04.²





Bellamy Blake

O caminho todo foi cansativo, eu, Clarke e Octávia fizemos uma promessa silenciosa de que iríamos num ritmo mais lento para não sobrecarregar a perna machucada de Valerie.

Tomei a iniciativa de parar quando a noite chegou, acendemos uma fogueira para não morrermos de frio. Era para eu estar dormindo, mas não consegui.

A visão do terrestre morto com o pescoço torcido não quer sair da minha mente, a aflição e os pensamentos sobre os meus amigos, deixam a minha cabeça como uma tempestade, Clarke havia falado que Ethan estava bem e que quando viu que os irmãos não estavam com ele, suspeitou desde então que Mount Weather não era seguro.

Meus olhos pousam no rosto sereno de Valerie, os olhos fechados e os cílios volumosos tocando as sardas de suas bochechas, alguns cachos grudados na testa. A bochecha aonde a bala de Murphy havia passado de raspão estava com um curativo cobrindo-a. Apesar de todo tratamento, Valerie fala que sabe que vai ficar cicatriz.

E vendo-a assim, quero deixar esse momento congelado, parece um dos únicos que a vi desarmada da tristeza e da raiva de sempre, uma armadura de palavras irônicas e ácidas, que eu sei que escondem algo a mais, porque eu e ela somos mais semelhantes do que eu gosto de admitir.

E mediante a todos os acontecimentos antes do ataque dos 300 terrestres, eu acho, que é a única pessoa além de Octávia que realmente me conhece, sabe quem eu sou e por incrível que pareça não se afasta de mim mesmo assim.

Os olhos dela começam a piscar rapidamente, mas eu não desvio o olhar, na verdade, eu ajeito a minha postura e falo.

—Antes de fugir, a última vez que eu havia te visto foi quando Clarke fechou a porta da nave.—Ela olha para o chão, esconde uma mecha de cabelo atrás da orelha.—Não fique com raiva dela, precisava ser feito...

—Se essa fosse a única coisa que ela tivesse feito, estaria tudo bem.—Ela sussurra enigmática, se levanta e fica sentada no toco de madeira.—Conseguiu dormir?

—Vou dormir quando encontrarmos Ethan.—Suspiro, olhando para o chão e voltando a olhar nos olhos dela. Depois de muito tempo de convivência, consegui catalogar a cor dos olhos de Valerie. Na ausência de luz, era um castanho, quase esverdeado. Não tinha cor de mel, era carvalho e na luz, transcendiam um verde, um verde que vi apenas quando encontrei Lydia Chase uma única vez.

—Precisamos achar Finn e Murphy, antes que façam alguma besteira. Depois o povo em Mount Weather.—Percebo que as palavras pesam no corpo dela, ter que adiar cada vez mais o resgate do irmão.

—E o Lincoln.—Octavia diz, agora com os olhos abertos, totalmente acordada.—Acho que já dormimos o bastante.—Ela levanta de onde estava deitada sacode Clarke e sussurra alguma coisa.

[...]

O dia já havia amanhecido, Octávia estava na frente de nós três, liderando o caminho, enquanto Valerie mancava ao meu lado, o arco e um flecha armados e encaixados, prontos para atirar em qualquer movimento suspeito.

—É aqui.—Eu digo, olhando para o mapa e depois para frente, uma entrada com uma estátua ali.—Para qual lado é a aldeia?

Olho para minha irmã, esperando uma resposta, mas apenas vejo um olhar angustiado e perdido.

—O?

—Os ceifadores vieram dali.—Ela aponta da direção da estátua de um homem sentado no que parecia ser um trono. Octávia se vira pra mim, incapaz de conter o choro preso na garganta.—Não consegui salva-lo, Bell.

Ela me abraça, sinto as lágrimas dela molhando a minha jaqueta, sem saber o que dizer, repouso minha mão na cabeça dela, como eu sempre fazia quando precisava acolher ela.

—Você tentou.—Deixo um beijo desajeitado contra a orelha dela, apertando ela cada vez mais contra mim.

E nós continuamos andando, a floresta parecia estar tão calma que por um momento me esqueci de tudo que vivi nesse lugar. Durou pouco, muito pouco, até eu escutar barulhos de tiros e gritos. E no momento exato tiro a conclusão de que chegamos tarde demais.

Começamos a correr em direção aos ruídos, desviando os passos das raizes altas e rezando internamente para que ninguém tenha morrido até chegarmos lá.

Os gritos só ficavam mais altos e desesperados a medida que nos aproximamos, não ajudava em nada, só fazia cada um de nós pensar no pior.

Infelizmente, o cenário conseguiu ser pior e mais sangrento do que esperávamos.

Finn estava ali, com o rifle automático em mãos, olhando para nós, o olhar de alguém preso em raiva fria e desesperada, as mãos deles tremiam e dava 'pra ver que a arma pesava em seus braços.

Octávia corre em direção a vila, abaixo o rifle e a sigo, Valerie não saiu do meu lado, está com o arco e flecha encaixados e apontados para Finn.

Não consigo pensar em mais nada, só nos cadáveres de jovens e idosos no chão, e os parentes ao lado deles, mortos também por dentro, um choro inconsolável e uma agonia incessante.

—Eu encontrei você.—Finn diz, a feição estática, mas um brilho no olhar, parecia que havia encontrado o que mais almejava.

—Larga a arma.—Valerie rosna do meu lado, ele sai do transe e solta o rifle no chão.

Olho de canto, Valerie passa os dedos sobre o rabo de cavalo, seu peito se movia rapidamente, procurava por ar ao ver a visão tão degradante.

[...]

Dois dias depois. O tormento pelo que parece, já passou, Murphy e Finn estavam de volta no acampamento e agora estávamos na área externa, sentados em mesas feitas de tanques de gasolina.

—Certo, diga de novo.—Falo a Clarke me referindo ao mapa de Mount Weather que ela havia desenhado.

—É um labirinto. Escapamos por esse túnel. Tudo conectado ao sistema de minas. Essa é a nossa entrada.—Ela aponta as localizações com um lápis, eu não tiro os olhos do papel, presto atenção em cada detalhe.

—Se passarmos pelos ceifadores e pelos soldados.—Lembro ela do nosso maior obstáculo, segurando o meu queixo na minha mão.—Se sua mãe não aprovar essa missão logo. Vou sozinho.

—Para de falar besteira, ninguém vai sozinho.—Valerie aparece atrás de mim, amarrando os cabelos, segurando o amarrador entre os dentes.

—Sim senhora, Chanceler.—Cutuco a coxa dela com o cotovelo, semicerrando os olhos, ela revira os olhos com o apelido.

—Como o Finn está?—Pergunto, me virando de frente para Clarke.

—Não falei com ele desde que voltamos. Eu não sei oque dizer...—Ouço Valerie suspirar atrás de mim.—Ele continuou atirando.

—Estamos em guerra Clarke. Todos nós fizemos coisas.

Valerie começa a falar, mas para abruptamente quando Finn aparece. Apesar de terem passado dois dias, a feição dele não parecia muito diferente.

—Oi.

—Oi.—Respondo, comprimindo os lábios. Posso sentir a apreensão materializada entre nós quatro.

Me levanto da mesa depois de lançar um olhar a Clarke e falo.

—A próxima ronda é minha.—Aceno com a cabeça em direção a Valerie, um pedido silencioso para me acompanhar.

Ela arregala os olhos e me acompanha em passos rápidos, sem olhar para trás, caminhando ao meu lado, com os punhos cerrados.

—Ele parece outra pessoa...—Ela murmura, engolindo em seco quando entramos na barraca de armamento.

Pego um revólver da caixa e entrego ele carregado nas mãos dela, pego um rifle para mim, também carregado.

—Vai demorar um tempo até todo mundo se recuperar do que aconteceu.—Eu digo, aceno com a cabeça para o supervisor, como eu e ela havíamos nos inscrito para as rondas, nenhum deles questionou.

Comprimento o rapaz que estava ali no nosso lugar com um aperto de mão e Valerie apenas acena com a cabeça enquanto nós ficávamos em posição.

Nós passamos o resto da noite em silêncio, não um silêncio perturbador ou torturante, era confortável, algo familiar.

Quando sinto a cabeça dela pesar no meu ombro e olho para o lado, vejo-a dormindo, entregue ao cansaço, seguro a minha vontade de sorrir, entrego o rifle para um guarda responsável pela ronda do lado e levo-a até o quarto dela.

[...]

—Não acredito que vocês deixaram o Finn vir junto.—Octavia reclama entredentes, caminhando e desviando das raizes altas das árvores cobertas de musgo e fungos.

—É o melhor rastreador que temos.—Respondo no mesmo tom, sem olhar para ela.—Lembrem-se de olhar para cima! Os terrestres usam as árvores... foi assim que perdemos John Mbege.

—Essa floresta está muito calma. Tem algo errado.—Valerie está caminhando ao lado de Octávia, o arco e flecha está nas costas já que agora está com um rifle nas mãos.—Não era assim quando chegamos.

—Talvez estejam os terrestres ocupados demais com Mount Weather.—Cardan está no meio, carregando uma mochila nos costas, usando a farda da guarda fenícia.

—Seja lá quem esteja comandando eles, não podemos nos dar o luxo de subestima-lo.—Valerie passa os dedos por uma árvore que parecia estar morta.—Ele é esperto. O plano da febre hemorrágica quase funcionou. Já li uma estratégia dessas em um livro.

Levanto a sobrancelha em dúvida e ela parece perceber, molha os lábios se preparando para explicar.

—Enfraqueça seu inimigo de forma interna, quanto mais desunidos e e dispersados se encontram, mais fácil mata-los. Querendo ou não, somos mais fortes em grupo e parece que eles são especialistas no quesito de lealdade.—Ela pula por cima de uma pedra grande como se fosse nada e olha pelos arredores.

—Que livro é esse?—Octavia pergunta, meio indignada com a afirmação dela.

—A Arte Da Guerra.—Ela responde, comprimindo os lábios.—Meu pai me fez decorar quando eu tinha 12 anos, dizia que era importante porque um dia eu seria chanceler e só agora veio a calhar.

Muitas vezes vejo as pessoas ficarem surpresas quando ela faz esse tipo de afirmação, já percebi que a maioria do tempo, ela se mantém calada e esconde a inteligência de certa forma.

[...]

Disfarçadamente, no meio do caminho, nós quatro nos separamos do resto do grupo, com o objetivo de seguir o plano de resgate da nossa forma, com o mínimo de pessoas possível.

—Segundo Clarke, antes das bombas, havia construções aqui.—Falo, observando o movimento dos pássaros acima, não parecia nada fora do comum.—Algumas delas devem dar acesso ao esconderijo.

—Então... procuramos qualquer coisa feita pelo homem.—Valerie afirma, pendurando o rifle no corpo pela alça.

—Ei! Blake! Mason!—Escutamos o chamado de dois guardas logo atrás de nós, reviro os olhos, preparando minha paciência.—Vamos embora. Agora.

—Caso tenha esquecido, não estamos sob o seu comando.—Cardan se vira, cruza os braços acima do peito e trava os pés nos chão.

—Não dificulte as coisas, Mason.

—47 dos nossos são prisioneiros nessa montanha.—Falo com o queixo erguido e o cenho franzido.

—Por isso estamos aqui.

—Errado.—Valerie retruca ao meu lado, imitando involuntariamente a posição do irmão.—Estão procurando por outras estações da Arca. Nós procuramos os nossos amigos.

—Val...—Chamo por ela quando percebo vários insetos, correndo sob o solo, em direção oposta a nossa, não era um comportamento comum.

—Oque eles estão fazendo?—O guarda indaga, olhando para o chão.

—Correndo...—Cardan sibila, olhando para mim.

Quando olho para trás, vejo o motivo do comportamento aflito dos insetos. Névoa ácida.

—Névoa ácida! Precisamos nos proteger! Agora!

Comecem a montar as tendas!—Exclamo, abrindo a mochila no chão.

Quando percebo a falta das garotas, eu grito, olhando aos arredores.

—Val! O!—Cardan também se aflige com a falta da irmã.—Voltem aqui!—Eu chamo e corro até elas quando as avisto.

—Bell! Há algo aqui!—Valerie grita enquanto tateava o solo cheio de musgo verde.

—Talvez sejam as ruínas!—Octavia afirma.

—Ei! Por aqui!—Chamo por Cardan e os guardas.

Aplico toda a minha força no que parece ser uma maçaneta, Cardan rapidamente está ao meu lado, me ajudando.

—Vamos lá! Puxe!—Eu exclamo para Cardan.

—Rápido!—Octavia grita atrás de nós, o cheiro da névoa estava cada vez mais forte, minhas mãos estavam trêmulas e suadas.

A porta se abre e nós deixamos que as garotas entrassem primeiro.

—Rápido! Entrem!—Eu grito aos dois guardas que estavam para trás.

Um consegue chegar até nós, em passos falhos e pesados, mas o outro tropeça no chão e seu corpo é coberto pela névoa tóxica.

Quando um dos guardas tenta voltar para busca-lo, eu o puxo pela gola, impedindo-o de se matar.

—É tarde demais!

Empurro-o de volta para a entrada e fecho a porta sem olhar para trás. Os outros já haviam ligado as lanternas. E depois de vários segundos de análise, um dos guardas pergunta.

—Onde estamos?

—Parece uma garagem.—Aponto a lanterna e vejo milhares de carros estacionados e cobertos de teias de aranha.

—'Tá mais 'pra uma masmorra ou uma catacumba egípicia.—Valerie resmunga de forma irônica do meu lado.—Péssimo lugar para morrer—Ela lança uma piscadela para mim e me faz lembrar da vez que estávamos atrás dos recursos para o acampamento, retribuo com um sorriso.

—Sinto muito pelo seu soldado.—Digo ao homem de pele escura e cabelos crespos bem curtos.—Mas precisamos de um acesso a Mount Weather.

—Não tão rápido.

—Senhor a névoa ela pode...—Paro de falar quando ele me oferece um revólver automático.

—Vamos nos separar, voltaremos em 15 minutos.—O homem afirma e eu confirmo.—Cuidem-se.

—Vamos lá.—Sinalizo com a cabeça para os três, que apontam as lanternas na direção a nossa frente.

Porém, depois de alguns minutos andando a procura de alguma coisa útil, ouvimos gritos e nossa exploração acaba, porque começamos a correr de volta ao ponto de encontro.

Quanto mais nos aproximamos, mais alto e mais nitidamente conseguimos ouvir uma melodia angelical, mas sinistra em meio ao cenário aterrorizante.

Nos ajoelhamos atrás de um carro, apontando as lanternas para todas as direções.

—Scott?—Chamo um soldado pelo nome, mas não há resposta.—Você está aí?

Ao avançar alguns passos, encontramos os pertences deles jogados no chão, pego um rifle automático e uma lanterna acesa.

—Fratello... che cos'è?—"Irmão... oque é isso?" Valerie pergunta ao irmão, sou capaz de escutar os batimentos rápidos e descompassados do coração dela.

Ele aponta a lanterna em uma direção, murmura um xingamento e diz.

—Ceifadores.

As feras olham em direção a luz, com sangue lambuzado em volta dos lábios e os olhos sedentos por mais carne e começam a correr em nossa direção, Valerie e Cardan acertam um tiro em cada um.

—O...—Chamo pela minha irmã. Minha voz estava o mais baixo por cima e eu sentia meu coração na garganta, era um verdadeiro filme de terror.

—Oque?

—Pega isso.—Entrego revólver automático a ela, meus dedos trêmulos encostam nos dela, suados e atrapalhados, quase deixo cair no chão.

Andamos mais um pouco, os passos firmes no chão, mas as mãos trêmulas, e a merda da música não parava de tocar um milésimo segundo, tudo parecia estar horrível, o ar estava pesado e com cheiro horrível de sangue e cadáver, meu estômago revira quando vejo outro deles, mastigando os órgãos de um dos guardas no chão. O pior de tudo, o guarda estava vivo e gritando por ajuda, sendo devorado vivo.

Valerie destrava o rifle do meu lado, mas Octávia agarra o ombro dela.

—Não atire!—Quando o canibal volta o olhar para nós, é um rosto familiar.—É o Lincoln!—Ele levanta, sua boca manchada de sangue e um órgão pulsante e molhado entre os dedos sujos dele, era o coração. Mas Octávia não parece se afetar com a visão infernal.

—Lincoln! Sou eu! É a Octávia!—Ela implora para ser reconhecida, mas o olhar dele não falha enquanto ele caminha até nos quatro.

Em poucos instantes ele agarra Octávia e a joga no chão, começa a caminhar até nos três, me preparo para atirar em sua testa quando Octávia atinge o ombro dele.

Por alguns instantes ele se distrai. Cardan bate com o cano da arma na cabeça careca dele, deixando-o caído e desacordado no chão.

—Levante-se!—Cardan está segurando Octávia pelo braço, puxando ela em nossa direção.—Precisamos achar um lugar seguro!

E depois de muito procurar, conseguimos nos esconder, ofegantes pela visão perturbadora e sangrenta, mas ainda sim, sãs e salvos.

—Ele é um ceifador?—Octavia sussurra entre grandes suspiros.—Como isso é possível!?—A voz está falha e as palavras saem inaudíveis pela angústia.—Ele apenas olhou através de mim... Como?

Com as palavras dela, Lincoln aparece, olha para nós através da janela transparente do carro. Valerie grita baixinho do nosso lado e se esconde no peitoral do irmão.

Ele aperta a mão contra o vidro, a saliva escorria dos seus lábios e caía no chão, um olhar intenso, sedento e descontrolado. Talvez ainda existisse um pouco de humanidade. Talvez ele não quisesse fazer oque estava fazendo.

Quando ele vai embora, o olhar de Octávia acompanha ele, mas antes que fizesse algo idiota, eu a digo.

—Se acalme, vamos traze-lo de volta. Eu prometo.—Todos ali estavam suadas, as feições perturbadas e aterrorizadas, sinto Valerie olhando para nós dois.

—Tenho a impressão de que não é coincidência eles estarem aqui.—Valerie afirma, apertando o punho contra o couro cabeludo, nervosa demais para manter a respiração regular.—Acho que Mount Weather tem alguma coisa nisso...

Depois de tirar um tempo para respirar e acalmar pelo menos um pouco a adrenalina, nós saímos do carro silenciosamente, após planejar detalhadamente como capturar Lincoln.

Estendo a mão para Valerie e a ajudo descer do carro, não queria que elas tivessem que se arriscar dessa forma, mas as duas insistiram.

—Tem certeza?—Cardan pesa a mão sobre o ombro de Octávia e a mesma assente sem esperar.

—Certo. Atraia ele para cá. O resto fica por nós.—Valerie aperta o outro ombro de Octávia, sorrindo de leve para ela.

—Lincoln!—Ouço-a gritar do outro lado do carro, segurando a arma e a lanterna.—Lincoln! Está me ouvindo!?

Quando escutamos passos cada vez mais altos se aproximando, olho para os dois irmãos atrás de mim, Valerie está segurando um dardo tranquilizante que roubou da equipe médica e Cardan está com o rifle nas mãos, enquanto eu estava com um bastão de choque que os guardas deixaram para trás.

—Ei!—Chamo a atenção do terrestre e pressiono o bastão de choque no pescoço dele, dando chance para Valerie acertar o dardo no colo exposto de Lincoln.

—E agora?—Cardan pergunta depois de assistir o homem agonizar com o choque.

—Agora o levamos para casa.—Respondo.

[...]

Depois de atravessar vários quilômetros até o Acampamento Jaha para buscar Clarke e avisa-lá sobre o ceifador que estávamos contendo dentro do antigo acampamento, subimos até o segundo nível, escutando os gritos de Lincoln.

—Está tudo bem, ele está contido.—Aviso a ela, avançando para dentro do nível, verificando a situação de Valerie e Octávia, que se encontravam sentadas, encolhidas no chão, Octávia deitada com a cabeça no ombro de Valerie, meu coração aquece de leve com a visão e me permito sorrir um pouco.

—Não acredito que estamos aqui de novo.—Clarke murmura e me traz de volta a realidade nada confortável, Lincoln se remexia e contorcia contra as correntes.

—Pode ajudá-lo?—Octavia pergunta.

—Eu não sei.—Clarke responde sincera, naquele ponto, era quase impossível pensar que ele voltaria ao normal.

—Eu sabia que Mount Weather controlava os ceifadores... não imaginava que eles os criavam.—Clarke sibila, Lincoln gritava e não parava por nenhum segundo, os vasos dos olhos dele havia estourado e machados de vermelho.

—São os peões deles... os que cuidam do trabalho aqui de fora...—Valerie conclui, olhando para Lincoln, consigo ver a tristeza no olhar dela.

—Se fizeram isso com Lincoln... oque estão fazendo com nossos amigos?—Levanto um questionamento, Valerie erguer o olhar até o meu, os lábios entreabertos, sei bem oque está pensando.

Após horas de observação, Valerie dormiu no colo de Cardan apesar dos gritos incessantes do nosso "refém".

Mas chegou uma hora que os gritos cessaram de vez, mas uma espuma começou a escorrer da boca de Lincoln.

—Está tendo uma convulsão.—Clarke pontua ao meu lado.

—Oque isso significa?—Octavia aponta a lanterna para ela. Mas Clarke não responde a pergunta, apenas repara num sangramento na panturrilha de Lincoln.

—Oque houve?

—Eu atirei nele.—O maxilar de Octávia estava apertado, uma onda de ressentimento evidente estampada no olhar dela.

—Clarke, ele perdeu muito sangue...—Eu a aviso, mas quando ela tenta se aproximar, ele reage da mesma forma de sempre, de canto de olho, vejo Valerie acordando atordoada.

Mas ela não precisou se aproximar muito para reparar em algo no pescoço dele.

—Iluminem o pescoço dele.—Ela pede e Octávia realiza de imediato.

Ela vê algo que provavelmente não prestamos atenção, então diz.

—São marcas de agulhas...

—Ele foi drogado?—Pergunto, meus braços cruzados acima do peito.

—Talvez...

—Sensibilidade a luz e pupilas dilatadas... é quase certo.—Valerie aparece de repente ao meu lado e tenho que me esforçar ao máximo pra não me assustar.—Meu palpite é Fentanil, transforma a pessoa num zumbi, mas pode ser algo pior...

Uma das correntes dele se solta e no mesmo instante ele agarra o pescoço de Clarke, que grita de desespero.

—Lincoln!—Octavia grita do meu lado, tentando impedir ele de mata-la, mas o mesmo empurra ela pra longe.

Não hesito em avançar sobre ele, desferindo socos no intuito simples de desacorda-lo, mas mesmo depois de muitas tentativas e de ter os punhos sangrando, eu caio no chão depois de levar uma cabeçada.

Lincoln solta Clarke, mas a corrente que segurava seu outro braço também arrebenta ao mesmo tempo, o mesmo tenta agarrar Valerie, mas eu puxo o calcanhar dela rapidamente, fazendo ela cair contra o meu corpo.

Ele muda de estratégia, começa a tentar se soltar das amarras que seguravam seus pés, mas eu não demoro a pegar o bastão de choque e avançar para cima dele. Oque não funcionou, ele segura o meu pulso e o vira, me faz cair no chão enquanto ele desferia mais socos contra o meu rosto já ferido. Clarke tenta pará-lo, mas ele a empurra para a escada.

Quando pensei que estava prestes a desmaiar, Cardan bate com um bastão de metal contra a cabeça de Lincoln, acabando com o caos e o desespero criado em tão pouco tempo.

—Que merda...—Ouço Valerie resmungar e olho para ela, escorria sangue negro da narina dela, pingava no chão e manchava o metal.—Todo mundo bem? Alguém foi mordido?—Ela ajoelha perto de mim, provavelmente está reparando nos novos ferimentos que ganhei no meu rosto.

[...]

Depois de quase ter morrido na mão de apenas um ceifador drogado, nós estávamos o amarrando no chão, enquanto ele ainda estava desmaiado.

—Temos que estancar o sangramento e remover a bala.—Clarke explica, analisando o ferimento na perna de Lincoln.—Segurem a perna dele.—Cardan segura de um lado e eu de outro e no mesmo instante ele acorda e começa a rosnar.

Quando Octávia oferece e ajuda o mesmo a beber água, ele nega e joga tudo para fora, se contorcendo cada vez mais.

—Não...—Valerie sibila ao meu lado.

—Oque foi?—Octavia pergunta, apreensiva, levantando o rosto em direção a ela.

—Hidrofobia... sintoma de doenças graves em estado final...—Ela olha para Clarke buscando confirmação do falou e a loira confirma.—Na pior das hipóteses, é doença da Raiva, não vai demorar 'pra morrer.

—Você não disse que ele estava drogado?—Octavia pergunta mais preocupada ainda.

—Disse, mas não dá para ter certeza, na melhor das hipóteses, ele foi drogado.—Clarke responde por ela.—Drogado ou não, não é um sintoma comum, indica sempre algo grave.

Octávia leva a mão a testa e diz com a voz trêmula.

—Vou buscar mais.

Eu levanto antes dela sair, coloco a mão no ombro dela e aperto de leve, encarnado os olhos azuis dela.

—Se for uma droga, o efeito vai passar e ele vai ficar bem.—Sibilo, tentando aumentar a fé dela.

—Não pode me proteger dessa vez, irmão.—Ela me responde antes de sair e eu encaro o chão.

—Eu não devia ter falado... me desculpa.—Valerie me encara, cheia de culpa e eu suspiro, nunca conseguiria culpar ela por falar a verdade, mesmo que machucasse.

—Vamos torcer 'pra ser só uma droga.—Clarke diz enquanto fecha o ferimento dele com uma faixa, o olhar fixo no que estava fazendo.

—Sua mãe ficaria orgulhosa.—Cardan sibila ao lado dela, sentado, segurando a maleta médica aberta.

—Minha mãe saberia como salva-lo.—Ela responde, sem olhar para ele.

Quando nos levantamos do chão, depois de Clarke terminar o serviço, a porta da escotilha é aberta, revelando Octávia, mas não só ela, um outro terrestre de cabelos longos e rosto tatuado, que quando vê Valerie, não tira os olhos dela, uma adoração ou surpresa, talvez qualquer coisa sinistra vindo deles.

Pego o rifle do chão, destravo e aponto na direção dele, prevendo o pior, que Octávia estava sendo feita de refém dele.

—Bellamy! Não! É amigo do Lincoln! É um curandeiro!—Não abaixo a arma quando Octávia pede, Lincoln começa a convulsionar e espumar de novo.

—Ele está tendo outra convulsão!—Clarke exclama, se aproximando do corpo estirado no chão.

Reviro os olhos e abaixo a arma, permitindo que ele se aproxime e faça seu trabalho. Ele não tira os olhos de Valerie em nenhum momento enquanto abre sua bolsa de remédios.

—Valerie, fica longe...—Eu peço, quase implorando, mas ela me ignora. Meu Deus que garota teimosa.

—Oque é isso?—Clarke pergunta quando ele pega um frasco e o abre, preparando para pingar em cima de Lincoln.

—Yo gonplei ste ondon.—Ele murmura algo quase inaudível, pingando uma gota direto nos lábios de Lincoln, mas antes que atingisse, Valerie cobre a boca dele e impede o processo.

—Espere!—Valerie exclama e o terrestre retira uma adaga da bainha, encarando-a com um certo tipo de curiosidade ou respeito.

—Se afasta dela!—Ouço Cardan gritar, colando o bico da arma na cabeça dele.

—Sua luta acabou... é um ritual...—Por incrível que pareça, ela entendeu sem dificuldade os múrmuros do curandeiro e quando o mesmo percebe isso, arregala os olhos diante da revelação.

—Ele não quer cura-lo.—Clarke conclui.

—Está tentando matar ele.—Valerie rosna, o terrestre continuava vidrado na silhueta, mas principalmente na mancha de sangue em seu nariz.

—Nyko... é verdade?—Ele apenas tira o olhar de Valerie um único segundo para responder Octávia.

—É, a morte é a única cura.—Ele responde, a voz rouca e quase inaudível.

—Espere! Pode haver um jeito de trazê-lo de volta.—Clarke diz, mas nada muda a opinião dele.

—Pelo que eu vi, não há.—Nyko larga a adaga no chão.

—Precisamos ir! O acampamento está saindo!—Ouço uma voz ecoando para dentro do módulo, percebo que era apenas Finn quando olho para trás.

—Você!—Ouço o curandeiro gritar e avançar para cima do garoto sem nenhuma prévia.—Murda!

—Saia de cima dele!—Eu grito, levantando o rifle em direção a ele.

—Você matou meu povo! Velhos! Crianças! Inocentes!—Ele cospe as palavras enquanto apertava o pescoço de Finn contra a parede.

—Nyko! Vai mata-lo!—Octavia grita atrás de mim.

—Jus drein Jus daun!—Nyko grita novamente algo na língua dele, se me fizer esperar mais, não vejo outra escolha se não atirar.

—Saia do caminho!—Eu ordeno.

—Bellamy! Não atire nele! Não!—Os gritos de Octávia rasgam a garganta dela e os meus ouvidos.

—Saia da frente!—Eu digo, molhando os lábios, a última coisa que eu queria era atirar nela acidentalmente.

Mas não há tempo para atirar nele, Valerie grita algo que sou incapaz de entender.

—Nyko! Lit hem!—Ele parece responder, mas antes que pudesse, Clarke atinge ele com o bastão de choque.

Nem ao menos pude me recuperar do choque do que acabara de acontecer, olho para o lado e vejo Cardan medindo o pulso de Lincoln.

—Lincoln.—Octavia chama enquanto corre até ele.

—Não há pulso.—Cardan sussurra 'pra minha irmã, que está ajoelhada na frente dele.

—O coração dele parou, saia!—Clarke sobe em cima do tronco dele e rapidamente começa a fazer massagem cardíaca. Depois de quase sentir meu coração parar de tanta espera, Lincoln puxa uma forte lufada de ar, indicando que estava vivo ainda.

—Ele estava morto.—Nyko suspira no canto da nave.—Como fez isso?

—Já tentou ressuscitar um ceifador?—Clarke pergunta retórica, erguendo uma das sobrancelhas.—Eles morrem dessa forma?—Quando ele confirma, a garota olha para o chão reflexiva.

—Oque foi?—Cardan pergunta ansioso do lado dela.

—Eu sei como parar o ataque.—Clarke diz e escuto Valerie rir de alívio do meu lado.

[...]

4.4K WORDS!! NÃO REVISADO!!

Enfim, um capítulo icônico se encerra, o ponto de vista do nosso homem sempre perfeito e maravilhoso, os quatro irmãos juntos divando, Valerie descobrindo coisas novas e o mundo caído, é isso.

O próximo capítulo vai ser no ponto de vista da nossa querida Val, mas não fiquem tristes, vai ser um ou dois capítulos no máximo e vamos voltar ao POV do bell.

Não se esqueçam de votar e comentar bastante amores!! Se quiserem fazer qualquer crítica (CONSTRUTIVA) sobre o roteiro ou sobre a escrita, estou aberta para ouvir. 


Kisses da V!! See you soon bitches!

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