0.1 | 𝐄𝐒𝐓𝐀𝐂̧𝐀̃𝐎 𝐃𝐄 𝐓𝐑𝐄𝐌

O TREM já estava em movimento, seu ritmo compassado preenchendo o ar com o som característico das rodas de ferro deslizando sobre os trilhos. O ambiente era uma mistura de monotonia e novidade, com o apito ocasional ecoando ao longe. Na cabine onde estavam as duas irmãs, reinava uma tranquilidade peculiar; era como se o mundo lá fora, marcado pelo caos da guerra, tivesse ficado para trás ao cruzarem os limites da estação.

Ivy estava sentada ao lado da janela, seus olhos atentos fixos em um pequeno livro em suas mãos. Não era um livro comum — a capa de couro envelhecido e o cheiro das páginas indicavam que era algo especial. Na verdade, tratava-se de um diário que sua mãe lhe entregara naquela mesma manhã, um presente inesperado e carregado de significado. Conforme Ivy folheava as páginas, descobria histórias que pareciam saídas de um conto de fadas: descrições de um mundo mágico onde as árvores sussurravam segredos ao vento, onde faunos caminhavam livremente pelas florestas e onde a magia era tão natural quanto o ar que respiravam. Era um diário que misturava memórias e fantasia, como se sua mãe quisesse lhe dar um vislumbre de algo que ela própria talvez tivesse conhecido ou sonhado um dia. Ivy lia com concentração quase absoluta, mergulhada naquelas palavras que a faziam esquecer, ainda que por um instante, a realidade sombria da guerra.

À sua frente, Flora ocupava o assento oposto, mas sua atenção estava longe dos livros ou do mundo mágico que fascinava Ivy. Seus olhos estavam fixos na paisagem além da janela. O trem já havia se afastado da estação, e a visão da cidade que deixavam para trás parecia se desvanecer em uma névoa cinzenta. Flora observava as casas ficando menores, os postes de luz passando como vultos, e a trilha de fumaça do trem serpenteando pelo céu nublado. O cenário do lado de fora era melancólico, um retrato fiel dos tempos difíceis que viviam.

O céu estava encoberto por nuvens densas e pesadas, como se o sol tivesse se retirado em respeito à tristeza do mundo. Não havia pássaros no céu, e o silêncio lá fora era perturbador, quebrado apenas pelo som mecânico do trem. Flora sentia uma pontada de saudade ao lembrar-se de dias mais alegres, quando o canto dos pássaros anunciava manhãs ensolaradas e as flores dançavam ao vento. Agora, tudo parecia imóvel, sombrio e triste — um reflexo da guerra que havia transformado até mesmo a natureza.

Flora suspirou, apoiando a cabeça na mão. Ela sabia que estavam indo para um lugar seguro, mas não conseguia evitar o aperto no peito. O pensamento de deixar sua casa e tudo o que conhecia para trás era esmagador. Olhou para Ivy, que ainda estava absorta em seu diário, e sentiu um misto de inveja e conforto. Ivy parecia tão tranquila, tão alheia à tristeza ao redor. Talvez aquele mundo mágico descrito nas páginas fosse a forma que sua irmã encontrava para escapar da realidade, uma maneira de proteger seu coração das sombras que cercavam suas vidas.

Por um momento, Flora desejou poder entrar naquele mundo também. Desejou que as palavras do diário fossem reais, que árvores falassem e faunos existissem, que houvesse um lugar onde a guerra não pudesse alcançá-las. Mas, ao olhar novamente para a paisagem desolada, não pôde evitar se perguntar se algo assim poderia realmente existir.

As duas irmãs estavam profundamente imersas em seus próprios pensamentos. Ivy, completamente absorta na leitura de seu diário, parecia alheia ao mundo ao redor, seus dedos deslizando suavemente pelas páginas enquanto seus olhos percorriam as palavras com foco absoluto. Flora, por outro lado, observava a paisagem nebulosa do lado de fora da janela, perdida em reflexões sobre tudo o que haviam deixado para trás. O silêncio confortável entre as duas foi interrompido pelo som da porta da cabine deslizando, ecoando suavemente no espaço pequeno.

Flora imediatamente se virou, seu olhar curioso pousando na entrada. Ivy, fiel ao seu hábito, não moveu um músculo, apenas virou a página do diário, indiferente à nova presença.

A primeira a entrar foi uma menina de aproximadamente 10 anos. Ela parecia hesitante, quase tímida, com as bochechas coradas, talvez pelo frio lá fora ou pela ansiedade de entrar em uma cabine já ocupada. Seus olhos brilhavam com um misto de nervosismo e curiosidade, e ela segurava firmemente o pequeno casaco que vestia, como se fosse uma armadura contra o desconhecido.
Logo atrás dela, um menino mais velho apareceu. Ele tinha os ombros retos e uma postura que exalava responsabilidade, como se carregasse um peso invisível. Sua expressão era séria, mas havia uma gentileza nos olhos que contrastava com o semblante austero.

Um terceiro garoto entrou em seguida, ligeiramente mais jovem que o segundo. Ele tinha uma carranca emburrada e uma energia inquieta, como se estivesse contrariando alguma decisão recente. Seus olhos vagaram pela cabine rapidamente, avaliando as duas meninas com uma curiosidade que tentava esconder sob a fachada de desinteresse.

Por último, uma outra menina surgiu. Ela parecia estar na mesma faixa etária que o mais velho e carregava uma expressão de deslocamento, como se ainda estivesse tentando encontrar seu lugar em tudo aquilo. Seus movimentos eram elegantes, mas hesitantes, e o olhar que lançou ao redor da cabine era quase melancólico.

Enquanto Flora observava o grupo com atenção, sentiu algo esbarrar em seu pé. O menino mais novo havia tropeçado ligeiramente no pé dela, e o choque a fez desviar os olhos para ele por reflexo. Ele murmurou algo inaudível, talvez um pedido de desculpas ou apenas um resmungo, mas antes que Flora pudesse responder, Ivy falou.

— Modos — murmurou Ivy, sem desviar os olhos do livro que segurava firmemente em mãos. Sua voz soou como um lembrete gentil, mas firme, o tipo de aviso que só uma irmã mais velha poderia dar. Ela sabia exatamente o que Flora estava fazendo, mesmo sem olhar: a irmã mais nova, curiosa como sempre, provavelmente estava encarando descaradamente as pessoas que haviam acabado de entrar no ambiente.

Flora, pega no flagra, sentiu o calor subir ao rosto quase instantaneamente. Seus olhos se arregalaram levemente antes de desviar o olhar rapidamente para a janela, como se a tentativa de disfarçar sua curiosidade pudesse apagar o momento de constrangimento.Ela sabia como Ivy era: direta, prática, e com um humor sarcástico que nunca deixava de surpreender.

— Eu só estava observando — murmurou Flora, tentando se justificar, mas sua voz saiu baixa demais, e o leve tom avermelhado em suas bochechas entregou a verdade.

Os recém-chegados trocaram olhares rápidos entre si, claramente surpresos com a franqueza de Flora. A menina mais nova, Lucy, sorriu timidamente, como se quisesse dissipar o desconforto. Peter, o mais velho, inclinou levemente a cabeça, um gesto sutil que parecia tanto um pedido de desculpas pelo irmão quanto um agradecimento por sua paciência. Edmund apenas bufou de leve, cruzando os braços em uma pose defensiva, enquanto Susan, sempre atenta, lançou-lhe um olhar de repreensão antes de se sentar graciosamente.

O som do trem continuava a preencher a cabine, o movimento ritmado dos trilhos criando uma melodia constante que parecia ecoar o destino compartilhado por todos ali. Embora nenhum deles soubesse ainda, aquele encontro era mais do que uma coincidência. O que começava como uma simples viagem de trem logo se transformaria em uma aventura que marcaria suas vidas para sempre.

O trem desacelerou até parar por completo, e logo a buzina soou, ecoando pela paisagem silenciosa e ensolarada.

— Estação Goosey, Estação Goosey — a voz do maquinista reverberou pelo vagão, cortando o ar.

Ivy, pela primeira vez desde o início da viagem, desviou os olhos do diário em suas mãos. A janela agora capturava sua atenção, e, movida pela súbita curiosidade, ela inclinou-se ligeiramente para observar o que acontecia do lado de fora. Flora e os irmãos Pevensie, seguiram seu exemplo, atraídos pelo movimento do lado de fora.

A estação estava repleta de crianças, todas aguardando ansiosamente a chegada de seus responsáveis. Algumas pareciam nervosas, segurando seus crachás como se fossem a única conexão entre elas e o que lhes era familiar. A multidão se movia de forma ordenada, embora a cena tivesse algo de desconcertante.

Uma menininha chamou a atenção de Ivy. Assim que seu nome foi chamado, uma mulher segurou o crachá pendurado em seu pescoço para inspecioná-lo rapidamente, antes de conduzi-la para longe, sem dizer mais do que o necessário. A criança, obediente, seguiu atrás como um cordeirinho.

Ivy deixou escapar um riso nasal, inclinando a cabeça ligeiramente para o lado enquanto fazia um comentário que ela não percebeu o impacto que teria:

— Coitadas dessas crianças... esses crachás as fazem parecer um gado marcado.

A frase caiu na cabine como uma pedra em águas calmas. Os irmãos Pevensie arregalaram os olhos em surpresa, claramente desconcertados pela franqueza da garota. Edmund lançou um olhar de reprovação que rapidamente foi substituído por um meio sorriso mal contido, enquanto Lucy, apesar de chocada, parecia querer rir. Peter e Susan trocaram olhares, tentando decidir se deviam dizer algo.

Flora, no entanto, permaneceu impassível. Ela já estava mais do que acostumada com os comentários diretos da irmã, tão afiados quanto o frio cortante do inverno. Não era a primeira vez que Ivy fazia observações desse tipo, e certamente não seria a última.

Sentindo o peso do silêncio que se instalara, Ivy finalmente desviou os olhos da janela e encarou os irmãos Pevensie. Seus olhos azuis, frios como a paisagem do lado de fora, mas não desprovidos de arrependimento, fixaram-se no grupo.

— Perdoem-me pela indelicadeza. — Ivy começou, sua voz firme, mas com um toque de sinceridade que suavizava suas palavras. — Sei que os crachás são importantes para a segurança das crianças e para que encontrem seus responsáveis. No entanto, é impossível não notar a semelhança com... bem, o que eu disse.

Houve um momento de hesitação até que Lucy, a mais jovem, deixou escapar uma risada. O som foi como um raio de sol rompendo as nuvens escuras, leve e contagiante.

— Você é engraçada, — comentou Lucy, ainda rindo, sem nenhum sinal de malícia em sua voz.

Ivy ergueu uma sobrancelha, surpresa pela reação inesperada, mas logo abriu um sorriso, uma expressão rara que iluminou seu rosto.

— Vou levar isso como um elogio, — respondeu ela, com um tom que misturava brincadeira e charme.

Os outros riram, ainda que discretamente, e o clima na cabine pareceu relaxar. Pela primeira vez, uma ponte invisível começou a se formar entre as irmãs e os irmãos Pevensie, como se aquele momento inusitado fosse o início de algo maior — uma conexão que nenhum deles ainda compreendia, mas que os uniria de maneiras que o destino começava a preparar.

₊˚ʚ 🌷❄️₊˚✧ ゚. •Olá, Narnianos! O primeiro capítulo foi enfim postado! Ele está um pouco curto, pois os capítulos dessa história sempre foram mais compactos, mas prometo tentar mudar isso nos próximos.

₊˚ʚ 🌷❄️₊˚✧ ゚.• Nesse primeiro capítulo, quis mostrar como foi a primeira interação das nossas queridas Guardiãs com os irmãos Pevensie. Já no próximo, veremos a chegada deles à mansão do tio Digory e, de bônus, uma divertida brincadeira de esconde-esconde.

₊˚ʚ 🌷❄️₊˚✧ ゚.• Não esqueçam de votar e comentar! Isso me motiva a continuar escrevendo e me ajuda a saber se vocês estão gostando da história.

₊˚ʚ 🌷❄️₊˚✧ ゚.• Até o próximo capítulo, Reis, Rainhas, Príncipes e Princesas de Nárnia! Que a magia continue nos guiando por essa terra encantada!

2024©

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top