05.²
Valerie Kane
Depois de horas transcorridas e de um sacrifico para convencer a mãe de Clarke a nos ajudar com Lincoln, estávamos no acampamento que o exército havia montado em frente ao acampamento Jaha, literalmente na frente da tenda da comandante.
—Se olharem 'pra ela da forma errada, vou degolar as duas usar as cabeças de troféu.—É oque um guarda diz quando estávamos prestes a entrar na tenda, provavelmente um senescal fiel da governante.
Não me atrevo a deixar-me intimidar pela ameaça fajuta dele, continuo a fita-lo, com ódio. Ele afasta os panos da tenda dando abertura para entrarmos.
O cenário ali, posso me arriscar a dizer que era dos mais hostis e violentos, amedrontador demais 'pra duas adolescentes de 17 anos e alguns meses, os panos tinham cheiro de sangue seco. Havia um vigia na entrada, usando uma máscara de metal com chifres de diabo, sua roupa inteira manchada por um sangue que sei que não é dele.
E no meio da tenda, tão imponente e arrogante, tão poderosa e tão fria, sentada em um trono que parecia feito de espinhos dos mais afiados, poderiam ser removidos dali a qualquer momento e serem usados como espadas caso ela quisesse. A comandante usava uma maquiagem de guerra, uma tinta preta, parecia um gladiador romano, ou o rosto de um guaxinim. Também possuía um símbolo dourado que enfeitava a testa, como um Sol ou uma engrenagem. Havia uma ombreira enorme em seu ombro direito e uma capa vermelha cobria o corpo feminino. Ela não parecia muito mais velha do que eu e Clarke, chuto no máximo 22 anos, mas ainda sim era uma pouca idade para uma governante de um povo tão organizado e treinado. Ela segurava uma adaga em uma mão e com a outra tinha um dedo na ponta afiada. Suas vestes não permitiam ninguém confundir quem era ela. Se foi feito com a intenção de assustar, falhou de forma fatal, era preciso mais do que isso para me amedrontar.
Ao lado do trono, havia uma mulher, uma pele negra retinta, cabelos crespos curtos e tão negros quanto. Uma postura defensiva e as vestes de uma guerreira que batalha a muitos anos, uma tatuagem em seu rosto, uma marca, como se fosse uma propriedade, os olhos fulminantes dela em mim fizeram minhas mãos tremerem. Me pego perguntando quantos dedos ou dentes ela já arrancou torturando traidores.
Depois de vários segundos de momentos torturantes, ela fala pela primeira vez, sem tirar os olhos da adaga.
—Você foi quem queimou 300 dos meus guerreiros vivos.—Ela leva o olhar até Clarke, sua voz era suave, mas autoritária demais.
—Foi você quem os enviou para nos matar.—Clarke diz, sua voz treme de leve, mas acho que apenas eu percebi.
—E você...—Ela aponta a adaga para mim, aperto o maxilar e cerro os olhos, não me deixando intimidar pela ameaça silenciosa da lâmina.—Você explodiu a ponte que estavam passando mais de 400 dos meus guerreiros...
Ergo uma das sobrancelhas, como ela sabia? Eu fui vista? Pensei que não havia sobrado nenhum sobrevivente.
—E se tiver uma nova ponte que você queira explodir, estou disponível para o trabalho.—Retruco sem sorrir, vejo a mulher ao lado dela retirar a espada da bainha, mas com um gesto da comandante, ela recua.
—E você tem uma resposta para mim, Clarke do Povo do Céu?—Ela gira a lâmina entre os dedos de forma habilidosa.
—Eu tenho uma oferta.
—Isso não é uma negociação.—Ela rosna, seus traços de ira começam a aparecer.
—Occidam eos et super hoc erit.—"Me deixe mata-las e isso vai terminar." Engulo seco, eu as palavras pareciam claras demais na minha mente, por algum motivo, ela falava em outra língua, mas é como se não falasse, porque eu entendo cada palavra da ameaça. A Comandante não a permite, ergue a mão num gesto autoritário e revira os olhos.
—Podemos te ajudar a acabar com os Homens Da Montanha.—Quando Clarke diz, ela fica obviamente interessada.
Esse era o maior problema deles, visto que não tinham ideia de como reanimar alguém com massagem cardíaca, essa jogada era brilhante. Eles dependiam disso. E se talvez, os ensinássemos oque sabíamos, eles veriam que não somos ameaças e nos deixariam viver aqui. No caminho até aqui, Nyko me contou que os terrestres tem um jeito excêntrico de retribuição, ou talvez barganha. Se você os dá um pacote de castanhas, em alguns dias, sua casa estará entupida da espécie mais rica de castanhas, só para a dívida voltar para você. Talvez isso seja uma vantagem para nós.
—Continue.—Eu sorrio de canto quando ela ordena, colocando a adaga sobre o colo.
—Centenas do seu povo estão aprisionados em Mount Weather. Presos em jaulas, o sangue deles é drenado para fazer remédio.—Clarke explica ao meu lado, olho de canto para a senescal do lado da comandante, o olhar voraz jamais sai dos olhos negros dela.
—Como sabe disso?
—Porque eu vi. Meu povo é prisioneiro lá também. Eu era um deles...
—Mentira. Ninguém consegue fugir da montanha.—A mulher ao lado do trono fala, aperto ainda mais o cabo da lâmina dentro da manga da jaqueta de Bellamy, a qual eu trouxe escondida da fiscalização deles.
—Eu escapei. Com a Anya.—O nome parece mexer com o semblante da comandante.—Lutamos para fugir juntas.
—Outra mentira. Anya morreu no fogo. Você a matou.—Novamente a mulher se intromete, eu me contenho, não posso revirar os olhos agora.
Clarke começa a mexer no bolso do casaco, eu a cutuco, um lembrete óbvio para não fazer nenhum movimento brusco, todos da sala estavam empunhando as espadas das bainhas lentamente.
Ela cuidadosamente tira uma trança do bolso, provavelmente fazia parte de um ritual de morte deles, era bonito na minha visão, era bom ver que cabelo feminino ainda tinha significado depois do fim do mundo.
—Ela me disse que você era a segunda dela. Tenho certeza que ela queria que você ficasse com isso.—Vejo o olhar da comandante falhar por alguns instantes. Acertamos a ferida.
—Não sabemos se é dela.—A mulher alerta quando Clarke entrega o último vestígio de Anya para a comandante.
—Shaut Indra.—"Cale-se Indra." As vezes senecais devem lembrar a própria posição.
—Anya foi minha mentora, antes de eu ser chamada para liderar meu povo... Ela morreu em paz?—Evito sorrir quando escuto, era inevitável o vínculo de um aluno e professor, sempre será um ponto sensível de quem lidera.
—Sim. Do meu lado, tentando levar uma mensagem para você...—Clarke diz depois da mulher guardar a trança no próprio bolso.
—Qual mensagem?—A mulher afia o olhar.
—O único jeito de salvar o nosso povo. É se nos unirmos.
—Aqueles que estão prestes a morrer não dizem nada.—Quando Indra fala, não me seguro, cuspo com veneno as palavras sem ao menos pensar.
—Já experimentou quase morrer para saber o que sua antiga comandante falaria?—Clarke me belisca e eu me seguro para não reclamar, a mulher no trono curva os lábios em um sorriso.
—Ainda estou aguardando a oferta. Clarke e Valerie do Povo do Céu.—Ergo uma sobrancelha, Nyko contou para ela? Ela fazia questão de lembrar o meu nome?
—Os Homens da Montanha estão transformando seu povo em ceifadores. Eu posso trazer eles de volt...—Ela não termina, Indra esbraveja sem sair da postura do outro lado da sala.
—Impossível! Heda, Obsecro te ut eam interficias.—"Comandante, eu te imploro para que me deixe mata-la." Me coloco a frente de Clarke, segurando a lâmina por debaixo da manga.
—Eu já fiz isso. Com Lincoln.—Quando Clarke explica, a mulher se aproxima de nós duas com a espada empunhada.
—Aquele traidor é a razão para a minha vila ser massacrada por voc...—A Comandante a chama antes que a mulher termine. Eu ergo o meu queixo em direção ao rosto dela, ficando entre ela e Clarke. A loira está ofegante e tremendo atrás de mim.
—Indra! Empleni!—"Indra! Basta!" Me mantenho firme até ela sair de perto de nós e voltar a posição. A Comandante está de pé na frente do trono e avança até nós com passos firmes.
—Disse que pode fazer Ceifadores voltarem a ser humanos?
—Sim.—Volto a ficar do lado de Clarke, permitindo as duas a terem uma conversa.
—Então prove.—Ela rosna.—Me mostre o Lincoln.—Nunca rezei tanto para que Abby não tivesse matado nenhuma das aulas de medicina.
—How do yu know our sleng?—"Como sabe a nossa língua?"—Ela desvia o olhar para mim, pendendo a cabeça para o lado, depois estapeia meu braço e faz minha adaga cair no chão.—Chon taught yu? Lincoln?—"Quem te ensinou? Lincoln?"
—Ai came kom the skai, ai know the same bilaik yu know, ai nowe met linkon.—"Eu vim do céu, eu sei o mesmo que você sabe sobre mim, eu nunca encontrei Lincoln."—Meus lábios se movem de forma automática, como se eu tivesse crescido falando essa língua, a mulher me lança um olhar questionador e não responde.
[...]
Antes que eu pudesse questionar, estávamos andando pela trilha tão familiar, em poucas horas, estávamos dentro do território do acampamento.
Ao redor do módulo, vários e vários ossos espalhados pelo chão, ossos daqueles que um dia estavam vivos. Olho para Lexa, que não consegue manter o olhar filme ao reparar na paisagem sombria e mórbida ao nosso redor.
—Por aqui.—É o que Clarke diz quando avança mais para frente, nem percebo quando estou do lado da Comandante até a ombreira dela roçar no meu ombro. O olhar dela parecia conter uma ira que eu já havia conhecido, já vi em Cardan.
Quando subimos o nível, o cenário era pior do que eu imaginava, Octávia estava em cima do corpo morto de Lincoln, chorando e fazendo massagem cardíaca. Hoje eu percebi que já fodeu.
Me aproximo de Bellamy, que estava perto dela, não havia muito oque fazer agora, não tinha o que perguntar, o ambiente já respondia por si. Deito a cabeça no ombro de Bellamy e passo meus dedos pelo cabelo escuro de Octávia.
E então, a Heda sobe pela escotilha, eu engulo seco, procuro alguma coisa para me defender e defender os três que estavam ao meu lado, Cardan, Bellamy e Octávia.
Uma tenso se instala no ar, vejo de canto de olho Bellamy alcançar o pente de rifle com os dedos. Eu fecho os olhos com força, pegando uma faca acoplada no corpo morto de Lincoln. Não era uma faca, era uma espada, minhas mãos tremem.
A mulher lança um olhar para Indra, que empunha a espada da bainha e diz.
—Matem todos.
Bellamy e Cardan se levantam, um segurando o rifle e outro com dois revólveres carregados e destravados nas mãos, apontando para a Comandante. Abby está segurando o bastão de choque e Nyko empunhou a espada.
—Por favor! Você não precisa fazer isso!—Clarke diz, mantendo a postura submissa, eu estalo o pescoço, levantando do chão devagar, balançando a espada de Lincoln. O lado bom de ficar aprisionada em Phoenix era que eu podia fazer o que eu quiser, inclusive treino com armas brancas.
—Você mentiu. E você está sem tempo.—A Comandante assume uma postura defensiva. Estava apontando a espada para Abby.
A médica corre em direção ao corpo de Lincoln, pressiona o bastão de choque ligado contra o peito do mesmo, fazendo o corpo dele tremer contra o chão, sua reação fazendo nós todos ficarmos estáticos.
—Tente de novo!—Clarke pede a sua mãe, que repete o processo. E por um milagre ou não, Lincoln responde, suspira uma forte lufada de ar e abre os olhos, tenho que me segurar para não gritar de alívio.
Todos arregalam os olhos, Octávia ajoelha perto dele e eu os ouço murmurar alguma coisa.
Empurro o corpo de Nyko para longe, mas ainda com a espada erguida. Se realmente cumprissem com as promessas, uma aliança estava feita agora.
A Heda guarda a lâmina na bainha, Clarke ao meu lado está com os olhos lacrimejando. Quando olho para outra direção, Bellamy está sorrindo. Sorrindo para mim.
[...]
Estávamos na tenda da Comandante, novamente, após todo o burburinho, havia uma mesa no centro, com um mapa e alguns bonecos, talvez o jeito deles de planejar uma estratégia.
—Nyko, show me chit yu wanted kom show.—"Nyko, me mostre oque você queria mostrar." A Comandante diz, por incrível que pareça, estávamos só eu, Clarke, ela e Nyko. Nenhum guarda ou senescal.
Ele pega uma faca do quadril, antes que eu pudesse reagir ou negar, ele corta a minha palma de forma superficial e ergue no ar, mostrando-a como um prêmio enquanto o sangue negro escorria pelo meu braço e manchava a mesa.
—She has the jus.—"Ela tem o sangue." Ele avisa, quase que impressionado, orgulhoso do que falou, apesar de saber oque ele falou, não entendi o porquê de ser tão enigmático.
Ela pisca uma, duas e várias vezes, esboça um sorriso no rosto, analisa mais o meu ferimento enquanto eu sentia a minha palma queimar e me segurava para não resmungar. Talvez ela tenha visto algo que eu não vi, julgando o olhar de supresa e admiração dela.
—Great job, naikou. I'm thankful. Yu can bants nau.—"Ótimo trabalho Nyko, Eu agradeço, você pode sair agora." Ela diz, eu ergo uma sobrancelha e franzo o cenho, tentando ler pelas entrelinhas das palavras. Antes de sair, ele tira um pano da maleta e amarra o meu ferimento, depois se curva a comandante e passa pela fenda dos panos.
—A recuperação do Lincoln foi... impressionante...—Ela diz, parece estar satisfeita, mordo o inteiror da minha bochecha tentando resistir a dor. Por incrível que pareça, ela está sorrindo, sorrindo de verdade, nem achei que ela tinha alma pra isso.—Ninguém havia sobrevivido a isso antes.
—Na verdade não é tão complicado. Só os precisa manter eles vivos até a droga ser dissipada do corpo deles. Sei que podemos salvar os outros..—Clarke explica esperançosa ao meu lado, enquanto eu segurava o meu próprio pulso. Sinto que algo não está certo, eles não deixariam algo como o que Finn fez passasse em branco, mesmo depois de mostrarmos a eles a cura, tem algo a mais.
—Vocês terão a trégua.—Clarke não consegue segurar a expressão de euphoria olhar.
—Muito obrigada!
—Só preciso de mais uma coisa...—Eu sabia, sabia que não iria ser fácil.
—Pode dizer.—Clarke dá de ombros.
—Me entregue aquele que vocês chamam de Finn.—Ela fala, com a maior neutralidade, minhas entranhas queimam e parece que há uma bola de fogo no meu peito.—Nossa trégua começa... quando ele morrer.
[...]
—Abaixem as armas! Elas voltaram!—Ouço Bellamy gritar quando estávamos sendo escoltadas por dois cavaleiros montados a grandes corcéis, segurando tochas para iluminar o caminho da noite escura.—Abram o portão!
Quando nós ultrapassamos a entrada, eu olho para trás, lanço um aceno leve de gratidão aos dois homens, que de início parecem estoicos, congelados, sem vida como soldados de chumbo, mas retribuem o aceno.
—Vocês estão bem?—É oque Finn pergunta antes de Clarke ordenar que os portões se fechassem, não consigo nem ao menos olhar nos olhos dele sem sentir que estou mentindo.
—Não pode ficar aqui...—Clarke agarra o garoto pelo braço, guiando ele para a nave.
Olho para trás lançando um olhar a Bellamy, quase que um pedido para que ele nos seguisse, depois de alguns metros consigo ouvir os passos dele atrás dos meus.
—Graças a Deus!—Abby exclama abraçando a nós duas, não tento resistir a demonstração de afeto, apenas deito minha cabeça no ombro dela de leve.
—Oque ela disse?—A mulher desfaz o abraço e encara nós duas com desconfiança, mas também um certo pavor.—Há uma chance de trégua?
—Tem sim.—Respondo engolindo em seco.
—Oque aconteceu?—Finn pergunta ao meu lado e eu mordo a minha língua.
—Eles querem você.—Clarke responde antes de mim, minha respiração começa a ficar mais pesada enquanto as pessoas se reuniam a nossa volta.—Se queremos trégua devemos entregar o Finn.
—Do que você 'tá falando?—A voz de Raven era a última que eu queria escutar.
—É a oferta deles...—Eu falo com os olhos fechados, me apoiando no que parecia ser um destroço, toda a tensão que não senti na tenda, estava descarregada agora.
—Não é uma oferta...
—É uma punição.—Finn interrompe Raven.—Pelo oque aconteceu na vila... Sangue com sangue.
—Isso é loucura.—Bellamy fala, os olhos dele em mim.
—E se recusarmos?—Abby indaga, passando a mão pela minha testa, limpando o suor frio que se reunião nas minhas sobrancelhas.
—Eles atacam.—Clarke responde.
E as reações são das piores, um burburinho começa a se espalhar pelo acampamento, sinto minha cabeça girar, mordo a minha língua de novo, tão forte que consigo sentir o gosto do meu sangue. Eles estavam com medo, todos estamos, não é por justiça, isso deixou de existir há muito tempo, é por segurança.
Um dos homens da estação fábrica se aproxima de forma ameaçadora, com um porte e um feitio violento, Raven nem o deixa se aproximar de Finn.
—Sai fora!—Ela grita empurrando o homem com o dobro do tamanho dela, mas antes que ele revidasse, Bellamy o segura, impedindo algo maior acontecer ali.
Clarke segura os ombros da morena, não consigo escutar oque estão falando, mas Clarke está fazendo promessas que não pode cumprir como sempre. O caos volta a ser instaurado quando outro homem decide que vai entregar Finn, levo minha mão a cabeça e só consigo ver Raven socando o rosto da Major.
—Valerie?—Ouço uma voz familiar, posso dizer que era Cardan, mas não consigo abrir a boca para falar, meus lábios estão secos demais.—Abby! Ela vai desmaiar!—É oque eu escuto quando eu caio contra o corpo dele, consigo ouvir tudo, mas meus olhos não abrem nem minha boca se mexe, estou sendo carregada.
[...]
Eu acordo sentada numa poltrona, ouvindo alguém tossir no meio da sala, quando finalmente consigo abrir meus olhos, era Lincoln, estava amarrado, além de Abby, Octávia e Clarke estavam discutindo com ele sobre a possibilidade de paz.
—A paz ainda é possível?—A mulher mais velha pergunta, levo meus olhos até o acesso no meu braço, provavelmente um suplemento vitamínico.
—Lexa deixou cavalheiros aqui?—Era a primeira vez que eu escutava a voz dele sem ser os gritos, não parecia com o selvagem que Bellamy e meus irmãos haviam torturado na noite da tempestade.
—Dois fora do portão.
—Eles querem o Finn...—Ele aponta o óbvio e meu estômago embrulha.—Vocês tem pouco tempo para decidir.
—Ela não pode esperar que a nós entreguemos um do nosso próprio povo... ela faria isso?—Octavia se aproxima da maca.
—Ela não deixaria o próprio povo morrer para proteger um assassino.—E ele está certo. Não aceitaria ter que lutar junto de Bellamy e Cardan só porque estamos defendendo um único alguém que matou crianças. Todos fizemos coisas, eu explodi a ponte, mas era nós ou eles, até onde eu sei, Finn tinha uma escolha.—Se vocês não fizerem isso vão matar todo mundo nesse campo.
—Deve haver outra forma de resolver isso.—Abby insiste.
—Finn tirou 18 vidas. Lexa exige só uma em troca então aceitem a oferta.—Ele rosna, eu olho para o chão.
—Como pode me dizer isso? O Finn foi a pessoa que te procurou para oferecer a paz. Ele é seu amigo!—Clarke diz e eu reviro os olhos, que coisa estupida de se dizer.
—Ele massacrou a minha vila. Alguns eles também eram os meus amigos.
—Mas não era o Finn!
—Agora é!—A expressão dele continuava estoica de sempre, não via um traço de emoção no olhar.—Temos o poder de decidir Clarke. Somos responsáveis pelos mortos que deixamos para trás.
Eu finalmente tomo coragem para invadir a conversa.
—Clarke, eu odeio ter que te dizer. Ele está certo. São as consequências do que ele fez, tudo bem se ele não tivesse escolha, mas ele tinha e ele escolheu errado. O preço chegou.—Eu encaro os olhos azuis dela, a loira nega com a cabeça, como se sentisse traída pelo meu partido.
—Oque vão fazer com ele?—Abby pergunta com pesar.
—Fogo... como matou inocentes começam com fogo.—Lincoln responde.
—Começam?—Clarke suspira.
—Cortam fora as mãos... a língua... os olhos... os que perderam tem sua vez com a faca... de manhã a Comandante encerra com a espada...—Eu olho para cima, me segurando para não vomitar ao pensar na carnificina e nos gritos que obviamente ele vai soltar.—Nunca vi ninguém aguentar a espada...—Talvez fosse cruel demais entregá-lo a isso. Não era justiça, era vingança. Eu não desejaria nada disso nem para o meu pior inimigo, entregar ele ao sofrimento não podia ser uma opção.
—Ele matou 18... vai sofrer a dor de 18 mortes... então vamos ter paz.
Eu pisco os meus olhos, ajeito minha postura, encaro o homem de pele retinta deitado na maca.
—Lincoln, não pode haver tanta sede de sangue de onde você veio.—Eu argumento, colocando uma franja do meu cabelo atrás da orelha.
—Mas há...—Ele me responde, encarando o fundo da minha alma.—Talvez um dia consiga mudar.
Entendo oque fala, mas não compreendo oque diz, o jeito enigmático, uma mensagem nas entrelinhas. Talvez um dia eu entenda.
[...]
Fora da nave, a situação estava pior, os terrestres estavam sem paciência e havia centenas deles volta do acampamento, recitando o ditado que eu já havia escutado.
—JUS DREIN! JUS DAUN!—"Sangue clama por sangue." Não consigo evitar se não sentir um arrepio na minha nuca.
—Estão tentando nos assustar!—A voz de Bellamy me tira dos meus pensamentos, ele segurava o rifle em suas mãos, posicionado junto da guarda.—Está melhor?
—Era só fome... e nervosismo.—Explico, cruzando meus braços acima do peito.
—Esse aqui nem piscou o olho hoje a noite de tanta preocupação.—Cardan bagunça meu cabelo, apoiando as costas numa viga e apontando o queixo para Bellamy.
—Cara, não desafia quem tá com a arma, o Vander já te falou isso.—Bellamy lança um olhar afiado a Cardan, antes de bater com o bico da arma na parte de trás da cabeça dele. Eu não consigo conter minha risada, cubro a minha boca para abafar a gargalhada, era o único momento de "tranquilidade" que tive desde que acordei.
—Falando em Vander, onde será que o velhote tá?—Cardan alcança o rifle pendurado no corpo, olhando o horizonte pela lente de mira.
—Espero que flutuando no espaço, até o diabo achava aquela criatura insuportável.—Bellamy resmunga e eu seguro uma risada.
Vejo Abby avançar até o portão, lanço um olhar aos dois ao meu lado, seguindo ela e Clarke pelo campo.
—Abram o portão!—Ela diz e é feito de imediato.
—Onde está o garoto?—Um dos guardas com máscara de caveira manchada de sangue questiona, o olhar colado em Abby.
—Nós não vamos entrega-lo. Nós vamos lutar.—Ela afirma e eu massageio a minha têmpora com os meus dedos, eu sabia do meu destino e sinceramente, era a decisão mais burra que as duas já tomaram.—Se é isso que nos restou.
Os soldados não respondem nada, dão meia volta com os seus cavalos negros e enormes e cavalgam de volta para o acampamento deles.
—Procurem movimento!—Bellamy ordena ao meu lado, com o rifle nas mãos, mirando na mata.
Um burburinho começa entre os guardas, agora mais do que nunca, exasperados com a possibilidade da guerra.
—Bellamy...—É o que Cardan diz quando eles veem algo se aproximando... não algo... alguém.
—Não atirem!—Eu grito, levantando as mãos, meus cabelos balançando no vento.
A pessoa também copiava os meus gestos, os braços erguidos em rendição e eu reconheço os cabelos negros e o porte alto em qualquer lugar, além da jaqueta que era pra ser luxuosa.
—Pai...—Eu o chamo, não consigo conter o meu alívio em vê-lo novamente, vivo, um pouco machucado, mas ainda sim, vivo.
Minhas últimas noites giraram por volta de esperar por ele e Ethan aparecerem magicamente na porta do meu quarto. Sempre ia na área externa com uma vela ligada, esperando.
Não consigo reagir quando ele me abraça tão repentinamente, afagando os meus cabelos enquanto me apertava contra o corpo dele, fico alguns minutos estática, imóvel, pensei que ele não se importava, pensei que odiava ver a esposa que ele mesmo matou em mim. Nunca em tanto tempo eu senti meu peito se aquecer da forma que está agora, meu coração a mil, cada segundo do abraço me permite a ter 5 anos de novo.
—É bom rever esse lugar.—Ele diz, me soltando, mas segurando meus ombros, olhando para o acampamento.
—Não podemos ficar aqui. A céu aberto não é seguro...—Bellamy avisa e me traz de volta a como o ambiente real estava.
—É seguro. Pelo menos por enquanto.—Ele afirma, uma das suas mãos pousada nas minhas costas.—Venha, vamos conversar, a Comandante nos deu algum tempo.—Ele diz para Abby enquanto caminhávamos para dentro, eu lanço um sorriso para Cardan e Bellamy, dando de ombros.
—Fechar o portão! Rápido!—Ouço alguém gritar, paro estática no lugar enquanto os dois entravam para dentro da nave adormecida, ficando ao lado dos meus amigos.
—Isso foi estranho...—Clarke diz se virando para mim, eu sabia do que ela estava falando.
—Depois do esporro que o Cardan meteu nele acho difícil ele não ficar pianinho.—Bellamy cruza os braços acima do peito.
—Brigou com o meu pai?—Levanto uma sobrancelha e olho para o meu irmão.
—Dei um "chega pra lá" só, não foi tudo isso.—Ele revira os olhos e eu sorrio, eu conhecia bem, posso até imaginar que tipo de coisa ele falou.
[...]
A porta da sala do Conselho se abre e Abby sai por ela, eu, Raven, Bellamy e Cardan seguimos a mulher pelo corredor.
—Oque aconteceu?!—Raven diz, a voz trêmula e tensionada.
—Você demorou muito tempo!—Bellamy exclama, com o mesmo nível de preocupação de Raven.
—Havia muito o que conversar.—Abby ignora as perguntas e eu aperto o passo para acompanhar o grupo.
—Oque vai acontecer?!—Eu insisto, ficando na frente dela e a parando.
—Não vamos entregá-lo aos terrestres.—Bellamy afirma do meu lado, eu cruzo os braços olhando para o chão.
—Saia da frente agora.—Ela ordena, consigo captar o desdém e a autoridade na voz dela, meu sangue ferve. Bellamy da espaço para ela, olhando para o chão.—Estamos todos tentando sair disso.—Ela diz para mim e Raven antes de continuar o caminho dela pelo corredor.
—Eles vão entregá-lo.—Cardan murmura atrás de nós, trocando um olhar com Raven.
Bellamy bufa, lança um olhar para Cardan e Raven e começa a caminhar em passos rápidos, virando a esquina do corredor. Não hesito em segui-lo.
—Oque está pensando em fazer?—Pergunto preocupada, encarando a figura alta e cheia de fúria caminhar ao meu lado.
—Precisamos tirar ele daqui.—O tom de rigidez some de sua voz ao se dirigir a mim.
—Fale oque está pensando e me diz como eu posso ajudar.—Aperto o passo para acompanhar ele. Eu não queria contrariar o meu pai, provavelmente é ele quem está colocando essa ideia na cabeça de Abby, mas não quero ver alguém do meu círculo morrer. Apesar de eu acreditar que ele mereça, estou disposta ajudar Bellamy, que se importa tanto com o garoto.
—Eu não quero te expor a esse perigo, acho melhor você ficar.—Ele para no corredor, segurando meu pulso de forma delicada, como se eu fosse feita de cristal.
—Eu quero ajudar, se você não me deixar ir, eu vou sozinha, vai ser pior.—Eu afirmo, meus olhos fixos nos dele. Ele larga o meu pulso e volta a andar.
—Só me segue, te explico quando acharmos ele.
Andamos quase correndo pelos corredores de metal até encontrar Finn e Clarke em um canto, conversando.
—Finn!—Bellamy chama o garoto olha em nossa direção assustado.—Você vai sair daqui.
—Ei! Para onde ele vai?!—Clarke pergunta de imediato, quase como se negasse.
—Ele vai para o módulo.—Quando Bellamy diz, Finn nem questiona, apenas começa a nos seguir pelo corredor.
—Não! Você sabe que esse lugar é o mais seguro para ele agora!—Clarke tenta impedir a gente, porém na surte efeito.
—Podemos proteger ele no módulo até resolvermos isso.—A voz dele continuava inabalável. Ao passar por um corredor, capturamos a atenção de vários Waldenitas perto da porta da enfermaria, a maioria mães com os seus filhos.—Peguem suas coisas em cinco minutos no portal da Raven. Ela já está cortando a energia da cerca.
—Certo, mas eu não quero ninguém comigo.—Franzo o cenho quando ouço Finn falar e parar no meio do corredor.
—Isso não é discutível...
—A gente tá cercado por terrestres!—Clarke interrompe Bellamy.
—Separados e nos arrastando, podemos conseguir.—Ele explica, eu encaro a todos com um olhar aflito, incerta sobre a eficácia desse plano.—Eu e Valerie vamos esperar vocês no módulo.
—Olha ele ali.—Engulo seco quando ouço uma voz masculina ecoando, atrás de nós, vários funcionários da estação fábrica estavam de pé, com semblantes nada amigáveis.—Quer matar a gente, né?
Quando um avança para cima de nós, eu arranco um cilindro de metal da parede e não hesito em acertar a cabeça de um deles, depois que ele cai no chão desacordado, eu olho para frente e falo.
—Dou dois segundos pra vocês saírem da nossa frente ou eu vou enfiar isso aqui aonde a luz não bate.—Eu levanto o meu queixo, batendo com a ponta do metal no chão.
Alguns olham para o chão, outros coçam a nuca, recuando de forma discreta.
—O Bellamy está certo.—Clarke diz com a voz trêmula.—A gente tem que ir.—A loira segura o braço de Finn levando ele pelo corredor.
Antes de tomarmos outro rumo, eu largo a minha "arma" no chão e olho para os homens.
—Levem ele para enfermaria, fala que não é nada pessoal!—Eu digo andando pelo corredor, falando alto para que eles escutem a minha voz se afastando. Sinto os passos de Bellamy atrás dos meus.
[...]
Já passou um tempo desde que chegamos no módulo, jogo minha bolsa no chão, passando minhas mãos suadas pelo meu rosto, tentando aliviar o estresse que eu acumulei o dia todo.
—Eu olhei de novo, nenhum sinal deles.—Raven diz, entrando no módulo ao lado de Cardan, Bellamy para de dar voltas no mesmo lugar e me lança um olhar antes de responder ela.
—Cadê eles?—Pergunta quase que para o vento.
—A separação foi um erro.—Cardan reclama, passando os dedos pelos cachos negros.
Ao ouvir passos do lado de fora, eu alcanço meu arco e um flecha, me levantando ao lado de Raven, pronta para atirar em qualquer um que ameaça nossa segurança. Bellamy copia o meu gesto quando levanta o fuzil.
Não consigo conter minha surpresa e minha indignação quando vejo quem passou pelas cortinas, os cabelos sujos bagunçados e o rosto manchado de terra e sangue. E os olhos cor de gelo inconfundíveis. Aperto ainda mais o arco entre os meus dedos.
—Wow! Peraí!—Ele levanta as mãos no ar, sem nenhum movimento brusco.
—Murphy?—Bellamy questiona, piscando algumas vezes. Raven coloca a mão em cima do braço dele e abaixa a arma.—Por que está aqui?
—Porque ela me convidou.—Ele aponta o queixo para Raven.
—Uma arma a mais ajuda.—Ela explica.
—Não vou dizer que é fácil atirar com um dedo a menos.—Ele levanta a mão, olhando para mim, sorrindo de canto, mexendo o cotoco do dedo anelar.
—Quer que eu arranque o dedo da punheta também?—Levanto uma sobrancelha, abaixando o arco. Todos se viram para mim e me encaram perplexos. Cardan deixa uma cotovelada meio forte contra a minha cabeça.
—Olha a boca menina!—Ele exclama, ouço os três rindo.
—Era para você estar com Finn.—Raven diz depois de disfarçar a risada, cruzando os braços.
—Fica tranquila, andarilhos espaciais são espertos.—Ele diz com desdém, segurando a mochila com uma das mãos.
Depois de alguns longos minutos de espera, ouço as cortinas balançarem e então, Finn entra carregando Clarke desacordada em seus braços.
—Oque aconteceu?—Bellamy diz correndo até os dois, eu por minha vez, verifico o pulso de Clarke, ela estava bem, apenas desmaiada.
—Terrestre... Bateu na cabeça dela.—Ele explica, eu sento no chão, indicando para ele deitar a cabeça dela no meu colo.
—Arranje uma atadura... um pano... qualquer coisa!—Bellamy diz ao meu lado, uma mão segurando o meu ombro, afasto as mechas loiras do cabelo de Clarke para longe do ferimento em sua cabeça.
—Tá na mão!—Murphy se agacha do meu lado, eu seguro a cabeça dela pra cima, enquanto Murphy pressionava o pano contra o ferimento.
—Clarke! Consegue me ouvir?—Eu peço, dando leves batidinhas em sua bochecha, meu rosto inclinado perto do dela.—Clarke!—Eu falo e a garota puxa uma forte lufada de ar, retomando a consciência, suspiro de alívio.
—Você vai ficar bem... só tem que descansar um pouco.—Cardan afirma, pressionando as costas da mão na testa suada dela.
Ouço Finn e Raven discutindo alguma coisa em sussurros, algo da errado, por que os dois saem do módulo, levo meu olhar aos três garotos, preocupada demais com oque podia acontecer a seguir.
[...]
Após os dois voltarem e Raven tomar conta de Clarke, eu estava junto de Bellamy, Cardan e Murphy estavam no chão, com os rifles. Eu apenas com o meu arco e as minhas flechas.
—Temos companhia! Terrestres!—É o que Cardan grita quando eu assovio um sinal para os três no chão, eu havia escutado barulhos de passos e avisei os três antes que ao menos visse quem era. Minha visão procura por qualquer silhueta.
Bom, meu coração erra uma batida, não era um, eram vários, rondando o acampamento, Finn e Clarke saem do módulo mas rapidamente se escondem atrás de um morro de terra, segurando suas armas de fogo. Os terrestres corriam em volta dos muros, segurando suas facas e arcos.
Minha respiração está ofegante e meu coração a mil. Eu conheço essa sensação melhor do que conheço a mim mesma. Pânico.
Bellamy aperta uma das minhas mãos, mesmo ainda estando em posição e segurando o rifle apoiando no chão. Uma lembrança silenciosa que ele estava ali.
Cardan troca um olhar com ele e Murphy, provavelmente um plano só deles, Cardan sussurra no meu ouvido sobre recuarmos para dentro do módulo. Eu não discordo nem desafio, eu estava com medo, mais medo do que eu gostaria de assumir. Medo de morrer. Medo de ver eles morrerem.
Depois de muito sufoco e passos quase que afundando no barro, todos nós estávamos dentro do módulo, eu sentada no chão, batendo o meu calcanhar contra o piso incontáveis vezes de forma rápida. Um sinal claro de que eu não me sentia bem.
—Pararam de se aproximar.—Ouço Murphy dizer, vigiando o lado de fora por entre as cortinas junto de Bellamy.
—Querem ficar fora do alcance... vamos esperar até de noite.—Ele avisa, saindo de perto da entrada.
—Atacando agora pegamos eles de surpresa.—Murphy diz depois de um momento de silêncio constrangedor, tento lutar contra a ardência nos meus olhos e minha garganta fechada.
—Nós nem sabemos quantos deles estão por aí.—Clarke diz.
—Não tem nenhuma ideia melhor, Clarke.—Murphy desdenha, minhas mãos começam a tremer com mais força.
—Vamos dar uma coisa para eles.—Raven diz, me sinto uma criança quando tento procurar por ar nos meus pulmões.
—Eles só querem o Finn.—Cardan fala o óbvio, sinto meus dedos dormentes e minha boca começa a secar.
—Finn não estava sozinho na vila...—Raven olha para Murphy, engulo em seco fechando os olhos, torcendo para que ninguém perceba. Por favor não agora, não agora.
—Do que é que você tá falando?—Clarke pergunta, se esforçando pra não aumentar a voz, aperto meus punhos.
—Gente, esperem...—Eu falo, minha voz fraca demais pra alguém ouvir com um dilema tão alto.
—Eu vim aqui pra proteger ele! Foi você quem me pediu para vir aqui!—Murphy diz, Raven não nega, apenas mantém o olhar tão cheio de repudio, sempre foi parte do plano dela.—Foi por isso que você me pediu para vir aqui.—O cenário só parece piorar, minhas mãos suam frio, sinto minha cabeça girar.
—Os terrestres viram ele na vila, acreditariam que ele é o atirador.—Eu olho para cima quando escuto Raven falar, procurando por alguma saída de ar.
—Ah! Sua filha da...
—Raven... você não quis dizer isso...—Clarke nega a si mesma.
—Você sabe o que fazem com as pessoas!—Bellamy a lembra.
—Querem um assassino... vão ter.—Raven destrava o rifle e mira em Murphy.—Entrega a arma!
Murphy avança alguns passos em direção a garota, a ponta do rifle quase tocando seu peito.
—Vai se foder, Raven.
—Abaixe isso... Raven!—Clarke pede, as mãos erguidas no ar.—Gostando ou não ele é um dos nossos!
—Entrega!—Raven encosta o bico da arma no peitoral dele.
Antes que eu pudesse pensar, um estrondo ressoa na nave. Todos olham assustados, não para Raven, para mim, que estou segurando um revólver e atirei na parede em meio a uma crise de pânico das mais fodidas, só para ninguém ser morto, mesmo sendo um dos que mais me agrediu.
Largo a arma no chão, minha respiração ofegante, já não consigo conter, não consigo puxar o ar, está tudo embaçado, há uma bola de fogo nas minhas entranhas e parece que eu andei em pedras de gelo.
Cardan corre e se ajoelha ao meu lado, mantendo espaço respeitoso entre nós, ouço passos pesados perto de mim e pela postura, é Bellamy.
—Foi... uma péssima ideia... não vamos conseguir salvar ninguém...—Eu não consigo mais pensar nem controlar. Só há lágrimas. Tão repentinas e queimam minha pele.
—Vai dar tudo certo, só precisa ficar calma e voltar a respirar...—Cardan afasta os cabelos do meu rosto.
—Não consigo... não consigo....—Eu começo a soluçar e sinto que há um saco plástico na minha cabeça, acabando com todo o oxigênio.
—Consegue sim.—Uma mão de Bellamy está no meu joelho, um carinho com o polegar, mas parece que até o tecido das roupas me incomoda demais.—Você se lembra quando eu estava igual a você? Lá no bunker, depois de Dex?
Eu confirmo com a cabeça, meu pescoço suado demais, a ponta dos meus dedos ainda formigando tanto que eu preferia desmaiar.
—Você conseguiu me ajudar a ficar calmo, assim como fez com Charlotte uma vez e eu tenho certeza, que se com tão pouco você acalma alguém como eu, você consegue sozinha.—Eu fecho os meus olhos, só escuto a voz dele.—Pensa em outra coisa, foge daqui por alguns minutos, vai dar tudo certo, ninguém morreu ainda.
—Não deixa a Raven matar o Murphy...—Eu começo a falar, mas a falta de ar não permite.
—Não vai acontecer.—Cardan deixa um beijo na minha têmpora e eu deito minha cabeça na escada do nível.
—Quer espaço?—Escuto Bellamy perguntar, eu só confirmo, puxando o ar com força e soprando.
—Murphy, sobe as escadas e vigie os fundos.—Finn diz com seriedade, consigo ver Murphy lacrimejando da mesma forma que eu.—Eu pego o nível baixo aqui com Valerie e vocês quatro ficam no frontal... Esse é o plano, tá bom?
Murphy sobe as escadas, Bellamy, Clarke e Cardan saem para frente, antes de sair, Raven abraça Finn. Eu suspiro, conseguindo finalmente estabilizar o pânico.
Depois que Raven sai, alguns segundos, Finn se ajoelha perto de mim, os olhos tão cheios de pânico e assustados contra os meus, mas estavam mais sombrios.
—Isso vai acabar logo.—Ele se senta na minha frente estendendo uma garrafa de água, eu aceito de bom grado.
—Sei oque está planejando. Sabe que não precisa, estamos aqui por você.—Pendo minha cabeça para o lado.
—Vocês já pagaram demais por algo que não fizeram.
—Não vou te impedir nem ficar com raiva... se é o que quer saber.—Sibilo, olhando para o chão e depois para ele.
—Cuida da Raven, ela vai precisar de você.—Ele pede, eu confirmo sorrindo.
—Foi bom te conhecer, SpaceWalker, mesmo você sendo um cachorro.—Digo, meus lábios curvando em um sorriso. Ele estreita os olhos para mim e não diz nada, levanta do chão de perto de mim e caminha até uma escotilha no chão, antes de sair, lança um aceno de cabeça, um adeus, uma aceitação. Agora sei por que ele queria que eu ficasse, fico feliz que ele saiba como eu sou.
[...]
Era noite, bem escuro, o Sol já havia dormido há muito tempo, talvez acorde em poucas horas.
Todos nós estávamos de volta do acampamento. Rodeados por um cenário rubro, encarnado, ausente da paz rotineira da noite da floresta. Não, não havia sonho de paz. Havia gritos, ditando o valor do sangue de um assassino. Fogo em tochas, que poderiam destruir o campo tão sonhado por nós. Todos do acampamento estavam perto do cercado, esperando pelo pior, esperando pela morte de um dos nossos, que eu não impedi, não me esforcei.
—Mas o que é isso?—Raven pergunta, segurando as lágrimas e o nó na garganta. Ela estava se referindo ao grande mastro que estava sendo construído no outro lado do campo.
—É para o Finn... querem que nós vejamos.—Clarke explica, meu coração embola.
—Vamos buscar ele...—Bellamy diz ao meu lado, toda a sua lealdade infinita e o amor pelos amigos tomando conta do lado racional dele. Por que era tarde, eu sabia assim como ele também sabia.—Vamos chegar perto e acertar todos!—Ele fala isso de alguém que conhece a tão pouco tempo, imagino como deve ser com que ele realmente ama.
—Filho...—Estreito os meus olhos aos dois quando ouço.—São milhares deles... nas árvores... na floresta... eles destruíriam esse campo e Finn ainda morreria...—Meu coração queima quando eu reparo o quanto eles são semelhantes. O queixo erguido, mesmo com olhar machucado, o pomo de adão se mexendo, o maxilar travado e os braços cruzados, os cabelos escuros e os olhos também, por mais que tentem disfarçar, carregam sentimentos demais, sentimentos que eu gostaria de entender. Talvez Bellamy teria sido o filho que ele sempre quis. Talvez eu e minha mãe sejamos mais parecidas do que eu imaginava. Até porque amor em gerações é cíclico. Ciclos e paralelos são mais reais do que eu gostaria que fossem.
—A gente tem que tentar.—Bellamy implora.
—Não há mais nada. O que eles querem é sangue.—Engulo seco, de pé ao lado do meu pai.—Não há como mostrar a paz para quem nasceu na guerra. É impossível estarem dispostos a conhecerem ela.—Inspiro uma forte lufada de ar.—Por mais que eu odeie admitir, é a consequência do que ele fez.
Clarke olha para mim, eu comprimo meus lábios, ela começa a caminhar, sei para onde ela vai, seguro seu pulso.
—Clarke, por favor... Não estrague a nossa única chance de paz, de salvar os 48.—Eu imploro, sentindo o olhar de Abby, Kane, Bellamy e Raven fuzilarem a gente.
—Você deveria ter impedido ele. Era por isso que ficou lá dentro. É culpa sua.—Sinto meus cílios molharem com as lágrimas, eu mordo minha bochecha e deixo ela ir. Não eu não ia deixar ela entrar na minha cabeça e derreter o meu cérebro até eu morrer. Não ia deixar ela me culpar por erros dela.
Bellamy e Raven vão atrás dela. Eu engulo seco. Sei que não é grande coisa mas ainda me sinto traída.
Abby abraça meu ombro, me puxando para perto, eu cedo. Ela era a amiga mais próxima da minha mãe, por mais que ela tenha defeitos que não consigo ignorar, sei que ela ainda é mãe e sei que sinto falta desse carinho.
Mas ela larga do abraço quando a vê fora da cerca, caminhando pelo corredor de terrestres, tenta fazer algo, mas meu pai só pede para ela deixar a loira tentar.
Quando Bellamy e Raven voltam e ficam quase colados na cerca, eu fico do lado deles, esperando, talvez por um milagre ou talvez pelo o que era mais provável.
Mais gritos raivosos ecoam, cheios de sede por vingança, Finn aparece no horizonte, cercado por terrestres, os cabelos dele foram cortados, uma certa forma de humilhação pós morte, já que cabelo era sinônimo de algo saudável, belo. Estava com roupas limpas e com o rosto limpo, uma feição apavorada, aterrorizada, como uma criança pequena. Talvez porque ele sabe que o que o espera não passa de horas infinitas de dor. Agora preso ao mastro, a ficha havia caído, a morte estava dando as boas vindas.
—Mate, Clarke.—Ouço Raven sussurrar ao meu lado quando Clarke começa a conversar com Lexa.
—Oque ela está fazendo?—Bellamy indaga chocado, vendo Clarke se aproximar de Finn preso ao mastro.
Eles trocam um último beijo. Ver aquilo me despedaça em vários cacos de cristal. É como se fosse eu ali, prestes a perder o amor da adolescência. Vamos dizer que talvez eu não tenha sido a vítima. Tirei Atom de Octávia e agora... Finn vai morrer por que eu não impedi ele de sair da porta do módulo.
Ali fica o último abraço, o último de todos, ele esconde o rosto no ombro dela, quase tombando a testa.
Quando ela se afasta, sangue, vivo, quente e pulsante, nas mãos dela, na barriga de Finn, na pequena faca entre os dedos...
Quando os terrestres percebem o que ela cometeu, tentam atacá-la, erguem as lanças e as espadas, mas não dá tempo que façam, por Lexa não os permite.
—NÃO!—Raven grita de forma dolorosa do meu lado, talvez o grito rasgasse mais o próprio peito do que a garganta, a tristeza vazando pelos olhos, ela tomba para o meu lado, eu a seguro.
Deixo um abraço apertado, escondo o rosto dela do resto do mundo, afago os cabelos de Raven e não solto, não enquanto ela soluça contra os panos das minhas roupas, a dor quase contagiosa. Eu não falo nada, fico calada, porque eu gostaria que o mundo tivesse ficado em silêncio quando a minha mãe morreu e talvez, o mundo a partir de agora para Raven, seja um pouco mais silencioso do que é para ser, já que não há som de batimentos cardíacos da pessoa que uma vez foi dela. É um choro inconsolável, que vai ficar ali por horas, dias, meses, até anos, nunca vai passar, a dor não passa. Você só aprende a ignorar, deixar no fundo da gaveta, mas ela continua ali, sempre volta de vez em quando para rasgar seu coração.
7.3K WORDS! NÃO REVISADO!!
É isso né galera, o caos instaurado na terra né, tudo dando errada, mas calma que consegue piorar, rs.
Me contem o que estão achando do desenvolvimento e não se esqueçam de votar e comentar bastante!
Xoxo, V!
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