9. Belas pernas
🦋 CALLIE
Eu sentia ele.
Seu cheiro infiltrado em meu nariz e sua pele quente contra a minha me despertando em um misto de sentimentos tão intensos que me deixavam maluca. Eu nunca havia sentido isso, essa tamanha felicidade por estar viva e gratidão pelo dia que ainda estava por vir. Era assustador sentir tanta felicidade por conta de uma única pessoa, desesperador que ela tivesse tanto poder...
Seu braço comprido estava por cima de mim e era pesado e muito quente mas me trazia segurança. Estávamos nus, suas costas cobertas de pintas estavam expostas enquanto ele ressonava tranquilo ao meu lado. Não costumava vê-lo desse jeito... Tão relaxado e em paz, parece que esses momentos eram os únicos que seu cérebro tinha de descanso e eu estava feliz por estar presente.
Observo seu rosto relaxado, a boca entreaberta e a curva perfeita de seu nariz. Tão lindo. Como se lesse meus pensamentos o canto da boca de Rafe sobe, em um sorriso de lado. Fico vermelha.
— Está me olhando? — pergunta, ainda de olhos fechados.
Desvio o olhar e puxo o lençol para cobrir meus peitos.
— Não.
— Está sim — Rafe insiste, me puxando pra si.
Ele percebe minha expressão envergonhada e beija minhas bochechas, sorrindo pra mim. De repente sinto que não conhecia maneira de acordar melhor do que essa.
Nós tomamos banho juntos enquanto Rafe resmungava por eu ter que ir trabalhar, já que aparentemente na cabeça dele o dinheiro caía do céu. Mesmo correndo risco de me atrasar deixo que ele me faça sua no chuveiro, não conseguindo resistir aos seus dedos e ao seu sorriso. Ele parecia estar com o humor tão bom que se transmitia pra mim.
Fazemos sanduíche e subimos em sua moto perto do horário do almoço, ainda correndo risco de me atrasar. Rafe ultrapassa pelo menos 3 sinais vermelhos mas cumpre com o prometido, me deixando em frente o Malone's meio dia em ponto. Ele se despede, dizendo ir até a casa de Topper e no meio da tarde volta com ele e o tal Kelce a tiracolo.
Ambos me cumprimentam quando me veem e fico satisfeita ao ver que não haveriam piadinhas no dia de hoje. Me contento em servir minhas mesas e sorrir pra Rafe sempre que o pegava olhando pra mim. Ele e seus amigos estavam do lado de fora, perto dos equipamentos de golfe e discutiam amigavelmente sobre alguma coisa. Rafe parecia tranquilo.
Sinto esperança por nosso futuro, seja ele qual for.
Mas minha esperança é arruinada dentro de minutos, no exato momento em que Barry cruza a porta. Tento não derrubar as bebidas em minha bandeja enquanto via ele se aproximar de Rafe e decido que pro bem do meu emprego era melhor manter a distância. Rafe decide isso também e puxa Barry pro lado de fora, Topper indo atrás dele.
Meu estômago se revira e peço cobertura a Julie, a garçonete que estava dividindo tarefas comigo hoje. No momento em que ela assente praticamente saio correndo pro lado de fora. Rafe, Barry e Topper pareciam no meio de uma discussão acalorada.
— Rafe? — grito, chamando sua atenção. — Que porra é essa?
Barry ergue os olhos pra mim, abrindo um sorriso grande como de um tubarão.
— E ai gatinha. Belas pernas.
Fecho a cara no exato momento em que Rafe estala um soco na cara dele. Barry pula pra cima de Rafe, fazendo com que eu e Topper fossemos em direção a eles.
— Eu vou matar você Cameron! — Barry grita.
Rafe o empurra e eu me preparo pra tentar defende-lo se for preciso. Topper entra no meio dos dois e tenra mante-los afastados.
— Olha cara, foi mal eu... — Rafe murmura, passando a mão pelo cabelo. — Você falou da minha namorada, porra.
Namorada.
— O que estão querendo com isso, an? — Barry indaga, inflando o peito e tentando avançar. — Tenho cara de palhaço pra algum de vocês?
— Pra mim tem — respondo de prontidão.
Os três me encaram na mais pura descrença.
— Se não calar a boca dela eu garanto que vou fazer ela se arrepender — Barry grita.
Eu não tinha medo dele mas algo dizia que eu deveria ter.
— Callie, cala a boca — Rafe diz, apontando pra mim.
Cruzo os braços como uma criança emburrada me sentindo horrível por ele ter falado comigo daquele jeito. Topper me puxa pela mão e se coloca na minha frente em uma posição protetora, isso me surpreende.
Barry se vira pra Rafe, apontando seu indicador pra sua cara.
— Se não der um jeito na sua irmã a coisa vai ficar feia, muito feia pra todos vocês. Deu pra entender? Eu tô tentando ser bonzinho mas deixa eu contar um segredo, eu não gosto de ser bonzinho. Deu pra entender, porra?
Sinto vontade de gritar palavrões e chutar a cara dele. Quem ele pensava que é pra chegar nos lugares e tratar as pessoas desse jeito? Grande traficante de merda...
— A gente vai resolver isso — Rafe garante, tentando passar confiança.
— É o que eu espero.
Observamos em silêncio enquanto Barry sobe em sua moto e se afasta. Topper e Rafe se entreolham, parecendo ter uma conversa com olhares que definitivamente me excluía. Isso me irrita ainda mais.
— O que está acontecendo?
Rafe reflete por alguns segundos antes de me responder.
— É a Sarah, parece que ela roubou o Barry ou algo do tipo...
— A Sarah? — pergunto, incrédula. — Roubou pra quê?
A não ser que ela faça parte daquele curioso grupo de Kooks que rouba por esporte.
— Só pode ter a ver com o John B — Topper diz, me fazendo lembrar porque eu o odeio.
— Agora a culpa é dos meus amigos? — me exalto.
— De quem mais seria porra? — Rafe rebate, fazendo com que eu engula em seco. — Ela começa a andar com eles e subitamente começa sua série de delitos pela cidade... Não seja burra, não fode.
Meu lábio inferior treme enquanto todas as palavras escapavam da minha boca. Aquela mágoa volta a tomar conta de mim, mágoa pelo tom de voz e por todos os palavrões e... Eu não queria que ele falasse comigo assim.
— Eles não fariam isso... — murmuro.
— Eu não vou discutir isso com você. Se quer viver no seu mundo de fantasias por mim tudo bem.
Meus olhos começam a arder.
— Por que está falando comigo desse jeito?
— Porque está defendendo o que não tem defesa Callie! — grita, erguendo os braços. — Se é burra o suficiente pra acreditar que seus amigos não tem nada a ver com isso tudo bem, mas não vai me convencer do contrário.
Topper troca seu olhar entre Rafe e eu, parecendo perceber o quanto me magoei o que só aumenta minha vergonha. Rafe parecia perdido em seus próprios pensamentos e nem olhava em minha direção.
— Vamos — Topper diz a Rafe, dando dois tapas em seu ombro.
Rafe concorda.
— Aonde você vai? — pergunto, preocupada com o que ele pode decidir fazer.
— Atrás da Sarah. Preciso resolver isso antes que o Barry decida retalhar.
— Não vai se meter em confusão né?
Seus olhos se cruzam com os meus em uma mistura sinistra de mágoa e violência.
— Não vou deixar ele machucar você.
— Dá pra ir logo? — Topper interrompe.
Tento segurar a mão de Rafe mas ele é rápido em desviar, indo pra cima de sua moto. Topper, que já estava em cima da sua, coloca o capacete.
— Rafe! Diz pra mim que não vai se meter em confusão! — eu peço, pensando se deveria subir naquela moto também.
— Você fica linda brava — é o que ele diz, colocando o capacete.
— Rafe!
— Te vejo mais tarde.
Observo enquanto os dois aceleram com suas motos e somem pela esquina. Sinto meu coração acelerar e uma pontada atingir meu estômago, aquele sentimento de que tudo dará errado invade cada um dos meus nervos. Por que as coisas não podiam ser apenas... Normais?
— Mas que merda... — murmuro, dando de ombros.
— Callie! — o senhor Blood grita, da porta do Malone's.
Me apresso em ir na sua direção.
— Desculpa senhor Blood... — digo, um pouco esbaforida. — Teve uma confusão e fui afastar eles dos clientes. Conhece os Kooks né.
Ele abre um sorriso.
— Eles não são fáceis.
— Não mesmo — concordo, num tom de voz triste.
🦋
Esperei a tarde inteira e metade da noite. Meu turno no Malone's acabava as oito e nenhum sinal de Rafe. Eu estava sem minha bicicleta e o próximo ônibus demoraria uma hora pra passar então decido ir andando. Demora mas eu sentia que precisava disso, dar um pouco mais de tempo pra ele aparecer.
As nove, quando chego em casa, não há nenhum sinal de Rafe. Meu pai me conta sobre seu dia e sobre os trabalho na marcenaria enquanto eu o observava comer a macarronada que havia trago do Malone's, eu não comi, estava sem fome. Já as dez, quando subo pro meu quarto, tenho a total certeza que Rafe não apareceria e uma melancolia absurda me atinge. Um aviso de que tranquilidade e Rafe Cameron definitivamente não combinavam.
Não sei quanto tempo passei encarando a televisão enquanto rolava um filme lotado de explosões. Rafe entra pela porta, sem nenhuma cerimônia.
— Você demorou — murmuro, desligando a televisão.
Rafe nem me olha nos olhos, indo direto ao frigobar e pegando uma lata de cerveja. Ele abre e dá um bom gole.
— Fiquei um tempo com o Topper.
— O que você fez?
— Nada.
Mordo meu lábio inferior, tentando controlar as palavras que ameaçavam sair de dentro da minha boca. Me sentia enganada e excluída, magoada. Apoio meus joelhos na cama na intenção de me impor um pouco mais.
— Rafe, eu não estou com paciência e não estou brincando — digo, me exaltando. — O que você fez?
— Nada, porra! — grita, me encarando com seus olhos irados. — Dá pra parar com as perguntas e parar de gritar na porra da minha cabeça?
— Então devia parar de se comportar como criança!
— Não consegue confiar em mim uma única vez?
Não. Eu não ia cair nessa. Eu não ia me sentir culpada por isso, eu não tinha feito nada demais eu só queria a verdade. Só a verdade.
— Eu só quero saber o que aconteceu.
Consigo ouvir sua respiração profunda.
— Nada. Eu fui falar com a Sarah e ela estava escorregadia como um peixe. Ela me chamou de psicopata, eu subi na moto e fui fumar um baseado com o Topper. Nada além disso.
Sua expressão parece magoada, irada, quase animalesca. Eu queria que ele viesse até mim, se aconchegasse em meu colo e me abraçasse até que nos sentíssemos inteiros. Eu não devia ter sido assim tão incisiva.
— Me desculpa — murmuro.
Isso não causa o efeito que eu esperava.
— Por que está sempre esperando o pior de mim? — grita, largando a lata de cerveja em um baque alto em cima da mesa. — Quer saber? Eu estou acostumado com esse comportamento vindo do meu pai mas não vou aguentar de você.
Rafe dá de ombros e começa a juntar suas poucas coisas espalhadas pelo quarto, de modo a colocar tudo dentro de sua mochila. Meu coração para por um segundo.
— O que está fazendo?
— Indo embora — responde, continuando a juntar tudo. — Eu não vou ficar aqui se você não confia em mim.
Me ponho de pé.
— Você não tem pra onde ir!
— Qualquer lugar é melhor do que aqui — diz, se virando pra mim. — Porra, o que você quer que eu faça pra perceber que estou sendo sincero com você?
— Me desculpa — digo novamente, sentindo as lágrimas se acumularem em meus olhos.
— Eu fiz tudo que eu podia pra mostrar que me importo com você. Pra mostrar que quero estar com você e... Nunca. É. O suficiente.
Ele se estapeou pelo menos cinco vezes enquanto dizia essa frase fazendo com que meu corpo se preenchesse de culpa e as lágrimas escorressem como torneiras por meu rosto.
— Rafe, você está me assustando — murmuro.
— Eu não me importo.
Rafe pega sua mochila e segue em direção a porta ativando instintos de desespero que nunca imaginei ter.
— Não vai embora assim — peço segurando seu braço. — Por favor.
Ele tira minhas mãos dele com violência.
— Preciso de um tempo.
Desço as escadas atrás dele, pensando em algo que eu pudesse dizer que consertasse isso. Que mudasse sua opinião e que o fizesse ficar. Qualquer coisa. Eu só não queria que ele fosse embora, não assim, não levando meu coração com ele.
— Rafe! — eu grito, querendo que ele pare.
Mas ele não para. Sobe em sua moto rapidamente, nem se importando em colocar o capacete, e arranca pela estrada sem pensar duas vezes. Um soluço escapa de minha boca.
— Que gritaria é essa?
Ótimo, agora a última pessoa que eu queria que visse isso estava aqui.
— Nada pai — murmuro, tentando secar minhas lágrimas sem nenhum sucesso.
— Aquele era o garoto Cameron? — pergunta.
— Não.
Meu pai ergue meu queixo com sua mão, demonstrando compaixão ao ver meus olhos tomados por lágrimas. Ele me abraça com seu corpo esguio e choro em seu peito tentando fazer com que toda a dor suma. Em seus braços eu sempre me sentia melhor, se havia uma pessoa no mundo que poderia melhorar isso seria ele.
— Ei, ei. O que houve? — pergunta, acariciando meu cabelo.
— Ele me odeia — respondo, entre um soluço e outro.
— Ah querida, isso não é verdade.
— É sim.
Seu abraço acolhedor se torna sufocante no momento em que percebo que estar em seus braços não melhorou minha situação. Eu ainda me sentia em pedaços e papai não poderia curar isso, não dessa vez. Não era como quando os Kooks da escola fizeram piada comigo ou quando os garotos se negaram a me beijar alegando que eu era magricela. Era diferente. Era uma ferida que seu amor não podia mudar.
— Quer me contar o que aconteceu? — pergunta, enquanto eu me afasto.
Minha visão turva permite que eu veja apenas algumas sombras do seu rosto.
— Não — nego, dando de ombros. — Eu preciso ficar sozinha.
Praticamente corro escada acima, de volta ao meu canto, de volta ao meu lugar. Quem sabe sozinha eu pudesse pensar em uma maneira de mudar isso.
— Callie!
Oi gente! Apesar de já ter escrito 80% dessa história devo acabar fazendo uma pausa. Não tenho muita certeza se alguém está lendo e até agora a história só teve um comentário :(
Enfim, se alguém ler até aqui dá um oi pra eu saber.
Abraços, Julieta.
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