009 • Tentar.
𝗔 𝗻𝗼𝗶𝘁𝗲 𝗻𝗮 𝗰𝗼𝗺𝘂𝗻𝗶𝗱𝗮𝗱𝗲 está tranquila. Estamos na sala, desfrutando de um raro momento de paz. Kash está deitado com a cabeça em meu colo, os olhos fechados mas ainda desperto. Sariah está ao lado dele, conversando sobre as plantas que cuidou durante o dia. Sam, exausto de tanto brincar, dorme profundamente no sofá, enrolado em um cobertor.
O crepitar suave da lareira e as vozes baixas de Sariah e Kash preenchem o silêncio aconchegante. Estou acariciando o cabelo de Kash, absorvendo a paz deste momento, quando ouvimos uma batida leve na porta.
— Eu atendo. — Digo, dando um pequeno sorriso a Sariah enquanto me levanto, com cuidado para não acordar Sam.
Abro a porta e encontro Jessie do outro lado, um sorriso gentil nos lábios.
— Boa noite, Rose. — Ela diz, olhando para dentro da casa. — Vim buscar Sam.
— Entre, Jessie. — Respondo, abrindo mais a porta. — Ele está no sofá, dormindo como uma pedra.
Ela ri suavemente e entra. Enquanto ela se aproxima do sofá para pegar Sam, aproveito a oportunidade para falar com ela. Jessie é minha irmã e minha melhor amiga, e há algumas coisas que preciso discutir.
— Podemos conversar um minuto? — Pergunto, gesticulando para a cozinha, onde podemos ter um pouco mais de privacidade.
Jessie acena, ajustando Sam em seus braços antes de nos seguir para a cozinha. Coloco uma chaleira no fogão, oferecendo-lhe uma xícara de chá.
— Algo está te incomodando, Rose? — Ela pergunta, seus olhos cheios de preocupação.
Suspiro, tentando encontrar as palavras certas.
— É sobre Rick. — Começo, observando a expressão dela mudar levemente. — Não sobre ele especificamente, mas sobre Sariah.
— O que tem a Sariah? — Jessie franze a testa, claramente preocupada.
— Ela não sabe que Rick é o pai dela. — Digo em um tom baixo, para que ninguém mais na sala ouça. — E estou cada vez mais certa de que devo contar a ela, mas não sei como. Nem quando seria o melhor momento.
Jessie toma um gole de chá, pensando cuidadosamente antes de responder.
— Rose, essa é uma decisão difícil, mas quanto mais cedo ela souber, melhor. — Ela diz com suavidade. — Sariah merece saber a verdade, e você sabe disso. — Ela pausa. — O Rick também tem direito de saber.
Sinto a raiva borbulhar dentro de mim.
— Rick não tem nenhum direito de saber. — Digo, mais rude do que pretendia. — Ele me abandonou quando eu estava grávida de meses. Foi embora sem olhar para trás. O único direito aqui é o de Sariah saber a verdade. Ele não merece fazer parte da vida dela.
Jessie assente lentamente, entendendo a minha frustração.
— Entendo, Rose. — Ela diz calmamente. — E você tem toda a razão de sentir isso. Rick pode não merecer saber, mas Sariah merece ter a verdade. Ela tem o direito de conhecer a história dela, mesmo que seja complicada.
Balanço a cabeça, concordando.
— Eu sei. Só... Tenho medo da reação dela. E da reação dele. E se ele não aceitar? Se ele não quiser ser parte da vida dela? — Minha voz diminui enquanto expresso meus medos.
— Você não pode controlar a reação dele, Rose. — Jessie responde, colocando a mão sobre a minha. — Mas você pode estar lá para Sariah, assim como sempre esteve. Ela vai precisar de você, e você tem sido uma mãe incrível para ela. E Kash também. Vocês têm dado a ela tanto amor e apoio.
— Você tem razão. — Suspiro. — Obrigada, Jessie. Eu precisava ouvir isso.
— Sempre, irmã. — Ela sorri, apertando minha mão. — E, não importa o que aconteça, Sariah vai saber que é amada. Isso é o mais importante.
Sam resmunga em seus braços, ainda meio adormecido, e murmura algo que soa como "colo".
— Ele realmente está exausto. — Jessie diz com um sorriso afetuoso, balançando levemente para acalmar o menino.
— Deixe ele aqui, Jessie. — Sugiro. — Ele pode dormir com a gente hoje. Parece que ele precisa disso.
Ela hesita por um momento, mas então concorda, colocando Sam de volta no sofá. Ele imediatamente se aconchega, ainda murmurando em seu sono.
— Obrigada, Rose. — Ela diz suavemente. — Eu vou indo, mas qualquer coisa, me avise.
— Pode deixar. Boa noite, Jessie. — Digo, observando-a sair.
Depois que ela se vai, volto para a sala. Sariah e Kash estão onde os deixei, e me junto a eles novamente, sentindo a tranquilidade retornar.
— Tudo bem? — Kash pergunta baixinho, abrindo os olhos para me olhar.
— Sim. Só precisava conversar um pouco. — Respondo, dando-lhe um sorriso reconfortante.
★
— Tobin, acha mesmo que vai levar quatro semanas? — Escuto o ruivo questionar. O homem dá de ombros sem certeza.
— Foi o que ele disse. — Comenta. — Da última vez que expandiram o muro demorou o dobro disso. — Ele se aproxima, mas muda de ideia e vai até sua mochila. — Pode esperar um pouco? Vou mandar um fax 'pra Cleveland. — Sorri fraco levantando o papel em sua mão.
Abraham concorda e Tobin sai se afastando de todos. Olho para Francine que está em uma escavadeira. Ela sorri acenando com a cabeça, devolvo o cumprimento.
Deixo uma placa de aço na caçamba da picape onde colocamos todas as outras, Abraham está ao meu lado, os outros estão recolhendo outros materiais.
— Você 'tá legal? — Digo ao ver o homem apoiado no carro enquanto respira fundo.
— 'Tô... — Diz incerto. O olho com desconfiança, mas não digo nada. — 'Tô sim. — Se ajeita soltando o carro e é nessa hora, sem nem um aviso, que começa uma gritaria e eu vejo os mortos-vivos saindo do meio do mato e vindo em nossa direção.
— Eles estão vindo! — Alguém grita, mas não consigo identificar quem. Todos nós pegamos nossas armas e começamos a atirar neles. A tensão é palpável, cada tiro ecoando como um trovão no silêncio opressivo do campo.
— Abraham, fica perto! — Grito, tentando manter a calma enquanto disparo contra os mortos-vivos que se aproximam.
Ele assente, recuperando o fôlego e se preparando para a luta. Os zumbis estão mais perto agora, suas faces desfiguradas e corpos em decomposição são uma visão horrível. A adrenalina corre por minhas veias enquanto miramos e atiramos, cada bala um passo a mais na luta pela sobrevivência.
— Concentrem-se! — Abraham grita, assumindo o comando. — Não deixem que cheguem perto!
O grupo se organiza rapidamente, formando uma linha defensiva. Cada um de nós sabe o que está em jogo. Continuamos a disparar, mantendo os zumbis à distância, mas eles são muitos. Cada vez que um cai, mais dois parecem surgir das sombras.
— Roselyn, recarrega! — Abraham ordena, cobrindo minha posição enquanto troco o pente da arma.
— Temos que sair daqui! — Grito de volta, olhando para a picape. — Não podemos segurar essa linha por muito tempo! — No momento em que termino de falar, vejo a escavadeira despencar e Francine cair de lá do alto. — Não! — Todos os zumbis estão começando a fazer um círculo em volta dela.
— Todos se protegendo no caminhão! — Um homem, não me lembro bem do nome dele, sei que já fizemos várias missões juntos, mas ele sempre é o primeiro a correr quando a coisa fica feia.
Ignoro a sua fala e continuo atirando dando cobertura para Francine e tentando ir em direção a ela.
—
Mas e a Francine!? — Abraham corre, porém para no meio do caminho. O homem nega com a cabeça e ele bufa correndo em direção aos zumbis.
— 'Tá cheio deles aí, cara! — Grito. — Espera eu dar cobertura! — Não adianta de nada, já que ele já tem Francine nos braços. Corro me aproximando deles. Abro a cabine de um caminhão e vejo eles virem até mim. — Vem, sobe! — Ajudo a mulher a subir e Abraham faz o mesmo comigo.
Quando penso que ele iria se juntar a nós duas, ele bate a porta e começa a atirar neles falando alguma coisa.
— Esse cara 'tá querendo se matar, não é possível! — Passo por cima da mulher e abro a outra porta vendo o ruivo passar por debaixo do caminhão atirando em todos os mortos e aparecer na minha frente. — Se você quer se matar avisa pelo menos!
Ele solta um ar de riso e me entrega a sua arma.
— Dá essa 'pra Francine e atirem nos de trás enquanto eu dou um jeito nos da frente! — Faço o que ele pediu entregando a ela a arma e começo a atirar nos "bichos". O cheiro de morte arrepia cada pelinho existente em meu corpo.
— Vem, não seja tímida! — Ele diz estourando a cabeça de um zumbi com algo que ele encontrou jogado.
Parece que a cada tiro eles se multiplicam. Não me deixo vencer pelo cansaço, mas cada fibra do meu corpo pede por descanso. Dizem que na adrenalina você não sente nada, pode até ser verdade, mas no momento eu sinto tudo, cada batida, cada dormência do meu corpo me faz querer matar todos esses que estão vindo para tirar a nossa vida da forma mais dolorosa possível.
★
— Então é assim que você faz!? — Abraham empurra o homem contra o carro. — Abandona as pessoas 'pra morrer. — Afirma.
O de blusa listrada o encara como se ele tivesse insultando a mãe dele. Se apoiando no carro ele aponta para nós duas.
— Nos temos um sistema! — Se levanta. — Falem para ele, meninas! Nós... — Antes de terminar a frase, a sua boca já tinha sofrido com o impacto da mão de Francine.
Me assusto, a mulher é tão quieta que eu nunca pensei que ela iria socá-lo tão repentinamente. Não posso mentir, amei ver esse babaca de primeira apanhar.
— Covarde...! — Abraham a encara surpreso, assim como eu.
— Olha... Essa gritaria vai atrair mais deles. — Tobin começa entrando no meio deles e tentando apaziguar a situação. — 'Vamo encerrar e começar de novo amanhã. — Se vira para voltar ao carro.
— Nem a pau! — O de blusa listrada reclama. Com a mão na boca, ele se vira para a mulher ao meu lado. — Francine, você está bem? — Olho para ela que dá de ombros suavemente.
— Ainda tem umas três horas para o final do dia. — Abraham olha para o céu e confirma.
— Eu quero dois vigias. — Olha para os dois homens. — Um na caçamba e um nos caminhões. — Eles assentem. — Vai ser mais que suficiente para saber se tem mais deles vindo. — Mede eles de cima abaixo. — 'Tá na hora de serem homens, andem logo com isso! — Os repreende.
— Temos um muro para erguer. — Relembro. O ex-militar resmunga e nos segue quando eu e Francine nos viramos para voltar a pegar as placas.
★
O sol já está se pondo e a noite está chegando. Nós nos reunimos em frente ao carro. Ofegantes e soados, mas felizes que não aconteceu nenhuma fatalidade e que conseguimos cumprir o que viemos fazer.
— Escutem! — Abraham chama a nossa atenção. — Fizeram um ótimo trabalho hoje. — Olha para cada um de nós. — Agora vamos voltar para Alexandria. Descarregar os materiais e começar a melhorar os muros o mais rápido possível! — Todos eles concordam com a cabeça. — Vamos, todos de volta ao carro. — Sou a primeira a fazer. Sento no banco do carona os esperando entrar.
Vejo que Abraham é um bom líder de missão, mas temo suas ações quando algo sair de ordem, não o conheço, não confio. Aceito suas ordens só até onde não me parece suicidio. Já vi que o grupo dele confia cegamente um no outro, eu não sou assim.
★
O retorno para Alexandria foi silencioso, todos imersos em seus pensamentos. Assim que o carro parou, vi os moradores reunidos, suas expressões tensas e cochichos nervosos flutuando pelo ar.
— O que aconteceu? — Abraham perguntou, descendo do carro. A multidão abriu caminho para ele, revelando um grupo de pessoas ao redor de alguém no chão.
Maggie se aproximou, seu rosto uma máscara de preocupação e cansaço.
— Tivemos problemas no outro grupo. — Ela disse, lançando um olhar sombrio para o corpo no chão. — Perdemos uma pessoa, e outra está gravemente ferida.
Senti meu estômago revirar. Já era difícil o suficiente lidar com os mortos-vivos, mas perder pessoas para outros humanos tornava tudo mais doloroso.
— Quem foi? — Perguntou Abraham, a voz mais baixa.
— Noah. — Respondeu Maggie. — E Tara está ferida. Ela precisa de cuidados médicos urgentes.
— Vamos levá-la para a enfermaria. — Disse Abraham, assumindo o comando novamente. — Todos os outros, continuem com as suas tarefas. Precisamos reforçar os muros o quanto antes.
Enquanto todos se dispersavam, me aproximei de Maggie.
— Como isso aconteceu? — Perguntei.
— Houve uma discussão. — Explicou ela. — Nicolas... ele fez algo estúpido e Noah pagou o preço. Tara se machucou gravemente.
A raiva borbulhou dentro de mim. Esse não era o momento para disputas internas.
— Onde está Nicolas agora? — Perguntei, tentando manter a calma.
— Preso. — Respondeu Maggie. — Rick o colocou sob vigilância até decidirmos o que fazer.
Assenti, sentindo o peso das responsabilidades e das escolhas que precisávamos fazer. Fui até a enfermaria para verificar Tara. Ela estava deitada, pálida e inconsciente, enquanto Kash trabalhava para estabilizá-la.
— Como ela está? — Perguntei, tentando avaliar a gravidade da situação.
— Está perdendo muito sangue. — Disse, sem desviar o olhar de seu trabalho. — Mas farei o meu melhor para salvá-la.
Enquanto observava a luta pela vida de Tara, pensei em Sariah e no segredo que ainda precisava revelar. Jessie estava certa: ela merecia saber a verdade. Mas com tudo o que estava acontecendo, quando seria o momento certo?
— Rose? — A voz de Kash me trouxe de volta. — Vai ficar tudo bem. Vamos cuidar dela. — Sorrio fraco. Quase como uma careta desconfortável.
Assenti, mais para mim mesma do que para ele. Precisávamos cuidar de todos nós, tanto quanto possível.
Saí da enfermaria e fui até onde Abraham estava organizando os reforços dos muros. Ele me viu e se aproximou.
— Como ela está? — Perguntou ele.
— Kash está cuidando dela. — Respondi. — E Noah...?
— Não tem como enterrá-lo. Foi devorado por zumbis.— Disse Abraham, a voz carregada de tristeza. Assenti novamente.
— Precisamos falar sobre o que aconteceu. — Disse, sabendo que a liderança precisaria tomar decisões difíceis nos próximos dias.
— Sim. — Concordou ele. — Mas, por enquanto, vamos focar em manter todos seguros. Amanhã discutimos as consequências.
Enquanto ele se afastava para continuar suas tarefas, senti a pressão das responsabilidades aumentarem. Mas sabia que não estava sozinha. Jessie, Kash e Sariah, todos éramos parte dessa comunidade, lutando para sobreviver e proteger uns aos outros.
E, por mais difícil que fosse, sabia que precisaria enfrentar as verdades e os segredos que assombravam nosso passado. Para o bem de Sariah, e para o bem de todos nós.
Sem ideia de nota.
Boa leitura, votem e comentem, por favor.
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