003 - Metamorfose

"A calma - na verdade, a reflexão mais calma pode ser melhor do que as decisões mais confusas"

- Franz Kafka, A Metamorfose

   — Então, você está dizendo que tudo aqui pertence à sua família? — exclamei com admiração ao observar a vasta propriedade, meus olhos permanecendo na assustadora estátua de Mammon situada em ambos os lados dos portões.

   Archer riu.

   — Nós possuímos esta propriedade, sim — ele acenou com a cabeça respondendo às minhas perguntas.

   O interior da mansão era decorado de forma moderna, com temática bege e preta. Uma escada levava ao segundo andar.

   Um lustre pendia do teto. As cortinas que cobriam as janelas grandes tremulavam levemente enquanto o vento quente do outono acariciava a delicadeza.

   — Essa é a cozinha — ele apontou para o outro lado do saguão, que era uma área aberta com mesa de jantar suficiente para acomodar 10 pessoas.

   Um painel de vidro o separava da área de estar. Um pequeno bar estava preso a ele, uma prateleira de madeira exibindo uma variedade de bebidas alcoólicas.

   — O atual chef é Atlas Demétrio, ele é instruído a preparar refeições de acordo com os desejos de Ares. Se desejar fazer alguma modificação com base na saúde dele, você pode solicitar que ele adicione ou subtraia qualquer coisa.

   Assenti, anotando-o em meu pequeno caderno.

   — Posso dar uma olhada na cozinha? — eu perguntei, arrumando meus óculos.

   — Claro! — Archer me levou até a cozinha. — Sinta-se à vontade para verificar qualquer coisa.

   A cozinha era limpa e vasta. Tinha piso de madeira e outro pequeno lustre pendurado em cima.

   — Funciona como alarme de incêndio, se necessário — Archer respondeu, provavelmente levando em conta a minha surpresa.

   — Você não me forneceu o relatório do exame de sangue dele — comentei enquanto dava uma olhada mais de perto nos contadores. Tudo estava surpreendentemente limpo e arrumado, quero dizer, nem uma partícula de poeira em nenhum lugar limpo.

   — Oh, se você precisar, posso fornecê-lo agora — Archer murmurou. — Acho que esqueci.

   — Não se preocupe - soltei um 'humph' satisfeito enquanto lhe lançava um sorriso amigável. — Preciso disso antes do jantar de hoje. Preciso verificar seu HDL e LDL. Além disso, no caso de diabetes ou qualquer doença sanguínea, talvez precise trazer uma mudança em sua dieta.

   — Até onde eu sei, ele é em sua maioria saudável. Ele se alimenta de maneira saudável, mas sua ingestão de açúcar é alta. Ele adora doces.

   — Ruim — repreendi suavemente enquanto rabiscava em meu bloco de notas. — O açúcar é a razão por trás das principais doenças fatais. Doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes, câncer, você escolhe.

   — Claro, doutora — sua risada ressoou pela cozinha vazia. Um rubor subiu pelas minhas bochechas quando percebi o pseudônimo que ele usou para mim.

   Doutora.

   — Eu não sou médica — corrigi-o. — Uma estagiária, para ser exata. Eu era boa no que fazia, então fui designada para trabalhar com enfermeiras.

   Ele soltou uma risada calorosa.

   — Ainda estou chamando você de médica. Dr. Adams me disse que você aspira ser uma, certo? Já posso ver que você será uma ótima profissional.

   Um sorriso escapou quando eu o acolhi, me sentindo mais bem-vinda do que nunca.

   Archer irradiava uma aura encantadora, sua presença era platonicamente calorosa e eu adoraria ter alguém como ele como meu amigo.

   Eu era boa em detectar pessoas não confiáveis e não sentia nada além de sinceridade nele.

   — Bem, tomara que seja também para o Sr. Estevan — suspirei enquanto fechava o caderno, fixando-o com um olhar. Ele precisa de toda a ajuda que puder.

   Archer sorriu.

   — Agora, onde está meu paciente? — eu bufei. — Preciso conversar com ele.

   — Uma conversa? — Archer riu nervosamente, parecendo quase culpado. — Sobre isso... não acho que Ares fará isso...

   Minha carranca se aprofundou, confusão girando dentro de mim.

   — Por quê?

   — Na verdade, não pedi a permissão dele antes de designar você... — Archer suspirou, mordendo o lábio inferior. — Ele pode... surtar.

   Exatamente com o que eu estava lidando aqui?

   Fechei meu caderno bem alto, a agitação pingando dentro de mim.

   — Sr. Estevan, eu sugiro que você tenha essa conversa com meu paciente. Desejo sentir que estou lidando com um cara de 35 anos, não com uma criança.

   — Sra. Campbell, não quero causar nenhum inconveniente para você — a voz de Archer endureceu quando o olhar caloroso em seus olhos de repente se fundiu com o cinza, substituindo-o por algo que eu só poderia descrever como severidade. — Mas temo que Ares seja alguém que possa causar transtornos para você. Essa era a parte da descrição do seu trabalho.

Soltei um suspiro. Ele não estava errado.

   — Além disso, você é livre para sair se achar que este trabalho é muito pesado para você. Fui honesto com você e espero que você reconheça isso.

   Balancei a cabeça, entendendo.

   — Sr. Estevan, tenho certeza que você está dando um significado diferente às minhas palavras — olhei em volta nervosamente. — Não é nenhum inconveniente! Farei o meu melhor para cuidar do Sr. Estevan mais velho, por favor, conte comigo.

   O olhar duro desapareceu e foi imediatamente substituído por um olhar suave, o sorriso habitual estava de volta em seus lábios.

   — Eu sei que você vai, todos recomendaram você e você é apaixonada. Tempo é tudo que estou pedindo, Ares pode se sentir desconfortável perto de você.

   — Então, o que você sugere que façamos? — eu questionei, genuinamente curiosa.

   — Por enquanto, você pode observá-lo de longe e fazer anotações sobre ele. Vou apresentá-lo a você quando chegar a hora—

   — O que está acontecendo aqui?

   Minha alma deixou meu corpo enquanto eu congelei no meu lugar.

   A voz era rouca, cheia de ameaça e foi jogada pela mansão descuidadamente. Ele detinha o poder, o domínio. Isso causou arrepios na minha espinha.

   Archer enrijeceu quando seus olhos se arregalaram, seu sorriso desaparecendo imediatamente. Ele parecia um cervo preso nos faróis - revertendo o olhar para frente e para trás enquanto sua boca abria e fechava.

   Essa pessoa não pode ser tão ruim assim, pode?

   Por outro lado, tive a oportunidade de observar de perto alguns pacientes com ansiedade.

   Pensar demais e se preocupar constantemente com algo que pode nem entrar em jogo; eram eles.

   — Irmão... — Archer murmurou, um tanto atordoado, seu olhar fixo atrás de mim. — Eu estava apenas-

   Ouvi um som distinto de sapatos e outra coisa clicando no chão, ecoando por toda parte. O som só aumentou o caos que se desenrolava dentro de mim. Engoli em seco.

   — Fazendo coisas que não permito? — a voz ecoou novamente, desta vez, mais perto.

   — Sinto muito, eu estava apenas—

   — Eu pedi para você parar de trazer enfermeiras — a voz provavelmente estava agora a um metro ou mais de distância, ainda estava se aproximando.

   Meus músculos ficaram tensos, como se sentisse a presença de algo sinistro.

   Ou provavelmente fui eu sendo excessivamente dramática. Fosse o que fosse, a presença dele era suficiente para me assustar.

   — Eu estava preocupado, Ares — Archer suspirou, olhando brevemente para mim. — Além disso ela não é uma enfermeira profissional, eu trouxe alguém que está mais disposta a aprender e ela pode lidar-

   — Eu já disse, não interrompa minha vida, Archer — a voz agora estava extremamente próxima, tão próxima que o calor de seu corpo deixou minha mente em confusão.

   Os cliques dos sapatos pararam quando soltei um suspiro.

   — Loren pode te ajudar—

   — Loren, hein?

   Algumas pessoas nascem para intimidar, para incutir medo na mente dos outros; eles têm uma aura ameaçadora que faz você pensar três vezes antes de falar com eles.

   A partir de agora, Ares Estevan parecia um deles. Sua presença por si só era ameaçadora, assustadora.

   Foi um escudo que ele construiu em torno de si para se proteger de todos por causa de sua ansiedade ou ele era realmente um idiota?

   Deixei escapar um suspiro chocado quando senti algo atingir minhas pernas. Era leve, mas o suficiente para me assustar e me tirar da confusão dos meus pensamentos.

   Ele não me bateu com a bengala, bateu?

   Eu girei como um reflexo, apenas para ficar cara a cara com um homem alto.

   Por alto, quero dizer que esse cara era alto mesmo. Sua altura documentada era de 1,87m. Só agora eu consegui entender o quão drástica era a diferença de altura.

   Engoli em seco enquanto olhava para seu peito coberto pela camisa preta, sem ousar olhar para cima, me sentindo mais pequena do que nunca.

   Eu estava acostumada a ter homens na minha presença, mas foi a primeira vez que fui pega de surpresa. Talvez tenha sido porque eu pude sentir o ódio iminente que estava prestes a receber ou talvez tenha sido por causa da emoção do desafio que veio com essa pessoa.

   Mas se eu quisesse esse emprego, algum dia teria que superar meu medo, certo?

   Engoli em seco enquanto respirava fundo, acalmando meus nervos e me preparando para ouvir uma palestra.

   Sua colônia almiscarada encheu meus sentidos enquanto eu cerrava a mandíbula, tentava ao máximo não me deixar afetar por isso.

   — Ares, a Sra. Campbell não é como as outras enfermeiras, estudei o perfil dela. Ela é brilhante, jovem e diligente. Ela tem algumas conquistas sérias-

   Senti uma onda de poder dentro de mim enquanto a voz de Archer pairava no ar.

   Preparada para confrontá-lo, olhei para cima.

   Meu autocontrole desapareceu no ar quando eu o encarei.

   Se eu achava que Archer era gostoso, esse homem era o maldito sol. Eles não estavam brincando quando acrescentaram a cláusula "Os funcionários não devem se comportar de maneira inadequada".

   Ares Elliott Estevan definitivamente não era um cara velho e enrugado. Ele era alto, orgulhoso - seus ombros eram largos. Ao contrário de seu irmão, cujo cabelo estava bem penteado, seu cabelo estava bastante bagunçado.

   Era ligeiramente longo, encaracolado, tão preto quanto a carapaça da noite. Pude distinguir um ou dois fios de cabelo grisalhos espanando sua têmpora.

   Suas feições eram nítidas, mas vazias e tinham uma frieza incomum. Seu nariz pontudo, a sombra da idade fazendo-o parecer mais maduro e gracioso.

   De repente, lembrei-me de por que gostava de homens mais velhos.

   Seus lábios eram carnudos, seu queixo pontiagudo e a barba por fazer bem esculpida o enfeitavam.

   Ele usava uma máscara preta no lado direito do rosto.
   Cobriu metade de seu rosto, bloqueando meu acesso ao lado direito de sua face. A única coisa que pude ver foi o olho dele por baixo da máscara.

   Entre todas essas belas características que este homem possuía, seus olhos eram os que mais se destacavam.

   Uma ou duas mechas de cabelo cobriam sua testa, de onde seus olhos espiavam. Seu olho direito era cinza esfumaçado que refletia Archer.

   O olho esquerdo, entretanto, era preto.

   Duas íris de cores diferentes, uma preta e outra cinza azulada. Seus olhos estavam tão vazios quanto suas feições quando encontraram seu olhar no vazio do nada.

   A máscara preta fez com que seu olho cinza se destacasse ainda mais.

   Meu olhar viajou para baixo.
   Uma vareta.

   Ele segurava um bastão longo e preto. Foi esculpido em designs diferentes. Uma caveira impressa no final, com as mãos apoiadas em cima.

   Devo permanecer profissional por causa da minha recomendação.

   Recomendação significa bom portfólio e bom portfólio significa John Hopkins.

   Este homem precisava da minha ajuda, não da minha bunda sedenta.

   Soltei um suspiro que não percebi que estava prendendo, meus nervos relaxando um pouco. Abrindo um sorriso rígido e me dando um tapa mental, estendi a mão para ele, a fim de manter minha boa aura.

   No momento em que meus olhos encontraram os dele, eu sabia que esse homem iria causar estragos em minha mente, estragando minha resolução.

   Ele era irritantemente bonito. E atrativo.
Eu iria tolerá-lo por causa daquela recomendação extra?

   Sim, com certeza.

   Minha recomendação foi extremamente importante para mim.

   — Olá, eu sou Lo—

   — Você está demitida.

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