Epílogo
"Ele tirou e tirou de mim até que eu não
existisse mais. Isso é assassinato."
——— Garota Exemplar
🦋 CALLIE
Eu sentia o cheiro do perfume. Era gostoso. Como chegar em casa após um dia cansativo de trabalho, como aquele limbo entre o sono e estar acordada. Inebriante talvez fosse a palavra certa. O sol esquentava minha pele nua, completamente exposta ao ambiente e em contato com a dele. Meus olhos se acostumam aos poucos com a claridade que tomava conta do quarto, focando na curva de seu nariz, o formato de seus lábios e a marcação de seu maxilar.
Ele parecia encarar algo distante, apesar de não haver nada além da parede na sua frente.
— No que você está pensando? — pergunto, colocando minha mão sob seu peito nu.
Rafe dá um sorriso de canto, se virando para me encarar com seus olhos azuis como o oceano. Pareciam tão claros agora, quase como se fossem irreais.
— Deus — responde, abrindo um sorriso.
Sua resposta me deixa confusa.
— Deus? — repito, tirando o cabelo de sua testa. Era macio e cheirava a xampu apesar do suor grudar alguns poucos fios em sua pele. Seu cabelo já havia crescido?
Minha surpresa parece diverti-lo.
— É — concorda, acariciando meu rosto com seu dedão. — De alguma forma acho que ele fez você pra mim.
Eu dou risada, completamente extasiada com seu pensamento bobo. Deus havia me feito para ele! Que coisa... As vezes eu realmente me sentia assim, em momentos como esse, onde parecia que eu estava exatamente no lugar onde deveria estar. Onde seu cheiro impregnava cada parte de meu corpo que se entrelaçava no dele como um nó.
— É sério — Rafe insiste, franzindo as sobrancelhas.
Uso meus dedos para acariciar seu rosto, indo do queixo pro maxilar e então a boca. Lindo.
— Bem, então devia agradece-lo — murmuro em resposta.
Rafe abre um grande sorriso, me olhando como se eu fosse a coisa mais importante de sua vida. A maneira como esse olhar fazia com que eu me sentisse me dava a certeza de que eu era invencível.
— Eu agradeço. Todos os dias.
Mas isso não era verdade.
Acordo me sentindo exausta, como se a noite tivesse sido mais longa do que deveria... O que talvez tivesse acontecido, de fato. A primeira pessoa que vejo assim que saio do quarto é Topper, sentado na mesa da cozinha com uma xícara em mãos. Ele sobe seus olhos até os meus e abre um sorriso, aquele sorriso de quem sempre tem algo a dizer. Em nossos meses de convívio descobri que ele era um tanto tagarela.
— Sua cara está péssima — ele disparou, direto como sempre. Mas apenas com os íntimos.
Revirei os olhos e murmurei:
— Bom dia pra você também, Top.
Dei de ombros, me jogando em uma das cadeira da cozinha. Observo os pães dispostos na mesa e pego um deles, tinha um cheiro bom e parecia ser de cebola. Não comer não era mais uma opção desde que me mudei pro apartamento do Topper, ele ficava de olho em mim como uma águia. Minha meta era voltar ao meu peso normal — e estive fracassando nos últimos meses.
— Bom dia — ele diz, soando debochado. — Teve outro pesadelo?
Assinto.
— É. Mais ou menos isso.
Ele franziu o cenho, observando-me como fazia quando queria entender algo que eu não dizia. Talvez na cabeça dele ele achasse que se a concentração fosse o suficiente ele seria capaz de ler minha mente.
Nos aproximamos muito no último ano e Topper acabou se tornando a única pessoa com quem pude contar agora que estou tão longe de casa. Morar com meus tios numa cidade tão chuvosa não ajudou a melhorar meu bom humor, então juntei minhas coisas e vim pra Atlanta fazer faculdade enquanto sou bancada por minha mãe... A Callie de anos atrás surtaria com a ideia mas agora eu tinha preocupações maiores do que viver em guerra com minha mãe.
Claro, ter um emprego havia se tornado difícil graças a minha dificuldade de sair de cama e manter contato com as pessoas sem surtar ou chorar. Então eu meio que não tive outra escolha. Minha mãe até mesmo pensou em contratar uma babá para vir todos os dias mas Topper acabou oferecendo que eu morasse com ele, o que foi bem melhor.
Era menos humilhante dizer que ele tomava conta de mim do que toda a história da babá.
— Sem gritos dessa vez — ele comentou, com um tom que misturava bom humor com preocupação.
Desvio o olhar, me sentindo envergonhada por sempre estar dando tanto trabalho a ele.
— Uhu, estou evoluindo — murmuro, tentando fazer graça mas sem usar nem um pouco de humor no meu tom de voz.
Topper não ri.
— Não seja tão dura consigo mesma — disse ele, numa suavidade que quase me desarmou.
— Você sempre diz isso — retruquei, tentando não demonstrar o quanto aquelas palavras mexiam comigo. Ele se importava muito e isso me deixava puta, eu não queria que ninguém se preocupasse.
Apesar de que talvez eu precisasse mesmo de um pouco de preocupação. Agora eu já conseguia ficar um dia sem chorar, eu comia pelo menos três vezes ao dia e dormia umas cinco horas por noite. Mas ainda não acho que tenha me encaixado no padrão que todos esperavam. Era um progresso um tanto lento.
— E nunca adianta — ele rebateu, cruzando os braços e se pondo de pé. — O JJ ligou, pediu pra você retornar.
Levantei a sobrancelha, surpresa.
— Ele disse o que queria?
— Algo sobre o Natal.
Assenti.
— Certo.
Ele me olha, parecendo avaliar algo, mas o que quer que seja não despertou nenhuma preocupação. Tento dar o meu máximo para aparentar estar bem.
— Vê se come direito e não se atrasa pra consulta — disse, naquele tom quase paternal que ele usava sempre que achava que eu precisava de um empurrão. A parte chata é que eu sempre precisava de um empurrão.
Eu dei um meio sorriso, tentando disfarçar a irritação e o conforto que senti ao mesmo tempo.
— Pode deixar, papai — resmungo, soltando um pouco de minha acidez inevitável em meu tom de voz.
Ele riu, sem levar pro pessoal, enquanto colocava sua mochila nas costas. Pego a cafeteira, o observando enquanto destrancava a porta.
— Amo você, loirinha.
Eu franzi o cenho quando percebi que a cafeteira era estava vazia. Que tipo de amor era esse?
— Você tomou todo o café! — exclamei, indignada.
Ele deu um sorriso culpado, já passando pela porta.
— Eu precisei. Ah, não esquece do bar hoje à noite, aniversário da Holly.
Topper não consegue ver a careta que surge em meu rosto. Maldita hora que eu concordei com isso. Era tudo culpa da Holly! Ela tinha aqueles lindos olhos verdes e o cabelo ruivo e aquela vozinha fofa que me convencia a qualquer coisa.
Certo, o café dessa vez ia ficar pra depois. Não faria bem nenhum ao meu estômago de qualquer maneira.
Uso meu celular para chamar o número de JJ, ligando várias vezes até que ele me atenda. Eu dei o meu antigo celular pra ele, temendo que sua irresponsabilidade financeira nos impedisse de manter contato. Tive que pedir a John B e Pope para ajuda-lo tentar ao máximo preservar o telefone, senão eles teriam que ir até o meu pai para falar comigo.
Isso foi o suficiente para convencer o John B. Meu pai ainda estava bastante desconfiado sobre ele.
— Alô?
A voz de JJ veio clara do outro lado da linha, carregada de um humor provocativo que parecia nunca abandoná-lo, mesmo pela manhã.
— O que você quer? — perguntei.
— Que grosseria logo pela manhã, hein?
Suspirei, deixando o peso da noite mal dormida transparecer.
— Estou com sono.
— Ainda não tem dormido bem?
Parei por um momento, sem saber se devia explicar ou não. Acabei optando por uma resposta vaga:
— Eu só estou com sono, J.
Ele riu do outro lado, mas logo mudou o tom.
— Certo. Agora me diga por que comprou uma passagem pra mim?
Revirei os olhos, já esperando aquele questionamento.
— Nós dois sabemos que você não tem a mínima capacidade de juntar dinheiro, então estou te poupando do esforço.
— Você sabe que não precisava, né?
— Eu sei, mas eu quis. E, além disso, meu pai não conseguiria suportar a viagem pra cá sozinho.
— Nos vemos no dia 20, então?
Senti um calor no peito ao ouvir aquilo, mesmo com a leveza da conversa.
— Estou tão feliz que você vem. Como estão as coisas aí? Acharam algum ouro?
— Sempre achamos, pegar é a parte difícil.
Dou risada.
— Droga. Estava querendo um bom presente de Natal.
— Vou ficar te devendo essa, mas juro que vou pensar em algo pra compensar.
Sorrio, porque com JJ era sempre assim. Ele prometia, e de alguma forma, mesmo que de maneira atrapalhada, cumpria.
— Eu sei que vai.
Ele fez uma pausa antes de perguntar, num tom mais cuidadoso:
— O Topper não vai estar aí, né?
Rolei os olhos, já esperando esse comentário.
— Ele vai pra ilha passar o feriado com a família. Parece até que vai levar a Holly.
— Que bom.
Havia um alívio claro na voz dele, como se a simples menção de Topper lhe causasse desconforto. Eu não gostava de toda essa implicância entre eles mas minha opinião sobre a moral das pessoas não era muito válida ultimamente.
— Não sei por que tanta implicância com ele — murmuro, não conseguindo controlar minha língua.
— É simples. É o Topper.
Dei uma risada curta, mas não deixei passar.
— Ele foi uma grata surpresa, sabe? Não sei o que teria sido de mim sem ele.
— Vou acabar ficando com ciúmes.
A provocação dele me fez sorrir.
— Você sempre terá seu lugar mais do que especial, JJ.
Ele riu suavemente, mas logo voltou ao tom sério.
— Depois me conte sobre a consulta, certo?
— Pode deixar. Mais tarde ligo pra você e pro papai.
— Essa é uma boa desculpa para que eu jante lá — ele observa.
— Aproveite.
Houve um momento de silêncio confortável entre nós antes de ele falar novamente.
— Estou com saudade.
Senti a garganta apertar.
— Eu também... Manda um beijo pro pessoal.
— Pode deixar — prometeu. — Se cuida.
A ligação terminou, mas a voz dele ainda ecoava na minha cabeça, me aquecendo de alguma forma.
O caminho até a psicóloga pareceu interminável. Eu sempre sentia isso quando estava a caminho do consultório. Sempre havia algo guardado, algo que tentava evitar pensar, mas que ela, de algum jeito, sempre fazia questão de trazer à tona. Eu entendia que esse era o trabalho dela mas após o último ano eu havia cansado de falar sobre o que aconteceu.
Todos as palavras foram ditas, todas as lágrimas foram choradas. Tudo que havia restado era... O resto.
A chuva fina pingava nas janelas do ônibus e eu tentava focar no som da cidade para evitar que meus pensamentos me assombrassem. Era o que eu sempre fazia: evitava pensar. Qualquer um se surpreenderia ao ver o quão boa eu fiquei nisso, afinal, era a única coisa que eu praticava todos os dias.
Na sala de espera os minutos se arrastam. O som do relógio, os passos abafados da secretária, o ruído distante de alguém falando ao telefone – tudo me deixava tensa. Já faziam alguns meses que eu não vinha até aqui e pelo visto quanto mais tempo eu passava sem falar sobre o que aconteceu, menos horas de sono eu tinha. Então não me restou muitas alternativas... Principalmente com o quarteto-fantástico pegando no meu pé.
Minha mãe, meu pai, Topper e JJ pareciam se dar muito bem quanto o assunto era pegar no meu pé.
Respiro fundo e me levanto quando ouço meu nome ser chamado, acompanhando a secretária até o consultório de Jessica Evans. Terapeuta... Minha terapeuta. Ela me recebe com aquele sorriso calmo, quase gentil demais para a crueldade que ela costumava fazer comigo, me obrigando a reviver aquela noite várias e várias vezes.
Parecia haver algo que ela tentava arrancar de mim, algo que nem eu mesma sabia o que era.
Me sento na poltrona, a encarando sem nenhum bom humor. Por mim podíamos ficar nos encarando pra sempre sem nenhum problema, isso na verdade já havia acontecido algumas vezes.
— Então, Callie. Como vai?
Sua voz era acolhedora, mas após tantos encontros entre nós ela não me enganava mais.
— Bem — respondi, tentando soar casual, tentando falar sobre coisas mais cotidianas. — A faculdade é... Ocupa boa parte do meu tempo e da minha cabeça, então...
Ela assentiu devagar, estudando meu rosto.
— Já faz um tempo que não aparece.
Desviei o olhar, mexendo nos anéis dos dedos.
— É. Estou fazendo o que você disse, lidando com as coisas.
Ou a evitando... Ela podia escolher qual opção a agradava mais. A expressão dela não mudou.
— Sabe que não foi isso que eu quis dizer.
Fechei os olhos por um segundo, deixando escapar um suspiro.
— Eu sei — admito.
— E os sonhos...?
Abri a boca para responder, mas as palavras ficaram presas. É preciso alguns segundos para que eu consiga produzir uma resposta.
— São menos frequentes. A voz parece diferente agora e o cheiro... — engoli em seco — Só o cheiro do sangue.
Ela inclinou a cabeça, como se quisesse me puxar para um lugar que eu evitava.
— Então ainda tem algumas dificuldades.
— Eu... — minha voz tremeu, mas logo me recompus. — Posso lidar com meus problemas sozinha. Eu não quero mais fazer isso.
— Algum problema comigo?
Fui rápida na resposta, quase defensiva.
— Não, tá legal? Não é nada com você. É... Meu pai e o JJ insistiram para que eu viesse, e... Eles só vão sair do meu pé se você me liberar.
Era pra isso que eu havia vindo até aqui, para tentar convencer Jessica a me dar alta e me livrar de vez dessa tortura semanal. Ela me encarou com paciência, um olhar que parecia atravessar minhas barreiras.
— Acha que está pronta pra isso?
Revirei os olhos, tentando soar mais firme do que me sentia.
— Eu passei muito bem meus últimos três meses sem você.
Não tão bem assim mas pouco me importava dormir mal se em contrapartida eu estivesse livre dela. Até mesmo suas roupas extravagantes e seu corte de cabelo me irritavam agora. Jessica ergueu uma sobrancelha, observando-me como quem sabe mais do que quer dizer.
— É? — indaga, retoricamente. — Isso é uma coisa boa, apesar de perceber que ainda está bem magra. Como está a alimentação?
Como se isso fosse da conta dela. Ela era terapeuta ou nutricionista? Sua pergunta me irritou, mas mantive o tom casual.
— Posso garantir que estou comendo muito bem.
Ela suspirou e ajustou os óculos, anotando alguma coisa no seu maldito tablet. Que vontade eu tinha de atira-lo pela janela. Pela maneira que se comportava eu sabia que vinha mais. Sempre vinha.
— Callie... Sei que não quer mais falar sobre isso, mas não sei se já chegamos num ponto onde posso liberar você — constata, me olhando nos olhos. — Você se lembra de como era quando começamos?
Eu não me lembrava de muita coisa mas as sensações... Elas estavam sempre aqui.
— Eu me lembro, mas... Eu não quero mais falar dele — insisto, sentindo meu lábio inferior tremer. — Toda vez que me sinto bem, alguma coisa acontece e me lembra ele, e... Eu sinto tudo de novo.
— Você sente falta dele.
É impressionante o quanto um terapeuta ganha para constatar o óbvio. Suas palavras eram como um golpe baixo e apesar de serem verdade eu não me prendia mais a isso.
— Eu sinto falta de mim — a corrijo, com a voz baixa.
A sala ficou em silêncio por um momento, o peso de minha confissão pairando entre nós. Só então percebo que nunca havia dito aquelas palavras em voz alta.
— Fale sobre isso — ela disse, sua voz calma, mas firme.
— Eu... Eu vejo o rosto dele, ouço sua voz e tenho uma certeza profunda de que o amo tanto, de que faria qualquer coisa para tê-lo de volta. Então... Eu acordo.
Ela inclinou-se ligeiramente para frente, esperando.
— E?
Eu apertei as mãos, tentando me segurar como se pulasse de um precipício, tentando entender exatamente quais eram os sentimentos que me consumiam em momentos como esse. Eu acordava e não conseguia voltar a dormir, como se algo martelasse em minha cabeça. Era mais do que apenas a morte, era... Remorso.
— E me sinto culpada — constato.
— Pelo quê?
O cheiro de sangue invade meu nariz.
— Eu não sei — sou rápida em responder, sentindo meus olhos lacrimejarem. — Não faz sentido, eu sei.
— Na verdade, acho que ainda não percebeu a maneira que realmente se sente. Por que acorda e se sente culpada, Callie?
As lágrimas começam a escorrer de meu rosto enquanto meus sentimentos entram em conflito dentro de mim. Eu sempre voltava aquele momento, o momento onde entrei na viatura e o cheiro de sangue se impregnou em meu nariz. O precipício agora parece maior, fazendo com que meus dedos apertem ainda mais o braço da poltrona.
— Por não ter conseguido impedi-lo? — questiono, sem ter certeza do que dizia.
Ela balançou a cabeça devagar.
— Você sabe que não é isso.
Olhei para ela, tentando encontrar as palavras certas, mas tudo que saía era confuso, caótico.
— Eu não sei, tá legal?
— Só vai conseguir deixar tudo pra trás se for verdadeira consigo mesma — ela prossegue, me encarando com seus olhos afiados como facas. — Por que se sente culpada?
Senti o sangue subir ao rosto, a raiva e a dor se misturando. Tento me lembrar do exato sentimento que se apossou de mim ao entrar naquela viatura, a sensação que tomou conta de todas as minhas células enquanto era levada até a delegacia.
Alívio.
— Porque me sinto bem quando acordo — admito, minha voz saindo com mais raiva do que pretendia. — Era isso que você queria ouvir? Eu me sinto bem porque não tenho mais que secar as lágrimas que escorriam de seu rosto ou passar a mão na sua cabeça quando ele estava errado ou fingir que não via todos os seus inúmeros erros.
Minha voz estava alta agora, trêmula, mas não consegui parar.
— Me sinto bem por não ter que destruir cada pedacinho da minha alma numa tentativa falha de curar a dele. Me sinto bem por não ter mais que amá-lo, por não ter que estar ao seu lado — faço uma pausa, tentando recuperar o fôlego. — Me sinto bem porque minha única obrigação agora é não perder o horário da primeira aula.
Acordar era como a porra de um paraíso e eu me odiava por isso.
— Eu sei que isso me faz uma pessoa horrível...
Jessica balançou a cabeça, seus olhos suaves.
— Não faz.
É a minha vez de balançar a cabeça, dispensando suas palavras de conforto. Não havia conforto nenhum nisso.
— Eu o amava. Eu ainda amo, mas... — respiro fundo, tentando firmar meu tom de voz. — Eu me pergunto onde estaria se ele ainda estivesse aqui. O quão baixo eu já teria chegado. Eu sei que ele me amava com todo o coração mas o que tínhamos não era amor. Por mais que doa não tê-lo, eu tenho a mim agora. Eu acho que essa é a única pessoa de quem realmente preciso.
Minha voz vacilou, mas continuei.
— Eu nunca amei tanto alguém assim e não sei se algum dia vou sentir esse tipo de amor novamente. Mas ao mesmo tempo... Ninguém nunca me fez sentir tão... Tão... Como se eu não fosse merecedora de amor. E eu acho que eu mereço.
Nós ficamos em silêncio, nos encarando em compreensão mútua. Pela primeira vez, eu me permiti sentir tudo aquilo sem me desculpar por isso. Sem me odiar por isso. E, pela primeira vez, senti que talvez, só talvez, pudesse começar a me perdoar.
Notas da Autora
Obrigada a cada um de vocês que acompanhou essa história até aqui!
Eu tive essa ideia e escrevi alguns capítulos no começo de 2022, logo após ter saído de um relacionamento abusivo.
Só consegui postar anos depois.
Foi pessoal pra mim retratar a Callie como uma garota que deixou seu amor por Rafe a cegar completamente diante das péssimas atitudes que ele tinha. Abusivas não só fisicamente como psicologicamente. A mais pura forma de manipulação.
Em algum ponto o amor que sentimos por outra pessoa pode afetar completamente nossa maneira de pensar, nosso bem estar e principalmente nos prender em uma situação que sabemos que nos faz mal. É autodestruição.
Acredito que atingi meu objetivo por ter lido principalmente a palavra burra nos comentários que se referiam a Callie.
É o que qualquer garota do mundo pensaria de si mesma quando se visse livre de uma situação dessas.
Espero ter conseguido retratar a Callie da maneira que ela merece, da maneira que cada uma de nós, que já nos odiamos por amar alguém merecemos.
Com carinho.
Abraços,
Julieta.
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