32. É assim que acaba

🦋 CALLIE

Observo com atenção o brilho da manhã invadindo a janela e iluminando toda minha cama, aquele sol radiante que esquentava as paredes e transformava o quarto num forno. Mas era o meu forno, da minha casa, na minha ilha. Só que em breve não seria mais. Esse pensamento me atormentava desde que tomei a decisão de partir pra longe daqui e não só por ter sucumbido a ajuda de minha mãe, mas por saber que deixaria muito pra trás.

Principalmente meu pai.

Ele não ficou satisfeito é claro mas conseguiu entender. Já JJ me prometeu ajuda-lo caso fosse preciso mas meu pai insistiu que ficaria bem sem mim. Eu mandaria dinheiro todos os meses por mais que ele garantisse que não era necessário.

Seattle não era a melhor escolha para uma garota que passou sua vida toda numa ilha, mas iria servir. Talvez uma mudança radical de ambiente seja realmente necessária para me desprender de vez de toda a confusão que envolvia Outer Banks. E Rafe Cameron...

Surpreendentemente minha mãe se mostrou um tanto disposta a ajudar e se esforçou para conseguir com que eu me mudasse o mais rápido possível. Minha tia Carmen vivia em Seattle há anos, morando com seu marido e neurocirurgião Paul, que pareciam felizes em me receber. Eles não tinham filhos, nunca conseguiram e eu me lembrava de gostar bastante deles quando era criança então acreditava que não seria um problema.

Eu teria um emprego e estudaria nas horas vagas, isso ocuparia minha cabeça o suficiente para não pensar em voltar.

Suspiro e enfio meu álbum de fotos dentro da enorme caixa de papelão. Eu iria precisar dele...

— Você tem certeza? — JJ pergunta, provavelmente pela décima vez desde que tomei essa decisão.

A resposta era sempre a mesma.

— Na verdade não.

Ele sobe seus olhos até os meus, fazendo com que meus dedos automaticamente parem de funcionar. Afasto minha mão da caixa a minha frente.

— Podemos resolver isso aqui... Você sabe não é?

— Eu não acho que eu possa — sou sincera, tanto com ele quanto comigo.

Já havia ficado claro que não tinha chance de eu e Rafe convivermos de alguma maneira. Seu comportamento além de ser prejudicial a si mesmo era também prejudicial a mim. Havia algum tipo de cola mágica e grudenta que me prendia a ele de maneiras que ainda eram difíceis de definir. Eu não queria mais testar isso, não queria ver até onde podia dar, só queria me afastar o mais rápido possível.

Eu tinha medo do quão fundo eu poderia chegar se continuasse nessa ilha.

— Eu acho ótimo que esteja indo, vai ser bom pra você — minha mãe diz, se intrometendo em nossa conversa.

JJ e eu reviramos os olhos ao mesmo tempo.

— Mas eu não te perguntei — rebato, voltando a dobrar minhas roupas dentro da caixa.

— Seattle é meio longe — JJ prossegue, ignorando o comentário de minha mãe. — E chuvoso.

É claro que ele odiava a ideia da mudança. Nós estivemos juntos por muitos anos, nos altos e baixos mas sempre unidos de alguma maneira, buscando se apoiar. E agora... Bem, Seattle era mesmo bem longe mas cinco mil quilômetros não eram o fim do mundo.

Na minha cabeça só tinha que ser distante o suficiente para que Rafe não me encontrasse e esse pensamento me enchia de melancolia. Me sentia um viciado se internando voluntariamente para se curar de seus demônios.

— Vai ser uma mudança e tanto mas o que de pior pode acontecer? — indago, tentando não deixar que as lágrimas tomassem conta de meus olhos.

JJ sorri com o canto da boca.

— Isso costuma atrair confusão.

— É, eu sei.

Nós rimos, mesmo que não houvesse nenhum humor verdadeiro por trás de nossas gargalhadas. Seria difícil ficar sem ele... Muito difícil.

— Eu vou sentir sua falta — ele murmura, como se lesse minha mente.

Subo meus olhos até os dele, sentindo um bolo gigantesco tomar conta de minha garganta. Se torna impossível controlar as lágrimas.

— Por que não vem comigo? — sugiro, praticamente desesperada. — Eu podia procurar um emprego pra você... Talvez não no mesmo restaurante que eu mas...

— Acho que viver aqui é tudo que eu sei fazer — ele me interrompe, levando seu dedão até meu rosto para enxugar uma única lágrima que havia escorrido. — Eu não posso só ir embora, eu não quero só ir embora.

— Eu já estou com saudade — admito, desviando meu olhar do dele. Eu não queria chorar agora, todas as lágrimas ficariam pra amanhã no aeroporto.

— E o Rafe? — JJ pergunta, fazendo com que meu coração se descompasse um pouco.

Desde o incidente depois do hospital foi praticamente impossível me manter distante. Eu não queria que ele fizesse alguma bobagem mas acima de tudo não queria me sentir daquela maneira de novo. Foi por isso que entrei em contato com minha mãe, foi por isso que resolvi ir pra Seattle. Porque não havia nenhum jeito de continuar nessa ilha sem que isso me matasse por dentro.

Eu não podia mais me sacrificar por ele... Nunca mais. E o que ele fizesse a partir do momento que eu fosse embora não me dizia mais respeito. Eu só tinha que controla-lo até lá.

— Eu tenho falado com eles nos últimos dias mas não contei que vou ficar com meus tios — admito, com um suspiro. — E nem vou na verdade. Eu não quero que ele me impeça.

— Ele pode te impedir? — JJ rebate e sinto a acusação em seu tom de voz.

— Eu não quero nem que ele tente — me explico, dando de ombros.

São longos os segundos até que ele fale novamente.

— Você tem sido muito forte, sabia?

Reviro os olhos. Ultimamente tenho me sentido a pessoa mais fraca do mundo, incapaz de pensar direito ou me colocar como prioridade. Não sei o que havia de força em fugir com o rabo entre as pernas.

— É o que eu digo a mim mesma toda vez que sinto falta dele. Ele sabia muito bem como usar a língua... — provoco, tentando mudar o tom da conversa.

Funciona.

— Callie! — JJ pragueja, fazendo careta. — Que nojo!

— Eu ainda estou aqui — minha mãe acrescenta, fazendo com que eu note sua presença no fundo do quarto.

Isso esquenta minhas bochechas.

— Foi mal.


Não pude culpar o senhor Blood por odiar toda essa história de mudança repentina. Eu não cumpri o aviso prévio — o que ele tinha direito por lei — mas sua boa vontade acabou me liberando de um processo e uma boa dor de cabeça. Acho que no fim das contas ele estava aliviado por não ter mais nenhuma confusão nas redondezas do seu restaurante.

Ele havia aguentado muito e deixei claro toda minha gratidão a ele e a meus colegas de trabalho. Até mesmo ganhei um bolo de despedida — red velvet, o meu favorito. Hoje era meu último dia em Outer Banks e eu queria aproveita-lo fazendo todas as pequenas coisas que me faziam feliz todos os dias. Um tempo com JJ, uma tarde de trabalho num dia ensolarado no Malone's e preparar o jantar a noite com meu pai.

Seria perfeito, pela última vez. Pelo menos é o que penso até o meio da tarde.

— Oi.

Eu me viro, vendo Topper parado em minha frente, e sinto meu estômago se revirar. Ele mantinha aquele jeito casual, tentando passar calma, mas eu percebi o peso por trás de sua falsa descontração. No fundo, eu já sabia que aquela não seria uma conversa qualquer. Topper jamais me procuraria se não fosse realmente importante.

— Topper, oi — respondi, meio seca, sem esconder minha surpresa.

Ele não pareceu notar ou se importar. Ou talvez estivesse decidido demais a dizer o que precisava. Seus olhos estavam diferentes, mais sombrios, como se carregassem algo mais denso que o usual.

— Eu preciso falar com você.

Respirei fundo, tentando me manter no controle. Não queria entrar naquele tipo de conversa, principalmente se fosse sobre o Rafe. Se tem uma coisa que eu não precisava era continuar permitindo que os problemas deles influenciassem minhas escolhas e principalmente minha vida.

Rafe não podia fazer o que bem entendia comigo só por eu ama-lo.

— Olha, eu não quero falar sobre o Rafe, tá legal? — A minha voz saiu mais fria do que eu queria, mas não me importei.

Ele fechou os olhos por um segundo, como se quisesse reunir coragem.

— Eu sei que não — respondeu, a voz baixa e controlada. — Mas é sério. Eu não viria aqui se fosse só mais um surto de arrependimento dele e muito menos para dizer que você deveria dar uma segunda chance. Você não deveria.

Eu o olhei, surpresa. Aquilo não parecia uma tentativa de reconciliação, de puxar assunto por causa de amizade. Era algo mais. Se não era nada disso então devia ser importante, realmente importante.

— Ele é seu amigo, Topper — eu disse, mais como um lembrete do que como uma acusação.

— É, e eu já disse a ele que seria melhor te deixar em paz. — Topper fez uma pausa, seus olhos buscando os meus. — Podemos conversar só um momento?

— Pode ser daqui alguns minutos? — perguntei, usando minha cabeça para apontar para o salão repleto de mesas enquanto tentava me preparar mentalmente para o que viesse. Vindo de Rafe não devia ser muito bom.

Topper concorda com cabeça, dando um passo para trás, quase aliviado.

— Certo, eu... Vou ficar por aqui. Me traz uma Coca, por favor?

— Claro. Em um minuto.

Voltei alguns minutos depois com a Coca nas mãos e um sentimento de tensão que só aumentava. Entreguei a bebida, mas não consegui esconder a hesitação.

— Desculpa pela demora, Topper, eu...

— Não se preocupe, parece bem lotado hoje — ele disse, tentando aliviar o ambiente. Fiquei grata, mas não deixei que aquilo me desviasse da verdade.

Ele me observou por um instante antes de continuar, com uma voz séria e honesta.

— Callie, eu sei que você não gosta de mim.

Aquelas palavras me deixaram surpresa. Nunca tinha dito isso em voz alta, pelo menos não pra ele. Mas de alguma forma, ele sempre soube, me provando que talvez eu não seja tão boa assim em disfarçar meus sentimentos. De qualquer maneira não sinto remorso.

— Sabe?

Ele assentiu, o olhar cheio de arrependimento.

— Eu sei, e... Eu entendo. Não tenho sido muito bom nos últimos meses e... Queria me desculpar. Eu sei que não fui legal com você algumas vezes.

Senti um nó se formar na garganta. Talvez eu não fosse a única a lidar com sentimentos complicados nessa história. Isso não era grande coisa, pra mim não havia razão para que ele se desculpasse.

— É natural, certo? Kooks e Pogues... A rixa do milênio.

Ele suspirou, balançando a cabeça.

— Não devia ser assim.

Olhei para ele, vendo uma sinceridade que não esperava encontrar.

— É.

Ele tomou um gole da Coca antes de continuar, hesitante.

— Agora sobre o Rafe... Acho que você conhece um tal de Barry, certo?

Revirei os olhos, o peso da resposta mais que claro.

— Infelizmente.

— E com certeza sabe das atividades ilícitas dele...

— Até demais — murmuro, sentindo o gosto amargo em minha boca.

Topper parecia estar medindo as palavras antes de falar, como se ainda hesitasse em revelar tudo o que sabia. Seus olhos me encaravam enquanto ele tentava ler meus sentimentos, não sei se ele obteve sucesso.

— Não sei o que aconteceu... Se ainda tem a ver com aquela história sobre a Sarah ou se as coisas mudaram, mas... Estão atrás dele.

Estão atrás dele... No plural. Isso me faz pensar no pior.

— Quem? — perguntei, tentando manter a voz estável.

— Um tal de Caco. Alto, forte, com uma barba escura.

Sinto meu estômago se revirar e imediatamente me arrependo de ter vindo trabalhar no meu último dia na ilha. Que ideia péssima! Eu não queria saber disso, não queria me envolver nisso de novo.

— Estão querendo dinheiro?

Ele balançou a cabeça.

— Querem acabar com ele. Usaram exatamente essas palavras.

De repente, tudo parecia mais sombrio e mais perigoso. Eu mal consegui encontrar palavras para responder. Caco queria acabar com o Rafe... Ele iria mata-lo.

— Topper, eu...

— Estão ameaçando o Barry também. Parece que eles tinham um trato, mas as coisas deram errado e um deles acabou preso no final.

O trato que me envolvia, foi isso que deu errado. Me sento na mesa, não me preocupando com meu uniforme de garçonete. Se eu não me sentasse provavelmente acabaria no chão.

— Eu não acredito nisso... — murmuro, colocando minha cabeça entre minhas mãos. Eu não podia acreditar que isso estava acontecendo de novo. Será que nunca haveria paz pra mim?

— Eles são muito perigosos.

— Eu... Eu sei que são.

Ele parecia ter dificuldade em dizer o que veio a seguir, mas a expressão dele era de pura preocupação.

— Rafe quer matar eles.

Olhei para ele, sem acreditar. Será que as coisas tinham como piorar?

— O quê?

Ele assentiu.

— Ele quer matar eles e já falou isso um milhão de vezes. Já tentei dizer algo, já tentei mudar a cabeça dele, mas não adiantou.

Meus pensamentos giravam, tentando entender o absurdo daquilo. Rafe não havia comentado nada comigo em nenhuma de nossas breves conversas.

— Tinham que chamar a polícia!

— Rafe disse que não pode porque... Barry sabe algo sério sobre ele.

Peterkin, é claro. A revelação me deixou em choque. Era sério, perigoso. Algo que poderia acabar com a vida dele... Literalmente.

— E o Ward..? — sugiro, com cautela.

— Rafe não quis falar com ele a respeito — Topper parecia exausto, como se toda a preocupação sugasse sua energia. Ele realmente se importava.

Isso me faz ter compaixão por ele.

— Mas você tem que falar! — digo, constatando o óbvio mas eu sabia o quão difícil era contrariar Rafe Cameron.

— Callie... Fica pior. Rafe comprou uma arma, munições, e está marcando de se encontrar com eles hoje à noite.

Eu segurei a respiração, o pânico começando a se instalar. Certo, ele iria mesmo acabar com a vida dele dessa forma. Inconsequente, burro. Quero matar a parte de mim que se importa com ele.

— Ele só pode estar ficando maluco!

Topper parecia em um estado de desespero que eu nunca tinha visto e em seus olhos eu via os meus, refletidos como um espelho.

— Eu não sabia mais o que fazer. Eu... — ele demora alguns segundos para continuar, parecendo refletir se realmente deveria prosseguir. — Acho que só você pode convencer ele a deixar isso pra lá.

Olhei para ele, cética e aflita. Eu sinto o peso daquelas palavras. Se alguém tinha o poder de fazer Rafe desistir daquela loucura, talvez fosse eu. Mas ainda era assustador. Ele não me ouvia... Talvez não houvesse jeito pra isso.

— Ele não me escuta, Topper — murmuro, tentando me convencer a isso.

Tentando me convencer de que não devo interferir, de que pra mim pouco me importava o que acontecesse hoje a noite. Mas não consigo... Era como se uma arma estivesse apontada em minha cabeça.

Quando isso ia acabar?

— Ele não escuta ninguém. Eu sei que o Rafe é difícil e posso te garantir que sempre foi assim, mas... Tem estado pior desde que te perdeu. Ele sabe que perdeu muito, e... Toda a cocaína... Não é sua responsabilidade, sei que não é, mas... Só não quero que tudo acabe mal.

E com mal ele quer dizer morto. Rafe só tinha que ser controlado até amanhã, só até amanhã. Depois disso eu não teria mais notícias dele... Nunca mais.

— Certo, vamos dar um jeito nisso. Você vai atrás do Ward e se não encontrá-lo, chame a polícia. Dane-se o que o Rafe quer.

Era mil vezes melhor atrás das grades do que a sete palmos abaixo do chão. Topper concordou com a cabeça, a determinação visível em seus olhos.

— E você?

Me coloco de pé.

— Eu vou atrás dele.

Ele me olhou, assustado.

— Não devia fazer isso sozinha, é...

— Perigoso, eu sei — completo, tirando meu avental. — Rafe comprou uma arma nova porque escondi a antiga... Vou ficar bem.

Ele me olhou com aquele olhar intenso e preocupado.

— Callie, eu não acho que isso seja uma boa ideia.

Suspirei, tentando afastar o medo. Eu sabia que o que estava para fazer era arriscado, mas também sabia que não podia deixar Rafe naquele caminho. Eu não iria me perdoar se não fizesse alguma coisa, qualquer coisa.

— É a única ideia que eu tenho, Topper. Eu... Sei que eu terminei tudo e sei que, às vezes, pode parecer que quero que ele apodreça no inferno, mas isso não é verdade. Eu quero que ele seja feliz... Longe de mim mas feliz.

Topper respirou fundo, resignado.

— Toma cuidado, tá legal?

Assenti, mesmo que meu coração estivesse batendo com uma força que quase doía.

— Pode deixar.

O senhor Blood não se importou em me liberar mais cedo. Ele me abraçou e me desejou boa sorte em minha nova vida, apesar de não saber exatamente para onde eu iria. A mudança era de conhecimento geral mas não quis dizer pra onde, não queria acordar um dia e ver Rafe Cameron parado em frente a minha porta.

Eu mal podia lidar com ele aqui, rodeada por meus amigos e família. Imagine longe deles...

Traço mentalmente o percurso que devo fazer: ir pra casa e pegar a arma de Rafe, procura-lo em Tannyhill, no clube e na casa do Barry e tentar de alguma maneira ligar pra ele, apesar de as ligações só caírem na caixa postal.

A ideia de confrontar Rafe sozinha de repente me parece ruim. Eu não queria vê-lo novamente naquele estado, não queria mais me sentir da maneira que ele fazia com que eu me sentisse. Eu precisava de ajuda.

Imediatamente disco o número de JJ, que não me atende apesar de todas as chamadas. Decido gravar uma mensagem pra ele.

— JJ. Oi eu... — suspiro, tentando achar as palavras certas para a situação. — Me desculpa por pedir isso mas o Rafe está com problemas. Preciso que você me encontre o mais rápido possível, é muito sério. Eu preciso de você, tá legal? Assim que ouvir isso me liga.

Topper não atende minhas ligações, por mais insistentes que fossem e o sinal ficava cada vez mais fraco conforme eu me aproximava da casa de Barry, na parte mais distante do Cut. Envio minha localização como se isso fosse capaz de aumentar minha segurança. Rafe não estava em casa, não estava no club e todos os conhecidos dele que encontrei no meio do caminho não tinham ideia de onde ele poderia encontra-lo.

Eu não tinha a porra de um carro, nenhum táxi quis atravessar a ilha e o JJ não me respondia. A única coisa que eu fiz enquanto corria era temer pelo pior. Ouço a voz de Barry entrecortar o ar no momento em que me aproximo de seu quintal. Ele tinha as mãos erguidas em rendição, enquanto Rafe apontava uma arma para seu peito. Simplesmente não penso antes de me aproximar.

— Rafe! — eu grito, sem me importar em passar despercebida. Eu só queria tira-lo daqui.

Barry gruda seus olhos nos meus, parecendo assustado, uma expressão que não combinava com ele. Já Rafe nem se vira em minha direção, se recusando a perder o traficante de mira.

— Callie... Vai embora!

Coloco a mão na minha arma, presa na lateral do meu short, enquanto me aproximava em passos receosos. Por Deus, eu juro que atiraria no pé dele se fosse preciso. Qualquer coisa para acabar com essa palhaçada.

— Vamos comigo... Por favor.

— Ouve o que ela está falando, cara — Barry diz, com a voz estranhamente calma.

Ele também queria que isso acabasse.

— Eu vou acabar com isso, vou acabar com essa merda agora — Rafe diz, parecendo determinado.

Me aproximo um pouco mais.

— O que aconteceu?

— Ele disse que a culpa da prisão da porra de um dos traficantes foi minha. Eles ameaçaram o Barry e ele ameaçou você se eu não desse o dinheiro que eles perderam e eu não... Eu não posso deixar alguém te machucar. Eu não posso.

Barry me encara, temendo que eu o deixasse morrer só por ele ter ameaçado minha vida. Rafe era idiota em acreditar que Barry seria capaz de algo assim, ele era traficante e não assassino. Não parecia capaz de sujar suas mãos se fosse necessário.

— Não tem que fazer isso — eu peço. — Não estrague a sua vida.

Ele murmura algo inaudível, abaixando levemente a arma em sua mão. Seus dedos procuram seu cabelo, buscando o conforto que puxar seus fios um dia compridos lhe traziam. Rafe me olha nos olhos, os olhos repleto de lágrimas.

— Eu não tenho nada a perder, eu já perdi tudo que me importava.

— Rafe, por favor vamos...

Não consigo terminar minha frase.

Em uma fração de segundo vejo Barry puxar uma arma de trás de si, a apontando diretamente para Rafe. Meu movimento é como um espelho do dele, quase sincronizado, só que meu alvo era Barry. Eu aperto o gatilho em um gesto impulsivo, de medo, de amor. E para meu desespero nós dois acertamos nosso alvo.

O tranco da pistola faz com que meu ombro doa e meu ouvido apita devido o disparo. A bala se aloja na testa de Barry e vejo a vida se esvair de seus olhos abertos e em choque, que me encaravam fixamente. Sua arma escorrega por sua mão e cai no chão em um baque surdo, ele cai de bruços logo por cima dela. Um certo tipo de dormência me atinge enquanto a realidade do que fiz fica cada vez mais evidente.

Barry estava morto, eu havia matado ele.

Meu primeiro instinto é olhar em volta, com receio de que alguém mais possa estar aqui. O bolo em minha garganta é praticamente insuportável e as lágrimas tomam meus olhos com rapidez.

— Rafe! — eu grito.

Forço minhas pernas a caminharem até Rafe que estava deitado no chão de barriga pra cima. Tinha sangue pra todo lado, uma poça começava a se formar logo embaixo de seu corpo e há alguns metros a frente Barry já havia sido tomado por litros do liquido viscoso. Me agacho em sua direção, tentando ignorar o corpo morto ao meu lado. Eu precisava focar e ajudar ele.

O ferimento em seu peito sangrava consideravelmente, o sangue também escapava por sua boca. Seus olhos encontram os meus e se arregalam, querendo me dizer algo que eu não conseguia entender.

— Callie... Callie — murmura, fazendo o sangue escorrer por sua bochecha.

Tiro minha blusa e pressiono contra seu ferimento. Rafe geme de dor mas não me impede. Pego sua mão gelada e a aperto contra a minha, usando a mão livre para buscar meu celular em meu bolso.

— Vai ficar tudo bem, ok? — eu digo, mais pra mim do que pra ele, enquanto disco para a emergência. — Eu vou ligar pra emergência. — prossigo, percebendo que eu não tinha sinal. — Merda de celular eu...

Me ergo, pensando em revirar os bolsos de Barry ou talvez procurar algum telefone dentro da casa.

— Fica aqui — Rafe pede, tentando erguer seu braço. — Não me deixa.

— Rafe... — murmuro, sentindo minha voz falhar.

Eu não queria sair de perto dele mas eu tinha que fazer isso, eu tinha. Eu não podia ficar sentada e assistir enquanto...

— Por favor — ele insiste, com lágrimas nos olhos.

Me agacho ao seu lado, discando a emergência novamente mesmo que meu telefone esteja sem sinal.

— Onde está sua arma?

Minha arma? Onde está?

— A arma? — indago, tentando pensar onde havia a enfiado, após uma simples vasculhada pelo local a encontro caída ao lado do pé de Rafe. — Ela... Está aqui.

— Me dá.

A pego e estendo em sua direção.

— O que vai fazer com isso? — pergunto, observando enquanto ele segura a pistola em sua mão direita, com o dedo no gatilho.

— A coisa certa — diz em resposta.

Seus dedos se erguem um pouco e colocam a mecha de meu cabelo atrás da orelha, sorrindo e mostrando seus dentes repletos de sangue.

— Você está linda.

Isso faz com que eu soluce, sentindo minhas lágrimas escorrerem por todo o meu rosto. Minha camiseta contra seu ferimento já estava completamente ensopada de sangue, eu conseguia sentir o cheiro agora. Coloco minha mão contra a sua, tentando manter a calma e não surtar nesse momento.

— Não seja idiota — eu peço.

— É a verdade — insiste. — Me perdoa Callie.

Fecho meus olhos, sentindo cada pedaço do meu coração se partir. Eu o perdoei no momento em que tudo aconteceu porque eu o amo mais que a vida e eu faria qualquer coisa por ele. Qualquer coisa. Meu coração era dele.

— Eu já te perdoei tá legal? — choramingo, percebendo que minhas tentativas de contato com a emergência ainda eram falhas. — Rafe, me deixa chamar ajuda.

Ele tosse um pouco mais de sangue, fazendo o furo da bala sangrar ainda mais. Seus lábios pareciam pálidos na minha cabeça, assim como seu rosto e apesar da aparência frágil sua mão segurava a minha com uma força descomunal, quase como se ele se agarrasse a vida. Tento mais uma vez chamar a emergência.

— Eu quero ficar com você.

— Eu sei mas...

— Eu te amo — me interrompe. — Mais do que qualquer coisa dessa minha vida patética. Amo só você.

— Eu também te amo Rafe — digo, me inclinando para mais perto dele.

— Eu sei que fui uma pessoa ruim.

— Não, não. Você é um bom garoto... O meu garoto. Você é bom.

Olho em volta, tentando pensar em algo para fazer. Querendo que um milagre acontecesse e que tudo ficasse bem. Resmungo, ardendo de ódio pelo sinal ser horrível nesse fim de mundo. Rafe bota a mão no meu rosto novamente, fazendo com que eu olhe em seus olhos. Passo minha mão por sua testa, sentindo seu rosto um pouco frio.

— Não me deixa sozinho, fica comigo só mais essa vez — pede, com aquele olhar que ele costumava fazer para conseguir aquilo que queria.

Eu não queria deixa-lo, nem por um minuto, eu nunca quis mas eu precisei. Minha visão fica turva por conta das lágrimas e nesse exato momento minha chamada é atendida.

— 911, qual sua emergência? — a voz da atendente soa do outro lado do telefone.

Abro minha boca para responder mas sinto a mão de Rafe escorrer por meu rosto, caindo em meu colo. Ele olhava pra mim mas... Não havia nenhuma vida ali. Não havia nada. Encaro seu semblante vazio em silêncio, sentindo o cheiro do sangue invadir meu nariz com força total.

— 911, por favor, me diga qual sua emergência — repete.

Solto meu telefone que cai no chão em um baque surdo e procuro a mão gelada de Rafe. Eu não sei quando o grito se formou mas ele escapa de minha boca com uma potência fora do normal, extravasando todos os sentimentos que tomavam conta do meu peito e rompendo a trava que me impediu de desmoronar até agora. As lágrimas começam a vir como uma cachoeira enquanto me inclino por cima do peito de Rafe, o mesmo peito que tinha meu nome, o abraçando com toda a força que eu tinha.

Não parecia real.

Fecho seus olhos. Passo a mão por seu cabelo e lábios, limpo o sangue de seu rosto. Era como se... Como se minha alma tivesse sido arrancada do corpo, como se nada no mundo fosse voltar a fazer sentido. Eu o amava e o odiava tanto que... Eu não sei o que seria de mim sem esses altos e baixos. Rafe era tudo que eu conhecia, tudo que era real, tudo que eu já amei.

Ele era meu coração batendo fora do peito.

Os barulhos de sirene ficam cada vez mais altos até que duas viaturas se aproximam e estacionam em frente de nós. Não me movo, não querendo me soltar de Rafe nem por um segundo, sabendo que se eu o fizesse provavelmente seria pela última vez. Os policiais saem do carro e parecem em dúvida do que fazer, a dúvida acaba quando Topper que saiu do banco do carona corre em nossa direção.

Sua expressão se desmancha no momento em que ele vê a cena e imediatamente dá de ombros. Os policiais se aproximam, perguntando o que havia acontecido e querendo que eu me levante mas nenhuma palavra sai da minha boca, nenhum pensamento se forma em meu cérebro completamente tomado por imagens do homem que eu amo sem vida nesse gramado.

São precisos dois policiais para me tirar de cima de Rafe e para minha total surpresa quem me abraça e afaga meus cabelos é Topper, não se importando nem um pouco com a sujeira de sangue que fiz em sua camisa. Seus dedos afagam meu cabelo com carinho enquanto nossos soluços se sincronizam, horrorizados demais pelo o que estávamos vendo.

Ele me senta na viatura e me deixa chorar em seu ombro, até que as ambulâncias aparecem. O policial avisa que eu teria que depor e diz que devo ligar para os meus pais.

Quando pego meu celular, dessa vez com sinal, há uma mensagem de JJ.

— Callie, o que aconteceu? Eu estava ocupado eu sinto muito. O John B e a Sarah apareceram! Eles estão bem. Tem noção do que é isso? Tudo está dando certo, Callie! Eles estão vivos! Onde você...

Não termino de ouvir a mensagem, eu era egoísta o suficiente para achar que não havia motivos para se comemorar.





Depois do final da s4 de Outer Banks fiquei até meio mal de ter escrito isso........
Solto o epílogo semana que vem. E eu falei que essa história não tinha um final feliz!

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