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O vento soprava como uma brisa leve pelas poucas rachaduras na janela do quarto, enquanto a princesa estava apoiada no cotovelo e observava cuidadosamente cada centímetro do príncipe adormecido. Os dedos dela passeavam pelo peito nu dele, subindo até a mandíbula e finalmente alcançando os fios bagunçados que escondiam a pedra de safira e uma parte da testa, platinados brilhantes.

Como uma pintura, a pintura dela.

Como os desenhos que ela fazia em seu caderno secreto.

Rhaenys correu os dedos um pouco mais, apreciando a beleza do príncipe que estava deitado ao seu lado, um pequeno sorriso logo surgiu em seus lábios. Seus olhos curiosos observaram as bochechas coradas pelo frio, os lábios entreabertos e a forma como sua respiração estava calma, fazendo seu peito subir e descer lentamente. O corpo que parecia ter sido esculpido com partes à mostra e outras escondidas sob o lençol, a bagunça das mechas platinadas no travesseiro, o nariz aquilino e sua cicatriz que cortava uma pequena parte da sobrancelha e da bochecha.

Quando o príncipe se remexeu durante o sono, Rhaenys retraiu o toque e soltou uma risadinha fraca ao se sentar na cama para olhá-lo de outro ângulo, aproveitando todo o tempo que podia antes de sair sem acordá-lo.

Ela havia deixado uma pequena carta escrita em sua escrivaninha, e agora estava apenas tentando sair antes do amanhecer.

A princesa se remexeu na cama, com um suspiro alto escapando de suas narinas, e olhou para o chão frio e pouco convidativo quando decidiu se levantar e pegar seu vestido. Rhaenys tirou o lençol de seu corpo nu e caminhou com passos silenciosos e descalços até onde estava seu vestido e seus sapatos.

Seu cabelo estava bagunçado e sem tranças, caindo em uma cascata de prata derretida, com um traço de casca de árvore marrom flutuando entre a platina, intrusivamente. Ela vestiu o vestido o mais delicadamente que pôde, tentando esconder o farfalhar do tecido toda vez que se movia, abotoava um botão ou fazia um laço. Seus dedos prenderam os cadarços das botas que estava usando e, em seguida, ela afastou os longos cabelos do ombro.

Seu corpo se voltou para o tio, olhando para ele por longos segundos que mais pareciam longas e intermináveis horas. O pequeno sorriso em seus lábios permaneceu a cada milésimo de tempo, suas pernas querendo guiá-la em direção ao príncipe, mas sua mente a impedia de fazer.

Rhaenys não tinha muito tempo, e era hora de ir embora antes que ele acordasse e acabasse impedindo-a ou a divertindo demais para que ela realmente pudesse ir.

Mas ela sabia que tinha de ir.

Então, com passos ainda mais silenciosos e calmos do que os anteriores, ela se aproximou da cama do príncipe e deixou um beijo em seu rosto antes de se dirigir à porta secreta. Alguns rangidos da porta se abrindo e a pedra raspando foram o que fizeram o príncipe se mexer na cama, mas o susto foi rápido, pois ele não acordou enquanto ela saía.

Entre os ratos, seus sapatos tomavam cuidado para não pisar em restos de comida ou em alguns animais mortos que surpreendentemente apareciam nos corredores estreitos e escondidos do castelo. Ela tentava ser rápida, mas discreta ao mesmo tempo, enquanto percorria as mil e uma curvas desses mesmos corredores e passava por várias salas e quartos diferentes.

Ela poderia ter sido mais rápida, então decidiu pegar outro atalho para chegar mais depressa ao portão leste. Não havia como ela se perder, Rhaenys conhecia muito bem essas passagens desde pequena quando brincava se esconder junto com Jacaerys.

Caminhando pelo penúltimo corredor do caminho, a princesa encontrou a sala do pequeno conselho, que estava com as velas acesas, mas ela só conseguia ver pelas pequenas fendas que haviam nos buracos da parede. Nas vezes em que passou por lá, ela nunca encontrou a sala do conselho em funcionamento a essa hora da noite, especialmente com a presença da rainha.

Alicent, que estava sentada na cadeira do rei, acompanhada por alguns lordes que entravam na sala e se sentavam em seus devidos lugares. O guarda juramentado da mulher posto em elegância em sua esquerda, e a mão do rei em toda a sua arrogância posicionado a sua direita.

Rhaenys sempre teve uma natureza altamente curiosa, então ela parou os pés e ficou olhando pelo pequeno buraco, curiosa demais para saber sobre qual assunto eles iriam falar sem a presença de Rhaenyra em uma das cadeiras. O que mais incomodava a princesa era apenas o fato de Alicent parecer tão inquieta, tão deprimida, enquanto se sentava na cadeira e fixava seus olhos castanhos para a mesa de carvalho negro.

Era um comportamento estranho, mesmo para uma Hightower.

Quando um dos últimos lordes entrou na sala, todo vestido com seu ouro Lannister, a porta foi fechada imediatamente, mas silenciosamente, para não alertar as pessoas ou mais servos. Somente aqueles que eram extremamente necessários estavam naquela sala, então o assunto tinha que ser algo importante que Rhaenyra não poderia estar presente para discutir.

O que deixou a princesa desconfortável, mas atenta.

— O que aconteceu que não poderia ter sido esperado por mais de uma hora? Dorne foi invadida? — perguntou Lord Tyland de forma quase irônica, sem saber a raiz do assunto em questão, o que trouxe algumas reações engraçadas dos demais.

Exceto pelos três que permaneceram na ponta.

Depois que o Lannister brincou, um silêncio incômodo e ensurdecedor se espalhou pela sala do conselho, ora olhando uns para os outros, ora olhando para a rainha, que continuava a olhar desanimada para a mesa de carvalho, com as mãos cruzadas e a cabeça baixa.

— O Rei está morto. — a mão do rei exclamou em voz alta, e a princesa que se esgueirava para ouvir mais da conversa paralizou em seu lugar, as mãos imediatamente parando em cima da boca e tapando o som de surpresa que queria sair de seus lábios.

A surpresa foi tão grande para ela que sentiu o coração palpitar mais rápido do que o normal, os olhos azuis ficando escuros como o mar em uma noite chuvosa, igualmente úmidos. Ela não esperava uma notícia como aquela, e não imaginava que o rei estaria morto e que um conselho como aquele seria imediatamente chamado em vez de cartas enviadas para contar o fato para a filha dele, os netos e irmão.

O aviso de Otto deixou o silêncio ainda pior no ambiente da sala, com os homens encarando a rainha para ver o que ela diria em sequência desse assunto. Mas nada foi dito da boca dela, tudo que fez foi se manter calada e suspirar alto e derrotada consigo mesmo.

— Estamos de luto por Viserys, o pacífico. Nosso soberano, nosso amigo. — continuou ele, parecendo estar chateado quando na verdade não havia uma gota de tristeza em seu sistema. — Mas ele nos deixou um presente. Em seu último suspiro, ele entregou para a rainha seu último desejo de que seu filho, Aegon, fosse seu sucessor como Lord dos Sete Reinos.

Os olhos de Rhaenys, que antes estavam cheios de lágrimas de tristeza, logo mudaram para um olhar de confusão e raiva. Ela não conseguia acreditar no que estava ouvindo, em nenhum momento algo assim havia acontecido.

Viserys nunca mudaria de ideia à beira da morte, depois de passar anos defendendo o legado de sua filha.

Não podia ser, era uma emboscada. Uma mentira, uma traição.

— Então, podemos prosseguir agora com a certeza de sua bênção em nossos planos? — disse Tyland, sendo o primeiro a quebrar o longo silêncio que se criou.

A rainha ergueu a cabeça com as sobrancelhas franzidas, parecendo tão confusa quanto Rhaenys que estava do outro lado da parede, seu olhar passando de deprimido para algo mais parecido com realização.

— Sim, é claro. — respondeu Otto, dando a volta na mesa e sentando-se em seu devido lugar. — Há muito o que fazer, como discutimos anteriormente. Temos dois capitães da patrulha da cidade que permanecem leais ao Príncipe Daemon, nós os substituiremos. Lorde Lannister? — continuou ele.

Alicent parecia estar perdida no que estava acontecendo, como se o assunto nunca tivesse chegado aos seus ouvidos antes, parecendo ter perdido a mão da autoridade. Sua boca se movia, mas as palavras eram difíceis de sair, as mãos cruzadas agora picavam a carne ao redor dos dedos, nervosamente.

— O tesouro real está bem administrado, o ouro será dividido por segurança. — o Lannister respondeu à mão do rei, enquanto a rainha ainda tentava acompanhar os fatos.

— Enviem corvos para nossos aliados, Raverrun e Highgarden. — acrescentou Otto.

A rainha pareceu finalmente reagir às coisas que já estavam sendo planejadas sem o seu conhecimento e pediu um momento para falar.

Rhaenys se manteve grudada contra a parede, tentando controlar a respiração e ficar o mais imóvel possível. Ela não sabia o que faria no momento em que essa reunião terminasse e ela tivesse que voltar para o fosso e voar o mais rápido que pudesse para ir a Pedra do Dragão, contar à sua mãe sobre as barbaridades que estavam acontecendo sem o seu conhecimento.

— Devo entender que os membros do pequeno conselho planejaram coroar meu filho sem o meu conhecimento? — perguntou ela com as sobrancelhas erguidas novamente, olhando para cada um dos membros.

— Minha rainha, não era necessário imaculá-la com conspirações obscuras. — disse Lorde Wylde, interrompendo Alicent.

Do outro lado da mesa, um dos lordes parecia desconfortável com o assunto e a conspiração que estava se desenrolando diante de seus olhos. Sua lealdade à herdeira original parecia deixar suas veias pulsando de raiva, apesar da idade avançada e frágil do homem.

— Eu não aceito isso, ouvir vocês planejando substituir a herdeira escolhida pelo rei por um impostor. — Beesbury argumentou, batendo com as palmas das mãos na mesa.

— O primeiro filho homem do rei não é um impostor. — reclamou Tyland, respondendo ao argumento inválido de Beesbury.

— Centenas de lordes e cavalheiros juraram fidelidade à princesa! — respondeu de volta.

A Rainha respirou fundo e seu olhar voltou a demonstrar depressão, suas palavras não serviam de nada em uma sala cheia de homens, não importava se ela era a autoridade ou não. Suas palavras eram como areia da praia voando ao vento, algo sem importância, sem tanta atenção e discussões.

— Isso foi há mais de vinte anos! A maioria já morreu. — agulhou o Lannister.

— Você ouviu a mão, planejando ou não, o rei mudou de ideia. — Wylde comentou, a fim de apoiar os argumentos de Tyland e manter o foco no assunto.

Lorde Beesbury estava furioso com a traição que ocorria naquela sala, sua lealdade não seria comprada de forma alguma e ele preferia morrer a trair sua herdeira. O velho se levantou da cadeira com cuidado, encarando a rainha e os demais membros da mesa de carvalho, com os olhos penetrando a carne e a alma deles.

— Tenho setenta e seis anos, conheço Viserys há mais tempo do que qualquer um nesta mesa e não vou acreditar que ele tenha dito isso em seu leito de morte, sozinho e com apenas a mãe do menino presente como testemunha! — gritou do alto dos telhados, batendo o punho mais uma vez. — Isso é um ataque! Um roubo, no mínimo uma traição! O rei estava bem ontem à noite, como pudemos ver, então qual de vocês aqui pode jurar que ele morreu naturalmente?

Quando Rhaenys ouviu as acusações de Lorde Beesbury, ela fixou os olhos na rachadura da parede, observando Criston ficar atrás do velho enquanto ele gritava e xingava, apontando. Logo a princesa associou o que o homem havia dito com o que ela havia cheirado no leite de papoula de seu avô na última vez que o visitou com Lucerys, algo que não parecia certo, muito menos chá de sua dor.

— Qual de nós você acusa de regicídio, Lorde Beesbury? — perguntou Wylde, de forma um tanto irônica.

— Se um de vocês, ou todos vocês. Eu não posso! Não me importo e não vou fazer isso!

Foram as últimas palavras que o homem gritou e acusou antes que Rhaenys ouvisse o som de carne rasgando e o crânio batendo em algo firme. Ela fechou os olhos e cobriu a boca novamente com o pequeno salto que deu quando ouviu o som da morte, deixando de olhar para o que Criston Cole havia feito, matando o homem antes que ele pudesse continuar a falar.

A rainha pulou de sua cadeira em choque com o que seu guarda havia feito, também cobrindo a boca de surpresa. O silêncio permaneceu na sala por alguns segundos enquanto todos observavam o sangue quente do velho homem escorrer pela mesa, manchando o carvalho.

Alicent colocou as duas mãos no rosto e respirou fundo para tentar se controlar, ou então manter a situação sob controle em suas mãos. Algo que ela já havia percebido que não tinha, já que seu pai estava tramando pelas costas dela o tempo todo, com planos sombrios de usurpação.

Se ao menos ela tivesse tido conhecimento dessa situação antes.

O tilintar de uma espada de prata ecoou pela sala quando o guarda Westerling a retirou e a apontou na direção do assassino, aquele que tivera uma das mãos mutilada há algumas semanas.

— Largue sua espada e retire seu manto, Sor Criston. — falou Westerling em um tom de voz calmo, mas firme. O homem que estava com o temperamento muito quente logo sacou sua própria espada e a apontou na direção do homem que o comandava. — Eu sou seu Lorde Comandante, Sor Criston. Abaixe a sua espada.

Um pequeno sorriso presunçoso apareceu nos lábios do homem aleijado, aproveitando-se de sua posição ao lado da rainha.

— Eu não aceitaria insultos a Vossa Graça, a rainha. — disse ele.

Do outro lado da mesa, Alicent falou novamente.

— Eles não me insultaram, Sor Criston, pode baixar a sua espada. — comentou a mulher ruiva, passando uma das mãos pela garganta, como se estivesse se sentindo sufocada.

O guarda juramentado imediatamente baixou a espada, guardando-a, assim como Westerling, que fez o mesmo, retornando ao seu posto.

Quando o Meistre Orwyle tentou pedir que o corpo do velho fosse removido e o sangue limpo, a mão do rei proibiu tal ação, alegando que as portas deveriam ficar fechadas até que a reunião tivesse um fim, enquanto o sangue começava a pingar no chão em uma sequência agonizante de sons que incomodavam tanto Alicent, que estava sentada à mesa, quanto Rhaenys, que estava escondida do outro lado da parede.

A ansiedade da princesa estava alta, seus dedos estavam se apertando e sua respiração estava instável. Ela não conseguia pensar, mas também estava ciente de que ainda não podia correr e ir embora.

Ainda havia muito pare se escutar e descobrir.

Os homens do conselho ficaram quietos, tentando não prestar atenção no cadáver ao lado deles.

— Stormslands é uma preocupação, não podemos prever a lealdade de Lorde Borros. Especialmente depois que o príncipe Aemond rompeu seu noivado de menos de dois dias com uma de suas filhas por causa de... amor jovem. — comentou Tyland. — Mas ele tem mais três filhas solteiras, quem sabe ele pode aceitar o acordo novamente.

Alicent levantou a cabeça novamente, cansada.

A culpa de ter rejeitado o casamento entre Rhaenys e Aemond ainda atormentava seu coração.

— E a Rhaenyra? — perguntou ela, finalmente trazendo a parte mais importante para a discussão.

— É claro que não se pode permitir que a antiga herdeira permaneça livre e obtenha apoio para sua reivindicação. — disse a mão.

Rhaenys poderia facilmente sair do esconderijo e entrar na sala do conselho apenas para pegar uma adaga e esfaquear Otto tantas vezes no pescoço que sua cabeça cairia do corpo e rolaria no chão, e depois usaria seu corpo como alimento para Tessarion.

Mas eram apenas pensamentos altos, ela não conseguia fazer isso e nem mesmo podia.

— Você quer dizer prendê-la? — Alicent interrompeu, franzindo as sobrancelhas diante da bobagem que acabara de ouvir saindo da boca do pai.

— Ela e sua família terão a oportunidade de jurar publicamente a obediência ao novo rei.

— Meu pai, você está dizendo coisas absurdas. Ela nunca se curvará, nem seus filhos e muito menos Daemon, você sabe disso. — disse ela de forma mais exasperada, voltando o olhar para o pai com os olhos arregalados e uma expressão de incredulidade no rosto. Mas quando a rainha notou a troca de olhares e o grande silêncio que se fez, ela percebeu o que eles realmente queriam. — Você planeja matá-los... e todos aqui concordam?

O crepitar da lareira que aquecia a sala e a respiração pesada e nervosa foram as únicas coisas que se ouviram por longos minutos enquanto alguém decidia o que dizer à mulher.

Rhaenys encostou a cabeça na parede de pedra e fechou os olhos com força suficiente para ver estrelas em sua visão. Ela colocou a mão no coração, como se estivesse tentando entrar em contato com a mãe, tentando manter o controle, tentando raciocinar.

A princesa desejou poder entrar naquela sala e fazer com que cada uma daquelas pessoas pagasse pela conspiração traiçoeira que estavam fazendo, cada uma delas sofreria uma tortura diferente e longa.

Nenhuma usurpação aconteceria, não enquanto Rhaenyra estivesse viva. Rhaenys não ia deixar que roubassem o trono de sua mãe e colocassem um bêbado deprimido no Trono de Ferro como o legítimo e novo rei.

— Seu pai está certo, Vossa Graça. Um oponente vivo é um convite para a batalha e haveria uma carnificina. — Wylde comentou.

— É repugnante, eu sei. Mas temos que nos sacrificar para garantir a sucessão de Aegon e temos que considerar o Daemon! O rei não gostaria que...

A rainha ficou ainda mais exasperada e bateu com as mãos na mesa, ficando exaltada.

— O rei não desejava o assassinato de sua filha! Ele a amava e eu não aceito que você negue isso! — Alicent gritou, furioso.

— E ainda assim...

A mulher bateu as mãos com ainda mais força na mesa e se levantou da cadeira com um rangido alto contra o chão de pedra dura, a cabeça se inclinando violentamente na direção de Lorde Wylde.

— Mais uma palavra e eu o expulsarei e o mandarei para a muralha! — gritou ela novamente, ameaçando o lorde com seriedade e firmeza.

A rainha fungou suavemente e respirou fundo enquanto se silenciava, tentando manter a calma dentro de si. Seus nervos estavam ativados, a tristeza e a culpa estavam cravando em seu peito e a decência pela qual ela tanto clamava não estava mais presente nela.

Ela era uma hipócrita, assim como o resto do reino, assim como todos nesta sala. E ela sentia nojo de si mesma por causa disso.

Mas o que ela não faria por seu querido pai? Aquele que a transformou em uma rainha, aquele que a ajudou, mas também a destruiu pedaço por pedaço, dia pós dia.

Quando conseguiu se acalmar um pouco mais, outra uma vez virou-se para olhar para o pai e o encarou por um longo tempo antes de começar o assunto que mais a preocupava diante de todas as mortes e conspirações.

As orelhas de Rhaenys se animaram quando seu nome foi mencionado mais uma vez, juntamente com o nome de seu amado Aemond.

— E quanto a Rhaenys, pai? Aemond é leal a nós ao máximo, mas até que ponto ele continuaria se soubesse que fomos responsáveis pela morte da garota que ele ama? O senhor acha que ele lidaria bem com a notícia? — disse Alicent quase em um sussurro. — Aemond é um garoto impulsivo e seu amor é correspondido por ela, o perigo é muito grande e não desejo que nenhuma morte aconteça! Estamos falando dos filhos dela, da princesa e do homem cruel que Daemon é, pai.

— Qualquer mentira seria suficiente para os ouvidos de Aemond. Suicídio, envenenamento de inimigos, queda de um dragão ou saqueamento. — Otto disse friamente, não se importando nem um pouco com a morte de Rhaenys ou com qualquer outra coisa. — Se você tivesse prestado mais atenção ao seu filho ou sido mais atenta e firme, nada disso teria acontecido e nenhum sentimento tolo teria sido compartilhado entre eles.

Um grande desconforto surgiu entre os senhores da sala quando o assunto foi levantado e nenhum deles se atreveu a provocar a fúria da rainha dando suas opiniões sobre Aemond e Rhaenys, ou sobre o caso dos dois.

Alicent não fez nada além de permanecer em silêncio absoluto e voltar a olhar para a mesa de carvalho, ou melhor, para a velha cadeira onde Rhaenyra se sentava e participava das reuniões.

— O que você deseja fazer, rainha? — disse o Lannister, erguendo as sobrancelhas em sinal de curiosidade.

A Hightower tentou responder, mas seus lábios se recusaram a se mover e as palavras pareciam parar em sua garganta e morrer ali mesmo, de modo que nada foi dito. Ela soltou um suspiro alto pelas narinas e fechou os olhos castanhos por um tempo, pensando no que deveria fazer e em como lidar com a situação que não envolvia apenas usurpação, mas uma possível guerra.

Uma guerra que traria dragões para os céus, sangue nas paredes e mares revoltos por toda parte. Uma guerra que traria infortúnio e mortes desnecessárias, loucura e caos para todos aqueles que decidissem seguir em frente com o plano.

Mas o que ela realmente queria nunca seria aprovado por seu pai, então ela precisava continuar.

Otto, percebendo que sua filha estava demorando muito para chegar a uma conclusão, decidiu assumir a liderança e dar as ordens ele mesmo.

— Lorde Comandante Westerling, leve seus cavalheiros para Dragonstone, seja rápido e preciso. — ordenou a mão, fazendo Alicent arregalar seus olhos novamente.

O homem que estava calado, o mesmo que viu Rhaenyra nascer e crescer, que cuidou dela como um pai e a viu criar uma família, jamais usaria sua espada para causar um arranhão sequer na mulher. O guarda levou o punho firme à bainha de seu manto branco e puxou com força, arrancando a honra de sua armadura e enrolando-a enquanto a colocava sobre a mesa de carvalho.

A mão do rei ergueu as sobrancelhas diante de tal ação, tamanha a audácia do homem em fazer isso.

— Sou o Senhor Comandante da Guarda Real, não reconheço outra autoridade além da do rei. E até que tenha um, não há lugar para mim aqui. — Westerling respondeu à ordem de Otto, deixando sua capa e dando as costas a todos na mesa, indo direto para a porta.

Ele a abriu violentamente e a fechou da mesma forma, desaparecendo nos corredores do castelo para deixar a Fortaleza Vermelha.

Rhaenys não conseguiu evitar o sorriso que surgiu em seus lábios quando notou a lealdade do homem à sua mãe, e seu coração parou de bater tão forte por um tempo.

Quando o assunto parecia estar encerrado, a princesa se levantou do chão sujo e limpou o vestido, observando o cômodo por mais um tempo antes de voltar pelos corredores estreitos e profundos, dessa vez correndo o mais rápido que podia para chegar ao lado de fora do castelo e alcançar o portão leste.

Mas não muito tempo depois de a princesa ter fugido de seu esconderijo, o guarda Criston Cole foi enviado por Alicent para fechar os portões e vigiar os arredores, pois ninguém poderia sair ou entrar até que Aegon fosse encontrado. O amanhecer estava próximo de acontecer, as cores do céu se misturavam e mudavam à medida que o sol parecia querer se erguer no horizonte e a lua se punha.

Rhaenys estava correndo contra o tempo para chegar ao portão leste. Ela estava a apenas alguns metros de conseguir escapar e ir para o fosso, onde pegaria seu dragão e voaria rapidamente para Pedra do Dragão novamente. A princesa não permitiria que uma usurpação acontecesse debaixo de seus narizes e que uma guerra fosse iniciada pelo trono, que era de direito de Rhaenyra e não de Aegon.

A princesa mal sabia que Criston estava nas proximidades, procurando por algo incomum.

Sor Criston Cole estava em sua última checagem quando ouviu o som de passos, passos apressados. Ele não era tolo, uma criança, um animal ou algum tipo de criatura estava tentando passar despercebido, mas quem era, ele ainda não sabia.

Seus olhos examinaram a área em busca de algo que parecesse fora do lugar, e seus sentidos estavam aguçados, especialmente a audição.

Os sons dos pés correndo eram claros como o dia para os ouvidos de Criston.

Ele correu na direção deles, movendo-se rápido mas silenciosamente.

Rhaenys ficou parada a seus pés por um tempo enquanto sentia calafrios na espinha e a sensação de um mau presságio, de alguma coisa. Ela respirou fundo e se esgueirou pelos corredores, acelerando os passos novamente, nervosa e talvez até assustada.

Ela entrou em um dos corredores que levava ao portão leste e seu coração parou no peito quando encontrou Criston, parado no final do corredor em que havia entrado. Ela não podia ser vista, ninguém sabia que a princesa estava no castelo e não em Pedra do Dragão.

Principalmente ele.

Então, ela sentiu a adrenalina percorrer seu corpo e, em um piscar de olhos, voltou a correr e a se esquivar por diferentes corredores e cantos, tentando despistar Criston.

Criston Cole estava se movendo rapidamente e, pelos deuses, ele era rápido.

Ele ouviu a respiração rápida da princesa, seus pés ecoando no chão frio de pedra. Ele não pôde deixar de sorrir, a garota era como o vento e ela sabia disso, seu ritmo era rápido mas não o suficiente.

O guarda se esforçou, girando e correndo em um ritmo furioso. E, finalmente, ganhando terreno, ele estendeu os braços, preparando-se para mergulhar e derrubá-la no chão.

A princesa, por sua vez, conseguiu de alguma forma virar em um corredor apertado e seguir em frente, saindo de outro corredor mais largo e indo até o final dele, onde finalmente se virou e afastou-se, escondendo-se em outra parede e atrás de um pilar.

Rhaenys tentava respirar fundo, que era uma tarefa difícil pois sua respiração estava acelerada e seu peito subia e descia rapidamente, mas, para seu bem, ela tentou parar a respiração e ficar imóvel para despistar Criston de sua pessoa.

Criston não podia pegá-la de jeito nenhum.

Ele sabia que a princesa estava perto agora, podia ouvi-la ao longe, os sons de sua respiração, seus passos ecoando nas paredes e no chão como o bater de um coração.

A princesa era boa, isso ele podia admitir.

De repente, ele virou uma esquina e lá estava ela, escondida atrás de um pilar. Seus olhos pretos se estreitaram quando ele deu um passo à frente, com as mãos estendidas para pegá-la pelo lado oposto ao qual ela estava espiando.

Ela olhou para o canto esquerdo do pilar, parando de respirar e fechando os olhos por alguns segundos e, quando percebeu que Criston não estava daquele lado do corredor, saiu de trás do pilar e caminhou lentamente até o outro, atenta e cuidadosa.

A princesa caminhava com cautela, encostando-se na parede para ter mais visibilidade dos corredores à sua frente, para não ser surpreendida pelo guarda juramentado da rainha. Rhaenys estava a poucos metros de chegar ao corredor que levava ao pátio do castelo e, por fim, ao portão leste, por onde ela poderia escapar e fugir de Criston com mais facilidade.

Era como se a perseguição fosse um grande jogo, um teste, e Criston adorava isso. Ele sorriu ao se aproximar do final do corredor, sabia que estava perto, sabia que logo a alcançaria.

Ele podia vê-la à frente, encostada casualmente nas paredes. Um sorriso malicioso curvou seu lábio, um jogo de gato e rato e ele era o grande caçador, o leão perseguindo sua presa antes de matar a raposa.

E, com esse pensamento, ele correu para a frente, estendendo a mão, dessa vez não para atacar mas para agarrá-la firmemente pelo braço e virá-la violentamente contra a parede, depois se colocou frente a frente com a princesa.

Seu rosto estava tão próximo que seus narizes quase se tocavam.

— Está fugindo de mim agora, minha princesa? — provocou ele.

Rhaenys ficou tão assustada com o puxão que até sentiu seu coração parar novamente e seus joelhos fraquejarem. Ela colocou as mãos nos ombros de Criston e chutou as pernas para se afastar dele, soltando alguns gritos no processo.

— Não, não! Deixe-me ir, Criston! — ela reclamou, tentando usar todo o corpo para se livrar do homem.

Criston Cole não se mexeu enquanto ela gritava. E, embora a princesa tenha tentado em vão empurrá-lo, ele era muito mais forte do que ela, um fato que ficou mais do que evidente quando ele a segurou ali.

— Pare com isso, sua pirralha! — ele rosnou, apertando o punho e se inclinando em direção a ela até que ela estivesse esmagada contra ele.

Rhaenys olhou para Criston, cheia de ódio, tristeza e medo ao mesmo tempo por tudo o que estava acontecendo. Ela tirou saliva do fundo da garganta e cuspiu no rosto do escudeiro, tentando se libertar dele mais uma vez.

Ela sentiu a nova mão gelada e de ferro dele pressionar com força seu braço e sentiu que seu ódio poderia fazê-la explodir naquele momento, como uma bomba.

— Você será a primeira pessoa que minha mãe matará quando descobrir que todos vocês querem usurpá-la! — a princesa cuspiu as palavras, olhando com puro desgosto para ele.

Um olhar de fúria genuína cruzou o rosto do cavaleiro. Ninguém havia se atrevido a cuspir em seu rosto antes, e isso era um insulto grave em sua opinião. Criston soltou um grunhido de raiva, e seu aperto em torno da princesa se intensificou ainda mais, as veias de suas mãos e antebraços incharam de raiva, e ele agarrou a jovem pela nuca e pelo braço que ela não conseguia alcançar.

Sua voz ficou baixa enquanto ele a olhava com fúria ardente nos olhos escuros que agora não tinham piedade.

— Cale a boca agora, garotinha, ou eu mesmo a silenciarei. — ele disse novamente, apertando o pescoço dela com mais força. Os dois estavam em uma competição silenciosa, porém furiosa, para vencer o outro. — Você não vai a lugar nenhum dessa vez.

Rhaenys acabou soltando uma fraca e baixa risada, olhando para Criston enquanto inclinava a cabeça ligeiramente para o lado, ela não tinha medo dele de forma alguma.

— Por que tanto ódio? Você é assim só porque minha mãe não quis abandonar o trono e fugir com você para viver pobre e vender canela em Essos, aleijadinho?

A mandíbula de Cole se cerrou com força quando ela riu, os olhos dele se estreitaram e o aperto no pescoço dela se intensificou. Ele ergueu as sobrancelhas, a princesa não era a garotinha assustada que ele havia presumido, ela era... ousada.

— Eu poderia matá-la onde você está e dizer que escorregou e caiu, você entende isso? — sua paciência estava se esgotando, e toda a raiva reprimida estava voltando. — Sua mãe pode ter me humilhado, mas ela foi muito convincente naquela noite em que fiquei com ela. Acredito que ela foi como com o Strong e com Daemon... abrindo as pernas para o tio, assim como você fez com Aemond.

Os olhos de Rhaenys se abriram como luz quando ela ouviu os insultos direcionados a mãe dela e a ela mesma, e sua única reação se transformou em agressividade.

A princesa rapidamente inclinou o rosto para frente e usou os caninos para morder a pele do pescoço do escudeiro com toda a força que tinha na mandíbula, mordendo até sentir o gosto do ferro pingando em sua boca para ter certeza de que o havia machucado.

Os olhos do escudeiro se fecharam, com um grunhido baixo vindo de sua garganta. Ele sentiu os dentes dela cravarem-se em sua carne, através da roupa que escondia seu pescoço, e o sangue começou a escorrer pela lateral.

Por alguns longos segundos, ele ficou imóvel e, em seguida, sua cabeça se inclinou para frente e colidiu com o nariz da princesa, fazendo com que ambos cambaleassem.

— Sua pequena... — agora havia uma raiva genuína em sua voz. — Sua... — os olhos dele se fecharam novamente enquanto o sangue escorria pelo pescoço, chegando até a gorjeta. Ele sentiu seu coração acelerar mais uma vez com uma onda de fúria.

O homem apertou os dedos nos braços da princesa e a puxou para longe da parede, levando-a com ele em passos bruscos e rápidos pelos corredores, subindo escadas e dobrando esquinas. Rhaenys tentava a todo momento se libertar do aperto e do toque do escudeiro, mas não adiantava se sua força não conseguia se igualar nem um pouco à dele.

Ele a puxou até chegarem à um pequeno quarto, e o cavaleiro abriu a porta com uma das mãos, ainda segurando-a com firmeza. E então ele finalmente soltou a garota, e ela caiu no chão, batendo nas cadeiras da mesa.

Cole ficou parado em frente à porta enquanto observava Rhaenys se esforçando para se levantar. Alguns segundos depois, ele simplesmente fechou a porta e a trancou por fora, soltando uma risada fraca para si mesmo.

— Você ficará aí até amanhã, deixarei alguns guardas à sua porta e veremos o que a Rainha Alicent decidirá. — disse ele, enquanto seus passos, que eram altos, diminuíam enquanto ele se afastava.

Rhaenys, um pouco cambaleante, foi até a porta e tentou abri-la com a mão, puxando a maçaneta com violência e gritando enquanto tentava abri-la a todo custo, estava desesperada.

— Não! Abra a porta, abra a porta! — gritava ela no fundo da garganta, chutando e batendo as palmas das mãos contra a porta. O quarto ficava longe, nas últimas torres do castelo, e era muito pequeno, provavelmente não havia nenhuma passagem secreta. — Por favor!

A princesa sentou-se no chão enquanto batia as costas e gritava mais para abrir a porta, seu desespero, medo, raiva e tristeza aumentando a cada segundo que passava presa lá dentro. Ela queria sua mãe, queria sua família e queria sair daquele lugar.

— Por favor! Aemond?! — ela chamou por seu amado várias vezes, na esperança de conseguir algo. — Por favor, não me deixe aqui, apenas... por favor! Aemond, mãe!

Rhaenys permaneceu no chão, choramingando e gritando ao mesmo tempo, enquanto suas forças se esvaíam lentamente e as batidas na porta diminuíam. Suas bochechas estavam coradas por causa do choro e do frio, suas mãos estavam doloridas de tanto bater e seu coração estava apertado de angústia pelo problema em que se encontrava e por ter sido tão estúpida.

Ela procurou a adaga que havia trazido, mas se lembrou de que a havia deixado no quarto de Aemond, e esse quarto obviamente não tinha nenhuma arma, então ela não poderia pelo menos tentar abrir a fechadura ou arrombá-la. Não havia janelas para que ela pudesse pedir ajuda, e a torre era alta demais para que alguém que ela conhecesse pudesse chegar lá espontaneamente.

Por mais alguns minutos, ela tentou continuar empurrando a maçaneta para cima e para baixo, abaixando-se e levantando-se para ver as rachaduras. Rhaenys chamou os guardas que estavam vigiando sua porta, mas eles não estavam se importando, mas se estivessem, não poderiam agir.

Seu desespero a deixava nervosa e seu nervosismo a deixava irritada. A princesa era como um pó de pólvora que tinha uma faísca de fogo muito próxima, prestes a tocar e explodir tudo ao seu redor, violentamente.

Mas Rhaenys prometeu a si mesma, por seu próprio sangue e pelos Deuses, que, assim que saísse daquela sala, a coroa jamais tocaria a cabeça de Aegon.

Ela não tinha ideia de até onde iria a lealdade de Aegon, ou se ele sabia de alguma coisa que estava acontecendo no momento, mas sabia que a possibilidade de convencer o príncipe a abandonar a usurpação era alta.

Mas ela estava tão cansada de brigar e bater que ficou sentada no chão frio, pensando sem parar por horas sobre as diferentes possibilidades do que fazer, como fazer e quando fazer. Talvez se Aemond descobrisse que ela estava presa, ele exigiria a libertação de Rhaenys. Mas enquanto nada disso acontecia, ela apenas pensava e permanecia em silêncio.

A verdade era essa, a princesa estava presa e não sairia dali tão cedo, ou pelo menos até onde Alicent pretendia deixá-la e ter uma compaixão mágica.

E tudo o que ela queria naquele momento era sua mãe.

Nada mais, a não ser sua mãe.

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