23. Entre o certo e o errado

🦋 CALLIE

Andei evitando pensar muito no que estava prestes a fazer. Era óbvio que o tráfico de drogas vindas do continente era algo perigoso, que passava por fiscalização e que me renderia dez anos de cadeia caso eu fosse pega — sim, eu pesquisei. Mas meu trabalho era simples: pegar dois quilos de cocaína que me seria entregue dentro de uma urna funerária e chegar em segurança em Outer Banks. Barry havia me explicado que geralmente contratavam pessoas variadas para isso para que nenhum rosto ou nome ficasse marcado. As dezessete em ponto os seguranças da barca trocariam de turno e o tal Corey — que foi comprado pelos traficantes — me deixaria passar sem nenhuma pergunta.

Tudo que eu tinha que fazer era me atentar aos horários e seguir tudo como combinado. Barry se comportava como um idiota na maior parte do tempo mas quando queria seus neurônios realmente funcionavam. Enquanto desço no porto atrás dos outros passageiros sinto meu telefone vibrar em meu bolso. O nome de Rafe rodeado de corações cor de rosa — que ele mesmo havia colocado — brilha na tela.

Engulo em seco e atendo.

— Oi.

— Callie? O que está fazendo? — pergunta. — Não te encontrei em casa.

Demoro longos segundos para desenvolver uma resposta. Eu nunca havia sido boa com mentiras, geralmente essa era a coisa do JJ, ele sempre me encobria com suas histórias malucas.

— Vim no continente resolver umas coisas pro meu pai — respondo. Era uma meia verdade, mais fácil de acreditar.

— Devia ter me avisado, eu podia ter ido com você.

— Não corro risco de vida — garanto e então percebo que talvez isso não fosse verdade.

E se eu morresse e ninguém soubesse onde eu estava? Será que o Barry contaria? Eu duvidava muito disso. Meu corpo provavelmente nunca seria encontrado e meu pai passaria o resto da vida se perguntando por que eu havia sumido.

— É claro que não — Rafe diz, consigo ouvi-lo buzinar do outro lado do telefone. — Quem corre risco de vida é quem se atrever a mexer com você.

Dou risada.

— Você é maluco.

— Você me deixa maluco — responde. Minha boca abre querendo conversar com ele por mais tempo mas me calo, eu não deveria jogar conversa fora agora. — Volta a tempo pro jantar? — pergunta. —Queria te ver... Macarrão, banheira e você em cima de mim.

Isso parecia perfeito tirando o fato de ser obrigada a ver o Ward.

— Não pode me encontrar na minha casa? — sugiro.

Consigo ouvir sua risada nasalada.

— Certo — concordo. — Macarrão, chuveiro a gás e você em cima da nossa antiga amiga cômoda. Perfeito.

Ah, eu mal podia esperar pra isso.

— Te vejo mais tarde.

— Toma cuidado — ele diz, usando o tom de voz carinhoso. — Eu te amo.

— Também te amo.

Desligo o telefone e suspiro, caminhando em passos receosos até o estacionamento. O vento úmido que vinha do mar combinado com o dia nublado fazia com que meu cabelo grudasse na testa e em minha nuca, me dando a impressão que estou suja. Ou talvez seja apenas pelo fato de estar me tornando a porra de uma traficante...

Procuro pelos homens que Barry havia descrito e os encontro parados ao lado de uma camionete de cinco lugares. Reflito por alguns segundos antes de me aproximar. Um dos caras era alto, corpulento — praticamente do tamanho de uma geladeira — e tinha seu cabelo comprido e escuro úmido por causa do clima. Seu colega era consideravelmente menor, bem magro e com o nariz fino e pontudo. Ambos estavam sujos e pareciam pescadores, além de não terem a aparência mais amigável do mundo. Meus dedos tremem conforme o espaço entre nós fica cada vez menor.

Eles param de conversar quando percebem que me aproximei e me encaram de cima a baixo.

— Então... — murmura o maior, vindo em minha direção. — Você é a tal garota que o Barry mandou?

Engulo em seco enquanto procuro minha voz.

— Sou.

Os dois se entreolham e gargalham, exibindo seus dentes escuros e asquerosos. Pareciam se divertir com algo que apenas eles entenderiam, algo esse que me gera um arrepio.

— É bem mais nova do que esperávamos — o mais magro diz, passando a lingua nos lábios.

— E bem mais gostosa — o outro completa.

Cruzo meus braços, me arrependendo por ter saído de casa com uma calça justa. Agora eu sentia vontade de chorar e sair correndo, perfeito.

— Olha, eu só vim buscar a encomenda — digo, tentando manter minha voz firme e meu queixo estendido. — Onde está?

Há longos segundos de silêncio enquanto eles me encaram. O do cabelo comprido usa a cabeça para acenar em direção ao seu carro enquanto seu colega continua me secando de cima abaixo. Imagino o que Rafe faria com eles por me olharem assim, em como ambos engoliriam os próprios dentes e mastigariam o próprio pinto. Saber que ele faria isso por mim me faz sentir quase invencível.

— Vamos lá pegar — diz.

— Lá? — repito, torcendo para ter entendido errado.

— É — assente, abrindo a porta do carro. — Fica a uns quarenta minutos daqui.

— Por que não trouxeram pra cá? — pergunto.

O idiota que não tirava os olhos das minhas pernas dá uma risada.

— Não sabiamos o horário que você ia chegar e não dá pra ficar dando  bobeira com dois quilos de pó no carro — explica com sua voz arrastada. Com certeza traficar não era a única coisa que ele fazia com o pó.

— É. Chega ai.

Ambos se aproximam do carro mas não me mexo, congelada demais por meus pensamentos. Eu era grandinha o suficiente para saber o que poderia acontecer com mulheres que entravam em carros com desconhecidos, ainda mais esses sendo os desconhecidos, mas também sabia que queria acabar com isso tudo o mais rápido possível e assim, quem sabe, eu e Rafe pudéssemos ter um futuro mais tranquilo.

— O que foi? — o cabeludo pergunta, já no banco do motorista.

O magrelo dá risada, segurando a porta pra mim.

— Acho que ela está com medo chefe.

Agora os dois riam.

— De que? Da gente?

— Eu não estou com medo — digo, tentando me convencer disso.

Os olhos escuros do motorista se cruzam com os meus em um tom um tanto desafiador.

— Pois parece assustada.

Meu pai provavelmente me mataria por isso mas marcho em direção ao banco de traz e me sento, sentindo o cheiro de peixe, suor e nicotina. O magrelo bate a porta e se senta no banco do carona, sorrindo pra mim com seus dentes escuros pelo retrovisor. Deixo o contato de Rafe a apenas um clique de uma ligação, ele obviamente não conseguiria impedir que eu fosse esquartejada mas os faria pagar por isso.

Passo todo o percurso tensa ao ponto de mal conseguir me mexer, com meus músculos completamente congelados. Os nojentos na minha frente pareciam ter se esquecido da minha presença e cantarolavam alguma música latina com animação e as vezes trocavam algumas palavras. Obviamente o mais magro me olhava muito pelo retrovisor. Deixo a janela aberta para que o ar corra e o cheiro de peixe podre fique mais suportável.

Estacionamos em frente uma casa colonial de tijolos expostos. Era enorme e com grandes janelas de madeira. Vários funcionários passavam de um lado pro outro, todos parecendo fazer algo específico, e óbvio que haviam mais homens muito mal encarados. Dois deles eram enormes e ficavam no jardim portando duas metralhadoras.

Engulo em seco enquanto forço minhas pernas a sair do carro. Acompanho meus dois escudeiros até a parte de dentro, enquanto mais e mais homens armados passam por nós e me olham com curiosidade e maldade. A angústia em meu peito fica cada vez maior e imagino mil maneiras horríveis de morrer. Paramos em frente a uma porta com mais dois caras armados que a abrem no exato momento que eu apareço.

Um deles acena para que eu entre e imediatamente o obedeço.

A sala era grande, bem iluminada até, com grandes janelas em estilo colonial. As paredes pintadas de verde escuro traziam um lado sombrio que era apaziguado pela enorme quantidade de quadros que cobria cada centímetro exposto das paredes. Os quadros eram de pássaros, de varias cores, formas e tamanhos e junto a eles haviam gaiolas com pássaros reais que fazem todo tipo de barulho conforme eu caminho em direção a mesa. Pelo visto cocaína não era a única coisa que eles traficavam.

Atrás da mesa de madeira escura estava o tal Caco de quem Barry havia me falado. Seu visual era... Quase alegórico. Cabelo preto preso em um rabo de cavalo baixo, colete de couro, barba escura e cheia e um tapa olho no olho esquerdo. Caco tinha olhos sinistros e verdes que me encaram como se pudessem me matar como a porra do Ciclope.

— Então... — murmura, apontando pra cadeira. — Quem é você?

Me movimento com cuidado e me sento, ainda tomando fôlego para responder. Caco tinha dentes de ouro parecidos com os do Barry mas que brilhavam bem mais.

— O Barry me mandou pra buscar a... — engasgo no meio da frase. — Encomenda.

Caco revira os olhos e mexe no bolso do seu colete.

— Barry... Aquele idiota.

Não sei o que responder então seguro minhas mãos uma contra a outra enquanto o observo. Caco tira um pequeno tubo de dentro do seu bolso e quando o abre despeja uma boa quantidade do pó branco em cima da sua mesa já suja. Com a ajuda de uma nota de cem dólares ele inala todo o pó, esfregando o nariz em seguida. A expressão em seu rosto se suaviza quase imediatamente.

Ele percebe que eu o observava.

— Quer? — pergunta.

Engulo em seco e desvio o olhar.

— Não, obrigada.

Caco não se mexe, apenas continua me encarando por tempo o suficiente pra me deixar mais do que nervosa. Fico com vontade de vomitar e nesse momento realmente temo pelo pior.

— Não deveria estar me entregando o que eu vim buscar? — murmuro, fazendo o que faço de melhor quando estou nervosa: falar.

— Sabe... O Barry geralmente não manda mulheres pra mim.

— Eu não fui enviada pra você — respondo de prontidão.

— Claro que não, foi enviada pra todos nós.

Caco dá risada, assim como os caras atrás de mim. Isso tudo me dava nojo e acho que fica perceptível já que Caco acrescenta:

— Só estava brincando.

Assinto, desviando o olhar.

— Tá, certo.

— Juan, pegue a encomenda do Barry lá dentro — Caco pede e um dos seus subordinados passa por nós, abrindo uma das portas atrás de Caco.

Ele demora alguns segundos, piorando a situação da minha náusea por tantos homens olharem para mim. Caco parecia ter algum tipo de visão de raio X, como se pudesse ver algo além de minhas roupas e pele. Felizmente o tal Juan aparece, colocando a urna funerária em cima da mesa bem a minha frente.

Caco usa suas mãos para arrasta-la em minha direção.

— Já está pago — diz.

Imediatamente me ponho de pé, pegando a urna em minhas mãos.

— Obrigada — murmuro, dando de ombros.

— Diga ao Barry pra não mandar mais garotinhas, não posso assegurar que meus homens vão se controlar. Ou eu.

Engulo em seco e passo pelos homens na porta que não pareciam se importar com meu semblante assustado. Aposto que pra eles era divertido, como a porra de um passatempo. Agradeço pela dupla de panacas não me oferecer uma carona e praticamente corro pra fora daquele lugar em direção a civilização. Pelo o que me lembrava, se eu andasse em linha reta por dez minutos conseguiria achar um ponto de ônibus.

Conseguia ouvir meu coração bater graças a adrenalina em meu sangue a velocidade em que me movia. Quase choro e peço a todos os Deuses e santos que conheço para que me mandem um ônibus o mais rápido possível. Decido ser uma pessoa com mais fé no momento em que o ônibus vira a rua.

Em questão de minutos estou de volta ao porto, com o rosto repleto de lágrimas. Eu não sabia porque chorava, talvez exalando todo o medo que senti ou talvez de alívio. Eu não conseguia entender mas era bom, como se minha alma se limpasse. Compro um saco de pipoca e a como, querendo colocar um pouco de sal pra dentro do meu organismo. Então espero a barca para que eu possa voltar para Rafe, eu me sentiria bem assim que estivesse em seus braços.


🦋


Rafe havia me trago flores, um buquê repleto de várias cores e aromas que derreteu meu coração e fez com que eu me sentisse muito melhor. As coloquei na água bem ao lado da minha cama. Nós tomamos banho juntos — o que ajudou com que eu me sentisse limpa — e Rafe cozinhou para nós enquanto conversávamos. Meu pai soltava algumas opiniões lá do sofá da sala que acabava fazendo com que Rafe desse risada.

Eu não entendia muito bem a relação deles.

Depois de jantarmos eu não penso duas vezes em subir pro quarto, completamente sedenta pra me deitar e relaxar um pouco. Meus músculos do corpo inteiro doíam de tanta tensão pelo dia de hoje. Rafe sobe alguns minutos depois, sorrindo pra mim enquanto fecha a porta do quarto.

— Eu estava pensando sobre o que aconteceu na pista de pouso — diz, se sentando ao meu lado na cama.

— Ah — é tudo que consigo dizer, principalmente por não querer conversar sobre isso agora.

Meu dia havia sido horrível e eu não queria lembrar do único dia que conseguiu ser pior do que esse. Rafe se vira em minha direção apoiando a cabeça em sua mão.

— Eu tive uma ideia na verdade. Um jeito de fazer com que as digitais de Barry parem na arma que atingiu a xerife. A ficha dele é horrível então não seria difícil...

Minha cabeça doía tanto que nem consigo expressar os sentimentos confusos que se apossam de mim no momento.

— Não acredito nisso — murmuro, colocando a mão na lateral da cabeça.

Porra, doía pra caralho.

— Não quer que eu fique o resto da vida preso né?

— É claro que não quero mas não sei se esse é o melhor jeito — admito.

Também não sei como eu me sentia sobre isso. Eu já era cúmplice — isso era um fato — e com certeza enfiar Barry atrás das grades depois desse dia merda que ele havia me dado me deixaria bem feliz mas... Eu não queria que Rafe agisse dessa maneira, não queria que ele pensasse assim.

— É perfeito e meu pai pode me ajudar com isso — continua. — Ele tem os meios, eu tenho a mente.

— É — concordo, não querendo discutir a respeito.

Me deito na cama com a barriga pra cima, soltando um longo suspiro. Imediatamente me sinto melhor, talvez eu só estivesse precisando relaxar um pouco.

— O que foi? — Rafe pergunta, se erguendo.

Seus olhos pareciam preocupados com qualquer mínimo sinal de mal estar desde o dia do desmaio.

— Nada... Eu só... — suspiro. — Foi um dia longo, estou muito cansada.

Rafe sorri com o canto da boca e se arrasta até a ponta da cama, se ajoelhando no chão.

— Sei de uma coisa que vai te relaxar — diz, segurando meu quadril.

Ele me puxa em sua direção, encaixando sua cabeça entre minhas pernas. Dou risada, vendo seu rosto sorridente por esse ângulo.

— Rafe — o censuro.

Seus dedos sobem dos meus joelhos até minhas coxas, as afastando um pouco. Quando sua boca toca a pele sensível do meio delas sei que ele havia me ganhado e que a partir de agora faria o que ele quisesse. Seu corpo quente sempre sabia como me animar.

— Porra — eu xingo, me contorcendo. Eu queria me livrar logo dessa calcinha.

Rafe sorri, olhando pra mim com seus olhos agora escuros, e como se lesse minha mente puxa a lateral de minha calcinha até meu tornozelo, deixando minha intimidade livre para ele. Ele não tira os olhos de mim enquanto se aproxima e me lambe com sua língua, fazendo com que o seu nome escape de minha boca junto com um gemido.

Se uma coisa poderia me ajudar com certeza seria isso.


Vaquinha para pagarmos um terapeuta pra Callie, que comecem as doações!!
A coitada tem 0 dias de paz desde que conheceu o Rafe...
Volto logo com mais capítulos!

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