25. P4L
🦋 CALLIE
Eu odiava ficar sozinha. Principalmente em dias onde a casa estava arrumada, meu pai não enchia minha cabeça de histórias e não haviam turnos no Malone's. Pra piorar tudo Rafe estava resolvendo alguma coisa que envolvia a empresa e Ward então eu nem ao menos podia me enfurnar dentro do quarto com ele e arrancar minhas roupas. Também ficava difícil não pensar no JJ e nos meus amigos, pensar no que eles faziam agora e se em algum momento eles iriam me perdoar.
Todo dia eu pensava nisso mas em momentos assim... Era quase insuportável.
Desbloqueio meu celular e abro minha conversa com JJ. As últimas mensagens enchem meus olhos de lágrimas e meu coração de tristeza. Eu sentia falta dele todos os dias e desde que nasci nunca passamos tanto tempo sem nos falar. Minha mídia estava abarrotada de fotos suas e de nossos amigos. Muito surf, cerveja, maconha e passeios na Twinkie. Parecia fazer quase uma vida agora... Uma neblina envolvia todas as memórias como se tudo não passasse de um sonho, como se nada disso tivesse acontecido.
Meus dedos tremem para enviar uma mensagem e acabo digitando e apagando vários textos sem sentido que não faziam jus ao que eu realmente sentia. Eu era uma merda com palavras, principalmente aquelas escritas, então decido enviar um áudio. Pigarreio antes de começar, já sentindo minha voz embargada.
— Oi JJ, eu... Estive olhando as fotos do último verão. Lembra quando teve que tirar o siso então acabou passando uma semana aqui em casa? Aparentemente eu tirei mais fotos suas enquanto você se babava do que eu conseguia lembrar. Eu...
Há um longo momento de silêncio enquanto eu tentava colocar minhas ideias no lugar. Eu me sentia alguma espécie de papel amassado, aquele que você jogou fora e depois lembrou que precisava mas sabia que nunca mais voltaria a ser o mesmo. Os vincos sempre estariam lá.
— Você sabe que eu te amo, certo? — pergunto, com lágrimas nos olhos. — Eu me lembro do seu primeiro dia de aula no ensino médio, de quando nos escondíamos dos nossos pais o dia todo e de fumar maconha no telhado pela primeira vez no seu aniversário de treze anos. Não consigo me lembrar de um momento em que você não estivesse ali... Você é meu irmão. Você é meu melhor amigo, é a pessoa pra quem eu quero ligar quando coisas boas acontecem e quando meu mundo desmorona. É a única pessoa que eu deixo enxugar minhas lágrimas quando meu coração está partido, ou me ver vomitar depois de um porre, ou usar minha cama pra transar com outra garota.
Respiro profundamente, tentando deixar que meus sentimentos falem por mim en vez de pensar cuidadosamente em cada palavra.
— Eu não aguento mais isso, não aguento ficar assim com você porque isso me deixa infeliz. Não existe a possibilidade de ficar plenamente bem se você não está na minha vida. Você sabe que sinto muito pela história com o Rafe, sabe que sinto pelo John B e sabe que se eu pudesse eu faria qualquer coisa pra mudar isso — minha voz falha por conta de um soluço. — Sabe que eu faria.
Mais uma vez imagino um mundo onde Rafe não havia colocado os olhos em mim, onde eu o ignorei com firmeza e continuei vivendo minha vida simples de Pogue. Eu havia doado a ele partes de mim que jamais conseguiria de volta e eu sentia falta de quem eu era.
— Se eu pudesse deixar de ama-lo por você... — murmuro, desejando que isso fosse possível. — Eu faria isso, John. Eu faria sem pensar duas vezes. Porque sei que nenhuma ausência no mundo dói mais do que a sua. Você... — há uma longa pausa enquanto penso se deveria mesmo dizer aquilo. — Será que não pode me perdoar? Eu sei que você o odeia mas... Não pode me amar mais do que odeia ele? Eu preciso de você. Preciso do meu amigo. Por favor, me liga se puder. Ou aparece aqui... Bem. Você sabe onde eu moro.
Bloqueio novamente o celular e abro minha gaveta da escrivaninha, pegando um baseado e a fechando com meu celular lá dentro. Ficar olhando pro telefone só me deixaria mais ansiosa.
Me sento na varanda e acendo meu cigarro, tragando a fumaça enquanto cantarolava Snoop Dog. Afasto qualquer pensamento de minha cabeça e tento aproveitar a paz que a maconha trazia, me sentindo bem relaxada em apenas alguns minutos. O sol da tarde batia em meu rosto e me esquentava de uma maneira boa, me fazendo apagar em um cochilo tranquilo.
Acordo em um pulo com uma buzina esganiçada. Meu baseado que estava entre os dedos cai no chão e percebo que o sol havia sumido, dando espaço há um bando de nuvens. Parecia final da tarde agora. Fungo e me coloco de pé, ouvindo novamente a buzina e só então percebendo que JJ estava lá embaixo, bem do lado da sua moto.
Praticamente desço as escadas rolando de tanta euforia. Respiro profundamente antes de abrir o portão, tentando não dar de maluca pra cima dele. Acho que não funcionou.
— Oi Callie — é tudo que ele diz.
JJ tira o boné da cabeça e passa a mão pelos cabelos, voltando a coloca-lo. Isso me lembra John B, os dois sempre tiveram essa mania em comum.
— Você veio — murmuro como maneira de conter minhas emoções.
Minha vontade no momento era pular em cima dele, dizer que sentia muito, contar pra ele todos os pensamentos terríveis que passaram por minha cabeça enquanto ele se manteve distante.
— Você chamou — é o que ele responde.
Tento sorrir pra ele que também tenta sorrir pra mim, é aquela coisa que costumávamos fazer quando as desculpas pareciam pouco. Em questão de segundos decido que JJ merecia todas as palavras que existiam no dicionário, eu falaria cada uma delas para tê-lo de volta.
— John, eu... Eu amo você — digo, avançando em sua direção. — Eu preciso de você e... Tudo tem estado uma merda desde o John B e eu sinto tanta falta dele. Eu também sinto falta do pessoal e você... Eu sinto tanto a sua falta! As vezes eu só queria falar com você e me deixa louca saber que não posso fazer isso. Saber que não posso invadir seu quarto de madrugada ou enviar aqueles vídeos de gatinhos que sempre mandávamos um pro outro. Eu me considero uma pessoa resistente mas não resisto a essa dor. Eu posso ficar sem muitas coisas mas não sem você.
JJ sorri com o canto da boca.
— Não precisava de um discurso tão longo.
— Precisava — digo, de prontidão. — Eu preciso de todas as palavras pra tentar consertar isso.
Observo enquanto ele se aproxima de mim.
— Você me disse pra eu te amar mais do que odeio ele e isso é fácil. Eu te amo mais do que a vida, Callie — diz, fazendo com que um grande alivio preencha meu coração. — Você é família. É a minha irmã, minha pessoa favorita em todo o mundo e me desculpa se em algum momento eu fiz você duvidar disso.
— Me desculpa JJ — repito, sabe-se lá pela qual vez.
Ele se aproxima e me abraça, me envolvendo com seus braços grandes e quentes que sempre me confortaram nos momentos em que mais precisei. Sua mão acaricia meu cabelo enquanto eu encharcava sua camiseta com minhas lágrimas.
— Eu devia ter ficado do seu lado, devia ter te compreendido mas eu estava tão puto, eu só... — JJ murmura, ainda me apertando contra si. — Não posso escolher com quem você fica, não posso deixar de te amar só porque você ama ele. Não é justo te fazer escolher um lado, nunca foi.
— Me desculpa — digo mais uma vez.
A verdade é que eu esperava que com o perdão dele eu também conseguisse me perdoar.
Nós nos deitamos em minha varanda, lado a lado mas com os pés em direções opostas, olhando para o céu que não tinha nenhuma estrela dessa vez. Usamos um canudinho para beber cerveja barata e não esperamos o álcool agir para começarmos a despejar informações sobre o tempo que ficamos sem nos falar. Parecia fácil e certo ter essa conversa, quase como se o tempo nunca tivesse passado e nossa amizade não tivesse sofrido com algumas mudanças.
Eu e JJ sempre brigamos, e muito, no último ano do fundamental nós trocamos socos como dois lutadores de MMA e eu levei a pior, é claro. Depois disso aprendemos que não éramos mais crianças e que a testosterona de JJ dava a ele certa vantagem contra mim então nossas discussões se tornaram cheias de palavras ofensivas e um cabo de guerra de quem ficava em silêncio por mais tempo.
Nunca passava de vinte quatro horas.
Éramos ótimos em brigas mas ainda melhores em fazer as pazes e eu agradeço por isso não ter mudado.
— Então... Como vão as coisas? — ele pergunta quando aparentemente já falamos sobre tudo, chegando no ponto que eu estava tentando evitar até agora.
— Quer mesmo saber?
— É claro que quero — responde de prontidão.
Suspiro, pensando no que exatamente eu deveria dizer.
— Difíceis.
— Difíceis como?
— Já amou tanto alguém que... — faço uma pausa, reformulando minha frase. — Já amou alguém ao ponto de esquecer de si mesmo? Sabe... Quando você olha pra alguém e sente que seria capaz de qualquer coisa por ela mas que não deveria? Alguém que você sabe que não pode confiar, que não pode contar mas que no momento em que olha em seus olhos você só... Se esquece disso?
Espero que JJ tenha alguma reação mas tudo o que ouço é sua respiração pesada. Queria contar as estrelas no céu mas estava extremamente nublado hoje.
— Como o meu pai? — pergunta, depois de alguns longos segundos.
— É — concordo, sentindo certa semelhança em nossas situações. — Acho que sim.
— É uma merda.
Dou risada. Acho que nós dois estamos sempre juntos mesmo, até quando a situação é ruim.
— Eu o amo tanto, com cada pedaço de mim — admito, sentindo o sangue subir até meu rosto. — Mas não sei se minha ajuda é o suficiente pra ele. Não sei se ele tem salvação e não sei se deveria continuar com isso mas eu tenho tando medo de deixa-lo sozinho.
— Não é sua responsabilidade cuidar dele — JJ diz, com um tom bastante compreensivo até.
— Eu sei, eu só... Eu sei que odeia ele e acredite, eu também odeio as vezes mas... Ele só quer se amado, apoiado, apreciado... E parte a porra do meu coração que seu pai tenha deixado ele chegar nesse ponto. Quer dizer, a cocaína, o assassinato, as crises de raiva... Isso poderia ser evitado se tivessem dado a devida atenção. Eu não sei se ainda dá tempo de muda-lo.
JJ suspira e então se senta, olhando em meus olhos e colocando sua mão contra a minha.
— Olha Callie, eu não gosto dele, nem um pouco mesmo então não sei exatamente o que dizer mas... Acho que posso falar sobre o meu pai. As coisas ficaram melhores quando eu entendi que o que ele fazia não estava sobre o meu controle e não tinha haver comigo, nada que eu fizesse iria faze-lo mudar o seu jeito porque pra isso ele tinha que querer. E nada que eu falasse poderia faze-lo querer, isso tinha que partir dele. Eu sei que o ama, eu sei disso desde o dia depois da pista de decolagem porque vi em seus olhos. E eu sei que nunca sentiu isso mas... Pense um pouco em você. Pense se é assim que quer passar o resto da sua vida e saiba que você vai ama-lo sempre, mas precisa aprender a conviver com isso.
Assinto, sentindo certo remorso me consumir. Eu ia encontra-lo daqui a pouco e estava discutindo os motivos pelos quais eu deveria larga-lo. Não era justo.
— Eu não sei J — murmuro. — Isso... Dói pra caralho. Eu só... Queria, as vezes, que ele nunca tivesse colocado os olhos em mim. É horrível dizer isso?
— Não.
Balanço a cabeça, me castigando pelo o que disse e me odiando por me sentir dessa maneira.
— Eu me sinto horrível — admito.
JJ aperta minha mão contra a sua.
— Não deveria.
Me ergo e o abraço, afundando meu rosto em seu ombro e deixando que seu calor me acalmasse. Nós sempre fomos unha e carne e agora, nesse momento tão difícil onde as coisas pareciam tão confusas pra mim, era bom tê-lo ao meu lado. Fungo quando ouço meu celular apitar duas vezes, já imaginando que seria Rafe. Me afasto de JJ e desbloqueio a tela, vendo que pelo horário eu já estou atrasada.
Ei. Quando você vem?
Meu pau já está em pé.
Reviro os olhos para as mensagens na tela do meu celular. Me ponho de pé, tentando melhor a expressão no meu rosto.
— Eu tenho que ir, combinei de dormir no Rafe — murmuro, ajeitando minha saia.
JJ também se põe de pé.
— Qualquer coisa me manda mensagem, tá bem? Parece que vai chover pra caramba de madrugada.
Assinto.
— Certo. Toma cuidado.
— Você também.
Nós nos abraçamos mais uma vez. Não éramos as pessoas mais acostumadas com contato físico mas depois de tanto tempo sem nos ver parecia extremamente natural não conseguirmos nos soltar.
— Eu te amo — digo, apertando sua cintura. — Eu te amo pra caralho, você sabe disso não é?
Sinto seus lábios depositando um beijo no topo de minha cabeça.
— Eu também te amo irmãzinha.
Nós descemos para o quintal e aceno pra ele enquanto subo em minha bicicleta. Tendo sua amizade eu sabia que poderia enfrentar qualquer coisa... Eu só tinha que decidir qual seria minha batalha daqui pra frente.
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