16. Um problema chamado pais

🦋 CALLIE

Meu pai é um cara razoável na maioria das vezes. Trabalhava muito, odiava lamentação e tinha um senso de humor bem peculiar. Nós dividíamos a vida da nossa maneira desde que havia largado a vida de Kook para morar com ele, um relacionamento sólido como pedra apesar de peculiar. Sem conversas muito profundas, muitas horas de silêncio, vários comentários sobre o cotidiano. E era perfeito assim, eu e papai nos completávamos como a canção mais bonita de amor.

Ele fazia mais o estilo que respeitava minhas escolhas. "Não beba fora de casa Callie, aqui você pelo menos está segura" e então eu trazia todo o pessoal e alguém sempre acabava vomitando na sala. "Acho que não deveria fumar maconha mas já que você insiste pelo menos use um cinzeiro" e então ele trouxe um cinzeiro em formato de flor. Minhas escolhas eram unicamente minhas e papai gostava sim de dar opinião mas nunca de impor sua vontade.

Minha preocupação era unicamente como juntar sua sinceridade com o temperamento um tanto... Intenso do Rafe. Coloco meu cabelo atrás da orelha e amarro as costas do vestido. Era azul e justo, com as costas expostas. Rafe sai do banheiro espalhando seu cheiro por todo o quarto.

— Então... Como eu estou? — pergunta, dando uma voltinha.

Isso me faz sorrir e automaticamente coloco minhas mãos no colarinho de sua camisa. Rafe é rápido em me envolver pela cintura.

— Delicioso. Tão engomadinho que estou com vontade de te jogar na cama e te amassar um pouco.

Sua risada me faz sorrir e seus dedos quentes em minhas costas nuas me dão a sensação de estar acolhida. Eu amava esses momentos.

— Não pode oferecer esse tipo de tentação logo antes de eu conhecer o seu pai — pede, beijando meu pescoço exposto. — Meu pau vai ficar duro e ele vai perceber.

Esse pensamento me faz sorrir.

— Okay, me desculpe — digo, me afastando de volta pro espelho. — Pense em outra coisa, sei lá, polvos.

— Polvos?

— Eles são moles e nojentos — explico mas Rafe ainda parecia avesso com a ideia. — Olha, eu estou tentando te ajudar.

Rafe se senta na cama e então corre os olhos por todo meu corpo. Ele morde o lábio inferior.

— Então não devia ter botado um vestido tão justo.

Confesso que estava começando a sentir calor.

— Eu vou ficar longe de você — garanto, parando de olhar pra ele através de seu reflexo.

Eu devia ficar longe dele pelo seu bem e principalmente pelo meu. Meu pai farejava fogo adolescente como um cão treinado. Uma vez emprestei minha cama pro JJ usar com uma garota e bem... O meu pai apareceu, é claro.

— Eu sinto seu cheiro mesmo se você estiver do outro lado da sala — murmura, me provocando.

Me viro pra ele com um olhar misericordioso.

— Rafe...

Rafe suspira e se deita na cama, deixando seus pés apoiados no chão.

— Só estou enchendo o seu saco. Isso nunca me aconteceu antes e... Acho que estou nervoso.

Sua preocupação me faz sorrir e me aproximo dele com cuidado para não acabarmos nus nessa cama.

— Você acha? Não parou quieto desde quando chegou.

— Será que ele vai gostar do vinho e dos chocolates? — pergunta, seus olhos azuis pareciam escuros e um tanto preocupados.

Eu também estava mas não queria demonstrar nada disso. Pelo o que minha mãe havia falado Rafe não lida bem com rejeição e meu pai podia ser bem difícil quando quer, é simplesmente o jeito dele. Sempre foi assim.

— Claro que vai — garanto, me sentando.

Ele ergue o tronco pra ficar ao meu lado.

— Eu não comprei o melhor, fiquei com medo dele achar que estou querendo me exibir mas agora ele pode achar o contrário. Pode achar que não merece o melhor.

Dou risada.

— Você está surtando atoa — digo, levando minha mão ao seu rosto. — Meu pai bebe cervejas de dois dólares, pode ter certeza que não vai se importar com isso.

Ele suspira e coloca sua mão contra a minha, depois a puxa pra perto de sua boca até que meus dedos estejam contra seus lábios. Meu coração derrete com seu gesto de carinho.

— Certo — diz, ainda segurando minha mão.

O puxo para ficarmos de pé.

— Vamos.

Descemos as escadas e entramos pela porta de vidro que dava na nossa sala conjugada com a cozinha. As cortinas estavam abertas dando vista pro lado de fora. Puxo Rafe pela mão já que no momento ele parecia mais lento que o normal.

— Oi pai — digo, entrando na cozinha. — O cheiro está maravilhoso.

Meu pai não cozinhava mais frequentemente por conta da coluna e isso era realmente uma pena. Eu não era tão boa na cozinha quanto ele o que rendia algumas gororobas bem ruins quando o dia era ruim e algo bom e básico em dias bons. Hoje ele havia feito uma excessão e eu o ajudei a deixar tudo no jeito para que ele conseguisse servir algo que gostasse. Papai sempre cozinhava para receber as pessoas antes do acidente.

— Ah, que bom que gostou! — diz, mexendo o caldo na panela. — Camarões. Comprei com o Heyward, fresquinhos.

O caldo usava a casca dos camarões para dar sabor. Era levemente apimentado e contava também com cebolas e tomates. Era o nosso favorito.

— Você deve ser o famoso Rafe — meu pai diz, levantando o olhar até ele.

Rafe pigarreia e dá dois passos a frente, estendendo a mão em sua direção.

— É um prazer senhor Atwood — diz, dando um sorriso esquisito de nervosismo.

Meu pai pega em sua mão.

— Não sou assim tão velho, me chame de Henry.

— Certo — Rafe assente. Ele me olha de soslaio e então coloca em cima da bancada a sacola em sua mão. — Eu trouxe um vinho e chocolates.

Papai pega a colher e volta a mexer o caldo, dispensando o vinho com a cabeça.

— Hoje não estou afim de beber mas por favor façam as honras.

Rafe me olha com as sobrancelhas franzidas, parecendo magoado. Tento tranquiliza-lo com o olhar, dando um sorriso sem mostrar os dentes.

— Eu sirvo — digo, pegando a garrafa na nossa frente.

Abro o armário em busca de duas taças, o silêncio em volta de nós era meio desconfortável.

— Então Rafe... Tem quantos anos mesmo? — meu pai pergunta, fazendo com que eu sinta falta do silencio. E aqui começa o questionário.

— Vou fazer vinte — Rafe responde de prontidão.

Luto com o saca-rolhas, tentando abrir a maldita garrafa em tempo suficiente para participar da conversa.

— É uma boa idade. O que anda fazendo ultimamente? Algum plano pro futuro?

— Bem eu... — Rafe pigarreia. — Tenho acompanhado meu pai nos negócios e acho que esse é meu plano. Estar pronto pra gerir tudo quando for preciso.

— Isso envolve ficar em Outer Banks?

Finalmente a rolha sai e consigo servir um pouco de vinho nas duas taças.

— Acho que sim.

— É uma pena — papai murmura, dando de ombros. Estendo uma taça pra Rafe. — Sabia que Callie quer ser veterinária?

Isso me faz dar um bom gole na bebida.

— Eu... — Rafe me olha mas desvio no mesmo segundo. — Não. Não sabia.

Não tinha mais certeza se deveria ser veterinária. Esse era um sonho que eu costumava ter na escola, antes de ter que ajudar meu pai ou ter um emprego que ocupa a maior parte do meu dia. Por mais que a vida não seja da maneira que planejei, eu não tinha nenhum problema em viver na ilha. Eu gostava de Outer Banks, afinal, era o paraíso na Terra.

— Do que conversam afinal? — indaga, sendo bastante incisivo. — Nada sobre o futuro?

Rafe abre a boca mas antes que ele diga algo eu resmungo.

— Pai! É recente, pelo amor de Deus — murmuro.

Observo enquanto Rafe dá um bom gole no vinho, bebendo mais da metade da taça de uma vez só. Meu pai se vira pra mim, sua expressão é calma como a que ele usava quando jogava Poker.

— Eu só quero saber quais são os planos que ele tem pra vocês. Se ele realmente vê isso como algo sério e se vai cuidar bem da minha única filha.

— Olha, senhor At... — Rafe pigarreia. — Henry. Eu e a Callie conversamos sobre muitas coisas e eu sinto muito que não tenhamos chegado nesse assunto. Eu iria a qualquer lugar do mundo por ela, pode ter certeza disso. Eu... Ela me faz ser melhor e eu quero mesmo ser melhor. Quero ser merecedor dela.

Meu coração fica quente com sua declaração tão firme, principalmente na frente do meu pai. Eu sabia que essa situação era incomoda pra ele e conhecendo suas limitações não consigo evitar me sentir orgulhosa por ele estar conseguindo lidar com isso sem surtar. Sorrio sem mostrar os dentes e posiciono minha mão em seu braço, querendo ficar próxima a ele.

— Então vai ter que trabalhar muito — papai ironiza, abrindo a geladeira.

— Pai — o reprimo.

Ele dá risada, voltando pra bancada com uma bandeja lotada de camarões descascados.

— É verdade — insiste. — Você é a melhor pessoa que já conheci.

— Você é meu pai então não vale.

— Eu concordo com ele — Rafe diz, colocando sua mão por cima da minha.

Faço careta.

— Não vou discutir isso com vocês.

Papai revira os olhos mas dá um sorriso cúmplice na direção de Rafe, o que me deixa satisfeita.

— Certo, então vamos ver os dotes do Rafe na cozinha. Sabe usar uma faca?

— Claro — Rafe concorda, puxando a manga de sua camisa.

— Corte todos esses pimentões enquanto eu e Callie limpamos os camarões.

Inferno. Eu odiava tirar tripas de camarões.

— Pode deixar — ele diz, pegando a faca e tentando mostrar serviço enquanto eu me arrastava debilmente pra trás do balcão.

— Por favor, não perca um dedo. Não quero um processo de um Kook — papai brinca e eu dou risada junto com ele.

Era bom ser 100% Pogue.



🦋


O jantar vai bem na medida do possível. Meu pai menciona muito o JJ o que claramente deixa Rafe desconfortável e desconfio que é exatamente por isso que ele insiste tanto no assunto. Rafe também diz algumas coisas que faziam com que meu pai me olhasse de soslaio ou apenas assentisse enquanto parecia um pouco chocado. Mas tirando isso, nada demais.

Quando Rafe vai embora percebo que ele está um pouco quieto e pensativo demais, até mesmo estranho quando ele nega dormir comigo, me preocupando em como a noite poderia te-lo afetado.

Fecho a porta e encaro meu pai que parecia distraído lendo algum livro de fantasia. Pigarreio mas de nada adianta então me aproximo.

— Então...? — incentivo, me sentando no braço da poltrona.

Meu pai tira o óculos do rosto e coça o cavanhaque algumas vezes antes de abrir a boca.

— Ele parece... Intenso.

Intenso é uma ótima palavra pra descrever o Rafe mas não era o suficiente pra mim.

— E?

— Não parece de tudo ruim mas eu ainda não o conheço de verdade. Em alguns momentos ele pareceu... — meu pai faz uma longa pausa, parecendo procurar a palavra certa em sua cabeça. — Perturbado.

Engulo a seco.

— O Rafe tem alguns problemas... — admito.

Os olhos de papai se arregalam de preocupação e isso faz com que eu me arrependa imediatamente por ter compartilhado essa informação.

— O quê? Não vai me dizer que ele usa drogas?

— Não! — minto, imediatamente e descaradamente. — Ele tem... Borderline.

A expressão em seu rosto fica confusa.

— Border collie?

— É um transtorno que afeta suas emoções — explico.

Não parece fazer grande diferença pra ele.

— Parece fazer sentido. É perigoso isso?

— Acho que só pra ele — murmuro, desviando o olhar. — Olha, eu tenho tentado ajudar da maneira que eu posso e isso tem sido cansativo, trabalhoso e sinceramente? Um saco. Mas eu nunca senti isso por ninguém.

— Você o ama? — pergunta, adotando um tom de voz sério.

— Eu amo. E isso me custou tanta coisa pai... Eu não sei se estou fazendo a coisa certa.

— Isso só você pode decidir. Tem que botar na balança o seu amor por ele e seu amor por si mesma. Eu te apoiarei em qualquer decisão e convenhamos... Pelo menos ele não é um assassino igual o John B.

Isso me faz ter vontade de vomitar tudo o que havíamos comido agora a pouco.

— Já te falei que ele não matou a xerife — é a única coisa que consigo dizer.

Papai despreza minha afirmação com um aceno de cabeça, voltando a abrir seu livro.

— Certo. Mas não é o que todos dizem...

Resmungo e desisto da conversa, querendo ir até meu quarto. Tomo um banho mesmo não tendo necessidade e fumo metade de um baseado tentando relaxar o suficiente para não demorar a pegar no sono. A menção a John B havia me deixado agitada e minha cabeça fervilhava de informações que eu preferia ignorar, não estava pronta pra lidar com isso agora.

Me enrolo em meu cobertor e apago as luzes vendo que já passavam das onze horas. Felizmente meu turno era as dez então se eu fosse rápida conseguiria descansar o suficiente. No momento em que fecho os olhos meu telefone toca, iluminando a tela com o nome de Rafe.

— Alô?

— Ele me odeia? — Rafe pergunta.

Me sento na cama imediatamente, sentindo algo errado em seu tom de voz. Parecia triste... Em sofrimento. Ele funga do outro lado da linha.

— Claro que não Rafe, de onde tirou isso?

— Ele não quis beber o vinho — responde, simplesmente.

Sua resposta me deixa confusa. Em certos momentos ele parecia uma criança que colocava mais significado nas coisas do que realmente tinha.

— Isso não significa nada — garanto.

— Significa pra mim.

Eu queria que ele estivesse aqui. Seu corpo grande no meu colchão, seu cheiro no meu nariz. Quando ele está por perto é como... Ser completa, feliz. Eu sabia que se ele estivesse aqui seria mais fácil pra mim acalma-lo e tirar essas ideias malucas da sua mente. Rafe funga de novo, trazendo pensamentos intrusivos a minha cabeça, pensamentos que eu jurei tentar controlar.

— Sua voz está esquisita — observo, tentando arrancar algo dele.

Tudo o que ganho são longos segundos de silêncio.

— Estou cansado — diz, finalmente, ignorando o que havia acabado de dizer. — Acho que vou dormir.

— Rafe, o quê...

Ele desliga na minha cara me gerando mais raiva do que sou capaz de digerir. Minha vontade se torna mudar de roupa e marchar até a casa dele imediatamente mas temia o que encontraria lá quando eu chegasse e temia que ele nunca fosse capaz de lidar com as coisas sozinho.

Talvez, se eu não fosse, as coisas piorassem e ele surtasse achando que não me importava mais com ele. E eu me importava. Mais do que algum dia já me importei com alguém.

Me enrolo em posição fetal e desligo o celular para evitar ligações, focada em dormir a noite toda. Eu afastaria meus pensamentos e daria a Rafe uma chance de resolver seus problemas, um voto de confiança.

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