28. A procura de si
🦋 CALLIE
O barulho do liquidificador silenciava o reggae que saía da caixa de som mas JJ continuava dançando como se desse pra ouvir alguma coisa. Kiara bate uma foto onde provavelmente saí dando risada e Pope aparece, trazendo vários copos em sua mão e essa é a minha deixa para tirar o liquidificador da tomada.
— Não acho que isso é uma boa ideia — Pope conclui e essa é provavelmente a frase que ele mais diz em sua vida.
— Você nunca acha uma das nossas ideias boa, Pope — constato, estendendo os copos para JJ que tentava servi-los sem derramar tudo.
Pela rusga na testa de Pope sei que sua opinião sobre nosso drink é a pior possível.
— É porque não são — murmura e faço careta pra ele.
JJ acaba de servir todo mundo e posiciona os copos bem na nossa frente. Encaro a bebida amarelada com textura de iogurte me perguntando se havíamos mesmo feito um bom trabalho.
— Pronto, um pra cada — JJ anuncia, erguendo a sobrancelha em nossa direção.
— Não sei se quero provar isso — Kiara resmunga com os cenhos franzidos.
— Anda logo — JJ ergue seu copo nos convidando para um brinde.
Todos fazemos careta mas batemos nossos copos plásticos com o dele, provando o drink em seguida. O gosto é ainda pior do que a aparência e me faz ter vontade de gorfar... É impressionante como isso tinha gosto de tudo e de porra nenhuma ao mesmo tempo. A expressão de meus amigos é a mesma que a minha.
— É bem... — Pope faz uma pausa, procurando palavras. — Excêntrico.
— É horrível, isso sim! — Kiara diz, virando seu copo na pia.
JJ observa incrédulo o desperdício de álcool.
— Eu falei que não devia ter colocado tanto maracujá — aponto pra JJ, largando meu copo na bancada.
Pope balança a cabeça enquanto nega.
— Na verdade acho que o problema é mais esse gosto de pasta de dente...
Cruzo os braços enquanto JJ aponta pra mim.
— Foi culpa da Callie.
— Eu achei que seria refrescante colocar algumas balas de menta — explico.
— Agora mais parece um enxaguante bucal — Kiara diz, botando a lingua pra fora.
— Dá pra beber, vai — insisto apesar de saber que eu não colocaria mais um gole disso na boca nem se me pagassem.
— É claro que dá — JJ concorda ao mesmo tempo em que Pope nega.
— Não mesmo.
JJ se vira para Pope, aquele ar de superioridade em seu olhar.
— Está duvidando de mim?
— Pope, não — eu peço mas não adianta.
— É exatamente o que estou fazendo — Pope diz, apontando para JJ.
Eu e Kiara nos entreolhamos, já sabendo o que iria acontecer a seguir.
— JJ, não precisa disso — Kiara pede, fazendo careta.
JJ nos ignora e pega os copos que restaram jogando todo o líquido de volta no liquidificador.
— Eu vou beber tudinho e mostrar ao nosso grande amigo Pope que as vezes é legal não ser tão certinho.
— Você vai passar mal com isso — aviso mas também não o impeço.
Observamos JJ tomar tudo pelo copo do liquidificador com uma expressão de nojo misturada com choque. Ele bebe tudo e então bate o copo no balcão.
— É, estou mesmo um pouco enjoado — é o que ele diz, se sentando no chão.
— Se ele vomitar você vai limpar — Kiara diz, apontando para Pope.
— Ia sobrar pra mim de qualquer jeito — Pope ergue os ombros em aceitação.
Enfio o copo do liquidificador debaixo da torneira, pronta para continuar com toda a alquimia.
— Qual sabor agora? — pergunto.
— Por que não desistimos dessa história de drinks e pegamos algumas cervejas? — Kiara sugere. — Beber na praia...?
Pope concorda.
— Parece mesmo uma ideia melhor. Quem foi que inventou isso?
— O querido do enxaguante bucal... — digo, apontando para JJ praticamente deitado no chão.
Ele ergue o dedo, indicando que tem algo pra falar.
— Eu quero uma cerveja mesmo, meu paladar está comprometido.
Enviamos mensagem para o fornecedor de bebidas e para alguns colegas do Cut, marcando de irmos para a praia. Nos sentamos no quintal dos Routledge, bem embaixo da árvore de John B, e dividimos um baseado enquanto jogávamos conversa fora, esperando por nossa cerveja. Era fim de tarde, o sol estava se pondo e nesse momento eu senti que estava no lugar certo. Estava em casa.
Então meu celular vibra, mostrando o nome de Rafe — ainda cercado de corações — na tela.
Oi.
Fecho a cara, virando o celular pra baixo. Em menos de dois segundos o telefone volta a vibrar com mais mensagens.
Você não sai da porra da minha cabeça.
Podemos nos ver?
Eu te amo, Callie. Você sabe disso então deixa eu me explicar.
Estou com saudade.
É impressionante como eu conseguia ouvi-lo dizer cada uma dessas palavras num looping eterno. Tem sido assim durante dias, praticamente as mesmas mensagens em horários diferentes. Mensagens essas que nunca obtinham respostas apesar de meus dedos coçarem para isso. Queria xinga-lo e ao mesmo tempo dizer que o amava mas não podia perdoar suas mentiras. Perdoar ele significaria sacrificar a mim. Encaro cada uma das letras enquanto tentava entender como eu me sentia sobre isso, procurando algum sentido no meio da minha dor.
— O que tanto olha nesse celular? — Kiara pergunta me cutucando.
— Rafe — sou sincera.
A expressão no rosto de meus amigos não é boa.
— Ainda está mandando mensagens? — JJ pergunta.
Ele sabe o quanto tem sido difícil pra mim e não se importava em botar o Rafe pra correr todas as vezes que ele rondava o Malone's. Também me lembrava do que ele havia feito comigo sempre que meus dedos coçavam para responde-lo.
— É — assinto. — Ele tem mandado já faz alguns dias.
Kiara estende a mão pra mim.
— Me deixa ver — pede.
Entrego o celular a ela que divide o espaço da tela com Pope.
— É praticamente a mesma coisa — murmuro, enfiando minha mão na areia. — Eu te amo, me desculpa, quero conversar... Meu pai já botou ele pra correr três vezes essa semana e eu tive que me esconder no Malone's enquanto o JJ tocava ele de lá pra não gerar confusão.
A expressão de Kiara não é boa.
— Parece um pouco... — ela reflete por alguns segundos, sem tirar os olhos da tela. — Obsessivo.
— Isso que se ganha namorando aquele idiota — JJ resmunga.
— JJ — Pope o censura.
— Foi mal.
Eu e Pope trocamos um olhar cúmplice. Ele havia tomado meu lado na situação e conversou com JJ e Kiara para pararem de dizer coisas ofensivas como se fosse minha culpa por isso estar acontecendo. Segundo ele, apesar de ser minha culpa, eu estava em momento sensível e não merecia ouvir verdades gratuitas. Eu aceitei sua ajuda de bom grado.
— Por que não bloqueou ele? — Kiara pergunta, me estendendo o celular de volta.
— Fiquei com medo de piorar essa coisa. Não quero ele aparecendo o tempo inteiro.
JJ toma o celular da minha mão.
— Eu resolvo isso.
— Ei.
Ele digita por alguns segundos e em seguida estende o telefone em minha direção. Suspiro quando vejo o que havia na tema.
Nós terminamos, ACABOU! Vai se foder.
Você bloqueou esse contato. Toque para desbloquear.
— Ótimo, agora ele vai me seguir no meio da rua — resmungo, preocupada com sua reação após isso.
Não que eu devesse me preocupar...
— Vamos ficar aqui — JJ explica.
Encaro o quintal destruído dos Routledge e faço careta. Aqui estava uma zona mas não se comparava a parte de dentro... Essa história de furacões somados com um bando de adolescentes que vivam aqui deixou o local um tanto bagunçado.
— Aqui? — indago, franzindo o cenho.
JJ imediatamente entende o que quis dizer.
— É, bem — ele tomba a cabeça pro lado. — Vai precisar de uma limpeza mas sim.
— O meu pai... — começo a dizer mas Kiara ergue su mão.
— Eu levo comida pro seu pai.
Sorrio em sua direção.
— Obrigada Kiara.
— Mas o que vai dizer pra ele? — Pope pergunta.
Todos nós olhamos para JJ, esperando sua solução brilhante.
— Fala que meu pai foi preso e você vai ficar um tempo comigo. Ele com certeza vai acreditar.
Isso nos faz dar uma gargalhada, afinal, era a desculpa perfeita. Todos concordamos e combinamos de arrumar tudo no dia seguinte. Seriam longas horas de faxina!
Quando recebemos a mensagem do fornecedor nos enfiamos da kombi e dirigimos em busca de nossa cerveja. JJ já havia avisado alguns de nossos amigos do Cut que mandaram dinheiro para ajudar na despesa. Pegamos dois barris e fomos para a praia, com a caixa de som de Kiara ligada no máximo enquanto funk brasileiro — recém descoberto por Pope — tocava.
Poucos minutos após chegarmos a praia começa a lotar, estando cercada por nossos colegas do Cut. JJ decide que hoje levaria Hillarie, minha antiga colega de classe, pra cama então acabei passando a maior parte do tempo fazendo a cabeça dela. Não foi tão difícil já que seu antigo relacionamento havia terminado há algum tempo e superar tudo isso na cama do JJ parecia uma boa ideia.
Deixo os dois conversando e dou meia volta, indo a procura de Pope e Kie. Fazemos passos de dança em conjunto, girando e pulando em sincronia, era uma coisa que costumávamos fazer com John B. Nós sorrimos mas fica claro que faltava alguma coisa, algo que ninguém tinha coragem para mencionar. Não com tanta cerveja no organismo, não num dia como aquele.
Me afasto para pegar mais cerveja em um dos barris espalhados pela praia, já que conforme as pessoas foram chegando elas foram trazendo mais e mais. Há essa altura alguns Kooks também estavam por aí.
Quem se aproxima de mim é o Luke. Ele era lindo. Cabelos escuros, pele bronzeada, bigode e barba rala. Ele sorri pra mim o que estranhamente me deixa feliz, uma sensação que parecia estranha desde os últimos acontecimentos.
— Então, Callie! — ele se aproxima, me dando um abraço rápido. — Tem bastante tempo que você não aparece.
Nos afastamos enquanto tentava absorver o que havia acabado de acontecer, já faziam alguns meses que ele não falava comigo. Eu perdi minha virgindade com o Luke e meio que fugi dele depois do que aconteceu com medo de acabar me apegando, ou pior, ele acabar se apegando.
Geralmente era dessa maneira que eu lidava com os garotos.
O que eu podia dizer sobre isso? Que estava sumida graças a uma relação autodestrutiva? Que a ansiedade agora era minha melhor amiga?
— Eu estava... Ocupada — é o que resolvo dizer.
Luke assente jogando o cabelo pro lado.
— Com o Cameron — diz, fazendo careta. — Essa história se espalhou como fogo em um celeiro.
Ótimo. É claro que se espalhou, o que de mais interessante pode ter acontecido nessa ilha além do namoro entre um Kook e uma Pogue? Como o assassinato da xerife Peterkin, morte do John B e da Sarah...
— É — assinto, sem ter certeza do que dizer sobre isso.
— Por que não me conta da sua experiência lá no Malone's? Com certeza deve ser melhor do que trabalhar no mercado.
Dou risada. Eu havia o conhecido quando tínhamos catorze e trabalhávamos na estocagem do mercado no Cut onde tínhamos que aturar reclamações sobre preço, organização e levantar mais caixas do que qualquer médico recomendaria. Tinha sido uma época legal apesar de tudo.
Conto como estava sendo no Malone's e quais eram os malefícios e benefícios de trabalhar no Figure 8. Luke ouve tudo com atenção e fazia comentários que me divertiam. Ele era um cara legal. Trabalhava pra caramba desde novo, ajudava nas contas de casa e era o irmão mais velho de duas garotas. De repente me sinto estúpida por tê-lo evitado durante tanto tempo.
— Então, vai trabalhar amanhã a noite? — pergunta, erguendo uma de suas sobrancelhas pra mim.
Eu imagino quais são suas intenções com essa pergunta mas penso que talvez fosse bom sair com ele, me reconectar com quem eu realmente era. Bem longe dessa bagunça de traficantes e Kooks.
— Acredita que não?
— Nós podíamos sair... — sugere, me olhando com seus olhos grandes e dourados. — Como fazíamos quando crianças.
Isso me faz gargalhar.
— Comer jujubas e beber cervejas?
— Estava pensando mais em comer um hambúrguer mas isso também parece bom — brinca, abrindo um sorriso.
Eu gostava do espaço entre seus incisivos.
— Combinado então.
Logo atrás de Luke vejo Rafe, há alguns bons metros e com os braços em volta dos ombros de uma garota. Não consigo prestar atenção em mais nada a minha volta sentindo o embrulho do estômago me consumir aos poucos. Meu ouvido apita e respiro profundamente pelo nariz tentando controlar a vontade de vomitar.
Isso me magoa.
Era uma festa de Pogues, afinal. O que ele fazia aqui? Por que vir aqui? Será que ele não conseguia parar se me magoar nem mesmo por um minuto?
— Olha, Luke, eu tenho que ir agora — digo, interrompendo sua frase que eu nem ao menos sabia do que se tratava. — O JJ está prestes a ficar maluco e... Tenho que ir.
Luke abre a boca para dizer alguma coisa mas não dou tempo a ele, dando de ombros imediatamente. Corro os olhos pela praia e acho JJ ao lado de um bando de garotas, é claro. Não me importo em ser simpática e apenas o puxo pelo braço.
JJ, com os olhos vermelhos de tanta maconha, demora alguns segundos para me reconhecer. Quando isso acontece ele franze as sobrancelhas.
— Temos que ir — digo, puxando sua mão.
Ele cambaleia atrás de mim por alguns segundos mas então para.
— Espera, por que? — pergunta, puxando seu braço de volta. — Estou quase pegando essa gatinha ali.
O lugar para onde ele aponta não tem ninguém me mostrando que estava mais chapado do que eu imaginava. Me pergunto aonde ele enfiou a Hillarie.
— Rafe está aqui — digo, sinalizando com a cabeça na direção dele.
JJ franze o cenho e faz careta quando finalmente vê. Pope e Kiara aparecem com a mesma expressão no rosto, provavelmente já entendendo tudo que estava acontecendo.
— Quem é aquela? — pergunta Kie.
— Eu não sei mas não quero ficar pra descobrir — murmuro, como se falar baixo me tornasse invisível. — Acho que ele ainda não me viu.
— Acho que agora viu — Pope diz.
Me viro vendo Rafe olhando diretamente pra mim. Seus cenhos franzidos e sua expressão séria rapidamente se transformam enquanto ele aperta mais a garota ao seu lado contra si e sorri com o canto da boca em minha direção. Se eu não saísse daqui eu iria vomitar.
— Idiota — Kiara resmunga.
Antes que eu pudesse implorar para irmos embora JJ passa por nós como um furacão.
— Eu vou mostrar a ele uma coisa — resmunga, indo em direção a Rafe.
— JJ — choramingo.
Pope ergue os braços em rendição e dá de ombros.
— Olha, dessa vez estou com ele.
Eu e Kiara nos entreolhamos, completamente chocadas por até Pope estar se metendo nisso.
— Pope! — ela resmunga e então olha pra mim. — Eu não acredito.
Pois é, nem eu. Nos apressamos para acompanha-los tentando fazer algum tipo se controle de danos. A distância, conseguimos ver o momento que JJ cutuca Rafe pelo ombro.
— E aí, panaca — JJ diz assim que ele se vira e antes que Rafe pudesse reagir estala um soco em seu rosto.
O barulho é alto e chocante, fazendo com que eu coloque a mão na boca e imediatamente pare de andar. Observo a expressão da garota do Rafe, que parecia um espelho da minha, enquanto ele caia no chão. Imediatamente me recomponho, dando passos firmes em direção a eles.
— Está ficando maluco? — grito para JJ.
Ele não se preocupa em olhar em minha direção.
— Isso é pela Callie — JJ grita e chuta as pernas de Rafe.
Consigo ver o ódio crescendo nos olhos azuis de Rafe que se levanta em um pulo, pronto para atacar JJ. Antes que ele pudesse fazer algo Pope cerra a mão em um punho e soca o outro lado do rosto de Rafe, que volta ao chão.
— Isso é pela Callie — Pope repete.
Agora havia sangue escorrendo do nariz de Rafe que olhava para os dois com incredulidade em seu rosto.
— Espera ai, foi ela que terminou comigo.
— Como se você não soubesse o porque.
JJ chuta Rafe mais uma vez, gerando sentimentos conturbados em meu coração. Me aproximo dele e seguro seu braço.
— JJ, vamos embora.
— O que foi, Rafe? Não tem tanta coragem agora? — JJ provoca, gerando ira em Rafe. — Só é grandão quando está com seus amigos né?
Rafe avança, se colocando de pé e se recusando a cair sem lutar. Suas mãos cerradas em punhos vão em direção ao JJ e imediatamente paro na frente. Sua expressão se suaviza quando seus olhos encontram os meus.
— Você já fez o bastante — murmuro.
Rafe cruza os braços parecendo contrariado.
— Não acredito que concorda com esse idiota.
Ergo meu punho e eu mesma soco o seu rosto, fazendo careta pela dor que alastra em minha mão. Porra, sua cara era bem mais dura do que eu imaginava. Obviamente ele não cai no chão mas tropeça pra trás por conta do golpe. Rafe esfrega seu queixo.
— Nossa! — Kiara murmura. — Isso foi mesmo uma surpresa.
— Por que você fez isso?
— Você merecia — é o que respondo, dando de ombros. — Vem gente, vamos embora.
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