032 - Sacrilégio

“Eles enviaram homens para a batalha, mas nenhum desses homens retornou; E para casa, para reivindicar suas boas-vindas, virão as cinzas em uma urna."

- Ésquilo

Sacrilégio (adj.) - Envolver ou cometer sacrilégio (blasfêmia ou crime)

   Sua respiração estava pesada, sobrecarregada com o pecado de outra pessoa. Sobrecarregado de ansiedade e possivelmente de medo. Medo insondável, estranho e emocionante.

   — Eles nos enviaram uma ameaça de morte?

   — Parece que sim — minha máscara pesava no meu rosto. Eu me senti sufocado e preso. — Ligue para o detetive e rastreie o número o mais rápido possível. Diga aos nossos guardas que estamos saindo com eles.

   — Com certeza — sua voz era firme, misturada com o juramento que foi feito em seu sangue.

   — Archer?

   — Sim, irmão?

   — Traga-me a arma do meu escritório.

   — V-você não pode—

   — Eu estou indo.

   — Mas não é seguro para você! Você tem que entender, Ares! Por favor, me escute—

   — A mensagem foi endereçada a mim. Duvido que eles ficariam felizes em ver você.

   — Você já decidiu — um estrondo baixo de sua voz era uma indicação clara de seu aborrecimento.

   — Archer — era um aviso, um comando que continha a mensagem silenciosa que dizia alto e claro. — Pare de desperdiçar nosso tempo, porra.

   Um suspiro prolongado foi ouvido, seguido pelo ritmo de seu passo rápido. Minha mandíbula apertou quando meus dedos apertaram a borda do sofá.

   Eles querem vingança? Eu lhes darei guerra.

   Não demorou muito para Archer rastrear o número com a ajuda do detetive Jones, que atualmente trabalhava no departamento de polícia. Ele foi um de nossos muitos contatos familiares que nos ajudou ao longo dos anos.

   — Foi enviado de algum lugar perto da avenida Windsor.

   Um suspiro me escapou, a preocupação crescente me corroendo, minhas entranhas se despedaçando a cada segundo que passava. Uma eternidade deve ter passado nesses segundos.

   — A polícia nos seguirá de longe, só entrará em cena quando nossos agressores representarem uma ameaça para nós.

   Balancei a cabeça, permitindo que ele me levasse até seu carro. Eu não tinha ideia se era uma decisão sábia ir, mas imaginei que quem quer que fosse essa pessoa não ficaria muito feliz em ver Archer sozinho.

   A pequena arma de metal que estava enfiada dentro do meu casaco pesava muito. Eu podia sentir o material de seu cano grudado na minha pele úmida, podia ouvir nossas respirações irregulares e batimentos cardíacos acelerados.

   O balanço suave do carro e os guinchos dos pneus contra o asfalto rasgavam a estrada deserta.

   O monstro dentro de mim levantou a cabeça, incitando-me a rasgar as almas daqueles que ousaram colocar a mão em Loren.

   Mesmo depois de deixar o exército dos EUA, ainda pratiquei o estilo de vida que adotei.

   Intuitividade e senso de futuro próximo, fomos ensinados a conhecer a nós mesmos e às nossas capacidades e a prever o perigo iminente. Faz ou morre.

   Eu vivo no mundo da intuição e da previsão. Estar cercado pela escuridão, tornou-se minha principal ferramenta de sobrevivência.

   Sempre fui ensinado a confiar em mim mesmo. Mesmo que minhas mãos tremessem, o medo tomou conta de mim e pude sentir uma perda iminente – eu deveria manter a calma e dissecar os problemas, como cálculo, uma seção de cada vez.

   Uma seção de cada vez.

   Havia algo, algo importante que estava faltando. Uma peça importante do quebra-cabeça.

   John Miller, caminhão, Britney me deixando, Britney sendo a ex-esposa de Alexander. Alexander sendo o advogado de Loren. Um acidente ocorrido há 13 anos com 3 dias de intervalo.

   Alexander não pode ser o responsável por isso, ele poderia ter feito isso antes, se quisesse. Britney também não pode ser a escolhida porque ela não tem nenhum interesse em Loren e eu não tenho nada para oferecer a ela.

   Eles eram peões de um mentor?
   Alguém que estava além deles?
   Quem?

   — O que você está pensando, irmão?

   — Tentando resolver esse dilema.

   — Eu tenho um mau pressentimento sobre isso — ele suspirou, sua respiração falhando.

   — Também não posso dizer que tenho um bom pressentimento sobre isso — minha mandíbula se apertou. — Mas aconteça o que acontecer, será por nossa conta.

   O carro parou abruptamente, meu coração batendo forte em meu corpo.

   — Este é o local — ele estava em pânico, eu também.

   — Há policiais nos seguindo de perto — ele respirou. — Estou tentando não entrar em pânico. Estou mesmo, verdade—

   Eu agarrei seu ombro, dando-lhe um aperto firme.

   — Aconteça o que acontecer, sairemos ilesos de lá. Nós três.

   Sua respiração desacelerou enquanto seus ombros caíam, os músculos rígidos relaxando sob sua camisa.

   — E vamos deixar isso para trás. Para sempre.

   — Nós iremos — sua mão agarrou meu braço enquanto um sussurro de brisa soprava, passando por nós. Ele me conduziu através do que parecia ser grama alta.

   — Cuidado com as pedras, à sua esquerda — minhas botas fizeram contato com as pequenas pedras, um som de trituração nos seguindo.

   — É uma casa, parece abandonada. Não está em bom estado, o teto está a segundos de cair. Posso ver a luz do segundo andar, mas está fraca. Árvores em ambos os lados.

   Tentei evocar uma imagem mental do lugar enquanto Archer continuava descrevendo-o.

   — Existe alguma janela ou talvez uma porta para animais de estimação?

   — Uh- há uma janela — ele murmurou. — A borda está quebrada. Mas não há porta para animais de estimação.

   O suficiente para escapar, se necessário.

   O cheiro de mofo, terra e lixo flutuava, o que me fez saber que a pessoa por trás desse fiasco não morava aqui. Era um terreno neutro para nos encontrarmos.

   — Archer, olhe para as árvores. Você vê alguma sombra ou câmera CC?

   — Não… — ele parou. — Não vejo nada nem ninguém.

   — Dê uma boa olhada ao redor — se eles conseguiram espancar um de nossos melhores guarda-costas, drogar outro e sequestrar Loren no meio da rua, significava apenas que haveria mais do que um punhado de pessoas espreitando naquelas árvores ou naquela casa. — E me diga.

   — Eu vejo algumas sombras ao redor, se movendo — Archer respirou. — Exatamente quantas são? Deus.

   — Quem quer que seja essa pessoa, eles estão mexendo nos registros e no caso de Loren. Já era hora de resolvermos isso.

   — A polícia estará aqui em breve — Archer soltou um suspiro trêmulo. — Lembre-se, mesmo que algo brutal aconteça, você deve escapar.

   Eu fiz uma careta.

   — O quê?

   — Você ouviu o que eu disse — seu tom era firme, áspero, uma voz que lembrava a minha quando anunciei minhas decisões. Um timbre que não deixava espaço para qualquer discussão.

   Parei, surpreso
   Desde quando ele cresceu tanto?
   Para mim ele era aquele garoto de 15 anos que deixei para trás há 13 anos.

   — Não discuta comigo, Ares — ele disse lentamente, ameaçadoramente. — Ouça-me. Aconteça o que acontecer lá dentro, quero que você escape se sentir algum perigo. Vou tentar resgatar Loren primeiro—

   — Você não me dá ordens, Archer Theodore Estevan — eu grunhi. — Não se esqueça com quem você está falando—

   — Estou conversando com meu irmão mais velho, que quero tirar deste inferno o mais rápido possível.

   Deixei escapar um suspiro.

   — Você parece tão velho — uma risada me escapou. — Responsável e tudo.

   — Pare de me fazer parecer velho, velho — ele agarrou meus braços e me arrastou para casa. — Eu não tenho 35 anos aqui.

   Solto uma risada anasalada.

   — Cuidado, escadas — ele me conduziu pelas pequenas escadas. Um, dois, três, quatro... E então estávamos no que presumi ser o pátio.

   — Devo quebrá-la ou bater como um cavalheiro? — ele perguntou.

   — Tudo o que você considerar eficiente.

   Um suspiro alto escapou dele quando ele soltou minha mão e bateu na porta. Uma, duas vezes... batendo forte na terceira. Um grande estrondo foi ouvido no quarto quando ele quebrou.

   — Acontece que chutá-la foi mais eficiente — ele suspirou, agarrando meu braço mais uma vez. Eu ouvi a segurança de sua arma sendo removida com um barulho alto.

   — As cadelas acordaram e escolheram a violência — um suspiro escapou dele. — Que patético.

   Suspirei enquanto avançava, cauteloso, tentando sentir se havia alguém por perto ou atacando por trás. O som e o bom senso eram meus únicos amigos.

   — A casa parece limpa. Por que diabos está tão mofado aqui?

   Archer parecia muito mais relaxado do que alguns segundos atrás. Era um bom sinal, ele conseguiria pensar com mais clareza e se defender melhor.

   Por outro lado, estava tudo menos calmo. A rápida palpitação do meu coração ficou mais frenética a cada segundo. Eu podia ouvir meu sangue batendo forte, senti-lo correndo em minhas veias. Os líquidos quentes e aveludados.

   Onde diabos estava Loren?
   Ela estava bem?
   Ela estava inconsciente?

   Minhas mãos apertaram minha bengala. Se eles colocassem um único dedo nela—

   — Loren!

   Meu coração pulou na garganta quando Archer agarrou minha mão e me levou pelo chão que estava cheio de garrafas quebradas e plásticos, o som deles sendo esmagados ressoou alto pela vasta sala.

   — Loren! Oh, meu Deus! Ares, ela está tão pálida!

   — Onde? — minha voz era baixa, ou talvez estivesse abafada pelo som da minha respiração. Foi um tumulto de escuridão me cercando. Me agarrando.

   — É um sofá, ela está aqui — me ajoelhei, sentindo um dos vidros quebrados perfurar minha pele. Estendi a mão, esperando senti-la novamente.

   Meu dedo entrou em contato com sua pele fria.

   — Blair — eu sussurrei, acariciando a lateral de sua bochecha. Parecia que uma lágrima havia escapado e secado em sua pele. Tentei buscar o calor dela, o calor que brilhava mais que qualquer luz... Nada.

   Ela estava imóvel.

   Meus dedos trêmulos percorreram seu pescoço, temerosos e cautelosos. A única artéria pulsava sob sua pele, o sangue correndo para mantê-la viva. Estava fraco, mas ainda estava lá.

   Um suspiro de alívio me escapou

   — Onde estão os ferimentos dela?

   — Há sangue seco no vestido dela, presumo que seja no pescoço.

   — Levante-a. Vamos embora.

   — Ora, Ora — uma terceira voz nos interrompeu, fazendo com que nós dois congelássemos. — Onde está a diversão nisso? Eu convidei você, fique à vontade.

   Uma terceira voz.
   Uma voz que era tão familiar.

   Eu procurei na minha cabeça. Onde eu ouvi isso? Onde?

  — Enfrente-me, Ares. Embora eu não me lembre de ter chamado o outro. Por que você tem que ser arrastado, Archer?

   Minha mão apertou o bastão. Virei-me, certificando-me de proteger o corpo inconsciente de Loren com o meu.

   — Quem diabos é você agora? - Archer exclamou, exasperado.

   Onde eu ouvi essa voz? Onde?

   A impaciência corroeu dentro de mim, os monstros feios levantando suas cabeças.

   — Estou muito ofendido por você não se lembrar do meu rosto, Archer. Esse menino cego não tem lhe falado sobre mim?

   De repente, as fechaduras se encaixaram. O quebra-cabeça que faltava. O capítulo rasgado. A peça que procurei desesperadamente durante 13 longos anos.

   A ponta dos meus dedos congelou, uma brisa forte sussurrou passando por mim, uma gota de suor frio percorrendo minha têmpora.

   A escuridão aumentou, como se fosse cada vez mais. Isso me consumiu, com seu nada esmagador.

   Não poderia ser. Impossível.

   — Agora você acha que está transando com a Rainha Elizabeth e saindo no jornal? Que porra é—

   — Liam.

   Seu nome escapou dos meus lábios como um apelo. Um apelo para que seja minha imaginação.

   Uma risada escapou dele, o pavor crescendo dentro de mim.

   — Olá, irmão.

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