011 • Olhos abertos.
𝗦𝗲𝗻𝘁𝗮𝗱𝗮 𝗻𝗼 𝗰𝗵𝗮̃𝗼 𝗱𝗼 meu quarto, tento me concentrar no livro à minha frente, mas as palavras dançam na página, incapazes de segurar minha atenção. O que minha mãe disse há alguns dias continua a ecoar na minha mente: "Eu só quero que você esteja segura." Isso deveria ser o suficiente para acalmar meus pensamentos, mas a verdade é que só aumenta minha frustração.
Pego o walkie-talkie em cima da mesa de cabeceira e ligo, ajustando a frequência para a de Enid. O aparelho chia um pouco antes de estabilizar.
— Enid, está aí? — Pergunto, tentando manter a voz estável.
— Estou aqui, Sariah. — A voz dela vem nítida pelo walkie-talkie, mas há uma nota de preocupação. — O que aconteceu?
— Minha mãe... — Começo, mas as palavras falham por um momento. Respiro fundo e tento de novo. — Ela não entende, Enid. Ela não me deixa viver. Estou cansada de me sentir presa.
— Imagino que seja difícil. — Enid responde, com um tom compreensivo. — Mas ela só quer te proteger, você sabe disso, né?
— Sei, mas não é justo. — Respondo, sentindo a frustração borbulhar novamente. — Ela age como se eu fosse uma criança, como se eu não pudesse fazer nada sozinha. Eu só quero um pouco de liberdade, um pouco de controle sobre a minha própria vida.
— Eu entendo, Sariah. — A voz de Enid é suave, mas firme. — Mas as coisas lá fora são perigosas. Talvez você possa encontrar um meio-termo com ela, mostrar que pode ser responsável.
— Já tentei, Enid! — Respondo, apertando o walkie-talkie com força. — Mas ela sempre acha que sabe o que é melhor para mim. Nunca ouve o que eu tenho a dizer.
— Talvez você precise ser mais clara com ela. — Enid sugere. — Mostrar que você entende os riscos, mas que ainda precisa de espaço.
Suspiro, sentindo o peso da impotência.
— Não sei se ela vai ouvir, Enid. Ela está tão focada em me proteger que não consegue ver o quanto isso me sufoca.
O silêncio se instala pelo rádio, carregado de tensões e frustrações não ditas. Finalmente, a voz de Enid retorna, mais suave.
— Sariah, você precisa tentar. — Diz ela. — Não pode continuar vivendo assim, e ela precisa entender isso.
— E se ela não entender? — Pergunto, minha voz quase um sussurro. — E se ela nunca me der a liberdade que eu preciso?
— Então você vai ter que encontrar outra maneira. — Responde Enid, sem hesitação. — Mas primeiro, tente falar com ela. Seja honesta sobre o que você sente.
— Está bem. — Digo, tentando reunir a coragem. — Vou falar com ela.
Desligo o walkie-talkie e saio do quarto, meus passos ecoando no corredor vazio. Encontro minha mãe na cozinha, preparando algo, mas seus movimentos são lentos, quase automáticos. Ela parece tão exausta quanto eu me sinto.
— Precisamos conversar. — Digo, minha voz firme.
Ela se vira para mim, surpresa pela minha súbita aparição. Por um momento, vejo a mesma fadiga nos olhos dela, mas também algo mais — talvez um reflexo da minha própria frustração.
— Sariah, estou cansada. Podemos falar sobre isso amanhã?
— Não. — Respondo, sem me deter. — Não podemos adiar isso. Estou cansada também, mãe. Cansada de me sentir sufocada. Você precisa me ouvir.
Ela suspira, colocando a colher na pia e virando-se para me encarar.
— Tudo bem. — Diz ela, cruzando os braços. — Fale.
— Eu entendo que você quer me proteger, mas precisa entender que eu não posso viver assim. Não posso ser tratada como uma criança indefesa. Eu preciso de um pouco de liberdade, de sentir que tenho controle sobre minha própria vida.
Ela balança a cabeça, e vejo a raiva e a frustração começarem a se formar.
— Você acha que eu não sei disso, Sariah? — Sua voz é afiada. — Você acha que é fácil para mim? Estou tentando manter todos seguros, e você acha que pode simplesmente sair por aí como se o mundo fosse um lugar seguro?
— Eu não estou pedindo para sair sem pensar, mãe. — Revido. — Só quero um pouco de espaço, um pouco de liberdade. Não posso viver presa aqui dentro, olhando para essas malditas paredes o tempo todo!
Ela me olha fixamente, a tensão entre nós quase palpável. Depois de um momento, vejo seus ombros relaxarem um pouco, e a raiva nos olhos dela se dissipa, substituída por uma exaustão profunda.
— Eu só quero que você esteja segura. — Diz ela, a voz mais baixa. — Tudo que faço é por você, Sariah. Por todos nós.
— E eu entendo isso. — Respondo, tentando controlar minha própria raiva. — Mas você precisa entender que viver assim não é vida. Preciso de um pouco de controle sobre o que acontece comigo.
Ela suspira novamente, passando a mão pelo cabelo.
— Tudo bem. — Diz finalmente. — Vamos tentar encontrar um meio-termo. Mas preciso que você me prometa que será cuidadosa, que não vai agir por impulso.
— Eu prometo. — Respondo, sabendo que é o melhor que posso oferecer.
O silêncio que se segue é tenso, mas sinto que algo mudou. Talvez seja o começo de um entendimento, mesmo que precário.
— Vou para o meu quarto. — Digo, virando-me para sair.
— Boa noite, Sariah. — Ela responde, a voz carregada de cansaço.
Caminho de volta pelo corredor, sentindo o peso da conversa sobre os ombros. Não foi fácil, mas pelo menos agora há uma chance de que as coisas mudem, mesmo que só um pouco.
De volta ao quarto, pego o walkie-talkie novamente e ligo.
— Enid, ainda está aí?
— Estou aqui. — Ela responde imediatamente. — Como foi?
— Foi difícil. — Digo, sentindo o cansaço na voz. — Mas acho que estamos começando a nos entender. Talvez as coisas mudem.
— Isso é um começo. — Diz Enid, e sua voz traz um conforto inesperado. — Vai levar tempo, mas pelo menos agora vocês estão conversando.
— Sim. — Respondo, sentindo um pouco do peso se aliviar. — Vamos ver como as coisas vão.
O silêncio se instala novamente, mas desta vez é menos carregado. Sinto que, apesar de tudo, há uma chance de que possamos encontrar um caminho. E isso, por si só, já é um alívio.
— Podemos nos encontrar amanhã? — Sorrio escutando sua pergunta e não lhe respondo, apenas bipo o walkie-talkie duas vezes antes de deixá-lo na minha cama ao meu lado.
★
Os raios de sol começavam a surgir além dos muros da comunidade quando, finalmente, consegui fechar os olhos, mas mesmo assim, não dormi por muito tempo.
Ainda de manhã, acordei com um nó na garganta por conta da conversa com minha mãe que tirou o meu sono. É difícil não reviver o diálogo anterior, mas decido não deixar isso abalar o meu dia. Não deixo esses pensamentos me abalarem.
Me vesti rapidamente e desci as escadas, encontrando minha mãe na cozinha. Ela parecia estar tão pensativa quanto eu, mexendo o café com uma expressão distante no rosto. Não trocamos muitas palavras durante o café da manhã. Ambas sabíamos que era cedo demais para retomar o assunto delicado que havíamos deixado na noite anterior.
Depois de tomar café, peguei meu casaco e avisei que sairia por um tempo. Minha mãe assentiu sem dizer nada, seus olhos fixos na xícara de café. Sabia que ela ainda estava processando tudo, assim como eu.
Lá fora, o ar fresco da manhã era revigorante. Passei pelos guardas que vigiavam os portões da comunidade, acenando para eles com um sorriso que esperava ser amigável. Caminhei em direção aos muros, onde venho tendo o costume de encontrar com Enid.
Ela estava lá, encostada em um dos postes de vigilância, olhando para o horizonte além dos muros. Seus olhos se iluminaram quando me viu se aproximando.
— Olá, senhora liberdade... — Sorrio percebendo que em seu tom não existe nenhum tipo de deboche, apenas seu tom brincalhão.
— Olá, Enid. — Me aproximo a abraçando relaxando o meu rosto na curvatura entre seu pescoço e ombro.
— Como você 'tá? — Ela sussura preocupada.
— Tentando ignorar o desconforto. — Sorrio sem vontade contra sua pele. — A conversa com minha mãe foi... Diferente, mas acho que estamos entrando em um consenso. — Respondo sinceramente.
Enid assente compreensiva.
— Às vezes, é assim que as coisas começam a melhorar. Com uma conversa difícil, mas necessária. Estou feliz que vocês tenham falado. — Ela afaga minhas costas e nós nos separamos do abraço.
Conversamos por um tempo sobre assuntos mais leves, como os últimos eventos na comunidade e nossos planos para o dia. Enid sempre tinha uma maneira reconfortante de ver as coisas, e sua presença era um bálsamo para minha alma inquieta.
Enquanto estávamos lá, uma patrulha passou pelos muros, fazendo com que Enid e eu nos afastássemos um pouco para dar espaço aos guardas. Observamos enquanto eles inspecionavam os arredores, seus rostos sérios e alertas. Era um lembrete constante do perigo que rondava nossos lares, o motivo pelo qual minha mãe insistia tanto em manter as regras rígidas.
— Você está pensando no que vai fazer hoje? — Enid quebrou o silêncio, trazendo-me de volta ao presente.
Nego com a cabeça vendo ela semi cerrar os olhos com uma expressão de descrença.
— Acho que só quero relaxar um pouco. Talvez ler um livro, ouvir música... algo para acalmar minha mente. — A encaro de volta.
—Posso te acompanhar? — Ela perguntou, sua voz um pouco mais baixa do que o normal.
Sinto um formigamento e uma sensação gélida desconhecida em meu ventre. Demoro uns segundos, mas finalmente concordo vendo seu rosto se iluminar em alegria.
— Certo. — Ela sorri se aproximando e batendo seu ombro no meu.
— Certo! — Reafirmo repetindo o seu ato brincalhão.
★
Deitadas abaixo da nossa árvore, eu descanso minha cabeça no seu colo enquanto ela afaga meu couro cabeludo. Meus olhos estão fechados, mas me concentro em não dormir, já que quero escutar a voz dela lendo um dos meus livros favoritos.
— "E então, enquanto a lua iluminava o caminho..." — Enid leu em voz alta, sua voz suave como uma brisa de verão. — "Eles se deram conta de que o destino havia lhes reservado um encontro inesperado."
Abro os olhos e olho para cima, vendo seu rosto concentrado nas palavras. A luz do sol filtra pelas folhas, criando padrões dançantes em seu rosto.
— Gosto de quando você lê pra mim. — Digo, interrompendo-a suavemente.
Ela sorri, fechando o livro por um momento.
— Eu também gosto. — Responde, olhando para mim com carinho. — É como se estivéssemos em um mundo só nosso.
— Exatamente. — Concordo, sentindo uma onda de felicidade me envolver.
Ela coloca o livro de lado e se deita ao meu lado, suas mãos ainda entrelaçadas nos meus cabelos. Ficamos em silêncio por um momento, apenas aproveitando a companhia uma da outra. A tranquilidade do lugar e a presença dela tornam tudo mais suportável.
— Sariah, você já pensou no que vai fazer depois de tudo isso? — Enid pergunta de repente, rompendo o silêncio.
— Depois de tudo isso? — Repito, virando-me para olhar para ela. — Quer dizer, quando a vida voltar ao normal?
— Sim. — Ela responde, olhando para o céu. — Você tem algum sonho, algo que queira fazer?
Penso por um momento, deixando a pergunta se infiltrar em minha mente.
— Acho que só quero viver uma vida onde eu possa fazer minhas próprias escolhas. — Digo finalmente. — Talvez viajar, conhecer novos lugares. E você?
— Eu quero o mesmo. — Ela diz, sorrindo. — Viajar, ver o mundo. E quem sabe, fazer isso com alguém especial ao meu lado.
Sinto meu coração acelerar ao ouvir suas palavras.
— Alguém especial, hein? — Pergunto, tentando esconder um sorriso.
— Sim. — Ela responde, virando-se para me olhar. — Alguém como você, talvez.
O silêncio que se segue é carregado de uma nova compreensão. Nossos olhos se encontram, e sinto uma conexão ainda mais profunda se formar entre nós. A vontade de beijá-la é avassaladora, quase irresistível, mas me contenho.
Enid parece sentir o mesmo, pois sua respiração se torna mais profunda, seus olhos brilhando com uma emoção que espelha a minha. Por um momento, nossas mãos se entrelaçam, e a intensidade do que sentimos fica clara sem necessidade de palavras.
— Sariah, sobre o Ron... — Ela começa, mas sua voz vacila.
— O que tem o Ron? — Pergunto, meu coração batendo mais rápido.
— Ele é... ele gosta de mim, e eu não sei como lidar com isso. — Ela diz, desviando o olhar.
— Eu sei. — Respondo suavemente. — Ele é meu primo, e eu sei como ele se sente por você. Mas isso não muda o que eu sinto.
Enid me olha de volta, seus olhos cheios de dúvidas e esperança.
— E o que você sente, Sariah?
— Sinto que quero estar com você, Enid. — Digo, minha voz firme. — Mas também sei que precisamos ser cuidadosas. Não quero magoar o Ron, nem criar complicações desnecessárias.
Ela assente, apertando minha mão.
— Eu também quero estar com você. — Diz ela. — Vamos ser cuidadosas, então. E vamos ver onde isso nos leva.
O tempo passa de forma agradável, cada página lida trazendo-nos mais para perto. Rimos das partes engraçadas, discutimos sobre os personagens e nos emocionamos com as passagens mais tristes. Cada momento é um tesouro, algo que vou guardar comigo para sempre.
Quando o sol começa a se pôr, decidimos voltar para a comunidade. Levantamo-nos devagar, esticando os membros entorpecidos pelo longo período de descanso. Caminhamos de mãos dadas, aproveitando os últimos raios de sol.
— Sabe, hoje foi perfeito. — Digo, olhando para ela.
— Concordo. — Ela responde, apertando minha mão. — Vamos fazer isso mais vezes.
— Com certeza. — Respondo, sentindo-me renovada.
Chegamos aos portões da comunidade e paramos, virando-nos uma para a outra.
— Até amanhã, então? — Pergunto, sem querer que o dia termine.
— Até amanhã. — Ela responde, com um sorriso que ilumina seu rosto.
Enquanto a vejo se afastar, sinto uma mistura de emoções: esperança, ansiedade, e uma vontade crescente de estar cada vez mais perto dela. Com Enid ao meu lado, acredito que posso fazer muito mais do que já faço, mas também sinto o peso das complicações que ainda estão por vir. Respiro fundo e começo a caminhar de volta para casa, determinada a enfrentar o que vier com coragem e o coração um pouco mais leve.
• 🏳️🌈?
• Disse em um comentário que iria postar ontem, mas me enrolei.
• Após mil anos, a menina que escreve Deadly Awakening apareceu!!!!😨
• Beijo, espero que gostem do capítulo!
• Votem e comentem, isso ajuda muito para que eu possa fazer mais capítulos.
• Amo vocês ❤️ XOXO.
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