31. Encurralada

🦋 CALLIE

Certo, eu não tinha nenhuma obrigação com o Rafe. Ele havia mentido pra mim, mais vezes do que eu poderia me lembrar ou até mesmo contar mas havia uma coisa bem idiota sobre amar alguém. Quando essa pessoa precisa de você, quando ela não tem mais ninguém, você se sente na obrigação de ajudar. Eu sabia que não conseguiria fazer minhas coisas direito se não me assegurasse que ele estava bem.

Eu me sentia pronta pra odia-lo, pra virar de vez essa página. Mas isso não iria acontecer se eu não dormisse enquanto me preocupava com seu bem estar. Como se um dia ele já tivesse realmente se preocupado com o meu...

Ward não voltou depois daquele dia e para minha surpresa nem mesmo Sofia havia aparecido para uma visita. Seja o que for, ninguém pareceu se importar com seus dias no hospital o que me deixou um tanto triste por ele. Me lembrei do dia em que quebrei a mão e precisei fazer raio x... Quando sai da sala lá estavam todos eles, meus amigos, sentados no chão do corredor com feições preocupadas como se minha fratura fosse um risco a minha vida.

Eu era grata por eles, grata por não ser sozinha.

E mesmo com todo o mau que Rafe havia me feito eu me senti genuinamente mal por ele, principalmente por tudo que envolvia Ward. Acho que algumas pessoas realmente não nasceram para exercer o papel de pai.

Fiquei satisfeita quando Rafe teve alta. Eu o levo pra casa de carona na Twinkle, aviso os empregados para ficarem de olho nele na medida do possível e me preparo para voltar para meu emprego e meus amigos. Eu ainda tinha que conversar com Rafe e botar um ponto final nisso tudo, um ponto final de verdade, mas não sabia como fazer isso. Sentia que precisava de ajuda, sentia que tudo isso... Não era normal.

Observo enquanto Rafe manca até a cama enorme de seu quarto e não consigo evitar perceber que nossas fotos ainda estavam na parede. Ele não parece se incomodar com meus olhares nada sutis, varrendo o quarto como se procurasse alguma coisa. Eu procurava... Alguma coisa que fizesse com que eu me decepcionasse. Sempre foi assim com ele.

Meu celular vibra, mostrando uma mensagem de JJ que buscava saber como iam as coisas. Reviro os olhos e o respondo com um emoji de bomba.

— Então, aqui estamos — digo, vendo que ele já havia se deitado. Vou em sua direção estendendo o controle da televisão. — Toma o controle pra não ficar com movimentos bruscos e o sininho já está do seu lado. Nada de andar de moto Cameron e muito menos de usar coca.

Um sorriso surge no canto de seus lábios enquanto ele assentia, eu sei que ele adorava quando eu agia dessa maneira.

— Eu vou tentar.

Levanto meus olhos até o seus.

— É bom conseguir — o ameaço.

Meu celular apita e vejo novamente o nome de JJ brilhando na tela. Eram três emojis dessa vez, um de proibido, um de berinjela e um de pêssego.

Dou risada por sua palhaçada, como se ver Rafe repleto de machucados fosse me dar algum tipo de tesão. Envio um emoji de dedo do meio, bloqueando novamente o celular. Quando ergo meus olhos Rafe está me encarando com uma expressão um tanto esquisita.

— Você já vai? — pergunta, soando mais rude do que há alguns segundos atrás.

Assinto.

— É. Tenho que resolver umas coisas.

Como conversar com o senhor Blood sobre não ter aparecido nos últimos dias e implorar para meus colegas de trabalho me cederem algumas horas de seus turnos.

— Está trepando com alguém? — pergunta, sem mais nem menos.

Cruzo os braços. De onde ele tirava esse tipo de coisa?

— Isso não é da sua conta.

— Claro que é da minha conta — rebate, aumentando o tom de voz. — Não sai do celular.

— Estou falando com o JJ, Rafe! — explico, mesmo ele não merecendo nada disso. — Meu melhor amigo, esqueceu?

Dessa vez é ele quem cruza os braços.

— Suas amizades são muito esquisitas.

— Não devia se preocupar tanto, não sou como você que passa o pau em qualquer um — rebato, sentindo o amargor em cada palavra que sai de minha boca.

Eu ainda não havia processado muito bem a história da Sofia. Era tão ridículo que o fato dele estar com ela estar morando na minha mente bem mais do que toda a história com as drogas e o Barry.

— É claro que não mas isso não quer dizer que não queiram passar o pau em você.

Bufo, erguendo meus braços em descrença. Eu não acredito que o Rafe queria ter uma crise de ciúmes logo agora e por um motivo tão bobo.

— Nós terminamos Rafe! Pelo amor de Deus — exclamo, tentando manter meu tom de voz contido. — É inacreditável! Eu venho aqui e tento fazer algo bom por você, tento te ajudar porque sou idiota o suficiente para não querer que fique sozinho nesse momento sensível e olha só o que eu ganho! Você não tem jeito mesmo.

Podia jurar que ele fez um bico.

— Eu só estou com ciúmes — admite.

Ouvi-lo admitir isso, de alguma maneira, diminui minha raiva. Haviam vários sentimentos mal processados dentro de mim, várias coisas as quais gostaria de dizer mas eu não podia mais. Quanto mais eu falava mais espaço eu dava para suas promessas vazias e mais meu coração me convencia a acreditar nelas. Dou de ombros e pego minha bolsa.

— Eu sei que está mas não tem motivo pra isso — murmuro, colocando a mão na maçaneta.

— Pode pegar aspirina pra mim no banheiro? — ele pede, antes que eu conseguisse abrir a porta.

Me viro pra ele. Primeiro ele surta e agora quer favores? Com certeza a pancada deve tê-lo afetado de alguma maneira mais séria. Bem que podia ter colocado seus neurônios de volta no lugar.

— É sério? — questiono.

Rafe assente.

— É.

— Tá, tá legal.

Respiro profundamente mas sigo até o banheiro. Não fazia mal pegar um comprimido pra ele por mais que todas as células do meu corpo me dissessem que Sofia deveria estar fazendo isso, não eu. Onde diabos ela estava afinal de contas? Seu namorado fica internado por dias depois de levar a maior surra e ela nem aparece? Eu nem ao menos o vi tocar no celular durante esses dias... Será que eles haviam brigado? Talvez minhas palavras tenham a atingido mais do que eu esperava... Um sorriso ridículo começa a se formar no canto de meus lábios e o desmancho no momento em que percebo o quão deturpado meus pensamentos estão. A convivência com Rafe deve ter me afetado também...

Levo a cartela de comprimidos para Rafe que ainda está deitado na mesma posição de antes. Ele estende sua mão até a minha e pega, dando aquele sorriso que seria capaz de desmontar qualquer um. Dou de ombros imediatamente, querendo sair logo daquele quarto, mas quando coloco minha mão na maçaneta não consigo abrir a porta.

Tento mais uma vez. Será que essa merda tinha emperrado? Só então percebo que a chave havia sumido da fechadura.

— Espera... Você me trancou aqui? — questiono, me virando para ele.

— Você não pode ir sem a gente se resolver.

Abro minha boca em total descrença, pensando no que exatamente estava acontecendo aqui. Ele não precisava de remédios, ele... Me enganou e eu caí como a idiota que sou.

Sinto meu rosto esquentar conforme a raiva toma conta de mim.

— Não temos nada pra resolver Rafe! — digo, aumentando o tom de voz. — Me deixa sair.

— É claro que temos.

— Tipo o quê? — rebato, sentindo a acidez tomar conta do meu tom de voz. — De quantas maneiras ainda pretende destruir meu coração? Tudo o que fez não foi o suficiente pra você?

— Não fale desse jeito... — pede, ficando de pé.

Instintivamente me afasto, mesmo que ele não tenha vindo em minha direção.

— Então o que é Rafe? — grito, minha voz saindo trêmula. — Vai me convencer de que isso é um erro também? Me obrigar a ficar ao seu lado como se você não tivesse me tratado como mercadoria? Você me usou! Você só pensa em você, não há espaço nesse seu coração pra nada além disso.

Rafe engole em seco, mordendo seu lábio inferior. Consigo ver o desespero tomando conta de seu rosto assim como lágrimas inundam seus olhos.

— Eu fiz isso porque eu precisei! — Rafe diz, balançando suas mãos trêmulas. — Mas eu amo você, eu amo você e me arrependo do que fiz eu só preciso de uma...

— Chance? — indago, rindo sem humor. Ele ergue seus olhos até os meus. — Eu já te dei todas as chances do mundo e você nunca deu valor a elas. Eu não vou sentar e assistir enquanto você me destrói só porque está entediado! De que porra vale meu amor pra você? Você o usa a seu favor o tempo todo! Como se eu pudesse aceitar tudo, perdoar tudo... Só porque amo você. Mas isso acabou. Eu não aguento mais!

— Callie...

— Eu não aguento mais! — grito, finalmente colocando tudo isso pra fora. Era como um brado de socorro, como se implorasse por misericórdia. — Quando me olho no espelho... Eu não sei o que eu vejo, não parece comigo. Eu era confiante, determinada. Era muito melhor antes de você aparecer na minha vida e destruir tudo que eu mais me orgulhava a respeito de mim mesma! As mentiras... Você fez com que eu me odiasse toda vez que você errava! E eu me odeio agora! Eu me odeio por ter olhado nos seus olhos pela segunda vez e tentado te compreender. Você não precisa de compreensão... Eu nem sei do que você precisa. Você me colocou num inferno, Rafe... E eu chamei isso de amor.

Meu coração parecia um peso prestes a despencar enquanto eu olhava para Rafe, observando cada linha de dor e desespero no rosto dele. Qualquer coisa que eu dissesse poderia ser o golpe final, aquele que o jogaria num buraco ainda mais profundo. Mas a verdade precisava ser dita, por mais cruel que fosse pra ele... Ou pra mim.

— Eu só não sei o que fazer, tá legal? Me diga o que posso fazer pra consertar isso! — ele exclamou, a voz embargada, como se implorasse.

Respirei fundo, tentando me manter firme, ainda que eu mesma estivesse despedaçada. Será que era isso que eu merecia? Seria esse o resultado de algum pecado que cometi?

— Nada. Você não pode fazer nada porque isso não tem conserto. Acabou! — elevo o tom de voz, me mantendo firme mesmo que a dor por trás de cada palavra fosse quase insuportável.

Ele começou a balançar a cabeça, repetindo "não" como uma prece, como se, ao negar, pudesse anular o que eu tinha dito. Era como se ele estivesse tentando se afastar daquela realidade. Rafe não levanta a cabeça em minha direção, se encolhendo no canto de seu quarto, levando suas mão a cabeça.

— Rafe...? — o chamo com a voz trêmula. Eu estava preocupada com ele, eu sempre estava preocupada com ele! O que seria da minha vida dessa maneira?

— Não — ele murmura, mais pra ele do que pra mim. — Não pode. Não.

Dei um passo à frente, tentando alcançá-lo.

— Por que não se acalma para conseguirmos conversar?

Ele levanta seu olhar ao meu, seus olhos azuis cobertos de lágrimas me encaram com incredulidade, como se o que eu disse beirasse o absurdo. Rafe parecia imerso no próprio sofrimento, incapaz de me ver como alguém que está ao seu lado e não contra ele.

— Não... — responde, soando firme. — Você vai embora.

— Em algum momento eu vou ter que ir! — exclamo, aumentando o tom de voz. E me arrependo em seguida ao falar dessa maneira, sabendo que não ajudaria a suavizar o impacto daquilo.

Ele me olhou, seus olhos fixos nos meus, estampando desespero.

— Não pode! Não pode, Callie! — ele grita, vindo em minha direção. — Eu não consigo viver sem você!

Essas palavras perfuram meu coração mas me policio para manter a calma. Ele estava à beira de um colapso... Eu estava a beira de um colopso. Eu precisava de alguma forma trazê-lo de volta e quem sabe assim, me reerguer também.

— Não diga isso.

Ele continuou, como se aquele fosse o último momento para dizer o que tinha guardado.

— É a verdade.

Fiquei ali, a centímetros de distância, tentando encontrar o Rafe de antes, aquele que segurou minha mão e enfrentou seus amigos após nossa tarde no barco, aquele que tatuou meu nome em sua pele. Eu só via uma pessoa perdida, assim como eu mesma refletida em seus olhos.

— Rafe, por favor — murmuro, tentando toca-lo. — Abra a porta.

Ele olhou para mim com mágoa e desconfiança, desviando do meu toque como se fosse venenoso

— Pra quê? Pra você ir correndo pro JJ?

Revirei os olhos, exausta. Por que ele sempre voltava a essa desconfiança?

— De onde tira isso?

— E eu, Callie? — grita.

— Nós podemos ser amigos!

Ele soltou uma risada amarga, e eu senti, naquele momento, o quanto isso o feriu. Amigos. Como se nós dois pudéssemos conviver sem entrar em combustão.

— Amigos? Eu sou apaixonado por você! — grita, deixando as lágrimas escorrerem por seu rosto. — Eu te amo, Callie! Eu não posso viver sem você.

Senti um frio na espinha no momento em que o vejo tirar uma pistola da lateral de sua calça. Rafe a segura en sua mão trêmula, colocando o dedo no gatilho. A intensidade do olhar dele me assustou e percebi que aquilo ia muito além de uma simples conversa.

— Rafe, abaixa isso — pedi, a voz um pouco trêmula, incapaz de esconder o medo que começava a se apoderar de mim.

Ele balançou a cabeça, com uma expressão de desespero, passando a mão por seus cabelos.

— Eu não posso. Não posso — murmura, sem olhar pra mim.

— Rafe...

Ele desviou o olhar, os ombros caídos, a voz carregada de amargura e autodepreciação.

— Você é a única que me entende... É a única que me ama, e eu estraguei tudo porque sou um lixo asqueroso que destrói tudo o que mais ama.

Aquelas palavras eram como um soco no estômago. Doía ouvir isso dele.

— Isso não é verdade — sussurrei, com minhas lágrimas ameaçando escorrer.

Mas ele parecia tão certo disso, como se estivesse mergulhado numa névoa de culpa.

— Claro que é — insiste, balançando a pistola de um lado pro outro. — Eu tatuei seu nome na porra da pele porque nada no mundo é mais importante pra mim... E então arruinei tudo. Eu daria minha vida por você! Eu faria qualquer coisa.

Aproximando-me mais, segurei o rosto dele, tentando chamar sua atenção para mim, tentar tirá-lo daquele lugar escuro em que estava.

— Eu sei disso, Rafe. E vai ficar tudo bem, mas você precisa se acalmar.

Ele balançou a cabeça, como se já tivesse tomado uma decisão.

— Se não posso ficar com você, não tem por que continuar com isso — diz, colocando a ponta da pistola contra a lateral de sua cabeça.

Meu coração parou por um segundo. Ele não podia estar pensando isso! Num simples gesto o medo tomou conta de mim, me deixando em completo desespero. As lágrimas dificultam minha visão e meus dedos contra seu rosto ficam ainda mais firmes.

— Não! Rafe, por favor, você está me assustando — eu peço, sentindo dificuldade para respirar. — Por favor. Não faz isso.

Ele suspirou, os olhos marejados. Coloco minha testa contra a dele, ignorando que uma arma esteja apontada contra sua cabeça.

— Eu sinto tanto.

Apertei seu rosto com força, tentando transmitir alguma esperança.

— Eu sei que sente, mas não pode fazer isso.

Ele fechou os olhos, como se aquela fosse a última vez que eu o veria.

— Eu tenho.

Sem pensar, o abracei, o segurando firme, me recusando a soltá-lo.
Consegui sentir sua surpresa pela maneira como reagiu ao meu toque. Não consigo disfarçar a urgência em meu tom de voz.

— Eu quero a sua vida, Rafe — murmuro contra o peito dele. — Quero sua vida longa, saudável e feliz, e eu sei que você acha que ninguém se importa, mas eu me importo. Porra, eu me importo tanto! Não faz isso comigo. Não me deixa aqui sozinha.

Aos poucos ele foi entendendo e minhas palavras finalmente pareciam fazer sentido. Senti o corpo dele relaxar um pouco, a pistola cai no chão como se o peso das minhas palavras tivesse o puxado de volta.

— Me desculpa por ter estragado tudo — ele murmurou, a voz fraca, vulnerável.

Eu sei o que isso significa. Provavelmente não havia nada mais pra mim além dessa confusão ambulante que eu havia me metido. Eu não pedi por isso? Quando o perdoei por seus erros, quando vi algo a mais do que o príncipe Kook? Eu não pedi por isso? Quando tentei ajuda-lo, quando me doei mesmo sabendo que nunca receberia nada em troca. Eu não pedi por isso? Não era isso que eu queria?

— Vai ficar tudo bem — murmuro, aceitando meu destino: uma vida miserável.

Eu precisava me livrar disso, eu queria me livrar disso. Eu precisava de ajuda...

— Eu amo você — ele diz, com um misto de tristeza e ternura.

Rafe me aperta contra si. Seu toque é venenoso, inebriante... Capaz de me matar.

— Eu também te amo, Rafe... Bem mais do que você imagina.

Bem mais do que eu imaginava ser possível amar alguém. E eu não queria mais isso...

Ficamos ali, imóveis, naquele silêncio, em um momento que parecia eterno. A dor e o desespero ainda estavam lá, mas naquele instante, senti que precisava matar esse amor antes que ele me mate.




Olha só quem voltou....
Gente fiquei SUPER bloqueada pra escrever esse capítulo, fiquei com medo de não conseguir tratar o assunto da maneira que gostaria e aí juntou com um bando de coisa da faculdade... Virou bola de neve.
Mas agora tá fluindo e estamos em reta final (ALELUIA).
Espero não ter perdido todos os meus queridos leitores :c

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