02.²
ATENÇÃO!! ESSE CAPÍTULO POSSUI MENÇÃO A SANGUE E VIOLÊNCIA!! SE NÃO SE SENTE CONFORTÁVEL COM O CONTEÚDO É MELHOR NÃO LER! É POR SUA CONTA E RISCO!
Bellamy Blake.
Meus passos pelo chão sólido da pequena sala da nave caída no chão são a única coisa que aliviam minha ansiedade interminável, enquanto as paredes da cela improvisada pareciam rir do estado que eu me encontrava.
Tudo isso se torna pior quando ouço o barulho da porta abrindo e a figura masculina, alta, familiar e autoritária caminha para dentro da sala, me encarando com o mesmo olhar presunçoso e arrogante de sempre, como se fosse melhor doque eu.
Pelo menos eu não fui o pai que ele foi, na verdade fui pai quando eu tinha que ser irmão.
—Vai me deixar quanto tempo preso aqui?—Minha voz sai cheia de repulsa.
—Até saber que não é uma ameaça aos outros.—Kane responde e eu desvio o meu olhar para outro canto da sala. —Vamos continuar...—Ele se senta numa cadeira e abre a jaqueta.—Você disse que havia centenas de terrestres atacando... Quantos? Duzentos? Trezentos?
—Eu não contei!—Respondo como se fosse óbvio, passo a mão pelos meus cabelos, tomado por uma raiva e uma ansiedade.
—Porque acha que atacaram? Oque os provocou?
—Nossa presença. Foi o bastante.—Eu cuspo as palavras, sem paciência para os protocolos estupidos dele.—Nós estamos perdendo tempo! Os outros não evaporaram no ar! Foram levados! Temos que ir atrás deles!
—Uma equipe de busca vai ir atrás deles.—O homem me interrompe.—Depois que você der as informações que precisamos.—As palavras dele acendem um desespero no meu âmago, eu ando até ele e me agacho.
—Eu..Eu quero estar nessa equipe... por favor.—Eu peço, mesmo sendo humilhante demais na minha posição.
—Fora de questão, você não é treinado. Seria um erro.—Responde intocável, sem parecer no mínimo abalado pelo meu pedido.
—Mas é a minha gente lá fora.—Eu aperto os dentes e e olho para ele.
—É minha gente também.—Kane assume o mesmo tom de voz que o meu.—Quer ajudá-los?
Diga o que enfrentaram, táticas dos terrestres, quantos eram? Que tipo de armas usaram?
—Flechas e lanças... Machados, espadas... os dentes.—Eu menciono tudo oque eu vi.
—Sem armas?—Nego com a cabeça.—Você tinha armas.—Kane afirma mas eu explico.
—As que eu e Valerie achamos com os suprimentos, na área do campo... E talvez, se tivéssemos mais balas poderíamos...
—Havia mais balas...—Ele me interrompe, um choque de surpresa me faz desviar os olhos para o chão, procurando alguma explicação, algo que eu não vi, ou que faltou.—A equipe de busca esteve no bunker, acharam mais dois barris cheios de fuzis e um terceiro cheio de balas.
Quando escuto isso, meu estômago embrulha.
Sempre houve a possibilidade de sobrevivência.
Se tivéssemos procurado mais, teríamos salvo mais pessoas, não teria acabado daquele jeito.
Aqueles jovens perderam a vida porque esqueci de olhar com mais calma no bunker. Se eu tivesse revirado aquele lugar...
—Talvez se...—Eu começo a falar, com a voz falhando, mas a porta da "cela" se abre, Murphy entra, escoltado por dois guardas.
—Porque ele está aqui?—Levanto rapidamente, minha voz entrega a minha fúria.
—Desculpe Senhor, a doutora Griffin já liberou o senhor Murphy.—Uma mulher loira, provavelmente a coronel diz a Kane.
Marcus levanta me encarando, não consigo evitar se não lançar um olhar de: "Eu não acredito que você vai deixar na mesma sala que esse idiota."
—Coloque ele ali.—Kane diz estoico, apontando com queixo pro canto oposto de onde eu estava.
Murphy está me encarando com o mesmo olhar debochado e arrogante de sempre, o pior de tudo é que ele sabe que qualquer coisa que faz me irrita profundamente e sabe como usar isso.
—De joelhos.—Um guarda empurra meus ombros para baixo, eu obedeço, enquanto ele prende meus pulsos com uma algema improvisada.
—Isso vai ser divertido.—Murphy diz e eu reviro os olhos.
—Quero ver você dizer isso quando eu esfolar sua cara, vou te deixar tão torto de porrada, que nem Deus vai te reconhecer.—Ouço uma voz sair da escuridão, quando aperto meus olhos, era Cardan, balançando as algemas entre os dedos.—O Bellamy foi frouxo em não quebrar seu pescoço.
Kane se vira rapidamente para trás, coloca as mãos nos quadris e diz, totalmente indignado.
—Como escapou?
—O treinamento da Elite de Espionagem Arcana não é fácil de esquecer.—Cardan joga as algemas no chão e faz uma expressão debochada, disposto a provocar Kane.
—Você é imprudente assim ou se faz? É de propósito?—Marcus faz uma pergunta genuína, passando as mãos pelos cabelos, tentando manter uma postura calma.
—É!—Cardan responde simplista, assentindo com a cabeça com um sorriso ladino e brincalhão.—Fica mais divertido quando eu percebo que você não faz nada comigo porque não quer que ela te odeie mais do que já odeia.—O garoto da de ombros e eu seguro uma risada, olhando para o chão.—Vamo logo coroa, a equipe de busca precisa ser montada.
Kane suspira alto, provavelmente irritado porque sabe que o que Cardan falou é a mais pura verdade, só ignora a provocação e molha os lábios.
Toda o ambiente "engraçado" que se formou com a provocação de Cardan se esvai quando barulhos de tiros são escutados, juntos de gritos desesperados.
—Vamos!—Kane diz e todos os guardas saem da sala junto dele, incluindo Cardan, que antes de sair sibila um: "Valerie está vindo te tirar daí."
[...]
Depois de alguns minutos transcorridos, todo o tempo passado olhando para as paredes metálicas da nave, começo a escutar gritos, altos, estridentes, torturantes. Eu reconhecia a voz, era Raven. Aperto meus olhos, tentando afastar a sensação que corroía meu interior.
—Esse era eu no campo dos terrestres.—A voz de Murphy surge no meio dos gritos, enquanto os dedos dele traçavam um suporte de metal apoiado no chão, meus olhos reparam no seu dedo anelar, havia apenas uma parte, estava fechado com pontos.—Eu tentava de tudo para não gritar, mas eventualmente...
—Mas eventualmente, você cedeu e disse oque eles queriam.—Eu completo a frase, o veneno escorrendo pelas minhas palavras ácidas.
—E você não diria, por que é melhor do que eu.—Murphy diz irônico, debochando da situação.
—Com certeza.—Respondo imediatamente, sem nenhuma dúvida no timbre.—Eu não sou um traidor, eu não diria aonde poderiam nos encontrar.—Viro minha cabeça para ele, sentindo o canto do meu lábio tremer, um impulso da raiva que estava tentando conter.
—É eu disse. Depois que me torturaram na prisão do campo por três dias.—Ele responde, seu olhar fixo no meu, carregado de mágoa.—Mas vai em frente, acredite nisso, mesmo estando aqui do mesmo jeito que eu.—Mordo as minhas bochechas, desviando o meu olhar dele.
A porta da "sala" se abre bruscamente, revelando uma figura de estatura baixa, que eu reconheço na hora, no instante que percebo quem era, meu corpo fica mais leve.
Era Valerie, estava usando uma camisola de hospital, uma faixa enrolada em volta da coxa ferida.
Eu nunca tinha reparado, seus cabelos estavam limpos, os cachos castanhos com reflexo avermelhado caíam sobre os ombros e tocavam a lombar, ondulações cheias e armadas, junto de uma franja ondulada que também caia e enfeitava a face.
Seu rosto também estava limpo, havia um curativo novo onde o tiro passou de raspão pelo osso da bochecha.
O olhar parecia perturbado, não ornava bem com a face delicada, nem com as sardas que pintavam suas bochechas, contrastando com a pele pálida do rosto.
Mas o rosto dela se ilumina quando encontra o meu, seus lábios se curvam em um sorriso instantâneo, ia de orelha a orelha e mostrava os dentes brancos e perfeitamente posicionados e harmônicos.
—Mio Dio in cielo!—Escuto ela falar, minha testa se franze, porque eu não entendi nada.
Valerie começa a mancar, se apoiando nas paredes e afastando os cabelos do rosto sem um pingo de paciência.
A perna dela falha e ela ajoelha de forma repentina na minha frente, seu olhar estava colada no meu, ela molha os lábios e continua sorrindo, com os lábios trêmulos.
—Você 'tá vivo...—Valerie murmura, sem conseguir controlar a face cheia de alívio e surpresa.
—É...—Respondo sorrindo também, parece que o sorriso dela contagiou o meu.—Você também 'tá viva...
Suas íris viajam pelo meu rosto, provavelmente analisando os ferimentos e o sangue seco que manchavam minha face.
—Preso de novo? Não consegue passar um tempo sem encrenca?—Ela pergunta, cômica, rindo com o nariz, que estava franzido da forma fofa que ela sempre faz, mas ainda muito preocupada.—Oque meu pai fez com você?
—Nem precisa se preocupar, ele só foi o Kane.—Desvio do assunto, erguendo as sobrancelhas.
Valerie vira o corpo rapidamente para a porta quando escuta passos em ritmo de marcha fora da sala.
—Não vai demorar muito tempo para me encontrarem aqui. Parece que eu virei prisioneira de novo, a guarda fenícia tá aqui na minha cola.—Ela revira os olhos irritada.—Mas eles são tão tontos, foi tão fácil dopar o que estava me trancando no quarto.—Valerie começa a prender os cabelos num coque desleixado, depois levanta se apoiando na parede.—A mira deles consegue ser pior que a sua.—Ela ri e eu reviro os olhos.
Mas ela da um sobressalto no lugar quando a porta da cela é aberta, leva a mão a testa aliviada quando percebe que é Finn e Monroe.
—Caralho! Me mata de uma vez! Filho da puta! Quase morri de susto.—Valerie diz, colocando as mãos no rosto e apoiando as costas contra a parede.—Porque não vieram antes?
—Estávamos tentando despistar os guardas da EP* que você disse que eram facinhos de derrubar!—Finn cospe as palavras, apontando com a mão para a porta.
—E eram fáceis mesmo, mas fica difícil quando você é um imprestável que tem uma mão de alface 'pra socar! Não sabe fazer nada! Eu tenho que fazer tudo nessa estação!—Ela dá de ombros, respondendo num tom elevado, erguendo o queixo em direção ao garoto com uma diferença de altura tão grande.
Finn revira os olhos e ajoelha perto de mim, abrindo uma mochila enquanto retrucava a garota.
—Desculpa aí, mas eu não fui treinado para derrubar três homens do tamanho de uma geladeira ao mesmo tempo.—Finn passa a mão pelos cabelos.—Levante, vamos atrás deles!—O rapaz corta as amarras nos meus pulsos.
—Já era hora.—Murmuro.
Mas antes que eu pudesse avançar um passo, Murphy pergunta, entregando um certo desespero.
—Esperem! E eu?
Eu pego a alicate que Finn usou para quebrar as minhas algemas improvisadas, caminho em passos firmes em direção a ele, Valerie exclama atrás de mim.
—Bellamy, se você fazer oque eu estou pensando, saiba que...
Mas eu não a deixo terminar de falar, me abaixo perto de Murphy e corto as amarras de metal.
—Ele vem com a gente.
—De jeito nenhum!—Finn exclama, totalmente indignado.
Eu agarro o garoto pela gola do casaco, o levantando do chão.
—Ele estava no acampamento deles quando era prisioneiro.—Explico sem rodeios ou espaço para discordância.
—Eu posso levar vocês até lá.
—Cardan mandou um sinal, tem alguém vindo.—Monroe anuncia do outro lado da porta, uma indireta para que nos apressássemos.
Olho para Valerie, esperando algo que não sei dizer bem oque. Ela olha para o chão, depois para nós todos e diz.
—Minha perna 'tá fodida, eu vou atrasar vocês.—Ela afasta uma mecha da franja dos olhos e aperta os lábios.—Encontrem o Ethan. Por favor.—Uma das únicas vezes que a vi implorar.
Aceno com a cabeça para ela, Monroe coça a garganta e nós caminhamos para fora da cela improvisada.
[...]
—Será que alguém nos viu?—Pergunto, caminhando com passos rápidos na trilha, a floresta se tornava cada vez mais escura a medida que nos afastamos da nave.
—Cala a boca, praga, vão nos ouvir.—Cardan cospe as palavras, carregando um fuzil automático nos braços.
Eu ainda estava apunhalando Murphy, uma medida de precaução para evitar que ele matasse todos nós aqui. Valerie pode perdoar e esquecer quantas vezes quiser. Eu não, vou fazer questão de fazer ele lembrar do que merece depois de achar Ethan.
Quando uma luz é apontada para os nossos rostos, meu coração dispara, meus pés se travam no chão com a visão do guarda de patrulha em nossa frente.
—Estão atrasados.—Abby diz, ao lado do guarda.
—Calma aí, Velhaca. Bellamy trouxe companhia.—Cardan balança a cabeça para afastar os cabelos negros e levemente compridos dos olhos.
Vejo Abby bufar e revirar os olhos antes de dizer.
—Ele é o único que esteve no acampamento deles.
O guarda e Abby trocam um olhar, tiram armas dos bolsos e entregam para a maioria de nós, seguro um dos rifles automáticos em minha mão.
—Encontrem o meu filho. Se chama Nathan Miller.—O homem de pele negra e cabelos crespos grisalhos pede.
—Se ele já não 'tiver virado bacon.—Cardan resmunga, coçando a garganta e uma voz abafada de seu rádio ecoa.
—Perché sei così?—"Porque você é assim?" É a voz de Valerie, provavelmente o microfone estava ligado.
—Stai zatto lì, gamba.—"Se aquieta aí, perneta." O moreno murmura e desliga o microfone.
—Traga-os para casa.—Abby diz e depois do pedido, nós avançamos em direção a floresta escura.
[...]
—Certo, Murphy...Para onde agora?—Pergunto, avançando por entre a trilha aberta da floresta, o dia já havia amanhecido, já dava para se ouvir pássaros voando e cantarolando.
—Que tal me soltar primeiro?—Indaga prepotentemente, com o timbre carregado de arrogância e veneno, quando eu nego, pela quarta vez no dia, ele continua a falar.—Se fomos atacados aqui, não vou conseguir me defender.
—E quem disse que eu ligo?—Cuspo, erguendo uma sobrancelha, o pedido dele chega a ser idiota.
Finn bufa e se aproxima de nós dois com a alicate na mão e sem falar nada, solta as amarras de Murphy.
—Obrigado.—Murphy murmura.
Cardan começa a seguir Finn, lança um olhar raivoso a Murphy e começa a falar.
—Eu só não desfiguro a cara desse animal porque eu 'tô de bom humor, agradeça, Skywalker.
Não demoro a entrar no ritmo dos dois.
—Oque está fazendo?—Pergunto ao garoto que veste o casaco azul e sujo.
—Foi sua ideia trazê-lo.—Responde seco, sem desviar o olhar da mata.
—Porque ele é o único que sabe onde é o acampamento.
—Então não deveríamos deixá-lo a mercê, conseguimos aguentar ele.—Ele estava centrado e sério demais para alguém como ele, era fora do comum, mas eu entendia.
—Espero que sim.—Reviro os olhos, travando o maxilar
—Então ganho uma arma agora?—Murphy profere de forma afrontosa, está na cara que ele 'tá disposto a tirar todo mundo aqui do sério.
Reviro os olhos e mordo a parte interna da minha boca, sem nem pensar eu o empurro para frente, para continuar andando e não atrasar a gente.
Depois de horas de caminhada incessante, nós finalmente encontramos o acampamento a qual Murphy estava nos guiando.
—Todo mundo no chão!—Murphy sibila, puxando minhas costas para o chão, atrás de uma moita.—É aqui... eu disse que encontraria.
Ergo a lente da arma na altura dos olhos, procurando por algum vestígio de Ethan ou qualquer um do acampamento, Cardan faz o mesmo que eu.
—Não vejo nada além de terrestres.—O moreno ao meu lado reclama.
—Nosso pessoal não está aqui.—Cutuco o ombro de Cardan.
—Espere um pouco... estão com coisas da nossa nave.—Finn avisa, mirando a lente da arma em direção ao grupo de terráqueos.
—Talvez saibam onde nossos amigos estão.—Aperto a mandíbula, abaixando o rifle.
—Ou talvez já tenham os matado.—Murphy nem termina de falar quando Cardan desfere uma bofetada no topo de sua cabeça.
—Vai acontecer pior se eu escutar sua voz de novo.—Ele resmunga raivoso e eu reviro os olhos.
—Filho da puta.—Finn sussurra mas eu consigo ouvir, está ainda com a lente colada no rosto.
—Oque foi?—Ergo uma sobrancelha.
—O cara de um olho só.—Colo a lente da arma no meu olho esquerdo, procurando pelo homem com a descrição.—No pescoço dele.—Ouço-o dizer.
—Oque é?
—O relógio da Clarke... era do pai dela.
—Ela não entregaria isso sem lutar.—Cardan resmunga entre dentes, observando atentamente os movimentos do terrestre.
—Nem nós.—Finn responde.
—Ele está com o a aliança de Ethan, pendurada
no casaco.—Cardan abaixa a arma, respira, como se ele estivesse tentando se manter controlado e olha para nós, não com a fúria fria de sempre, não, essa era ardente, viva e em chamas. Isso me assusta.
Respiro uma forte lufada de ar e digo.
—Certo, venham comigo. Vocês dois fiquem aqui e escondam-se, se algo acontecer, atire nos terráqueos, mas não no que está com o relógio e o anel, entenderam?—Ordeno a Monroe e ao garoto loiro que estavam conosco, que rapidamente confirmam.
—E o Murphy?—Monroe pergunta.
—Vou ganhar uma arma agora?—Ele sorri de canto.
—Algo do tipo.—Puxo-o pelo casaco.
Nós nos enfiamos por entre as árvores, nos dissipamos entre os arbustos verdes e provavelmente venenosos do mato.
Eu dou duas pedras médias a Murphy e o digo para batê-las uma na outra, um plano recém elaborado e meio mal planejado para atrair o terrestre de um olho só.
O homem de barba e roupas sujas é atraído pelo tilintar das pedras e começa a se aproximar de nós, em alerta.
Aperto minha arma entre os meus dedos, tão forte, que as juntas ficam brancas e seu sinto formigar.
Quando ele está perto o suficiente, me levanto sorrateiro do arbusto e sem esperar surpresas, bato a arma com tudo contra o rosto do terrestre, o sangue escarlate suja a base do rifle.
—Como tirar dente de criança.—Cardan murmura, surgindo, apertando o bico da arma de forma prepotente contra a narina do homem de um olho só.
—É doce.—Eu corrijo, com o cenho franzido.
—Dá no mesmo.
Finn se ajoelha perto do corpo inconsciente do terráqueo, sem pensar, arranca o relógio do pescoço dele e também tira a aliança pendurada no casaco e entrega a Cardan.
—Temos que levá-lo a um lugar fechado.—Eu aviso Finn.
—Conheço um lugar bom.—Nos olhos dele, reside a mesma ira que encontrei a poucos minutos em Cardan.
Decido confiar no julgamento e nós arrastamos o terrestre até aonde Finn indicou.
[...]
Estávamos dentro de um bunker abaixo do solo, o lugar estava escuro, sendo apenas iluminado por uma lamparina fraca, Rick e Monroe estavam conosco.
O terrestre estava acordado, amarrado em uma cadeira antiga, com o rosto sujo de sangue e terra, a postura corajosa e arrogante jamais falha, é como se não tivesse temor a morte ou como se não acreditasse que éramos capazes de fazer.
—Faremos isso de novo e dessa vez, você vai falar o que sabe.—Eu exclamo de pé, perto do terrestre, já vi esse filme, já passei por isso, não é difícil fazer de novo.—Onde encontrou isso?—Pergunto, mostrando o relógio.
—Já disse, encontrei perto do acampamento de vocês.—Ele repete e eu bufo, minha paciência estava escorrendo do meu corpo.
—Ele está mentindo. Ela nunca tiraria.—Finn diz entre dentes, está tomado por raiva, desesperado por alguma resposta.
—Eu sei.
—Onde está a garota que usava esse relógio?—O tom de voz apenas aumentava a frequência que as palavras escorriam como sangue de sua boca.
—Eu não vi garota nenhuma.—Novamente, mais uma resposta inútil, eu mordo minha língua, me segurando para não perder o controle.
—Outra mentira... parem de perguntar gentilmente.—A voz de Murphy ecoa da escuridão.
—Cala a boca, Murphy.—Cardan bate o cotovelo contra a cabeça de Murphy a medida que desencosta as costas da parede do bunker e avança perto de nós, os passos prepotentes como os de um felino.
—Onde está o nosso pessoal? Sabemos que estão com vocês, apenas me diga a localização!—Eu imploro, erguendo a voz ao terráqueo, que não parecia disposto a ceder.
—Vocês são frouxos.—Cardan estala o pescoço, afasta os cabelos da testa e veste dois socos ingleses nos punhos, agora as coisas vão piorar, Cardan decidiu que não quer mais esperar sentado.—Vou arrancar informações desse idiota caolho rapidinho.—Ele sorri de canto, pendendo a cabeça para o lado.
Ele agacha na frente do terrestre, pega o relógio da mão de Finn e diz.
—Vou perguntar uma única vez, se não responder corretamente, vou me ver no direito de arrancar o único olho que te resta.—Cardan suspira e olha para o chão, molha os lábios e pergunta.—Onde estão a garota que usava esse relógio e o homem que usava esse anel?
O terrestre encara os punhos, engole seco, e volta o olhar para os olhos negros de Cardan.
—Já disse, não vi garota e homem nenhum.—Ele finge que não teme a ameaça do meu amigo. Mas eu o conheço desde que me entendo por gente, quando Cardan decide agir, ele não blefa.
Cardan balança a cabeça negativamente e olha para o chão, parece que está mordendo a parte interior da bochecha.
Ele levanta, assume uma postura aterrorizante, eu conhecia bem.
Meus olhos se arregalam quando começa a desferir vários socos na face do terrestre, sem parar, da para escutar o barulho do metal do soco inglês contra o crânio do homem, o sangue quente respinga por tudo, mancha o meu rosto, o de Finn e o de Cardan.
Apesar dos gritos e os apelos de misericórdia, Cardan não para, ele não parece satisfeito, infelizmente, o terrestre foi escolhido como saco de pancadas para os surtos de raiva explosiva de Cardan.
Ele para, ofegante, limpa o suor do lábio superior com a mão e demora um pouco até ele perguntar de novo, mas durante esses torturantes segundos, meu estômago revira de forma tão intensa que sinto que vou vomitar o pouco que comi, a visão do rosto desfigurado e cheio de sangue do terrestre, em carne viva e latejante, o líquido escarlate manchava todo o chão e o terrestre não parava de urrar de dor.
—Onde... o nosso...pessoal... está?—O olhar de Cardan perfura ainda mais a face do terrestre, quando não recebe uma resposta, perde o controle das palavras.—ONDE ELES ESTÃO?! PARA ONDE LEVARAM O MEU IRMÃO?!—Ele agarra a gola das roupas do terrestre, mas eu o impeço de fazer coisas piores, puxo pela jaqueta.
Num movimento rápido e ágil, ele tira o revólver automático do bolso e aponta para o meu rosto, meu coração fica frio e minhas mãos suam.
—Cardan, lembre-se quem é o real inimigo... Abaixe a arma.—Eu peço, com a voz baixa. Ele é meu amigo, meu parceiro de infância, manteve o segredo sobre Octávia sigiloso, me parece tão impossível para mim ele apertar o gatilho.
Seu cenho está franzido, sua respiração alta demais, a postura defensiva e olhar pode ser confundido com o olhar do próprio Anjo Caído.
Não demora para ele colar o bico da arma na testa do terrestre e dizer em palavras rápidas.
—Três segundos.—Ele espera.—Dois!... Um.
Mas antes de apertar o gatilho, o terrestre junta as últimas forças para gritar.
—Está bem! Eu vou te contar.—A voz está trêmula, os socos vindos da raiva de Cardan o desarmaram de qualquer escudo contra a morte.—Seus amigos estão ao leste daqui. Na aldeia a qual levamos os prisioneiros de guerra.—Levo a mão a testa, aliviado pela única informação útil proferida.
—Leste? Onde? Como chegamos lá?!—Cardan rosna, sua pálpebra esquerda está tremendo, a raiva está vazando pelos nervos.
—Posso desenhar um mapa... Mas tem que sem apressar... ele perde a utilidade rapidamente.—O peito do terrestre sobe e desce, o sangue escorre e pinga da boca dele até o chão.
—Deem algo para ele desenhar um mapa.—Cardan abaixa o revólver e me encara, sinto que há uma ausência de alma em sua carcaça.
Monroe não demora para entregar uma folha meio amassada ao terrestre, Murphy se levanta de onde estava sentado e murmura perto do meu ouvido.
—E depois eu que sou o louco.
Depois de vários minutos, o mapa estava pronto, após dar uma boa olhada e analisar quaisquer impedimentos, me levanto e digo.
—Peguem as coisas, estamos partindo.—Resmungo.
—E ele?—Rick aponta o queixo para o refém de rosto desfigurado.
—Por ora, deixamos ele aqui. Vamos lidar com isso depois.—Explico, fechando os punhos.
—E se ele fugir? Ele sabe aonde vamos.—Murphy reclama o óbvio.
—Não vamos matar ele!—Eu exclamo, indignado com fato de eles cogitarem tal coisa.
—Não vejo outra opção.—Cardan está de pé, de frente para o homem.
—Se não fizermos nada, vai sobrar pro futuro.—Murphy insiste.
—Ele está sem armas.
—Ele é um terrestre.—Murphy diz entre dentes.—Sério? Vamos falem para ele!—Ele aponta o queixo na direção de Rick e Monroe.
—Eu não sei.—Monroe fala baixinho.
—Não sabe oque?!—Murphy exclama.—Ele dirá tudo para o povo dele, vamos morrer.—Eu fecho os olhos, queria ter a capacidade de não escutar ele.—Nossos amigos também.
—Não vamos fazer isso. Acabou! Quer mata-lo? Vai ter que passar por mim.—Eu falo, segurando o braço do garoto que tinha os olhos de gelo.
—Oque aconteceu com você? Pare de agir como se não tivesse matado terrestres.—Sua voz espirra veneno pelo ambiente.
—Aquilo foi em combate. Isso é execução.—Eu explico, erguendo o cenho, trocando o peso do meu corpo para outra perna.
Mas não há tempo para conversas, ouvimos um último urro de desespero escapar pela boca do terrestre. Cardan quebrou o pescoço dele, sem mais nem menos.
Eu o encaro, com os lábios entreabertos, meu pulmão fecha e não há mais ar para eu puxar, tento procurar algum sinal de humanidade nos olhos azuis do cara que eu achava que conhecia.
—Vamos.—Ele diz como se não tivesse feito uma execução, com as próprias mãos.
Ele pega o mapa e os outros o seguem, se armando com os rifles, por vários instantes eu fico estático.
Não consigo parar de agradecer a Deus que Valerie não está aqui para ver o lado sombrio do irmão. Não consigo imaginar como Ethan reagiria a essa mudança tão drástica de temperamento. Minha cabeça está um tormento.
Não consigo evitar se não pensar em quando nós três estávamos em Walden, com 15 anos, no dormitório da minha família, jogando cartas enquanto comíamos carne seca. Sinto que talvez, ele tenha esquecido desse e dos outros dias de treinamento. Não tenho nem ideia de como vou contar oque aconteceu a Valerie ou a Ethan.
Olha uma última vez para o cadáver antes de pegar o meu rifle e sair do bunker, temendo que talvez, quem sejamos e oque fazemos para sobreviver, não sejam coisas diferentes.
4.1K WORDS! Não revisado!
É isso galera, não esqueçam de votar e comentar bastante, esse capítulo deu muito trabalho. Me falem como é ler o ponto de vista do nosso querido Bell. Não odeiem o Cardan por favor, meu menino merece o mundo.
Kisses da V!
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