( 002 ) 𝐋𝐄𝐒 𝐐𝐔𝐀𝐓𝐑𝐄 𝐂𝐇𝐄𝐕𝐀𝐋𝐈𝐄𝐑𝐒 .
14 DE AGOSTO
Enquanto Adam continuava a acelerar, suas mãos intencionalmente buscando o tecido da minha saia, cada puxão um desafio, eu sentia o calor subir para meu rosto. René, claro, não fazia nada além de observar com um sorriso malicioso, seus olhos brilhando com um prazer descarado diante do espetáculo que ele próprio havia armado. O som da risada dele ecoava pelo globo da morte, cortando o ronco do motor.
Eu podia sentir a provocação em cada risada, em cada movimento intencional de Adam, e aquilo fez algo dentro de mim despertar. Se era um show que eles queriam, um espetáculo que valesse a provocação, então eu estava pronta para dar o que mereciam. Com uma respiração profunda, meus músculos se enrijeceram, e em um movimento deliberadamente elegante, levantei uma perna, executando um Grand Battement com precisão impecável.
Minha perna subiu com graça e força, e minha saia, como era de se esperar, levantou junto. O tecido voou para cima, revelando mais pele do que deveria, mas, honestamente? Eu estava pouco me importando.
──── Aí está sua bailarina, Adam ──── Minha voz era um sussurro doce, mas carregada de uma provocação afiada como uma lâmina.
O motor da moto rugiu mais alto quando ele passou ainda mais perto, quase roçando minha perna. A tensão no ar era eletricidade pura, cada segundo um jogo perigoso de quem perderia o controle primeiro.
René, ao fundo, deu uma assobiada baixa, claramente apreciando meu pequeno ato de rebeldia.
──── Bem, bem... Parece que temos uma estrela, afinal ────
Eu virei o rosto para ele, mantendo meu equilíbrio perfeito no centro do globo, e o encarei com um sorriso carregado de desafio.
──── Talvez eu só esteja começando ────
Os olhos dele se estreitaram com diversão, mas havia algo mais profundo ali, algo que me fez sentir como se estivesse sendo puxada para uma dança onde ele conhecia todos os passos. Adam deu outra volta, mas desta vez não tentou mais a saia. Em vez disso, a tensão entre nós três ficou suspensa como um truque de mágica ainda não revelado.
O som das palmas ecoou como trovões no pequeno globo metálico, me tirando completamente do foco. Senti meu corpo inclinar, a gravidade puxando-me para baixo. Quando perdi o equilíbrio, a queda não foi nada graciosa, bati com força e caí de bunda no chão com um baque seco. A moto de Adam deu um último giro antes de parar abruptamente, o silêncio crescendo como uma onda.
Todos ficaram imóveis, o ar tenso, como se aguardassem para ver o que eu faria. Todos, exceto René. Ele gargalhava como se tivesse acabado de assistir à comédia mais hilária da sua vida, a risada dele preenchendo cada canto, vibrando pelo metal ao nosso redor, carregada de um sarcasmo afiado que me fez querer gritar.
──── Meu Deus, isso foi... espetacular ──── René se dobrou de tanto rir, as mãos nos joelhos. ──── Espetacularmente desastroso, mas, ainda assim, um show e tanto! ────
Eu queria matá-lo.
O calor subiu pelo meu corpo, e não era só da dor pelo impacto ou do embaraço pela queda. Minha saia havia subido até a cintura, revelando minha calcinha preta rendada para todo mundo. Senti meu rosto queimar como se estivesse pegando fogo. Não sabia se a vergonha ou a raiva ardia mais forte, mas naquele momento, irritação era tudo que eu sentia.
──── Se terminou de rir, palhaço, talvez queira me ajudar a levantar ──── Disparei as palavras, meu tom cortante como uma navalha.
René olhou para mim, os olhos brilhando de diversão, mas não fez menção de se mover.
──── Ajuda? Oh, não, boneca... Acho que você está indo muito bem por conta própria ──── Ele inclinou a cabeça, claramente se divertindo com a cena. ──── Além disso, essa visão está... deliciosa demais para interromper ────
Fechei os olhos por um segundo, respirando fundo, tentando acalmar a raiva que fervia. Quando abri novamente, levantei-me sozinha, empurrando a saia de volta para seu lugar com movimentos firmes e precisos. A postura orgulhosa que assumi era minha armadura.
Adam tirou o capacete, revelando um sorriso de canto tão descarado quanto o de René.
──── Eu avisei sobre o vestido, boneca ────
Eu o fuzilei com o olhar.
──── E eu avisei que não dou a mínima para o que você acha ────
Os dois trocaram um olhar rápido, uma cumplicidade divertida que me irritou ainda mais.
──── Da próxima vez, talvez opte por shorts, querida ──── René piscou, a voz escorrendo charme provocador.
──── Da próxima vez, talvez eu escolha te derrubar, René ──── Meu tom era doce, mas minhas palavras carregavam a promessa de vingança.
René deu mais um passo, agora tão perto que sua presença parecia me envolver como fumaça. Sua voz baixou um tom, e cada palavra que saiu de seus lábios carregava um peso que se prendia a mim.
──── Ah, estou ansioso para isso ──── Ele inclinou ligeiramente a cabeça, os olhos dançando com algo perigoso e sedutor. ──── Mas cuidado, Rebecca... Jogar comigo pode ser viciante. E você já está mais envolvida do que gostaria ────
Antes que eu pudesse responder, ele sorriu daquele jeito que me fazia sentir como se eu fosse um peão em um jogo que ele já tinha ganho. Com um floreio exagerado, ele abriu os braços como se apresentasse um espetáculo.
──── Agora, conheça seus outros colegas ──── A risada dele era cheia de uma teatralidade encantadora, como o Chapeleiro Louco em carne e osso. Ele estalou os dedos, e dois homens surgiram das sombras.
Ele apontou primeiro para o rapaz à minha direita.
──── Esse é meu irmão, Liam ──── A apresentação foi casual, mas havia algo de meticuloso na escolha de cada palavra. ──── Ele é o mais novo do grupo, um pouco... digamos, perdido nas próprias fantasias ────
Liam era jovem, provavelmente próximo da minha idade, com cabelos castanhos desgrenhados e uma expressão quase melancólica. A maquiagem de palhaço que ele usava era simples, mas perturbadora. Nenhum sorriso. Apenas um rosto de tristeza pintada em tons apagados de preto e cinza, como se a alegria tivesse sido sugada de sua alma.
Ele deu um meio sorriso despretensioso, sem brilho real nos olhos, e murmurou algo como um cumprimento antes de virar o rosto novamente, como se eu não fosse digna de sua atenção.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, René me pegou pelos ombros e me girou como se eu fosse uma boneca de pano.
──── E esse aqui... ──── Ele fez uma pausa dramática enquanto eu me encontrava cara a cara com um homem ajoelhado ao lado de um tigre imenso. ──── Este é Hugo, nosso domador de feras ──── A voz dele ficou quase afetuosa ao dizer o nome. ──── O mais inteligente entre esse bando de idiotas ────
Hugo era maior, com uma presença calma e letal que me fez sentir pequena. Ele acariciava o tigre com mãos firmes e seguras, o animal tão sereno quanto um gato doméstico. Seus olhos castanhos, quase dourados sob a luz suave, se ergueram para me encarar, avaliando, medindo.
──── Inteligente, hein? ──── murmurei, tentando esconder meu nervosismo. ──── Qual é o seu truque? ────
Hugo deu um sorriso curto, mas não respondeu de imediato. Seus dedos continuaram deslizando pelo pelo do tigre.
──── Eu faço as feras se ajoelharem ──── Ele olhou para mim com uma calma inquietante. ──── Não importa o tamanho ou a ferocidade ────
René riu, um som baixo e satisfeito.
──── E ele adora lembrar todo mundo disso ────
Minha respiração ficou presa por um segundo. Eu estava em meio a monstros de um circo particular, e cada um deles tinha seus próprios segredos. Mas algo dentro de mim queimava de curiosidade.
──── Espero que você tenha um truque melhor do que apenas domar tigres ──── Disparei, cruzando os braços, o desafio dançando na ponta da língua.
──── Ah, querida... ──── Hugo deu uma última carícia no animal, seus olhos cravados nos meus. ──── Sou muito bom em domar qualquer coisa... que queira ser domada ────
──── Posso ir embora agora? ──── Me virei para René, um sorriso carregado de ódio desenhando meus lábios, mas meus olhos queimavam com a impaciência que eu não fazia questão de esconder.
René inclinou a cabeça, seus olhos brilhando como se eu tivesse contado uma piada extraordinária. Ele levou a mão ao peito, fingindo estar ferido, e ofegou de forma teatral.
──── E como ficaríamos sem nossa boneca de porcelana? ──── Sua voz estava carregada de indignação fingida, cada palavra um golpe de sarcasmo.
──── Quebrada e esquecida no canto do quarto? ──── Retruquei, cruzando os braços.
Ele riu, uma risada que reverberou pelo ambiente como se o próprio ar dançasse ao som de sua voz. Ele se aproximou um passo, o suficiente para invadir meu espaço pessoal, mas mantendo uma distância calculada, como se me desse um pouco de corda para ver o quanto eu me enforcaria.
──── Quebrada? Nunca ──── Seus dedos roçaram de leve meu queixo, um toque quase imperceptível, mas que fez cada nervo do meu corpo despertar. ──── Esquecida? Impossível ──── Ele inclinou-se levemente, o cheiro de pólvora e algo doce que eu não conseguia identificar chegando até mim. ──── Bonecas como você não são feitas para serem deixadas de lado, Rebecca. Elas são para ser exibidas, admiradas... e controladas ────
Minha garganta apertou, mas não cedi.
──── Não sou brinquedo de ninguém, René ────
Ele deu um sorriso lento, perigoso.
──── Todos somos brinquedos de alguém. A diferença é quem segura os fios ────
Eu dei um passo atrás, mantendo o olhar firme no dele, mesmo que minha pulsação martelasse nas têmporas.
──── E quem segura os seus, René? ────
A pergunta pairou no ar por um segundo, e o sorriso dele se alargou, mas não havia resposta. Apenas silêncio. Um silêncio que dizia mais do que qualquer palavra.
──── Parece que a garota mexeu com você ──── Liam murmurou com um sorriso de canto, enquanto fazia uma mímica exagerada, imitando alguém segurando o coração nas mãos e suspirando dramaticamente.
René parou no meio do caminho. O ar ao nosso redor ficou denso, pesado, como se a própria atmosfera tivesse prendido a respiração.
──── Cala a boca! ──── A explosão de sua voz cortou o espaço como uma lâmina. Ele se virou para Liam com uma fúria tão intensa que me fez recuar instintivamente, o coração martelando no peito.
Os olhos de René ardiam como brasas, a mandíbula tão cerrada que parecia prestes a estalar. Ele respirou fundo, mas o fogo não cedeu.
──── Fica quieta aí! ──── Ele se virou para mim, as palavras cuspidas com uma força que reverberou pelos meus ossos, cada sílaba carregada de uma raiva que não era para mim, mas que ainda assim me atingia em cheio.
A mão dele tremia levemente ao lado do corpo. Não de medo, mas de um controle que estava prestes a se romper.
Por um momento, ele era alguém familiar demais. A voz dura, o olhar frio, o controle que deslizava como um fio de seda, mas que podia sufocar como uma corda apertada. Ele parecia... meu pai.
Meu estômago revirou com a comparação, e minha garganta ficou seca.
──── Não fale assim comigo ──── Eu sussurrei, mas minha voz saiu mais firme do que eu esperava.
René piscou, como se minhas palavras tivessem cortado o véu de raiva que o envolvia. Ele me olhou, os olhos ainda cheios de tempestade, mas algo mais estava lá agora, algo que ele não queria que eu visse.
──── Rebecca, eu... ──── Ele começou, mas a frase morreu antes de nascer.
Liam soltou uma gargalhada baixa, balançando a cabeça.
──── Viu? Você está perdendo o controle, irmão ──── Ele se aproximou, os olhos brilhando com uma diversão perigosa. ──── E sabe o que dizem sobre isso... Quando você se importa, você perde ────
──── Cala a boca antes que eu faça você engolir sua língua, Liam ──── A voz de René estava gélida agora, um contraste absoluto com a chama que queimava segundos antes.
Mas o estrago já estava feito. A verdade estava no ar, e eu a senti como uma corrente elétrica que zumbia entre nós.
Engoli seco, sentindo o coração bater tão forte que parecia ecoar nos meus ouvidos. As palavras pesaram na minha língua antes de sair, carregadas de medo e sarcasmo, uma mistura perigosa para o lugar em que eu estava.
──── O que a boneca de porcelana faz aqui no circo? ──── Minha voz saiu mais firme do que eu esperava, mas o pavor ainda estava lá, escondido nas sombras do meu tom. ──── Ou sei lá que porra é essa ────
René parou. Seus olhos, escuros como a noite sem estrelas, se fixaram nos meus, e a intensidade daquele olhar me fez sentir como se estivesse nua sob uma lâmpada incandescente.
──── Você tem uma boca afiada para uma boneca tão frágil ──── Ele deu um passo à frente, e cada movimento parecia ensaiado, um predador aproximando-se da presa. ──── Mas eu gosto disso. Sabe por quê? ──── Ele inclinou a cabeça ligeiramente, um sorriso perigoso curvando seus lábios. ──── Porque bonecas de porcelana quebram de maneiras fascinantes ────
Minha respiração acelerou, mas me forcei a não recuar.
──── Não sou um brinquedo ──── Minha voz tremia, mas as palavras saíram como uma lâmina afiada. ──── E você não é meu dono ────
──── Não? ──── René arqueou uma sobrancelha, uma diversão sombria dançando em seus olhos.
──── Aqui dentro, todo mundo pertence a alguém. Tudo tem um dono. Um preço ──── Ele tocou meu queixo com a ponta dos dedos, tão leve quanto o toque de uma pena. ──── E você, minha querida, vale mais do que imagina ────
Meu estômago revirou, mas o medo deu lugar a uma fúria teimosa.
──── E o que acontece quando a boneca se recusa a brincar? ──── Desafiei, tentando ignorar o calor que subia pelo meu pescoço.
René riu, uma risada baixa e perigosa que me fez sentir uma corrente elétrica subir pela espinha.
──── Ah, Rebecca, o circo adora um bom espetáculo. E as melhores performances... sempre envolvem resistência ──── Ele se afastou apenas o suficiente para que eu pudesse respirar de novo, mas o ar parecia mais pesado. ──── Você vai descobrir o que a boneca faz aqui. E talvez... talvez você até goste ────
Liam, que até então apenas observava a troca, estalou os dedos no ar como se estivesse aplaudindo silenciosamente.
──── Gostei dela. Finalmente alguém que não tem medo de te encarar, René ────
René não respondeu. Ele apenas continuou a me observar com aquele olhar predatório, um sorriso perigoso brincando em seus lábios. E naquele momento, eu soube: eu havia entrado em um jogo que não entendia. E sair dele seria muito mais difícil do que entrar.
──── Está contratada ──── A voz rouca e sarcástica de Hugo soou atrás de mim, carregada com uma dose de diversão sinistra, como se ele soubesse exatamente o que me esperava. Ele fez um gesto vago com a mão, apontando para algo ou alguém além de mim.
─
─── Olhe para o nosso palhaço triste ────
Virei o rosto devagar, sem gostar do arrepio que subia pela minha espinha. Liam estava lá, seus olhos fixos nos meus enquanto fazia uma mímica exagerada. Ele imitou uma chave invisível girando, como se estivesse trancando algo. Depois, com um sorriso discreto, gesticulou para eu segui-lo.
──── Vou te mostrar seu quarto ──── Ele sussurrou, a voz baixa como se estivéssemos compartilhando um segredo, um que eu nem queria saber.
Hesitei. Cada parte do meu corpo gritava para não dar mais nenhum passo dentro daquele pesadelo. Mas quando me virei, René ainda estava ali, observando, o sorriso desdenhoso pintado no rosto como uma cicatriz. Ele ergueu uma sobrancelha, como se me desafiasse a correr.
──── Vamos, boneca de porcelana ──── Liam sussurrou de novo, mais perto desta vez. ──── Ou o lobo mau vai querer outra dança ────
Fechei os olhos por um segundo, lutando para acalmar meu coração. Eu não confiava neles. Em nenhum deles. Mas confiar ou não parecia irrelevante. Não havia saída. Não agora. Então, eu engoli meu orgulho e segui Liam pelo corredor escuro.
Os passos dele eram leves, quase silenciosos, mas os meus ecoavam como tambores, cada batida um lembrete de onde eu estava. A luz era fraca, os corredores serpenteavam como um labirinto que mudava a cada curva, e o cheiro de serragem e fumaça de vela estava impregnado no ar.
──── Onde estamos? ──── Murmurei, tentando não soar assustada.
──── No espetáculo ──── Liam respondeu sem olhar para mim. ──── Sempre no espetáculo ────
Meus olhos se estreitaram.
──── Isso não é uma resposta ────
Ele deu de ombros, os ombros magros balançando sob a camisa fina.
──── O circo não tem lugar. Ele é o que precisa ser, onde as histórias ganham vida e os sonhos viram pesadelos ────
──── E onde eu entro nisso? ────
Ele parou de repente e se virou, seus olhos mel com um brilho de compaixão incomum, embora houvesse algo de inquietante lá também.
──── Você é a nova atração principal. O maior truque de todos ──── Ele abaixou a voz até se tornar quase inaudível. ──── E todos nós estamos esperando para ver como você vai quebrar ────
Liam segurou minha mão com uma firmeza surpreendentemente gentil, quase reconfortante, mas havia algo subjacente ao toque dele que fez meu estômago revirar. Ele me puxou para frente, guiando-me por um corredor tortuoso até uma porta antiga, com entalhes intrincados que pareciam formar olhos que me observavam. Sem dizer uma palavra, ele a abriu e, com um gesto suave, me colocou para dentro.
O choque foi imediato.
O quarto era lindo. Demasiadamente bonito. Havia uma perfeição assustadora nos detalhes, uma decoração em tons suaves de rosa e branco que fazia o lugar parecer saído de um conto de fadas distorcido. As paredes eram cobertas por papel floral delicado, o tipo de padrão que se encontra em berçários, mas ali parecia carregado de nostalgia melancólica. O chão de madeira brilhava sob a luz de uma luminária de cristal pendurada no teto.
E então, eu vi as bonecas.
Bonecas de porcelana.
Elas estavam enfileiradas perfeitamente em uma estante de madeira, os olhos de vidro refletindo a pouca luz, cada uma delas parecendo observar-me com expressões indecifráveis. Algumas sorriam doces, outras tinham os rostos rachados, como se tivessem caído e se partido antes de serem cuidadosamente remontadas. Meu olhar se fixou em uma delas, no centro, que usava um vestido vermelho idêntico ao que eu estava usando.
──── Que... ──── Minha voz falhou, e eu engoli seco, tentando manter a calma. ──── Que lugar é esse? ────
──── Seu novo lar ──── A voz de Liam soou próxima demais, suave demais, como se ele estivesse falando diretamente ao meu ouvido.
──── Lar? ──── Eu me virei para ele, o coração batendo forte demais. ──── Isso aqui parece uma prisão ────
Ele deu de ombros, um meio sorriso brincando em seus lábios.
──── Depende de como você vê. Bonecas não se prendem... a menos que sejam feitas para isso ────
Dei um passo para trás, os olhos ainda fixos na boneca com o vestido vermelho. ──── Quem arrumou tudo isso? ────
──── René ──── Liam cruzou os braços, observando-me com curiosidade, como se estivesse esperando minha reação. ──── Ele gosta de tudo perfeito. Especialmente as coisas que pertencem a ele ────
Minhas mãos tremiam, e eu as escondi atrás das costas. ──── Eu não pertenço a ninguém ────
Liam inclinou a cabeça, o sorriso desaparecendo. ──── Ninguém pertence a ninguém... até pertencer, quando menos espera ────
O silêncio se alongou entre nós, denso e sufocante. As bonecas na estante pareciam zombar de mim, testemunhas silenciosas de um destino que eu ainda não compreendia completamente. Eu podia sentir uma presença invisível, como se o próprio quarto respirasse, como se os sussurros do circo estivessem escondidos nas paredes.
──── Durma bem, Rebecca ──── Liam abriu a porta com um gesto lento e deu um último olhar para a boneca central antes de sair. ──── Ou tente, pelo menos. Amanhã o show continua ────
A porta se fechou atrás dele com um clique suave, mas que soou como uma sentença. Eu fiquei ali, sozinha, no meio daquele quarto perfeito demais, com as bonecas perfeitas demais, tentando entender onde o pesadelo terminava e o espetáculo começava.
Meus olhos vagaram pelo quarto, incapazes de se fixar em qualquer coisa por muito tempo. As bonecas de porcelana continuavam me encarando com seus olhares vazios e perturbadores, mas foi quando olhei para a cama que meu coração deu um salto.
Havia uma camisola estendida ali, perfeitamente posicionada como se alguém tivesse acabado de prepará-la para mim.
O tecido era sedoso, de um tom pálido de rosa, quase translúcido sob a luz suave que emanava da luminária. As alças eram finas demais, e a renda delicada na barra parecia ter sido costurada com a intenção de ser tão reveladora quanto possível. Uma rosa vermelha, real e ainda com orvalho nas pétalas, estava pousada em cima dela, como uma marca de assinatura.
Engoli em seco, minha garganta repentinamente seca.
"Quem colocou isso aqui?" A pergunta ecoou na minha mente, mesmo que a resposta já fosse óbvia.
Eu dei um passo hesitante para frente, sentindo o chão ranger sob os pés. Toquei o tecido com a ponta dos dedos, e ele parecia tão macio quanto seda, mas o simples contato fez minha pele arrepiar como se tivesse tocado gelo.
De repente, ouvi uma risada baixa e distante.
Meu corpo inteiro ficou tenso. O som veio de algum lugar além da porta. Um riso abafado, familiar. Reconheci o tom sarcástico e insolente antes mesmo de meu cérebro processar.
René.
Ele estava ali fora, esperando. Observando.
──── Espero que tenha gostado da sua nova roupa, boneca ──── a voz dele ecoou pelo corredor com uma provocação que me fez apertar os punhos. ──── Achei que combinava com você ────
──── Vá se ferrar, René! ──── gritei, a raiva queimando dentro de mim.
Uma pausa. Depois, o riso dele voltou, mais baixo, mais sombrio.
──── Já estamos ferrados, Rebecca. Só não percebeu ainda ────
Minha respiração ficou presa no peito. O ar ao meu redor parecia mais pesado, quase impossível de respirar. Tudo aqui. O quarto, as bonecas, a camisola. Era uma provocação cuidadosamente planejada. Eu estava sendo manipulada, levada para dentro de um jogo cujas regras eu desconhecia completamente.
Deixei a camisola onde estava e me afastei da cama, determinada a não dar a ele o prazer de me ver ceder. Mas o quarto parecia menor, as paredes se fechando ao meu redor.
──── Você não me conhece, René ──── sussurrei para o vazio, minha voz tremendo de determinação e medo. ──── Mas vai se arrepender de me subestimar ────
E enquanto o silêncio tomava conta novamente, a única coisa que podia ouvir era o bater acelerado do meu próprio coração, marcando o ritmo de uma luta que mal havia começado.
Mesmo com a sensação de insegurança se infiltrando em cada parte do meu corpo, esperei o som dos passos de René se afastando e a porta se fechando completamente antes de respirar fundo. Minhas mãos tremiam levemente, mas forcei-me a manter o controle.
Deslizei os ombros para fora das alças do vestido, sentindo o tecido escorregar pela minha pele até cair no chão em um montinho. Fiquei ali por um instante, apenas de lingerie, enquanto meu coração batia rápido demais, como se o próprio ar estivesse conspirando para me lembrar do perigo.
Com um suspiro pesado, meus dedos tocaram o pijama cuidadosamente dobrado sobre a cama. Uma camisola, claro, mas não qualquer camisola. Quando a segurei à altura dos olhos, a luz do abajur passou por ela, revelando o quanto era incrivelmente transparente.
Engoli em seco, segurando o tecido delicado entre os dedos. Era praticamente uma provocação costurada à mão. A seda era tão fina que parecia inexistente, e a renda estrategicamente posicionada nas laterais apenas destacava ainda mais o que deveria esconder. Colocá-la era o mesmo que ficar nua com um véu.
Desgraçado.
Minha mente gritou a palavra enquanto o calor da raiva voltava a crescer no meu peito. O sorriso satisfeito de René surgiu como uma lembrança, e eu quase podia ouvi-lo rindo, sussurrando: "A boneca precisa vestir algo apropriado."
Mesmo assim, minha mão hesitou. Por um breve segundo, a ideia de desafiar o circo inteiro, de não me curvar às manipulações, me fez querer dormir com o biquíni molhado, só para mostrar que eles não tinham controle sobre mim. Mas então, a realidade caiu sobre mim como um peso esmagador. Não havia outra roupa. Eles não me deram escolhas.
Eu coloquei a camisola.
O tecido tocou minha pele como um sussurro, macio demais, íntimo demais. A transparência era tão ridícula que eu me senti mais exposta do que antes. Olhando no espelho pequeno no canto do quarto, vi o contorno perfeito do meu corpo sob a seda fina, cada curva realçada como se fosse feita para provocar... mas provocar quem?
A resposta me atingiu. René queria me provocar. Ele queria me fazer sentir pequena, vulnerável.
Com os dentes cerrados, passei a mão pelo cabelo, tentando afastar o calor que subia pelo meu pescoço.
──── Se ele pensa que me assusta assim... está muito enganado ──── sussurrei para mim mesma, minhas palavras carregadas de teimosia e uma ponta de desespero.
Mas o que eu não esperava era o som leve de uma risada.
Virei a cabeça rápido demais, e lá estava ele, de volta. René, encostado no batente da porta, os braços cruzados sobre o peito, o olhar faminto passeando pelo meu corpo sem o menor pudor.
──── Bela escolha, boneca ──── A voz dele era um murmúrio rouco que fez meus dedos apertarem a barra da camisola como se isso pudesse me proteger. ──── Fica perfeita em você ────
O calor subiu pelo meu rosto, mas não recuei.
──── Saia ──── Minha voz soou mais firme do que eu esperava.
Ele não se mexeu, apenas sorriu com aquele ar de triunfo.
──── Boa noite, Rebecca ──── René piscou para mim antes de fechar a porta devagar, como se estivesse marcando território.
Quando ele finalmente saiu, o silêncio pareceu esmagador. Mas, dentro de mim, uma faísca de determinação crescia, pronta para incendiar tudo à minha volta.
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