𝗖𝗮𝗽𝗶́𝘁𝘂𝗹𝗼 𝟭𝟲
Os olhos amendoados de Aya observava-o com cautela, brilhantes de um jeito que tremeluzia não só as orbes cor-de-mel dela, mas também o coração extremamente frágil de Megumi. Fraco e inútil perto da garota de lábios avermelhados, de bochechas salpicadas com sardas quase imperceptíveis, que possuía um sorriso que quebrava qualquer estrutura que Megumi insistia em erguer.
Fushiguro não conseguia desprender seu olhar dela, mesmo com sua irmã Nobara tendo interrompido o que quer que fosse acontecer, parecia um crime contra os céus desviar a atenção de Aya. Ele era tão estúpido, um grande imbecil, mas isso era apenas um conjunto de adjetivos que compunham o quão apaixonado ele era por ela.
— Eu... Não sei se... - a hesitação e o desejo mesclavam-se ao hálito mentolado da garota, sob os cílios longos o olhar dela mirava Megumi — Desculpe.
Megumi deu a ela algo semelhante a um sorriso e, mesmo contra sua vontade, se afastou dela aos poucos, com o calor de seu corpo ainda exalando, ainda podia sentir suas mãos segurando a cintura dela, em como seus lábios estavam prestes a encostar nos seus. Aya tinha um cheiro bom e sua boca deveria ter um gosto tão doce quanto, ele estava prestes a colapsar, se fosse maluco reinvidicaria aquele beijo para si, mas Fushiguro definitivamente não era, respeitaria a rejeição ainda palpável no ar.
— A culpa não é sua. - Megumi encostou na bancada, cruzando os braços ainda encarando-a — Ultrapassei os limites, me desculpe - ele encarou ao redor, tentando lidar com o silêncio ensurdecedor de Aya, pior do que vê-la brava era vê-la quieta.
Aya era um poço interminável de energia e tagarelice, dificilmente via a garota retraída ou calada, seu silêncio significava que havia muito errado, o que era assustador para Megumi.
Ele suspirou inclinando a cabeça para trás, tentando recuperar a coragem, inspirar o ar era sufocante, sua garganta começava a secar — Acho melhor eu ir embora.
Aya encolheu-se diante da afirmação e parecia extremamente tentada a acrescentar algo mais, mas sua mira concentrou-se no hematoma arroxeado no rosto dele — Você está bem? Tem certeza de que está bem o suficiente para ir embora? - ela deus alguns passos até ele, genuinamente preocupada.
Megumi riu fracamente negando com a cabeça, indignado pela garota sequer perguntar se ele estava apto o bastante para ir para casa. Se estivesse na posição dela, gostaria que ele sumisse o mais rápido possível.
— Acabo de tentar te beijar e você ainda se pergunta se eu estou bem? - Megumi afastou-se da bancada e aproximou-se o bastante para acariciar o rosto macio de Aya com o polegar, um gesto impensado, impulsivo e estúpido. Fushiguro afastou a mão tão rápido quanto a colocara.
O rubor pintou as maçãs de Aya e fora claro o quanto ela lutou para não desviar o olhar, para manter a cabeça erguida diante dele.
— Acredito que você esteja maluco, não sei se está são o suficiente para ir para casa - a pitada de humor ácido nas palavras o fez dar um leve levantar de lábios, ver que ela tentava animar o clima o acalmou de certa forma — Mas se quer tanto ir, deve pedir para Nobara te acompanhar. Ela definitivamente é uma companhia melhor do que eu no momento.
Megumi entendeu o que ela queria de fato, as palavras embargando quase que imperceptivelmente, o tremer na lingua e o engolir seco dela o fez entender que estar no mesmo ambiente que ele naquele momento estava sendo torturante para Aya.
Ele havia fodido com tudo extraordinariamente.
Começaram a caminhar até a porta, calados com só o som da respiração de ambos preenchendo a bolha desconfortável que criou-se entre os dois. Aya abriu a porta e deu espaço para ele passar, com aquele sorriso educado e gentil emoldurando seu rosto. Megumi tentou responder a despedida silenciosa fazendo o mesmo mas infelizmente não tinha a capacidade de ser minimamente agradável só por ser.
— A-Até mais! - despediu-se dele, o garoto fez menção de provocá-la com o gaguejar mas já tinha noção do quanto Aya queria enterrar a própria cabeça no chão.
— Até.
Não olhou para trás quando encontrou sua irmã plantada no jardim olhando para ele com uma expressão indecifrável.
[...]
Aya queria enfiar a própria cabeça no chão.
Fechou a porta no primeiro passo que Fushiguro dera para fora de sua casa e em instantes se recostou na superfície branca da porta e deslizou nela até o chão, abraçando os próprios joelhos e remoendo os últimos cinco minutos.
Por que ela não disse nada?
Por que não disse que não precisava se desculpar?
Por ela não o beijou?
Aya estava com tantos porquês em sua mente que seu cérebro parecia girar e qualquer solução viável tornava-se esquecida porque a garota não conseguia para de pensar no quão perto ele estava dela ou nas mãos fortes rodeando sua cintura.
A imagem de Megumi perto de si era fresca em sua mente, as palavras baixas e graves que ele dirigiu a ela fizeram-na ferver de dentro para fora, ele consumia o ar de seus pulmões e a presença dele parecia querer esmagá-la.
Megumi Fushiguro queria ela tanto quanto ela queria ele e Ayame Aikyo definitivamente não sabia o que fazer com essa afirmação.
Ela tinha poucas certezas perante a relação dos dois, a primeira era que os dois se entendiam muito bem, a segunda era que Megumi obviamente se afeiçoou a ela e a terceira era que nunca haveria nada entre os dois.
Todas as certezas foram jogadas no lixo depois daquela tarde.
Aya pensava que entendia o garoto, que os olhares dirigidos a ela eram de carinho por uma amiga ou no máximo uma admiração encubada, mas nunca cogitou a possibilidade de que aqueles olhares e gestos eram porque ele queria ela de um jeito nada amigável.
Aikyo inegavelmente se sentia atraída por ele, pela aparência, é claro, mas sempre teve uma quedinha por garotos inteligentes e introspectivos, mas com Megumi era diferente, ela o conhecia, minimamente é óbvio, mas o fato de passar tanto tempo com ele e saber as manias cotidianas ou o jeito em que ele se esforçava para fazê-la entender as coisas ou quando ele era atencioso... Eram essas coisas que nutriam o penhasco que Aya tinha por Megumi. Mas nunca passou por sua cabeça ser correspondida, nunca cogitou ter uma atitude ou jogar flertes, já era conformada com o fato de que o sol explodir era mais fácil acontecer do que Megumi Fushiguro querer beijá-la.
Porém, ele tentou.
E pelo jeito que ele a olhava naquele momento Aya pôde perceber que Megumi queria fazer aquilo há muito, muito tempo.
Ela gemeu remoendo a oportunidade desperdiçada, com muitas forças ela levantou-se de seu estado deplorável.
Precisava pensar em muitas coisas, gostaria de conversar mais com o garoto sobre os acontecimentos de antes do quase beijo dos dois, ainda estava preocupada e ele definitivamente não estava bem, o calor do momento o levou a fazer algo impensado, talvez ele não estivesse em plena consciência já que horas antes quase sucumbira a uma crise.
Aya precisava pensar primeiro, eram coisas demais para computar.
Mas uma coisa que Aya não sabia fazer era pensar sem álcool no corpo.
Foi até a mesa de centro aonde havia deixado seu celular e em segundos extremamente rápidos o desbloqueou e digitou um número tão conhecido quando o seu próprio.
— Alguém morreu? - a voz de Mahina respondeu seu chamado e só de ouvir a voz da amiga o alívio instantâneo pairou sobre seu corpo.
— É urgente.
— Urgente quanto?
Aya suspirou alto, tão alto que Mahina poderia imaginar o sobre expirado em seu rosto — Urgente do tipo um dos meus amigos tentou me beijar e eu travei.
A gargalhada de Mahina soou alto. Tão alto que Aya teve de afastar o celular do ouvido.
— Puta que pariu! - Mesmo pela linha conseguiu perceber que a garota levantava-se, dando passadas pelo quarto enquanto falava — Foi o azedo não foi?
Aya não sabia se surpreendia-se com o acerto certeiro ou se ria pelo apelido.
— Quer seco ou tinto?
Doía o tanto que Mahina a conhecia, o mero silêncio de Aya a fez entender o que ela queria e o quanto ela precisava.
— Ambos. - respondeu curta e grossa.
— Me dê trinta minutos e eu apareço com seu vinho favorito e um vinil novo da Lana Del Rey.
[...]
Nobara estava no jardim quando Megumi saiu da casa, ela sorriu para o irmão que colocou a mão na nuca, envergonhado pelo o que ela tinha visto.
— Há quanto tempo isso tá rolando? - Nobara perguntou, colocando-se ao lado dele durante a caminhada para longe da casa de Aya.
Megumi não perguntou a ela o porquê de não ter voltado para dentro, já que seu compromisso era com a garota, mas não queria fazer perguntas demais e acabar atraindo atenção para si, Nobara parecia não ter reparado nos hematomas em seu rosto, talvez porque ainda estivesse em choque pelo que viu.
— Não está rolando nada. - disse indiferente, olhando para o horizonte, recusando-se encarar a própria irmã.
— Não parecia não estar acontecendo nada quando eu entrei, vocês dois estavam em uma situação bem comprometedora se quer saber - disse com divertimento na voz, provavelmente iria caçoar de Megumi até que o garoto implorasse para ela parar. — Pensei que Aya não fosse afim de você, realmente pensei que ela só te via como amigo e-
— Eu que tentei beijá-la e eu que sou afim dela - admitiu em alto e bom tom, para que Nobara não confundisse as coisas como Aya temia. -— Ela realmente só me vê como um amigo.
A ruiva abriu a boca para falar algo mas nenhum som saiu, as palavras enrolaram-se a língua, os olhos estavam arregalados e a surpresa podia ser palpável em suas feições.
— Por essa ninguém esperava... Okay, você levou um fora? - finalmente disse algo e Megumi quis rir pela ironia.
Passou tanto tempo recusando garotas de todos os tipos para que pela primeira vez que fosse tentar beijar alguém, teve de escutar que era um erro e receber apenas hesitação. Sentia-se um idiota, Aya devia ter se sentido pressionada e de novo ele agiu pensando em si mesmo, foi de muito bom tom ela ter rejeitado ele mesmo que de uma maneira indireta, para colocar aquela cabeça que mal parecia funcionar no lugar.
Pediria desculpas na próxima vez que a visse e tentaria se aproximar de uma maneira mais educada. Aya não tinha que lidar com intensidade do sentimento dele, não era obrigada a correspondê-lo.
— É, eu acho que eu levei.
— Uh... - Nobara mordeu o lábio, parando finalmente quando chegaram no ponto de ônibus — Deve ser difícil para o príncipe levar um fora logo da garota que é gentil com todo mundo.
— Pelo amor de Deus - Megumi passou a mão pelo rosto, tentando achar algum pingo de paciência — Eu não estou remoendo minha rejeição!
Sim, ele estava.
Mas não a rejeição em si, isso não era algo que incomodava, o que o deixava maluco era o fato de não saber raciocinar coerentemente perto de Aya, ela o deixava burro e estupidamente idiota, tornando todo o enfoque do mundo sobre ela, quando estava ao seu lado a órbita era completamente dela. Ayame tinha Megumi na palma da mão e ele estava remoendo a quantidade de poder que a garota tinha sobre ele.
— Seu coração está partido eu sei... - a ruiva parecia ignorar tudo o que ele falava, preferindo escolher a versão totalmente dramatizada que criou em sua cabeça — Mas prometo que te ajudo a conquistar ela, sabe que eu me dou muito bem com as mulheres - disse convencida, soltando uma piscadela em meio a frase.
— Ah, você? - soltou uma curta risada irônica — Você só teve uma namorada na vida e ainda sofre por ela, quer mesmo que eu aceite seus conselhos?
— Cruel, Megumi. Muito cruel. - ela sentou-se no banco do ponto, cruzando as pernas e os braços, fingindo estar levemente ofendida — Preciso contar para o Yuuji e-
— Não - a cortou bruscamente — Não queria nem que você soubesse, isso foi um completo acidente e eu não quero que isso saia daqui.
Nobara emburrou, fazendo biquinho prestes a contestá-lo mais uma vez, mas seus olhos castanhos travaram nos hematomas visíveis no rosto — Que porra é essa?
Estava demorando para ela perceber e Megumi cruzava os dedos para que não chegasse essa temida hora, ou quando finalmente percebesse o melhor seria se estivessem em casa. Assim Megumi poderia correr para o próprio quarto e fingir que nada havia acontecido.
Sua briga com seu pai, Tsumiki machucada ainda era recente demais. A ferida não havia cicatrizado, mal havia estancado o sangue, sua carne ainda queimava com o pesar da discussão, tudo estava tão fora dos trilhos. Estar com Aya naquele momento fazia parecer, mesmo que por um momento, que o eixo de seu mundo poderia estar alinhado novamente, mas agora ali com Nobara, o trouxe para realidade.
— Tem como você me responder? - Nobara perdia o ritmo do fôlego, estava tão preocupada que sua ternura machucava Megumi.
Ele tirara seus irmãos e Satoru da sua vida, fizera-os como coadjuvantes quando eles só queriam o melhor para ele, fora cruel e injusto ao tirá-los o direito de participar e agora se afundava na própria tristeza porque não sabia por onde começar a falar, a contar anos e anos de sentimentos ocultos e situações desagradáveis.
— Por favor, não me siga.
[...]
Já era tarde da noite quando finalmente colocou os pés no jardim de sua - verdadeira - casa. O sol já havia descansado e dava seu lugar para a lua cheia, brilhante e imponente, sendo o centro de seus pingos resplandecentes que contemplavam o fracasso de Megumi.
Não teve coragem o suficiente para encarar Nobara e dizer com todas as palavras o que estava acontecendo, a explicar todas as mentiras e tentar justificar o tempo em que ele passou afastando-os de si, tornando seus irmãos e o único que esteve disposto a cuidar dele como meras peças no jogo infinitamente entediante da vida de Fushiguro.
Abrindo a porta se deparou com os sapatos de todos no hall de entrada, os casacos pendurados e o cheiro de lavanda perfumando o ar, esse era o cheiro de seu lar, mesmo que tentasse renegar isso. Tirou os próprios sapatos colocando-os ao lado dos de seus irmãos, tirou o moletom que vestia e pendurou no cabideiro disposto ao lado da porta branca, respirou fundo, preparando-se para enfrentar qualquer coisa que estivesse a espreita, esperando o momento certo para recheá-lo de perguntas que doíam demais para serem respondidas. Percorrendo o curto corredor entrou na sala de estar luxuosa, com os móveis planejados de Satoru e com o mesmo sentado no sofá, com a televisão ligada passando uma reprise de uma novela antiga enquanto o mais velho dedicava sua atenção a uma revista de moda masculina.
Apenas o ignorou não falando nada, aproveitou a vantagem que tinha, Satoru não havia percebido sua chegada e ele poderia muito bem apenas subir as escadas e se enfurnar no próprio quarto até que ver a luz do sol seja uma necessidade e não uma obrigação.
— Estava quase chamando a polícia para te procurar - Gojo finalmente disse algo, mesmo que não desviasse a atenção da revista - não importava como, Satoru nunca deixava nada passar, muito menos um de seus filhos — Já disse que pode pelo menos me avisar quando for passar quase três dias foras de casa.
O tom sarcástico e costumeiro dominava as palavras severas, Satoru nunca era ríspido, mas daquela vez Megumi realmente havia passado dos limites.
— Desculpe. - o garoto engoliu em seco, sentindo a palma das mãos suarem em desespero — Eu...
— Às vezes eu tenho que agir como um bom pai... - ele respondeu brincalhão, ajeitando os óculos escuros fazendo o garoto erguer uma sobrancelha — Sabia desde o início que estava se escondendo no estúdio. Deixei que ficasse lá para esfriar a cabeça.
— Tsumiki te contou não foi? - O tremor dera trégua a ele, parado em frente a escada, poderia muito bem subir correndo, mas já não era mais um garoto com medo do pai biológico, era um homem que necessitava lidar com aquilo.
— Exatamente, só que esperava receber uma ligação sua me pedindo ajuda, não dela. - rebateu o garoto, levantando-se do sofá indo em direção ao filho.
Megumi era poucos centímetros menor que Gojo, mas sentia-se pequeno diante dele, perante a aura extremamente protetora ao mesmo tempo que descontraído.
O mais velho respirou fundo, tirando os óculos guardando-os no bolsinho da camisa branca.
— Já cuidei de tudo, não vai ter que se preocupar com ele por um bom tempo - disse simplista, as orbes azuis claras reluzindo ao olhar para o garoto machucado, cansado demais para alguém da idade dele, com os olhos profundos regados em dor — Isso não foi culpa sua.
Megumi engoliu o choro, não iria chorar, prometeu não fazer aquilo, não poderia ser tão fraco.
— Eu sei -disse distante, quase indiferente, tentando evitar encarar seu cuidador.
Satoru soltou uma curta risada, um som tão familiar quanto o abraço de sua longínqua mãe. O aperto em seu ombro foi reconfortante, sabia que seria o máximo que Satoru demonstraria naquele momento.
— Suba e vá deitar. Você precisa descansar. - As olheiras pintavam a pele alva de Gojo, provavelmente não dormira desde a ligação com Tsumiki — Vou pedir para que os outros dois não te incomodem, mas não posso segurá-los por muito tempo. Estão em êxtase pelo o que aconteceu.
Aço envolto a espinhos percorreu o coração de Megumi, seus irmãos preocupados, ansiosos para saber o que acontecera com o imprestável irmão.
— Desculpe.
— Nah! Não precisa se desculpar - o jeito despojado e despreocupado machucava mais do que uma bronca. — Vá deitar e tomar um banho!
Pois ele sabia que depois dele, Satoru era quem mais sofria. Sabia o quanto o homem se desdobrava para cuidar dos três, para lutar por Megumi e Tsumiki, para trabalhar em seu próprio império e lidar com os próprios pesares.
Megumi sorriu da melhor maneira que conseguiu, virando-se de costas destinado a subir as escadas. Degrau por degrau, doloroso e lento, até chegar ao último parecia uma eternidade.
— Eu amo você, e está seguro agora.
Megumi levou a mão ao peito e mordeu o lábio inferior com muita força.
Segurando as lágrimas pois sabia que não conseguiria responder.
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