Mas ela sobreviveu a você — ele encolheu os ombros. — Ela vai sobreviver a ele também.
— Você ainda me odeia?
Sua cabeça virou em minha direção enquanto ele me olhava por um tempo, um brilho estranho neles.
— Não, eu não.
O alívio tomou conta de mim. Talvez ele não me amasse, mas também não me odiava. Foi uma coisa boa.
— Mas agora eu odeio aquele bebezinho.
— Não diga isso — suspirei. — Ele nem nasceu ainda.
— Eu não me importo — ele bufou, suas bochechas ficando vermelhas.
— Não é culpa dele — tentei raciocinar novamente.
— Tanto faz — ele acenou com desdém. — Ele não importa de qualquer maneira. Um dia eu vou assumir tudo — seu dedo apontou ao redor, um sorriso orgulhoso brilhando em seu rosto. — E vocês dois vão ser meus escravos — ele tentou rir maldosamente, mas teve um ataque de tosse.
Suspirei. Ele sempre gostou de interpretar o Dr. Octavious do Homem-Aranha.
O vento ficou mais forte, a rajada fria me fez tremer.
— Devíamos entrar.
Uma bola de neve atingiu meu estômago, fazendo um som escapar de mim.
— GUERRA DE BOLAS DE NEVE!
Um sorriso maligno iluminou meu rosto quando me abaixei e comecei a coletar a neve, transformando-a em uma bola e jogando-a bem na cara dele.
— Seu pequeno pirralho!
Logo, nossa risada abafou o uivo do vento e os gritos angustiados de nossa mãe. Rolamos na neve, brigamos com ela e tentamos nos enterrar nela.
Não percebemos que o choro de nossa mãe havia parado há muito tempo.
Um grito cessou para trazer um lamento que perfurou o inverno assustadoramente branco, ressoando pela mansão escultural.
— Você ficou com saudades de mim? — imaginei um sorriso de lobo sendo estampado em seus lábios, uma expressão com a qual eu estava familiarizado durante toda a minha vida.
Como pétalas se desenrolando no centro de uma flor, as emoções se desenrolam dentro de mim. Choque, agonia, medo, raiva, sensação de traição, dormência crua e ondulada.
Liam.
Meu irmão mais velho estava vivo.
Ele estava há 13 anos.
Quantas vezes acordei com seu rosto angustiado enquanto ele dava seus últimos suspiros?
Quantas vezes eu me culpei por matar ele e meu pai?
Quantas vezes eu desejei poder voltar e trocar minha vida pela deles?
Quantas horas fiquei sentado contra seus túmulos, entorpecido e angustiado?
Uma respiração me escapou. Claro que foi Liam. A única pessoa que poderia jogar um jogo melhor do que eu. Liam Estevan, o herdeiro do trono supostamente morto.
— Por que? — foi a primeira coisa que me escapou. A temperatura da sala parecia ter caído alguns graus. Archer ficou muito quieto ao meu lado.
— Por que não, Ares? — ele fez uma pausa. — Oh, olhe, é a pessoa que matou nossa mãe. Olá, Archer.
— Liam — eu avisei. — Não se atreva.
— O quê? — um sussurro escapou de Archer.
Tínhamos concordado em nunca deixar Archer saber como nossa mãe morreu. Nunca.
— Acho que o cego foi muito bonzinho e não contou — sua risada vibrou pela casa. — Ele sempre foi aquele que viveu de livros.
— Por que diabos você está aqui?
— Temos uma velha conta a acertar, irmão. Uma muito antiga.
— Por que arrastar Loren para tudo isso? — o sangue rugiu em minhas veias. Eu queria atirar nele bem entre os olhos.
— Sua pequena amante? — ele disse. — Ela precisa morrer para preservar meu segredo. Não há graça em matá-la em segredo. Embora, devo dizer, você tenha um bom gosto para mulheres, eu adoraria tê-la uma vez. É uma pena que você não possa… vê-la.
Meus pés se moveram, mas fui parado por Archer, pude sentir sua raiva também, mas ele sabia que eles estavam em vantagem.
— Toque-a — eu sorri. — Eu te desafio.
— Nossa — ele choramingou. — Matador de humor. A propósito, essa não foi a única coisa que você matou - o vazio em meu peito ficou mais profundo.
— O que você quer? — a voz de Archer soou pela primeira vez
— O que eu quero? Uma pergunta muito difícil. Do que você está disposto a desistir?
— Vá direto ao ponto — a voz dele estava tensa.
— Você sabe que eu tinha a sua idade quando deveria assumir nossa empresa? — a voz de Liam sugeriu que ele não estava muito feliz com Archer. — Você me lembra muito do meu eu jovem e ingênuo. É doentio.
— Estou feliz por ter enojado você — a voz de Archer era de zombaria.
— Não use esse tom comigo — ele disse. — Isso me faz não gostar ainda mais de você.
— Por que você fez isso, Liam? — liguei o gravador que estava preso na ponta da minha bengala. — Qual era o seu propósito?
— Dinheiro — ele disse simplesmente. — E poder.
— Por quê? — fiquei perplexo. Ele era o herdeiro da nossa fortuna, teria mais dinheiro e poder do que jamais poderia imaginar.
— Bem, é uma história complicada. Papai meio que descobriu que era eu quem estava por trás da lavagem de dinheiro. Ele decidiu me destituir do cargo de CEO em potencial.
Eu congelo. Foi como se um balde de água fria tivesse sido derramado em mim.
— V-foi você quem estava fornecendo nossas informações para Brittney?
— Sim, na época pensamos que seria lucrativo para nossas empresas. Papai de alguma forma descobriu e um dia eu o ouvi falar com seu gerente. Ele aparentemente queria me destituir e nomear você.
— Então o acidente foi planejado — a compreensão me ocorreu. Eu sabia disso o tempo todo, mas a confirmação parecia amarga.
Não foi minha culpa.
Ele bufou.
— Claro que foi, seu idiota. Eu tive que matar vocês dois. De que outra forma eu poderia conseguir o que era meu o tempo todo?
— Você poderia ter me contado — eu sussurrei. — Você poderia ter discutido isso comigo, eu nunca quis o título — a raiva borbulhou dentro de mim, ameaçando explodir. — Foi tão fácil me avisar! "Ei, Ares, eu fiz isso e acho que papai vai nomeá-lo CEO. Não quero que você fique com isso." Viu? Não foi difícil!
— Você diz isso agora, irmão — Liam cuspiu. — Mas você não teria concordado em deixar a empresa para um criminoso. Eu conheço você.
Eu fervi, meus punhos cerrados quando senti uma gota de suor frio descendo pelo vale do meu pescoço.
— Você poderia ter tentado.
— Eu não queria correr o risco — ele disse com indiferença. — De qualquer forma, eu tive que matar vocês dois, mas você era um filho da puta teimoso demais para morrer.
— O que Loren tem a ver com isso? Por que arrastá-la até aqui?
— O pai de Loren, Thomas Campbell. Você o conheceu, certo? Bom velho filosófico, morreu em um acidente de carro três dias antes do nosso...
— Estou ciente disso.
— Bem, ele me ouviu planejando. Tive que me livrar dele.
— O que? — Archer falou depois de muito tempo. — Qual é a correlação disso tudo? Você está louco?
— Hum, não, garoto chorão. Não me interrompa — ele o evitou. — Então, o que aconteceu foi que ele trouxe o carro para a garagem de John Miller. Eu estava planejando o acidente e ele estava espionando, descobri mais tarde, quando Verifiquei a câmera CC e pensei: por que não praticar a mesma coisa antes do evento real?
Minha garganta parecia uma lixa.
— Deixe-me ver se entendi — eu sibilei. — Você matou o pai de Loren porque achou que deveria praticar o acidente?
— Praticamente resume tudo.
— Você arruinou uma vida — Archer articulou, o gelo cobrindo suas palavras com gelo. — Você arruinou a vida dela. Você arruinou a vida de Ares.
— O plano era matar Ares, então sinto muito porque nunca tive a intenção de fazer ele viver cego. Quanto a Loren, ela nunca esteve na equação.
— Não diga o nome dela com sua boca imunda — meus ouvidos zumbiram. Tudo que eu queria era arrancar o coração desse bastardo.
— Não é como se ela fosse alguém de valor. Eu sei coisas sobre ela. Alex tem me mantido muito bem informado.
— Ela é mais preciosa do que sua vida patética poderia ser — eu lati.
— Na verdade, o engraçado é que estou de olho nela há uma década e alguns anos. Ela parece ter sofrido de perda de memória, mas ela não sabe que é a única testemunha do caso Thomas Campbell… É um lugar perigoso, não é?
— O que você quer dizer?
— Loren sabe quem estava ao volante. Ela sabe porque estava com o pai naquela noite. A notícia da morte do pai foi chocante para ela. Pobre menina…
— Espere — Archer nos interrompeu. — O acidente envolveu John Miller e você. Alex é seu azarão e Brittney também estava envolvida no crime de lavagem de dinheiro. John Miller não estava presente naquela noite. Quem era? Brittney ou Alexander?
— Opções erradas, mas direção certa — a voz de Liam era leve. — Quer saber? Eu gosto de você. Quer trabalhar para mim?
Archer talvez tenha lhe lançado um olhar assassino.
— Talvez não.
— De qualquer forma, o que eu estava dizendo? Oh, a pessoa ao volante. Ela estava comigo naquela noite. Na garagem de John Miller. Um dia antes do acidente de Thomas Campbell. A senhorita aspirante a médica tem que morrer porque não posso arriscar que ela se lembre de toda essa merda e testemunhe. Ela já viveu o suficiente de sua vida patética.
— Quem é o motorista? — eu ia matar os dois. Meus dedos viajaram até a arma enfiada no bolso.
— Oh, você a conhece, irmão — Liam riu. — Minha esposa. Aquela que trabalha como sua empregada. Betânia.
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