031 - Morte e Vida

Chicago, EUA

   Era impossível compreender tudo o que estava acontecendo ao meu redor, e então lá estava Niko, deitado com a cabeça no meu colo, ofegante, com o rosto contorcido de dor.

   Meu sangue gelou e, embora eu tivesse medo de muitas coisas em minha vida, nunca senti medo como essa presença onipotente nas minhas costas, me empurrando para um abismo.

   Quase como se o diabo estivesse criando uma miragem dentro da minha cabeça para todas as formas de dor que me aguardavam.

   Nikolai choramingou e olhei para seu lindo rosto, que começou a ficar cinza.

   — Não… — inclinei-me para aplicar pressão em seu ferimento, mas o sangue continuava escorrendo de seu lado, e olhei para Kaio, esperando que ele dissesse alguma coisa.

   — Ele não tem muito tempo, Kaio — Angelo adulou. — A menos que você queira que ela sofra, sugiro que concorde. E não se esqueça, a próxima bala irá atingi-la.

   Kaio olhou para mim, com um olhar de desculpas, e eu balancei a cabeça, as lágrimas escorrendo livremente dos meus olhos.

   — Muito bem — Kaio caminhou em nossa direção e me ajudou a levantar Nikolai. — Eu vou me casar com a sua filha. Mas só se ele viver.

   — Ah, ele vai viver — Angelo acenou com a cabeça para seus homens e eles ajudaram Kaio a levar Nikolai para o carro de dele.

   Sentei-me no banco de trás com Niko, com a cabeça no meu colo, rezando para que ele conseguisse.

   Uma vez acreditei que poderia viver sem ele, mas agora que o recuperei depois de anos fingindo que a perfeição que uma vez tive na palma da minha mão era apenas fictícia, não pensei que poderia sobreviver às lentas mordidas de saudade em minha alma.

   Dizem que toda bênção também é uma maldição disfarçada, nunca pensei muito nisso, mas agora, sentado no banco de trás de um carro com Nikolai sangrando, pude ver a verdade por trás das palavras.

   Afinal, perder a maior bênção poderia resultar em uma dor eterna, que então se tornaria a maldição dos vivos.

   Eu não me incomodei em enxugar minhas lágrimas, em vez disso passei as mãos pelos cabelos dele.

   Nikolai tossiu, abrindo os olhos, e eu enxuguei minhas lágrimas freneticamente, mas nada poderia detê-las.

   — Você tem que prometer que vai ficar comigo, Niko.

   Ele tossiu.

   — Se… — suas palavras falharam enquanto suas feições se distorciam de dor, e parecia que alguém estava apertando meu coração em suas mãos. Movi minha mão para seu pescoço, meus dedos logo acima de seu pulso. — Kyra. Querida... Não seja como eu. Eu —

   — Não pare — pressionei meu dedo contra seus lábios. — Economize sua energia. E perguntarei novamente quando você estiver melhor.

   — Encontre... alguém… — as palavras morreram em seus lábios, e seus olhos se fecharam e ele se acalmou.

   Pisquei, sem saber se isso realmente estava acontecendo, e virei minha cabeça na direção de Kaio no banco do motorista.

   — Você precisa fazer alguma coisa! Você disse que isso não iria acontecer, Kai!

   Eu estava gritando neste momento, porém, senti como se estivesse flutuando em um abismo sem nada para me ancorar, e foi tão assustador quanto deprimente.

   — Chegamos — Kaio pisou no freio em frente aos portões de emergência do hospital, e depois disso tudo foi uma confusão de médicos pedindo detalhes e esperando.

   Tanta espera…

   Sentei-me em frente à sala de cirurgia, esperando que alguém saísse com informações. Minhas roupas tinham sangue, e até agora eu recusei quando sugeriram que eu examinasse meus próprios ferimentos.

   Kaio veio e sentou ao meu lado, colocando a mão no meu ombro.

   — Vá e faça um exame — ele sussurrou como se estivesse falando com uma criança. — Vista roupas limpas. Vou ficar aqui.

   — Eu não quero deixá-lo, Kaio…

   — Você não vai demorar muito e irei procurá-la se tiver alguma novidade.

   Eu balancei a cabeça, e então Kaio olhou para o lado, conduzindo uma enfermeira, me enviando com ela.

   Era bom não ter seu sangue em mim e ver sua forma sangrenta em meu colo toda vez que fechava os olhos, mas estava ansiosa para voltar para Nikolai.

   Já se passaram cinco horas desde que o levaram para dentro.
   Virei no corredor e vi Kaio encolhido com Samuel.

   Fechando os punhos ao lado do corpo, fiquei onde eles estavam, tentando captar a conversa.

   — Que porra você fez com a jaqueta à prova de balas? — Kaio sibilou para o homem que apenas olhou fixamente para meu irmão.

   — Ele queria que Kyra ficasse com isso, e foi por isso que atirei nela.

   — Filho da puta… — Kaio passou as mãos pelos cabelos. — Ele conhecia o plano, porra...

   Meu sangue gelou ao perceber que Nikolai tinha me deixado ficar com a jaqueta e, ainda assim, ele se atirou em minha frente. Quando ele acordasse, eu mesma iria matá-lo.

   — E por que você não me contou isso? — aproximei-me dos dois homens, meus olhos se estreitaram. — Suponho que seja muito fácil esconder coisas de mim agora? — eu olhei para Kaio, que apenas olhou para mim.

   — Eu vou indo. Dê lembranças a Chernov — Samuel acenou para mim e saiu.

   — Kyra, eu não colocaria você em perigo sem um reforço. Não tenho ideia de por que ele não conseguiu simplesmente seguir o plano...

   — Você ainda poderia ter me contado… — eu passei meus braços em volta de mim. — Você nem me contou sobre mamãe e papai...

   Kaio passou as mãos pelos cabelos duas vezes antes de inclinar a cabeça para me encarar.

   — Eu só não sabia como… — ele encolheu os ombros. — Foi demais, Kyra. Eu… — ele exalou, seus olhos ficando vermelhos. — Eu os odeio por me obrigarem, e odeio Astley por colocá-los em uma posição como essa. Eu me odeio por matá-los também.

   Eu balancei minha cabeça.

   — Oh, Kaio — percorri os poucos passos entre nós e passei meus braços em volta dos ombros dele. Ele enrijeceu por um minuto antes de passar os braços em volta de mim e me abraçar com força. — Não é sua culpa — sussurrei contra seu pescoço, minhas próprias lágrimas fluindo livremente. — Você não os matou e não deveria ser seu fardo a carregar.

   Ele moveu a cabeça contra meu ombro e eu apertei meus braços em volta de seu ombro, sabendo que ele precisava disso mais do que eu.

   Kaio não teve demonstrações emocionais. Sempre foi ele quem os trancou em uma caixa e os jogou no mar.

   Ele pode ter se tornado imprevisível e ameaçador, mas nunca foi isso para mim.

   — Eu te amo, Kaio. Isso nunca vai mudar — eu disse enquanto me afastava, e ele assentiu, um pouco de leveza voltou aos seus olhos, mas eu sabia que não deveria cair nessa. Ele era um mestre em desviar verdades duras.

   — Eu também te amo, Kyra — ele sussurrou, com a voz rouca. — E você poderia ter me contado sobre Nikolai mais cedo, sabe, quem sabe talvez Angelo já poderia estar morto, então.

   — Você queria se casar com Mallory, certo?

   Ele assentiu e eu perguntei.

   — O que você está planejando?

   — Não me pergunte isso — abri a boca para argumentar. — Por favor, agora não.

   — Ok.

   — Pelo menos nós dois estaremos em Chicago agora - Kaio sorriu, e eu balancei a cabeça, incapaz de lutar contra o meu próprio sorriso.

   — Isso é uma fresta de esperança para esse show de merda.

   Ele se virou e passou o braço em volta do meu ombro.

   — Vai ficar tudo bem. Ah, e vamos levar você de volta para o seu marido. Eles o levaram para um quarto.

   — E você está me contando isso agora?! — eu sussurrei e ele encolheu os ombros.

   — Tínhamos que tirar essa merda do caminho, e o avô dele virá para cá também. Eu não queria ter que fazer isso com ele aqui.

   — Ok — sorri e me inclinei para pressionar meus lábios contra sua bochecha.

   — Pensei ter dito a você que não íamos fazer isso — ele sorriu antes de limpar a bochecha de brincadeira, como costumava fazer quando éramos crianças.

   Ele estava sempre dizendo à mamãe para não beijar seu rosto, sorrindo e depois protestando se ela realmente se esquecesse de fazê-lo.

   Afastei a memória e deixei Kaio me levar até o quarto de Nikolai.

   Era bizarro estar em um quarto onde Nikolai estava, mas não tinha cheiro de nada como ele e mais como doença e morte.

   Ele parecia tão pequeno, deitado na cama rodeado de tubos, e tive uma estranha sensação de déjà vu.

   Exceto que a última vez que o vi deitado em uma cama de hospital, eu sabia que ele não estava quase morto.

   Eu passei meus braços em volta de mim enquanto tomava um momento para me recompor antes de me aproximar da forma comatosa de Nikolai.

   Era como se uma corda fantasmagórica estivesse enrolada em meu coração, e ela simplesmente não se soltava, e o monstro dentro da minha cabeça ainda estava sussurrando todas as coisas horríveis que poderiam ter acontecido hoje, quase criando uma miragem onde eu acreditava que Nikolai realmente estava.

   Mas entre a confusão de meus sentimentos conflitantes, eu também estava lívida.

   Eu estava com muita raiva de Nikolai por se colocar nessa posição e por me dizer que eu encontraria outra pessoa.

   Eu estava me agarrando a tudo para ficar brava, porque se meu sangue não estivesse fervendo, a dívida emocional que eu carregava me esmagaria, e eu temia que desta vez não seria capaz de me levantar.

   Desabei na cadeira ao lado da cama de Nikolai e suspirei, meus olhos se recusando a se afastar de seu rosto, temendo que ele fosse apenas um fragmento da minha imaginação.

  Kaio se inclinou na porta, com as pernas cruzadas na altura dos tornozelos.

   — Estarei lá fora e quando ele acordar, preciso conversar com o bastardo.

   Eu estreitei meus olhos em suspeita.

   — Sobre?

   — Sobre como ele não deveria jogar com a porra da vida.

   — E você se preocupa com ele? — fiquei genuinamente surpresa, considerando que a relutância do meu irmão em formar laços emocionais com as pessoas não estava relacionada.

   Kaio encolheu os ombros.

   — Eu me importo com você — balancei a cabeça, sorrindo. — E ele também se importa, suponho — ele saiu da sala, fechando a porta atrás de si.

   Inclinei-me para frente e peguei a mão de Nikolai, traçando os nós dos dedos com os dedos, dando um suspiro de alívio com a batida constante das máquinas indicando seu batimento cardíaco.

   Descansei minha cabeça no encosto da cadeira, fechando os olhos por um breve segundo, apenas para descansar os olhos.

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