𝗖𝗮𝗽𝗶́𝘁𝘂𝗹𝗼 𝟲

Seus sentidos estavam embaralhados por conta do cheiro da fumaça e do barulho do alarme de incêndio, Aya rapidamente saiu correndo do sofá para a cozinha em segundos desesperadamente longos, abrindo o forno e tirando desajeitada a forma do que era para ser um bolo, pousando-a na pia de qualquer jeito porque pegara forma fervendo sem colocar uma luva.

— Aí, droga! - berrou para ninguém específico, pois estava sozinha em casa.

Com os dentes rangendo ela caminhou até o sistema do alarme e digitou a senha para fazê-lo parar de apitar, sua mão estava num tom preocupante de vermelho e ardendo como o inferno, Aya em uma tentativa de apaziguar a dor voltou para a pia ligando a torneira e deixando que a água gelada aliviasse a dor lancinante.

Seus olhos vagavam entre o bolo torrado, a casa lotada de fumaça e sua mão arruinada, agradeceu a qualquer entidade presente por seu pai não estar em casa.

O som da campainha a fez revirar os olhos, teria sorte se não fosse os bombeiros chamados por uma de suas vizinhas. Aya agarrou um pano de prato e o encharcou com água da torneira, enrolando-o na mão queimada torcendo para que esse espécime de atadura servisse por enquanto.

— O que aconteceu aí dentro? - o garoto franziu o cenho no momento em que a porta fora aberta, vendo a fumaça sair de dentro da casa junto com a garota enfezada.

— Bom dia pra você também. - Aya deu espaço para Fushiguro entrar na casa, sua mão estava dolorida e seu humor havia decaído em questão de segundos, não tinha certeza de que aguentaria a presença taciturna do garoto. — Pensei que fosse chegar mais tarde.

— Combinamos às dez e eu cheguei às dez. - Disse simplista, encarando o estado catastrófico de fumaça.

Aya era acostumada com seus amigos chegando uma ou até duas horas atrasados, acabou esquecendo que existiam pessoas realmente pontuais.

— Fique à vontade, se quiser pode até lavar a louça.

Fushiguro soltou uma risada anasalada, coisa que Aya mal percebeu porque estava concentrada demais em ir abrir as janelas da sala para tentar aliviar o cheiro incômodo de queimado, o garoto não demorou para se juntar a ela e ajudá-la no processo.

— O que aconteceu aqui, Aikyo? - Ele disse em meio a uma tosse seca vendo a luminosidade entrar na sala que encontrava-se escura.

— Fiz um bolo e me distraí, acabou queimando - Aya respondeu cabisbaixa — Nunca mais faço nada pra você.

Era sábado e Ayame o convenceu a ir em sua casa para estudar o conteúdo que eles pularam no dia anterior já que ela o obrigara a tomar sorvete, acarretando em uma tarde de conversa fiada, algumas míseras risadas com companhias que não tinham certeza se gostavam uma da outra. Fora isso, ela admitiu a si mesma que gostara de passar a tarde com Fushiguro, ele, talvez imperceptivelmente, a fazia rir, de um jeito esquisito, Aya sempre acabava gargalhando. Estava na intenção de agradá-lo, por tudo o que Fushiguro andava fazendo, ajudando-a claramente contra sua vontade. Mesmo que ele esteja agindo assim em sua maioria por conta do arrependimento, que Aya tinha certeza que ainda o assombrava, ainda sim gostaria de agradecê-lo. Se fosse mais próxima dele, provavelmente diria algo para confortar, tentaria dizer que estava tudo bem e que ela já não guardava mais rancor, mas como não era, se divertiria vendo-o se mastigar para tentar ser gentil com ela.

— E o que eu tenho a ver com isso? - Megumi perguntou, seguindo a garota aonde quer que ela ia. Aya até achou graça do comportamento dele, parecia uma criança perdida seguindo a mãe para não se sentir deslocado.

— Nada na verdade, só estava querendo te culpar pela minha incompetência - Aya admitiu dando de ombros fazendo-o rir negando com a cabeça - Pode sentar aí, vou dar uma limpada aqui rapidinho! — Ela apontou para uma das banquetas em frente à ilha da cozinha extremamente grande, porém, moderna.

— Seus pais tem um ótimo gosto, cozinha legal - Fushiguro disse em um raro elogio. Realmente a casa de Aya era diferente do que esperava, a garota era tão divertida e alegre que esperava algo mais espalhafatoso ou semelhante aquelas confeitarias bagunçadas, com a bancada enfarinhada e louças diversas.

— Meu pai e meu irmão tem um ótimo gosto - Aya respondeu casualmente, limpando o outro lado da ilha, mas o garoto não pode deixar de sentir que ela dera uma espécie de correção e não apenas uma resposta — Diz eles que se a decoração ficasse em minhas mãos iríamos morar num barraquinho de esquina.

A brincadeira descontraída fez nascer um breve sorriso em seu rosto, mas a mudança quase imperceptível de humor de Aya não passou despercebida aos olhos de Megumi.

Ele a acompanhou com os olhos, vendo-a ir para a pia, jogando a louça de qualquer jeito dentro da cuba da pia, nervosa talvez... Foi quando percebeu que ela não estava jogando as coisas, elas estavam caindo desajeitadas da mão esquerda dela pois a direita estava enrolada em um lenço ou algo do tipo, e ele tinha noção, como ao certo não sabia, de que Ayame era destra.

Instintivamente foi até ela, que estranhou de início a aproximação repentina mas não recuou diante dele. Ela só pode perceber que nunca o tinha visto tão de perto.

Megumi agarrou a mão de Aya levantando-a até que conseguisse enxergar melhor.

— Ei, o que está fazendo? - ela tentou se desvencilhar do toque dele mas o garoto não a soltou, o perfume masculino de Fushiguro invadiu suas narinas, e por um mísero instante pensou sentir um rubor aquecendo suas bochechas.

— Iria continuar com a mão queimada até quando? - não queria que tivesse soado rude, mas odiava essa mania das pessoas ao seu redor em esconder o que estavam sentindo em prol de outra pessoa.

— Relaxa, eu só encostei rápido, não vai machucar - Aya falou branda, apaziguando o próprio estado — Não precisa ficar irritado.

— Não estou bravo, só... Me deixe ver isso - Megumi, inesperadamente segurou a mão de Aya levando-a consigo até o sofá que ficava alguns metros à frente da cozinha. Indicou com a cabeça para ela sentar, e assim ela fez — Me diga onde é o banheiro e permaneça sentada aí.

Megumi dava ordens a ela e Aya detestava que lhe fizessem isso, mas o tom incomumente nivelado e parcialmente frio do garoto, com aquela gota de preocupação escondida por entre as palavras a fizeram engolir os xingamentos e simplesmente responder com os olhos semicerrados.

— Segunda porta do corredor à esquerda - indicou o estreito corredor ao lado da despensa separada da área social da casa.

Fushiguro simplesmente a deixou na sala de estar sozinha, rumando para o banheiro rapidamente sem dar a ela a chance de fazer mais perguntas. Ayame não compreendia ao certo o que de fato Megumi era, tinha absoluta certeza de ele poderia ser incrivelmente frio, mau-humorado e talvez meio cruel dependendo do humor, mas aquelas características as quais ele mais usava tornavam-se fulas quando Aya o via prestar atenção a cada palavra que saía da boca dela, ou quando ele tentava discretamente agradá-la como forma de se redimir ou agora, por exemplo, que fora a primeira vez que o vira agir por impulso.

Alguns minutos estranhamente silenciosos se estenderam até a volta de Fushiguro, que carregava em seus braços um conglomerado de coisas junto a uma garrafa d'água que Aya não fazia ideia de onde ele havia pegado.

— Desculpe por mexer no banheiro de serviço, mas imaginei que tivesse um kit de primeiros socorros ou algo parecido lá dentro e a garrafa estava em cima da bancada, juro que não olhei mais do que o necessário - o garoto sentou-se ao lado dela, colocando o kit entre eles virando-se de frente para ela, Megumi era eficiente, desenrolava a gaze com rapidez e já separava os pedaços de esparadrapo, cortando-os e colocando a ponta deles na perna da calça.

Aya o acompanhava com os olhos, atenta a cada detalhe, esperando o momento que aquilo iria acabar, quando ele percebesse que era exagero estar ali, que ele não precisava mais ficar ao lado dela apenas para diminuir a culpa. Estava começando a ficar triste saber que quando a culpa fosse embora, ele também iria.

Aya foi tirada de seus pensamentos ao sentir a mão gélida de Megumi encostar delicadamente na sua, por impulso a afastou, recebendo um olhar cauteloso de Megumi, as orbes azuis índigo do garoto eram profundas feito um mar revolto, porém, contidas em uma redoma cristalina de calmaria.

— Me deixa ajudar. - sua voz era calma, mas a súplica fora deixada explícita naquele pedido.

— Não precisa, eu estou bem - Aya estava relutante, não queria a ajuda de Fushiguro, não queria dar o gosto do seu perdão a ele mesmo que já o tenha perdoado. Não queria que a ideia de amizade que estava criando fosse uma ilusão unilateral.

— Pare de ser orgulhosa - aquele olhar frígido retornou, juntamente com o tom rude — Acha que vou arrancar sua mão fora? Só não quero te ver machucada, é tão difícil assim de entender?

Os olhos castanhos-mel da garota arregalaram-se diante da confissão sincera até demais, e um breve sorriso nasceu em seus lábios.

— Tudo bem, só não queria dar trabalho. - Aya estendeu a mão machucada, que doía como se tivesse pousado a mão em lava, não que já tivesse colocado, mas a dor deveria ser semelhante.

Megumi tocava-a com uma delicadeza surpreendente, mesmo com a cara emburrada, tomava tanto cuidado que mais parecia que estava cuidando de uma jóia. O garoto umedeceu com água fria o pano que Aya trouxera com ela, depois limpou a região com cuidado para machucar mais e aplicou uma espécie de pomada anestésica.

Às vezes seu olhar escorregava para Aya, com seus olhos exageradamente fechados, evitando encarar diretamente a queimadura dolorosa, mordendo os lábios para não reclamar e apertando o joelho dele quando a dor era insuportável. Tentava ignorar aquele aperto ou os lábios avermelhados de Aya ou o busto bem exposto pelo regata branca que usava... Megumi evitava olhar para frente enquanto estava fazendo o curativo da garota Aikyo.

Ela era tão bonita. Não sabia ao certo quando começou a achá-la atraente, mas gostaria muito de saber quando essa atração desapareceria.

Por fim, enrolou a mão consideravelmente mais fina que a sua em uma gaze e a prendeu com os pedaços de esparadrapo.

— Pronto, espero que tome cuidado na próxima que mexer no forno - poderia ter sido um gracejo, mas Fushiguro não fazia piadas, ele estava falando sério.

Aya admirou o curativo tão bem feito que remetia a um curativo hospitalar. — Eu sempre fui desastrada e por causa disso me machuquei muitas vezes, acabei aprendendo a cuidar dos meus machucados mas nunca algo assim. Onde aprendeu a fazer isso?

— Alguém já te disse que você faz perguntas demais?

— Sim, inclusive a orientadora de curso me disse a mesma coisa a três dias e-

A risada de Megumi mesmo fraca fora audível dessa vez, e Aya, instantaneamente parou de falar, observando-o com cautela. Se aproximando ainda mais do seu rosto.

— Por que está me olhando? - era uma sensação estranha ter as orbes cor de mel da garota fixadas nele, Ayame costumava falar e gesticular e olhar ao redor enquanto falava, mas dificilmente encarava-o com firmeza, mas agora sentia que poderia desmanchar diante do olhar da garota.

— Você é bonito - Aya entortou levemente a cabeça e semicerrou os olhos, analisando as feições de Megumi — Você tem pintinhas espalhadas pelo rosto... Eu nunca tinha parado pra reparar.

Megumi sentiu as palmas de suas mãos suarem e seu estômago embrulhar, e de repente, superou a vontade e engoliu em seco.

— Por que está dizendo essas coisas? - não queria parecer desesperado mas ter Aya tão perto de si estava começando a deixá-lo nervoso.

Ela sorriu voltando a encostar as costas no sofá — Ora, só estava te elogiando. Achei que estivesse acostumado a ter garotas elogiando sua aparência. A não ser que você seja tímido...

Aya o provocou e finalmente ele pode respirar, mal percebera que estava prendendo a respiração, mas por hora agradecia a distância entre eles.

— Aikyo, você é definitivamente uma garota esquisita.

Ela riu perante a indagação mas logo voltou a encará-lo — É Aya.

— Desculpe?

— Meus amigos me chamam de Aya. Deveria começar a me chamar assim.

Amigos. Eles eram amigos agora.

Megumi quis sorrir mas se contentou em apenas dar de ombros. Estava sorrindo demais para o próprio gosto.

— Tudo bem, Aya. - ele levantou, oferecendo a mão à Aya para acompanhá-lo — Agora vamos, vou te ensinar a fazer um bolo decente.

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