10 | false belief
۞ ⌇「 CAPÍTULO DEZ:
CRENÇA FALSA 」
O ATAQUE DE KAECILIUS ATRAVÉS DO sanctum de Londres me faz ficar em alerta conforme andamos pelo sanctum de Nova York, que até agora parece calmo... até demais, em minha opinião, pois sequer encontro a presença de Mestre Drumm, responsável por proteger o local. E sem saber o que houve à Wong e Mordo, gosto da ideia de sair o mais rápido possível daqui e voltar ao Kamar-Taj, mas a voz de Stephen chama minha atenção.
— Onde estamos?
— Sanctum de Nova York. — Respondo, parando na metade do corredor e ao pé da escadaria que leva aos andares inferiores. — Precisamos voltar para o complexo.
Procuro meu anel de acesso, checando nos bolsos do meu manto e em cada canto possível dele, mas não encontro. Sequer me lembro se realmente estava com ele ou se caiu durante a confusão criada por Kaecilius, e solto um resmungo frustrado com isso, olhando rapidamente para Stephen e vendo que, diferente de mim, ele carrega seu anel nos dedos. Faço um bico com os lábios, sabendo que terei que passar por cima de meu orgulho se quiser voltar para o Kamar-Taj.
— Preciso do seu anel de acesso, por favor. — Peço, estendendo a mão e o olhando com minha melhor expressão inocente. Entretanto, Stephen estreita os olhos para mim, e imediatamente percebo como isso foi uma péssima ideia.
— Não. — Nega com firmeza, nem ao menos me dando tempo para digerir a negativa. — Você passa o dia inteiro sem falar comigo, sem motivo aparente, e então simplesmente vem me pedir um favor como se nada tivesse acontecido?
Indaga, o que me faz soltar um suspiro frustrado e irritado.
— Eu não estou pedindo um favor. Kaecilius atacou um dos sanctums e o Kamar-Taj, e precisamos voltar para ajudá-los. — Explico com impaciência, mas vendo-o não esboçar nenhuma reação diante do possível perigo.
— Eu disse não.
— Eu não tenho tempo pra isso. — Resmungo, lhe dando as costas e seguindo em direção a escada, mas apenas piso no primeiro degrau dela quando sua voz me interrompe.
— Engraçado você dizer isso, já que parecia ter bastante tempo para fugir de mim. — Seu comentário carregado de sarcasmo me faz perder a paciência e voltar para trás, o olhando com seriedade e decidindo acabar com minha agonia de vez, ao mesmo tempo que o faço entender o motivo de ter o evitado.
Assim, não faço cerimônias antes de lhe perguntar o que tanto quero saber.
— Quem é Christine?
Não sei dizer ao certo a reação de Stephen à pergunta, mas calma definitivamente não é uma delas. Vejo seu rosto assumir uma expressão surpresa, e sua boca se abre algumas vezes, como se prestes a dizer algo, mas não o faz. Por fim, depois de alguns segundos apenas parado sem dizer ou fazer qualquer coisa, ele solta um longo suspiro antes de fechar os olhos e balançar a cabeça, e sua reação me faz entender que ela não é uma parente. Eu não poderia ter tanta sorte.
— Ela é uma amiga. — Responde enfim, com os olhos diretamente nos meus enquanto se aproxima um passo. — Nós tivemos algo no passado, mas acabou. Somos apenas amigos.
Agora sou eu quem não dou qualquer resposta, pois a afirmação de que ela de fato foi — e possivelmente ainda é, visto que ele ainda guarda o relógio — alguém importante em sua vida é como um balde de água fria sobre mim. Não que eu não imaginasse que Stephen tivesse tido seus casos de amor no passado, assim como eu tive, mas sei que se ainda nutre carinho o suficiente para guardar uma lembrança dos dois consigo, então é por que o vínculo ainda é forte. E levando em conta minhas experiências em relações, não apenas amorosas, como de amizades também, eu não posso e não quero competir por lugar na vida de alguém. Simplesmente é algo que não tenho forças para fazer.
Todas essas sensações e sentimentos confusos dentro de mim me fazem apenas confirmar com a cabeça, forçando um sorriso que não é nem de longe legítimo.
— Tudo bem. — Não digo mais nada, e não quero dizer. Apenas me viro de costas para não continuar o olhando, pois seus olhos são tentadores demais para que eu consiga resistir.
— Europa...
Chama, parecendo se aproximar alguns passos, mas felizmente — ou não — é interrompido de continuar por um barulho vindo do andar inferior, mais especificamente, da entrada do sanctum. E a voz que ouço, mesmo que distante, faz um alerta soar em meu corpo.
— Kaecilius. — Exclamo simplesmente antes de correr escada a baixo, me encaminhando até o salão de entrada.
A cena que vejo confirma minha suposição, pois Kaecilius e seus seguidores se encontram parados no hall e formam um círculo parcial em volta de Mestre Drumm, e sei que pretendem atacar, mas não sou rápida o suficiente e não tenho tempo de impedir as próximas ações. Ele e seus seguidores projetam uma espécie de lâmina como arma e atacam Daniel, que apesar de se defender bem, não consegue abrir vantagem contra os três, e acaba se ferindo no confronto.
— Kaecilius, pare! — Exclamo, aparecendo no topo da escada e atraindo todas as atenções do local para mim.
O fanático sorri ao me ver, mas não faço o mesmo por ele. A figura de Kaecilius está totalmente diferente do que costumava me lembrar, com uma expressão de puro mal, que se mostram através das manchas pretas ao redor dos olhos e do símbolo gravado em sua testa, um sinal dos poderes que drena da Dimensão Negra.
— Europa. — Ele diz lentamente, dando um passo a frente e me olhando com extrema atenção, quase como se pudesse ler minha alma, pensando em mil maneiras de me matar. — A pupilo da Anciã. Você está bem longe do Kamar-Taj.
— Seja o que for que você queira aqui, deixe Daniel ir. — Peço, realmente desejando que ele atenda ao meu pedido, ou pelo menos que enrole tempo o suficiente para que eu consiga pensar numa forma de poupar o Mestre do massacre de Kaecilius.
— Eu poderia, mas não quero. — O fanático diz com um sorriso cruel no rosto, e um segundo depois sua lâmina é cravada no peito do outro sem qualquer piedade, rápido demais para que eu consiga agir.
— Não!
Exclamo, criando meu próprio escudo de magia na mão esquerda e uma espécie de arma semelhante à lâmina de Kaecilius, mas com um formato mais uniforme e pontiagudo na extremidade. São projeções semelhantes às minhas armas de amazona e que me trazem familiaridade para enfrentar qualquer luta.
E felizmente, para minha sorte, Stephen parece ser inteligente até mesmo se tratando de estratégias de batalha, pois uma vez que acabei sendo uma distração para Kaecilius, ele se arrastou furtivamente para uma das extremidades da escada, de onde agora salta de cima diretamente na direção de um dos seguidores do mago, o nocauteando. E então o próprio Kaecilius vem em minha direção, e começamos uma luta intensa pelos corredores do sanctum.
Eu gostaria de poder dizer que minha experiência em guerras me ajudou contra Kaecilius, mas se tratando de magia as coisas são diferentes, e talvez até mais complexas, o que, infelizmente, não me abre muita vantagem contra ele, pois é indomável, feroz e suas habilidades místicas são fortes, em parte por serem habilidades de outra dimensão. Ele encontra facilidade em me desarmar e em desviar de meus golpes, causando arranhões em meus braços. Vejo por uma fração de segundos que Stephen também trava uma batalha contra todos os outros seguidores de Kaecilius que o acompanham, mas não consigo ver o suficiente para saber se está bem ou não.
O cenário é completamente desfavorável para nós.
Em determinado momento sou arremessada contra uma das vitrines da galeria do segundo andar, fazendo-a se partir em centenas de pedaços que perfuram minha perna. Solto um arquejo com isso, me arrastando com dificuldade para longe dos vidros, mas sendo alcançada por Kaecilius, que ergue os braços pronto para me atingir. Mas o golpe nunca acontece, pois um segundo depois Stephen está sobre ele, o afastando de mim e o golpeando. Mesmo com a dor dos cortes em minha coxa, me obrigo a ficar de pé a tempo de ver Strange também ser arremessado contra pelo menos três das vitrines da galeria, causando um verdadeiro estrago.
Refaço a lâmina em minha mão e caminho até os dois homens em passos cambaleantes, mas não concluo o percurso, pois algo inesperado me faz interromper. Quando Stephen é arremessado para trás e cai por cima da grade da escada, o Manto de Levitação vai ao seu encontro, e então o mago surge voando com o manto ao seu redor.
Um sorriso admirado toma conta de mim.
O Manto é um item mágico que funciona de forma independente e que possui propriedades absolutamente incríveis, permitindo ao seu usuário não apenas a capacidade de voar, como também proteção e alta resistência, e pode até mesmo ser usado como arma. A durabilidade do manto é grande o suficiente para resistir até mesmo às armas asgardianas, embora ninguém nunca tenha testado essa teoria. E de forma mais surpreendente ainda, ele parece ter escolhido Strange.
A vantagem do mago sobre a luta aumenta com seu novo objeto, mas mesmo assim, lutamos juntos contra Kaecilius, de modo que enquanto sirvo novamente como distração, Stephen apanha outro objeto da galeria, dessa vez uma arma de defesa usada para prender e paralisar oponentes, exatamente como acontece quando a roupa envolve o corpo do fanático, prendendo suas pernas e braços. Tendo o mago preso sob nosso domínio, finalmente consigo tomar fôlego para respirar, sentindo os cortes em meus braços e pernas arderem. Sei que ficarei com novas cicatrizes superficiais pelo corpo.
— Você está bem? — Stephen pergunta ao se aproximar, segurando meus braços e olhando para os diversos cortes e arranhões neles. — Imprudente. — Resmunga a mesma coisa que me disse um ano atrás, quando estava internada e ele era meu médico.
No entanto, não é sobre os arranhões que eu comento.
— O manto escolheu você. — Seus olhos recaem sobre o próprio corpo, observando a capa vermelha que cobre seus ombros e que foi nossa grande salvadora. — É um objeto poderoso, dizem que resiste até mesmo à armas de Asgard.
Stephen não parece ter tempo de raciocinar a respeito, pois segundos depois aciono meu escudo e retiro minha espada de dentro de dentro. A lâmina cresce na bainha, e então desfiro um gole superficial, mas certeiro no tecido do manto, que não sofre um arranhão sequer. Stephen dá um passo para trás com isso, me olhando com espanto.
— Ficou maluca? — Exclama, vendo-me apenas dar de ombros e guardar minhas armas novamente dentro da pulseira.
— Parece que realmente funciona.
Ok, por mais que a atitude tenha sido imprudente e um pouco infantil de minha parte, eu realmente queria testar a teoria, já que, apesar de minhas armas terem sido forjadas em Nidavellir, o manto é tão poderoso quanto. Não que eu precisasse fazê-lo enquanto Stephen o vestia, mas talvez eu quisesse descontar minha raiva de alguma forma, ainda que sem o machucar de verdade.
— Eu não sei o que a Anciã viu em você. — A voz de Kaecilius chama nossa atenção, e vejo seus olhos negros direcionados fixamente em mim. — Não passa de uma menina brincando de fazer magia e agindo por impulso.
— Você não sabe nada sobre mim. — Exclamo entre dentes, o vendo apenas soltar uma risada irônica como resposta antes de seu olhar agora recair sobre Stephen.
— Está desperdiçando seus talentos ao lado dela.
— Se continuar falando vou te jogar pela janela. — Ele ameaça, embora eu saiba que jamais faria isso realmente.
— Diga-me, Sr. Doutor...
— Meu nome é Doutor Stephen Strange. — Stephen o corrige com irritação.
— Você é médico?
— Sim.
— Um cientista, então conhece as leis da natureza. — Kaecilius diz com um sorriso presunçoso. — Tudo envelhece, tudo morre. No fim o sol vai se extinguir, e nosso universo irá esfriar e perecer, mas a Dimensão Negra é um lugar que está além do tempo.
Ao contrário do efeito que ele esperava, tudo o que Stephen faz em resposta ao que ouve é revirar os olhos.
— Eu vou pôr isso de volta. — Se aproxima um passo, de modo que agora Kaecilius realmente se sente ameaçado e continua a despejar palavras.
— Esse lugar não precisa morrer, Doutor. Ele pode ter seu lugar de direito junto de muitos outros como parte do Grandioso. Todos poderemos viver para sempre.
— Sério? E o que você vai ganhar com essa utopia dimensional da Nova Era? — Questiono com sarcasmo.
— O mesmo que você, o mesmo que todos. Vida eterna. — Responde, como se tal resposta fosse a solução para tudo. — As pessoas pensam em termos de bem ou mal, mas na verdade o inimigo é o tempo. O tempo destrói tudo. Você entende, Europa. — Seu olhar se direciona à mim novamente. — Com a idade que possui, sei que já viu muitas pessoas e lugares parecerem.
Não posso dizer que é mentira. De fato, em todos os meus anos como Amazona em Asgard, junto de minhas irmãs vi muitos inimigos caindo, impérios sendo dizimados e pessoas morrendo, de todas as formas possíveis, e sei que ainda verei muito disso até que o momento de minha morte chegue, pois enquanto crescia, muitas vidas nasceram e muitas vidas foram perdidas.
— E as pessoas que você matou? — É Stephen quem responde quando não faço nada além de permanecer em silêncio.
— Uma minúscula poeirinha transitória num univerno indiferente. — Kaecilius dá de ombros. — O mundo não é como deveria ser. A humanidade anseia eternidade, um mundo além do tempo, pois é ele quem nos escraviza. O tempo é um insulto, a morte é um insulto. Não queremos controlar esse mundo, queremos salvá-lo e entregá-lo à Dormammu, que é o ápice de toda a evolução, a razão de toda a existência.
Suas palavras me tiram do meu torpor momentâneo, e balanço a cabeça para negar.
— A Maga Suprema defende a existência.
— O que a levou ao Kamar-Taj, Europa? Ou ao Doutor? — Kaecilius indaga, com um mínimo sorriso malicioso nos lábios. Novamente sinto como se apenas seu olhar pudesse me corroer. — Foi para ser curado, como todos nós. É um lugar que acolhe coisas quebradas, todos veem como uma promessa de cura, mas a Anciã só nos deu meras ilusões. Ela guarda a verdadeira magia para si. Já se perguntou como ela conseguiu viver tanto?
Balanço a cabeça novamente, dessa vez ultrajada com sua suposição. Sei que a Anciã de fato tem muitos anos de vida, talvez não tanto quanto eu, mas ainda assim viveu muito, embora eu não acredite que há algo de maligno por trás. Ela é a Maga Suprema afinal, e é uma das pessoas mais fortes que conheço, física e espiritualmente.
— Eu vi os rituais no Livro de Cagliostro. — Stephen responde ao meu lado, e o olhar que o direciono é de surpresa por, mesmo que por um segundo, se deixar levar pelas palavras de Kaecilius.
— Então, você sabe. — O outro conclui com um sorriso vitorioso. — O que a Anciã guarda para si, Dormammu distribui. Ele não é o destruidor de mundos, é o salvador.
Deixo a magia fluir entre meus dedos e crio novamente o espectro de uma lança em minha mão, tentada a matá-lo de uma vez e livrar o mundo da maldade do mago. Certamente seria um favor à todos.
E para meu alívio, Stephen não parece concordar com as palavras que ouve, balançando a cabeça.
— Não. Olhe para o seu rosto, Dormammu fez de você um assassino. Como o reino dele pode ser bom? — A pergunta é acusatória, mas tudo o Kaecilius faz é rir, o que aumenta minha raiva.
— Acha isso engraçado? — Questiono entre dentes, o vendo balançar a cabeça.
— Não, isso não. Acho engraçado que tenha perdido seu anel de acesso. — Ao dizer isso, vejo seu olhar se direcionar para algo atrás de nós, mas não tenho de agir rápido o suficiente.
No instante em que me viro, vejo um dos seguidores de Kaecilius se aproximando, mas sequer consigo acionar meu escudo, desviar ou fazer qualquer coisa para me defender antes que algo me atinja. O espectro da lâmina perfura minha pele na região do abdômen, tirando meu ar e me fazendo sentir cada pedaço atingido do meu corpo queimando. Tudo parece ficar distante de minha percepção, até mesmo o grito que Stephen solta, mesmo estando ao meu lado, e só o que consigo perceber ao meu redor é meu corpo caindo com um baque surdo no chão após ser arremessada da escada, ao mesmo tempo que sangue escorre por minha roupa. Minha visão fica turva e tenho dificuldade para respirar.
Penso em Stephen enfrentando os dois homens sozinhos e até tento forçar minhas pernas para me mexer, mas os cortes nela parecem ainda mais doloridos do que antes, e um arquejo me escapa enquanto a escuridão toma conta de meus sentidos.
kaecilius é desprezível
mas é por isso que ele
é um vilão tão bom
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