094
— Que lugar é esse? — perguntou a princesa com curiosidade, voltando-se para olhar Erryk em busca da resposta. O guarda parecia desconfortável em responder à princesa, enquanto o gêmeo mais novo parecia tão confuso quanto Rhaenys.
Havia janelas pequenas, mas com grades, e uma grande concentração de mendigos do lado de fora do estabelecimento. Os gritos que eram abafados pela porta de madeira na frente deles e não pareciam gritos de tortura ou dor, pareciam gritos de pessoas que estavam se divertindo e torcendo por algo.
A curiosidade da princesa aumentou ainda mais.
Erryk não fez nada além de compartilhar um olhar indiferente sobre a situação com Rhaenys e o irmão gêmeo dele antes de entrar pela porta do estabelecimento e desaparecer por ali. Rhaenys e Arryk ficaram do lado de fora, compartilhando olhares confusos e desconfiados que logo fizeram seus pés se moverem e entrarem no estranho lugar.
Ao entrar na grande casa, o local mal tinha boa iluminação, nem com velas nem com a luz natural que entrava pelas janelas, tão pouco um bom cheiro. Havia muitas pessoas aglomeradas e batendo palmas para algo que estava acontecendo, até mesmo assobiando. A princesa não conseguia ver o que era porque sua altura não lhe permitia fazer isso, e com tantos homens altos à sua frente e Arryk a segurando firmemente para mantê-la perto, era ainda mais difícil.
Enquanto caminhavam pela multidão, Rhaenys observou outros tipos de gritos, gritos mais finos e mais jovens, como os de crianças. Ela virou o rosto para ver de onde vinha o som e, quando notou um círculo de crianças com roupas que mais pareciam trapos e um homem que parecia estar preparando-as para algo, ela parou e olhou com sobrancelhas franzidas.
— Princesa? — Arryk chamou sua atenção, mas ela manteve o olhar focado apenas nas crianças.
O gêmeo mais velho também parou seus passos, aproximando-se novamente da princesa e olhando na mesma direção em que ela estava, soltando um longo suspiro dos lábios franzidos em caretas.
Uma criança em particular chamou a atenção de Rhaenys, uma que estava com a boca aberta e verificando os dentes desgastados e pontiagudos do garoto ruivo, um nó se formou em sua garganta com a crueldade.
— Que lugar é esse, Ser Erryk? — ela repetiu a pergunta quando viu as crianças sendo empurradas e jogadas em algum lugar que ela não conseguia ver por causa da multidão e de sua altura, novamente.
Erryk olhou para o irmão e, em seguida, agarrou a princesa pelo pulso gentilmente, levando-a para um lugar onde ela pudesse ver o que estava acontecendo. Os homens pararam no topo de uma pequena escada e o gêmeo mais velho segurou a princesa pela cintura para erguê-la em um pequeno banco, de modo que ela tivesse uma ótima visão do que era exatamente aquele lugar.
Os olhos azuis de Rhaenys se arregalaram quando ela notou que o círculo de crianças começou a atacar umas às outras, sem piedade. Crianças machucando umas às outras como se estivessem acostumadas a isso.
Ela cobriu a boca quando a surpresa a atingiu em cheio, suas sobrancelhas se juntaram enquanto ela observava as pessoas ao redor da pequena arena torcendo e aplaudindo, rindo e assobiando como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Não só a princesa estava assustada com tal coisa, mas o guarda Arryk também não parecia feliz com o que estava testemunhando.
Eles pareciam jovens, o mais novo parecia ter cinco anos e o mais velho, dez.
— Quantos anos eles têm? — perguntou Arryk sem esconder o horror em seu rosto e, pela expressão do outro gêmeo, já era óbvio que ele havia procurado esse lugar muitas vezes antes. — Eles são crianças.
Rhaenys virou o rosto violentamente para olhar para Erryk e esperar sua resposta, a cada barulho de tapas, socos e gritos que ela ouvia vindo da arena havia um aperto diferente em seu peito. Ela não conseguia imaginar como uma pessoa poderia encontrar tanta felicidade e diversão em uma situação violenta e nojenta como essa.
— Hoje em dia, eles devem ter cerca de dez anos de idade. — respondeu ele, caminhando para ficar ao lado da princesa e ver também. Uma das meninas do grupo bateu no garoto ruivo, e era como se ela fosse uma criatura selvagem quando foi mordê-lo cruelmente. — Elas deixam crescer as unhas e afiam os dentes, as torna mais formidáveis. — comentou com desdém.
Ela balançou a cabeça, seu olhar mudava constantemente entre pena e raiva, ela não conseguia mais olhar para as crianças literalmente matando umas às outras.
— Isso é horrível, são apenas crianças! Elas não deveriam estar se matando e recebendo aplausos por isso. — reclamou ela, apertando os dedos para manter a calma e não difamar com gritos.
— O Príncipe Aegon passa muitas de suas noites aqui. — continuou Sor Erryk, olhando para o irmão enquanto contava. — Agora você sabe, mas não está vendo tudo. — disse o guarda, apontando com o queixo para um canto do estabelecimento, um canto escuro.
Rhaenys estava tão concentrada em descobrir o que estava acontecendo que não notou quando Erryk indicou onde ela e o irmão gêmeo dele deveriam procurar e descobrir, mas assim que percebeu o que ele estava dizendo, ela fez exatamente isso.
Colocando a mão nos ombros de um deles, ela se inclinou para ver o canto escuro para o qual estavam olhando. Foi só depois de quase subir no colo do guarda que ela realmente viu uma criança tão pequena escondida no fundo, suja e usando trapos, que parecia assustada.
Um garotinho de cabelos platinados, olhando para eles com curiosidade e ainda com aquele mesmo medo.
Ela retraiu o toque do ombro do homem e sua mandíbula se cerrou antes de se abrir em completa surpresa, ou talvez nem tanto. A surpresa não era pelo fato de o menino ser o bastardo de Aegon, mas pelo fato de a criança estar em um ambiente tão hostil e sujo, com a possibilidade de tantas doenças que eram um perigo para um menino tão pequeno e inocente.
— É de Aegon? — perguntou Arryk, chocado, franzindo a testa.
— Um de muitos, eu acredito. — respondeu Erryk, voltando-se para a princesa e segurando-a pela cintura novamente para tirá-la do pequeno banco. O gêmeo mais novo balançou a cabeça negativamente, desaprovando toda a ação envolvendo o Príncipe Aegon. — Aegon deve ser encontrado rapidamente, ele não pode governar de uma forma tão indecente como esta. Jurei protegê-lo pelo resto da minha vida, mas não vou deixar minha vida pagar o preço por causa de seu reinado.
— Espere, Ser Erryk... não podemos deixá-lo aqui! — disse a princesa, tentando se libertar do toque dele para ir até a criança, pelo menos para ver se ele estava bem. Mas o guarda não permitiu que ela fizesse isso, deixando a princesa sob os cuidados de Arryk enquanto ele ia fazer perguntas ao dono do estabelecimento.
Arryk segurou a princesa pelos braços, tentando mantê-la presa a ele, mesmo com a teimosia dela em se libertar para ir até o menino.
— Princesa, nós realmente não temos tempo para isso. — ele sussurrou para ela, tirando-a de dentro do local para que ela ficasse pelo menos um pouco mais calma. Ele entendia o estresse dela, mas qualquer distração agora era crucial para a busca de Aegon e a usurpação que poderia ocorrer. — Por favor, acalme-se.
Rhaenys gostaria de amaldiçoar o homem e empurrá-lo para longe dela, para que pudesse pegar a criança e levá-la para um lugar seguro e limpo. Mas a situação não era ideal e ela não podia fazer isso, era impossível no momento.
Talvez mais tarde, se a criança ainda estivesse viva, ela pudesse salvá-la e ajudá-la.
Quando parou de espernear nos braços de Arryk, ela encostou as costas em uma parede suja enquanto esperavam o outro gêmeo com o paradeiro correto do príncipe. Ela apoiou um dos pés para frente quando um mendigo passou por ela e tropeçou, não conseguindo conter o riso quando ele a xingou, chamando-a de garoto vagabundo.
Uma risada em uma situação de vida e morte nunca faria mal a ninguém.
A princesa levantou os pulsos para olhar, notando os pequenos hematomas roxos que Criston havia feito neles com seu aperto impressionantemente forte da noite passada. Ela podia imaginar a execução do guarda, com sua cabeça rolando pelo chão e sendo empalada em uma vara para servir de tocha, e o resto do corpo sendo dado de comer à Syrax.
O homem era o que mais merecia sofrer, além de ter uma mão mutilada que ele logo substituiu por uma feita de prata velha.
Isso a deixou satisfeita.
— Ele está no Septo. — disse Erryk ao sair do estabelecimento, pegando a princesa para mantê-la na frente deles enquanto caminhavam. — Vamos.
Felizmente para eles, o Septo ficava a uma curta caminhada da casa de combate, seria rápido chegar lá e ela esperava que ele estivesse realmente lá dentro.
Caso contrário, ela teria um problema maior para resolver.
Rhaenys caminhou na frente deles enquanto olhava em volta com cuidado e atenção, seus dedos constantemente se esmagando com o nervosismo que corria por suas veias e artérias. Seus lábios se fecharam em caretas pensativas e seu nariz se apertou com o cheiro desagradável que vinha das roupas e das pessoas ao redor deles.
O Septo era um prédio enorme quase no centro da baixada das pulgas, sempre cercado por septãos e irmãs silenciosas vestidas de preto da cabeça aos pés. A guarda noturna mal se preocupava com a proteção do Septo, embora fosse o local onde os Sete eram adorados e onde se acendiam velas em busca de bênçãos.
A princesa, por exemplo, nunca havia posto seus pés no lugar abençoado em toda a sua vida e em suas visitas à cidade.
Com alguns minutos de caminhada e reclamações, eles chegaram a poucos metros do Septo, e os dois guardas se entreolharam enquanto decidiam que abordagem tomariam, uma abordagem que não incluía a princesa por razões óbvias de proteção e preocupação. Quando Rhaenys deu alguns passos para chegar à praça em frente ao Septo, o braço longo de Ser Erryk a parou no lugar e suas sobrancelhas se ergueram para ela, guiando-a silenciosamente para um beco.
Ela não entendia o que eles estavam fazendo, mas também não protestou contra isso.
Erryk a prendeu com as costas contra a parede do corredor e olhou em volta para ver se alguém estava ouvindo ou observando a conversa dos dois. Quando não viu ninguém que pudesse ser uma ameaça, ele se inclinou para sussurrar no ouvido da princesa.
— É melhor você não sair daqui enquanto procuramos o príncipe. — disse ele, afastando-se para olhar para a princesa.
— Por que não posso ir? — ela reclamou em voz baixa, franzindo a testa. — É apenas um Septo, ninguém irá me reconhecer lá dentro.
— Seu tio irá lhe reconhecer, e ele gritará alto aos ventos para dizer que você está lá. Você não tem ideia da velocidade com que as notícias chegam daqui aos ouvidos de Otto Hightower. — ele respondeu imediatamente, quase querendo implorar à princesa teimosa que o ouvisse. — Por favor, minha princesa.
Rhaenys revirou os olhos em uma expiração alta pelas narinas e, depois de resmungar com desagrado, assentiu com a cabeça e descansou o corpo na parede antiga. Os guardas pareciam satisfeitos com a obediência dela e deixaram uma adaga em seu quadril, para o caso de algo acontecer com ela durante os minutos em que estivessem fora.
A princesa olhou em volta do chão com tédio, mas com cautela, enquanto os guardas a deixavam e marchavam em direção às grandes portas de carvalho do Septo, que ainda tocavam os sinos bem alto. Ela observou enquanto eles desapareciam na gigantesca construção e bufou pesadamente com a frustração que sentia por não poder participar da diversão e da exploração.
De qualquer forma, a princesa entrou um pouco mais no beco para ficar escondida, verificando a toca que usava para ter certeza de que seu cabelo estava escondido e ninguém a veria.
Mesmo tendo certeza de que alguém a reconheceria, ela correu o risco mesmo assim.
Sentando-se no chão e encostando as costas na parede novamente, ela pegou a adaga do quadril e olhou para a lâmina de corte, onde havia vestígios de sangue seco. Ela deduziu que não era aço valiriano, caso contrário, já teria um corte profundo na mão devido à maneira desajeitada com que manuseava a arma mortal entre a palma da mão e os dedos.
Rhaenys dedilhou a ponta com cuidado sob a cicatriz que corria de uma ponta à outra da palma da mão, uma cicatriz que ela e os meninos de Velaryon tinham em comum. Uma promessa de sangue que eles fizeram em cima de uma fogueira à beira-mar em Pedra do Dragão, uma promessa de proteger um ao outro sempre.
Seu coração se afundou quando ela se lembrou de que havia traído a confiança do irmão mais velho. Devido a uma paixão, ela pode ter quebrado sua promessa sem nem mesmo pensar ou querer.
Mas ela jamais abandonaria ou trairia sua família por Aemond.
— Parece que você estava enganado sobre os hábitos de Aegon. — uma voz familiar soou de um beco próximo, Rhaenys desviou sua atenção da adaga para a direção da voz firme.
Um resmungo não tão distante seguiu o comentário do homem de voz firme, e uma voz ainda mais familiar soou nos ouvidos de Rhaenys como um eco de uma caverna.
No corredor ao lado.
— Ele pode estar nas mãos dos mercenários, em um navio para Essos... ele pode até estar morto. — disse Aemond com certa indiferença, movendo os ombros enquanto descia as escadas.
Rhaenys se afastou dessas mesmas escadas e entrou em outro beco enquanto observava aquela mesma pessoa passar por ela sem vê-la, justamente por causa do disfarce que estava usando. Ela o seguiu com os olhos, piscando várias vezes quando percebeu que ele estava procurando por Aegon, e uma fúria cresceu dentro dela quando viu Criston ao lado dele.
Aemond provavelmente não fazia ideia de que Rhaenys não estava em Pedra do Dragão, mas sim ainda em Porto Real, e estava a apenas alguns metros dela.
Provavelmente não tinha conhecimento da forma bruta que Criston Cole havia lhe tratado, também.
Mas isso não era o que incomodava a princesa, não. O que o incomodava era o fato de Aemond estar à procura de Aegon quando deveria saber dos planos de usurpação, pois por que a rainha exigiria a presença de seu filho logo após a morte repentina do rei, em vez de Rhaenyra?
Ele não era estúpido, Rhaenys sabia disso.
— Vamos acreditar, pelo bem de sua mãe, que esse não é o caso. — disse o guarda enquanto olhava ao redor, sentindo que alguém os estava seguindo. Mas como não viu ninguém conhecido, voltou sua atenção para frente.
Rhaenys continuou a andar sobre cascas de ovos, dirigindo-se pelos becos e escadas laterais para se manter perto de Aemond, ouvir o que estava acontecendo ou o que ele estava planejando.
Quando o príncipe desceu mais algumas escadas e parou abruptamente, Rhaenys quase ficou cara a cara com ele do outro lado do beco. Ela conseguiu, felizmente, parar antes de ser revelada e deixou as costas pressionadas contra a parede fria para que pudesse ouvir o que estava querendo ouvir.
O Septo estava a apenas alguns metros de distância, o que significava que a princesa havia percorrido apenas um círculo e que, se Criston e Aemond não saíssem dali logo, veriam Aegon sendo carregado pelos gêmeos que a ajudavam.
E, consequentemente, eles a veriam.
— Aqui estou eu, vasculhando a cidade ao lado de um bom soldado procurando por um vagabundo que nunca teve interesse em seus direitos de nascença. — o príncipe reclamou ao parar em seu caminho, a princesa teve que conter o riso porque achou engraçado o modo como ele xingou o irmão. — E eu, o irmão mais novo que estudou história e filosofia, que treinou com a espada e monta o maior dragão do mundo, era eu quem deveria ser...
O príncipe não conseguiu continuar dizendo o que queria, sentindo o coração pesado por algum sentimento que ele ainda não conseguia entender o que era.
Cole ergueu as sobrancelhas, curioso e intrigado, e se aproximou do garoto para sussurrar-lhe.
— Eu sei o que é ter que lutar pelo que os outros têm de graça. — disse ele, compartilhando uma certa compaixão pela angústia do príncipe, praticamente absorvendo sua dor.
— Mm. — ele murmurou, mordendo o lábio inferior pensativamente enquanto levantava a cabeça para olhar para o guarda. — Não vamos encontrá-lo, Cole. Somos pessoas descentes, não temos gosto pela depravação. Os segredos são só dele e ele os aprecia. — disse ele, baixando a voz para um sussurro, mas Rhaenys ainda podia ouvir claramente.
O sentimento de traição subiu das pontas dos dedos de Rhaenys para suas bochechas, fazendo com que elas corassem com a raiva que as coloriu. Suas mãos se fecharam em punhos, suas pernas queriam se mover por conta própria e sua língua formigava para dizer a Aemond tudo o que ela queria dizer, bem como a Criston.
Ele não tinha gosto para a depravação, mas dormiu inúmeras vezes com a princesa.
Sempre sendo um hipócrita.
Rhaenys permaneceu imóvel por um longo tempo, seus lábios tremiam com a vontade que sentia de chorar de estresse e fúria, uma fúria tão forte que até mesmo seu dragão podia senti-la do fosso, angustiada junto com Vhagar.
— O rei deveria ser você? — ela falou alto e propositalmente, sua voz saindo com uma dor quase fraca. — Devo me ajoelhar diante de você, talvez?
Aemond saiu de seu transe e sobre o que falava com Cole, virando o corpo para ouvir a voz que murmurava atrás dele. A voz, tão doce, mas tão firme ao mesmo tempo, a voz que deixava seu coração agitado a ponto de doer.
A voz de seu amor.
A voz de Rhaenys.
Quando o príncipe reconheceu a menina atrás de suas costas, seu lábio se contraiu para cima em um leve desespero, percebendo o que ele havia dito e como ela interpretaria suas palavras.
Mas o que chamou sua atenção foi o fato de que ela ainda estava lá depois de deixar uma carta de despedida, dizendo que estaria em Dragonstone. Cole, por outro lado, sentiu o coração disparar quando viu que a princesa estava ali em vez de presa no quarto, perguntando-se como ela havia escapado do castelo sem ser vista.
Ele deu alguns passos à frente, quase sentindo vontade de atacar a princesa, mas parou quando se lembrou da presença de Aemond.
— Rhaenys? — ele chamou para ter certeza de que não era outra imaginação em sua mente. — Você deveria estar em Pedra do Dragão, por que está aqui?
— Você não deveria estar aqui, princesa. — disse Cole em seguida, olhando para ela com cautela.
Rhaenys soltou uma risada fraca, incrédula com a audácia de Criston em agir normalmente, como se ele não tivesse quase quebrado um de seus braços na noite passada pela forma bruta com que a segurou e a jogou por todos os corredores e escadas. Ela cruzou os braços ao encarar Aemond, alternando o olhar entre o guarda e seu amante de uma forma tão confusa que até se sentiu tonta.
— Certo, Ser Criston Cole. Talvez você mesmo pudesse ter ficado de guarda na minha porta, assim eu não teria escapado. — respondeu ela, balançando a cabeça enquanto dava passos firmes em direção a Aemond e puxava o ombro dele para chamar sua atenção. — O que pensa que está fazendo, seu mentiroso!? — ela praguejou.
— Não estou fazendo nada, Rhaenys! Poderia ter a empatia de me dizer do que está falando e por que ainda está aqui? — disse ele, usando sua altura para encurralá-la. O príncipe manteve seu olhar fixo nela por um longo tempo, antes de se virar para olhar para o guarda juramentado de sua mãe. — Do que ela está falando, Cole?
O escudeiro permaneceu em silêncio quando o príncipe lhe perguntou o que estava acontecendo, sem saber se deveria lhe contar tudo o que aconteceu ou como ele reagiria se soubesse dos ferimentos que fez em Rhaenys.
Ele limpou a garganta, que agora parecia estar cheia de lascas de madeira, e passou os olhos pelo corpo da princesa, procurando ver se havia algum ferimento visível, E havia, os dedos machucados nos pulsos dela que pertenciam aos dígitos dele.
Mas, pelo menos, se ele distraísse o príncipe o suficiente, Aemond acabaria não percebendo nenhum ferimento nela.
Criston abriu e fechou a boca várias vezes e, quando finalmente conseguiu dizer o que queria, foi em um tom calmo mas firme.
— Não faço ideia, meu príncipe. — respondeu ele a Aemond, balançando a cabeça para qualquer coisa que fosse dita, qualquer calúnia.
Aemond voltou seu olhar para a princesa, semicerrando o olho bom para ver se conseguia fazê-la falar, ou explicar o que estava acontecendo e porquê a hostilidade entre Criston e ela parecia maior. Ele colocou uma mão em seu braço e a segurou gentilmente, quase deixando um sorriso escapar de seus lábios pela mera presença da amada.
Criston estalou a língua no céu da boca e cerrou os punhos, respirando pesadamente enquanto enfrentava a princesa em um jogo, ou quase um jogo.
— Rhaenys? — Aemond a chamou novamente.
Rhaenys desviou o olhar de Cole e procurou a expressão de Aemond, respirando profundamente por estarem tão próximos. Antes de responder, ela olhou para trás para se certificar de que os gêmeos ainda estavam dentro do Septo com Aegon.
Quando teve certeza de que estavam, voltou-se para Aemond.
— Estou procurando por Aegon. — disse ela, tirando o braço da mão dele. O príncipe ergueu uma sobrancelha e seu olhar recaiu sobre as pequenas marcas roxas no pulso dela. — Sua mãe planeja usurpar o trono da minha mãe, e eu não permitirei que isso aconteça. Eu deveria estar em Pedra do Dragão, sim, mas um guarda me capturou antes que eu pudesse escapar para chegar ao fosso... eu estava trancada em um quarto.
Ela disse, olhando na direção de Criston. O homem parecia estar em uma posição defensiva, com a mão apoiada firmemente no punho de sua adaga, apenas esperando o momento certo para usá-la.
— Procurando por Aegon? Como você conseguiu escapar sozinha e por que estava presa? — perguntou ele, com as sobrancelhas franzidas em confusão. — Que hematomas são esses? — ele perguntou novamente, puxando o pulso dela.
— Não são nada. — respondeu ela enquanto puxava o pulso para trás, escondendo-os. — Você está procurando por Aegon a pedido de sua mãe, Aemond. Você me prometeu que aceitaria minha mãe no trono e aqui está você! Fazendo exatamente o oposto do que me disse, seu hipócrita!
Aemond arregalou seu olho e respirou fundo, tentando colocar suas funções no lugar e pensar na situação em que se encontrava. Como ele poderia ser leal à sua mãe e a Rhaenys ao mesmo tempo, como poderia manter uma com ele sem perder a outra?
A resposta era simples: ele precisava ter Alicent ao lado de Rhaenys.
Mas essa era a parte difícil de se fazer.
— Foi a mesma pessoa que a trancou em seu quarto que a feriu? — o príncipe deu passos à sua frente, sentindo o coração acelerar ao pensar nas maneiras pelas quais poderia matar a pessoa que a machucou, que a trancou e a arrastou contra sua vontade. — E não me chame de hipócrita, você não sabe quais são minhas intenções.
A princesa riu fraco e incrédula com o que ouviu, pois todos do lado verde pareciam dar desculpas tão estúpidas que chegavam a ser cômicas de acreditar. Ela se afastou um pouco de Aemond, olhando ao redor para ver se encontrava Cole, mas ele não estava ao seu lado, estava se movendo atrás dela enquanto conversavam distraidamente.
— Sim, é claro que a pessoa que me prendeu foi a mesma que me machucou. Você ainda não está ciente de que foi...
Isso foi tudo o que a princesa conseguiu dizer antes de sentir sua cabeça queimar e sua visão ficar embaçada. O som metálico batendo na lateral de sua cabeça fez com que as palavras morressem em sua garganta antes que ela pudesse revelar o culpado. Ela se apoiou momentaneamente em Aemond, mas ele ficou tão surpreso quando ela tropeçou para frente e caiu aos seus pés que não teve tempo de pegá-la, seu olho bom se arregalou quando ele percebeu quem havia batido na cabeça dela.
Ele estava dividido entre ajudar e olhar para o pequeno corte que havia feito na lateral da cabeça, que começava a sangrar levemente, ou olhar para Cole, que estava segurando o cabo da adaga nas mãos, a mesma que ele havia usado com força bruta para bater na cabeça dela, para fazê-la parar de falar para que pudessem continuar a busca pelo príncipe.
Cole subestimava o amor do príncipe por Rhaenys, para ele não passava de uma estranha diversão entre os dois Targaryens. Não era amor de verdade, apenas uma ilusão de que eles se amavam, algo juvenil.
Esse foi o erro do escudeiro, subestimar a paixão que sentiam um pelo outro.
Testando a lealdade do príncipe, correndo contra o tempo.
— Meu príncipe, não temos tempo para conversas. — disse ele, olhando para a princesa, agora temporariamente desorientada, que estava sentada no chão.
Aemond virou a cabeça para Criston, que estava segurando a adaga. Ele olhou para ele com um olhar furioso no rosto, estava tão furioso que queria matar o homem, mas tinha que se concentrar em Rhaenys.
— O que, nos Sete Infernos, você fez!? — perguntou ele, com a voz carregada de veneno.
Criston foi pego de surpresa pela explosão de Aemond, ele não esperava que ele se importasse com Rhaenys, dada a frieza com que o garoto era conhecido.
Talvez ele realmente amasse ela.
A raiva de Aemond era palpável. Ele ignorou o escudeiro e se concentrou em Rhaenys, seu olhar estava estreitado para ela, mas ele a olhava mais com preocupação do que com raiva. Os hematomas nos pulsos dela já haviam chamado sua atenção e ele queria que ela lhe contasse, mas não podia forçá-la a falar.
Ele se aproximou mais dela, ajoelhando-se ao seu lado.
— Diga-me o que aconteceu. — disse ele em voz baixa, olhando-a diretamente nos olhos entre abertos dela. Ele queria saber o que havia acontecido e precisava disso com urgência. — Rhaenys!?
A princesa resmungou suavemente, abrindo os olhos lentamente e piscando algumas vezes enquanto sua consciência voltava. Ela colocou uma das mãos no chão e a outra, que estava livre, tocou a lateral da testa, que estava sangrando, mas não muito.
Ela fez uma careta de ardor e respirou fundo, olhando para Aemond com um olhar que já lhe dizia tudo o que ele queria saber, não havia dúvida.
— Você sabe quem foi, Aemond. — ela sussurrou para ele, o mesmo tom de ódio estava na ponta de sua língua.
Enquanto o trio estava em um clima tenso entre eles, os gêmeos estavam cientes da presença de Criston Cole do lado de fora do Septo. Eles haviam espiado antes de decidirem ir embora com o príncipe que estava bêbado, sem nenhuma surpresa para eles. Eles esperariam até que tivessem certeza de que tudo estava limpo, tentando manter o príncipe quieto e não se chutando nos braços dos guardas gêmeos.
Aemond respirou fundo quando ela sussurrou para ele. Ela estava certa, ele sabia exatamente quem a havia machucado, não precisava haver nenhuma pergunta a mais.
Criston Cole.
Aemond ficou ainda mais furioso. Ele não entendia por que Criston faria isso contra Rhaenys entre todos, mas se levantou e se virou para o escudeiro com um olhar de pura raiva.
— Você tem algo a dizer em sua defesa? — Aemond perguntou, sua voz fervilhando.
Criston não conseguia acreditar que seu príncipe estava realmente defendendo a princesa, por amor.
Em sua mente, teria sido muito mais simples para ele se pudesse simplesmente matar a princesa. Não fazia sentido, ele deveria ter feito isso em vez de simplesmente bater nela.
— Meu príncipe... — ele tentou explicar, tentando se defender.
Mas ele não terminou a frase; ele não teve a chance de terminar.
Aemond estava tão furioso que o agarrou pela garganta com suas enormes mãos e o prendeu contra a parede do mesmo corredor.
Havia uma raiva fria no olhar de Aemond que poderia aterrorizar os homens mais corajosos, até mesmo tinha esquecido da busca por Aegon. Não havia como voltar atrás agora, Criston havia passado dos limites e Aemond estava mais do que furioso.
— Você fez esses machucados nela? — perguntou Aemond, apertando a garganta do escudeiro com mais força. — Responda-me. Você fez isso em minha mulher?
O escudeiro tossiu, com o rosto vermelho e os olhos arregalados.
— Eu fiz isso, meu príncipe. — disse ele finalmente, falando entre risos. — Não está vendo, Aemond? Ela está tentando afastá-lo de sua mãe, tentando fazer com que você mude de lado! Quando a mãe dela subir ao trono, ela matará você e o restante de seus irmãos.
O olho de Aemond se estreitou ainda mais enquanto ele apertava ainda mais o escudeiro, ameaçando cortar o ar do homem.
Ele estava furioso porque Criston Cole ousou dizer que sua amada estava tentando manipulá-lo.
— Isso é mentira! — disse Aemond em voz baixa, com os dentes cerrados. — Se alguém está tentando me manipular, é você. Você não é melhor do que o resto deles, não é melhor do que mim.
As coisas estavam se transformando em algo bastante violento rapidamente, a princesa ainda estava desorientada, mas estava percebendo. Ela se levantou lentamente do chão, apoiando-se contra a parede para não cair, e observou Aemond se tornar cada vez mais bruto e violento contra Cole.
Por um momento, a raiva de Aemond foi tão ofuscante que ele nem percebeu que Rhaenys havia se levantado e estava por perto.
Ele queria matar o homem pelo que ele havia feito. Queria esmagar a garganta do homem em suas mãos.
O aperto de Aemond na garganta de Cole se intensificou um pouco mais. Seu corpo inteiro estava tremendo de raiva, ele estava tão furioso que não conseguia nem pensar direito. O escudeiro estava ofegante, com o corpo completamente mole, pois o aperto de Aemond estava lhe cortando a respiração.
Rhaenys mantinha os olhos fixos na cena diante dela, mas também não tinha nenhum desejo de parar o que Aemond estava fazendo com Cole, ela sabia que ele merecia isso e muito mais. Ela apoiou as mãos na parede novamente, piscando constantemente enquanto sua consciência voltava e a dor em sua cabeça diminuía para apenas um latejar.
A princesa notou a mudança no comportamento do príncipe, algo ainda mais violento do que simplesmente enforcar Criston.
Aemond ainda não havia percebido que a princesa estava observando a cena que se desenrolava diante dela. O príncipe, cego de raiva, havia empurrando o escudeiro ao chão e estava agora em cima de Cole, desferindo cada um de seus socos em seu rosto.
O escudeiro usou suas mãos grandes para se defender do príncipe, o que inicialmente lhe deu muitas vantagens, já que ele era o cavalheiro mais habilidoso do reino. Alguns golpes foram trocados, o homem conseguiu acertar o rosto e o nariz de Aemond com dois golpes seguidos, mas seu sarcasmo e risadas enquanto era espancado não ajudaram o temperamento do príncipe.
Ainda batendo com os punhos no corpo e no rosto de Aemond, ele tentou usar a parte inferior do corpo para virar Aemond de costas. Isso funcionou por alguns segundos, com o rosto do príncipe sendo esmagado contra o chão de pedra.
Aemond não aceitaria sua derrota de forma tão fútil, usando os dentes para morder a mão de Cole, ele conseguiu uma frágil abertura para inverter suas posições e a situação mais uma vez, mesmo machucado.
Criston estava no chão, completamente mole e imóvel, recebendo uma surra brutal porém ainda tentava desferir golpes contra Aemond. Cada golpe era como um golpe direto na alma do príncipe, mal se importando com o fato de o guarda já estar oscilando entre a vida e a morte, com parte de seu rosto sangrando furiosamente devido à quantidade repetitiva de socos e ataques.
Seus nós dos dedos queimavam e estavam avermelhados com seu próprio sangue misturado ao do homem que ele considerava um pai ou um irmão mais velho. O rosto do guarda parecia estar no vivo, sua carne estava exposta e seus músculos estavam contraídos, mas Cole não estava mais tentando atacar o príncipe como antes, ele simplesmente não estava se movendo.
Aemond nunca estaria disposto a se perdoar por permitir que Cole machucasse sua amada, a pessoa mais importante de sua vida.
Quando Rhaenys notou a insistência de Aemond em manter os socos mesmo depois da morte óbvia do guarda, ela só pôde perceber a quantidade de sangue que jorrava do rosto de Criston e como parte do rosto dele havia ficado irreconhecível, desfigurado.
O homem já estava morto, mas ele não parou com seus ataques. O que, por sua vez, fez com que Rhaenys decidisse intervir na situação para pôr um fim a ela.
— Aemond, já chega, já chega! — disse ela, caminhando de forma instável em direção a ele, mas mantendo uma distância segura para não acabar sendo atacada. — Aemond! Ele já está morto, basta! — disse ela novamente, com gritos mais altos.
Mas como o príncipe ainda parecia cego, ela tomou decisões mais drásticas e corajosas. Rhaenys se esgueirou por trás do príncipe e, de alguma forma, enfiou os dedos no cabelo de Aemond, puxando-o pelo couro cabeludo com força para afastá-lo.
Ela quase cambaleou ao lado dele, mas se segurou a tempo de não cair.
Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, Aemond parou de socar contra sua vontade, exausto e totalmente furioso.
Aemond não conseguia se conter. Ele estava com nojo de si mesmo e furioso depois de socar e bater em Cole até que ele ficasse irreconhecível.
Já era o bastante, era demais.
Ele se virou para Rhaenys, que o estava observando com preocupação.
A princesa dividiu seu olhar entre o escudeiro que estava caído e com o rosto desfigurado no chão, seu globo ocular esquerdo mal podia ser visto e a carne de seu rosto estava esmagada como se uma bigorna tivesse sido atirada em cima dele, e o príncipe que estava de joelhos no chão, com as mãos sangrando e tremendo pelo esforço que fez, gotas escarlates manchando seus fios platinados e bagunçados.
Aemond olhou para o escudeiro por um momento, completamente enojado consigo mesmo pelo que havia feito. Ele nunca se imaginou capaz de infligir tamanha brutalidade a esse mesmo homem, mas o fez.
O homem estava tão brutalizado que mal podia ser reconhecido como Criston Cole.
Mas o príncipe não podia se preocupar muito com isso, pelo menos não agora. Agora, ele precisava ter certeza de que Rhaenys estava segura.
Rhaenys desviou o olhar do cadáver e se aproximou de Aemond, ajoelhando-se ao lado dele e segurando as mãos dele com as suas, sem se importar com o sangue e a sujeira nelas. Ela olhou para Aemond com preocupação, mas não por causa do que ele havia feito, mas porque ele havia se machucado no processo.
Os dois estavam preocupados um com o outro, o príncipe com o ferimento na cabeça dela e a princesa com o ferimento nos dedos e nariz dele.
Era uma cena drástica, ambos os Targaryens com sangue escarlate pintando suas expressões e seus cabelos brancos como a neve, brilhantes como prata derretida. Seus dedos se conectavam um ao outro em busca de apoio, em busca de amor e segurança.
O príncipe não conseguia tirar o olhar de sua bela mulher. Ela estava linda em seu próprio estado desgrenhado, com os cabelos loiros sobre os ombros e um pequeno hematoma na testa com o sangue escorrido e seco
Ele ficou impressionado com a beleza dela e foi profundamente tocado por sua preocupação com ele. Ele envolveu as mãos manchadas de sangue nas dela, segurando gentilmente as mãos dela com as suas.
Rhaenys deu uma risada fraca para Aemond e balançou a cabeça levemente, como se estivesse aprovando algo. Ela olhou uma última vez para o Septo e para as grandes portas que ainda estavam fechadas com os gêmeos e o príncipe Aegon dentro. Lentamente, ela se levantou do chão e pegou a mão dele para que ele também se levantasse, eles não tinham tempo para velar um corpo morto ou ter momentos românticos.
Mas ela ainda precisava ter certeza de que Aemond estava do seu lado e, mesmo que ele escolhesse Alicent, ela não deixaria de amá-lo.
Mas ela não ficaria com ele, no fim.
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